Artigo Abciber2012 - Caezariii-final

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Nos tempos cibernéticos de Caesar: aprendendo sobre a história de Roma antiga através do jogo eletrônico Caesar III 1 Gustavo Erick de Andrade 2 Lynn Rosalina Gama Alves 3 Resumo Este artigo tem como objetivo compartilhar e refletir sobre perspectivas teóricas e metodológicas iniciais sobre entendimentos de que um jogo eletrônico, mesmo voltado para fins comerciais, pode estabelecer um diálogo possível com conteúdos educacionais. Para tanto, através de uma metodologia de análise de conteúdo associada a percepções que envolvem a mecânica de funcionamento do jogo eletrônico CAESAR III, este trabalho explora alguns conceitos imbricados aos recursos tecnológicos e propostas pedagógicas para um jogo digital, visando identificar sentidos transmitidos que permitam análise de dois aspectos específicos: representação do espaço cartográfico e transmissão de conteúdo histórico. Palavras-chave Educação; Jogos eletrônicos; História; Cartografia Introdução Jogos eletrônicos são evidenciados em diversos estudos, acadêmicos e não-acadêmicos, e ainda através de notícias impressas em periódicos de pesquisa como um elemento totalmente imbricado na cultura do homem da contemporaneidade, independente de sua raça, crença ou gênero. De fato, o jogo, enquanto presença na história da humanidade, antecede a própria cultura do homem (Huizinga, 2001). Rituais de caça e guerra continham em si elementos 1 Artigo apresentado no Eixo 1 Educação, Processos de Aprendizagem e Cognição do VI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura realizado de 06 a 08 de novembro de 2012 2 Mestrando no programa de pós-graduação em Educação e Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia. 3 Professora titular do Departamento de Educação Campus I Universidade do Estado da Bahia e do Senai-Cimatec. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunidades Virtuais Uneb BA

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Este artigo tem como objetivo compartilhar e refletir sobre perspectivas teóricas emetodológicas iniciais sobre entendimentos de que um jogo eletrônico, mesmo voltadopara fins comerciais, pode estabelecer um diálogo possível com conteúdos educacionais.Para tanto, através de uma metodologia de análise de conteúdo associada a percepçõesque envolvem a mecânica de funcionamento do jogo eletrônico CAESAR III, estetrabalho explora alguns conceitos imbricados aos recursos tecnológicos e propostaspedagógicas para um jogo digital, visando identificar sentidos transmitidos que permitamanálise de dois aspectos específicos: representação do espaço cartográfico e transmissãode conteúdo histórico

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Nos tempos cibernéticos de Caesar: aprendendo sobre a história de Roma antiga

através do jogo eletrônico Caesar III1

Gustavo Erick de Andrade2 Lynn Rosalina Gama Alves

3

Resumo

Este artigo tem como objetivo compartilhar e refletir sobre perspectivas teóricas e

metodológicas iniciais sobre entendimentos de que um jogo eletrônico, mesmo voltado

para fins comerciais, pode estabelecer um diálogo possível com conteúdos educacionais.

Para tanto, através de uma metodologia de análise de conteúdo associada a percepções

que envolvem a mecânica de funcionamento do jogo eletrônico CAESAR III, este

trabalho explora alguns conceitos imbricados aos recursos tecnológicos e propostas

pedagógicas para um jogo digital, visando identificar sentidos transmitidos que permitam

análise de dois aspectos específicos: representação do espaço cartográfico e transmissão

de conteúdo histórico.

Palavras-chave

Educação; Jogos eletrônicos; História; Cartografia

Introdução

Jogos eletrônicos são evidenciados em diversos estudos, acadêmicos e não-acadêmicos,

e ainda através de notícias impressas em periódicos de pesquisa como um elemento

totalmente imbricado na cultura do homem da contemporaneidade, independente de sua

raça, crença ou gênero.

De fato, o jogo, enquanto presença na história da humanidade, antecede a própria cultura

do homem (Huizinga, 2001). Rituais de caça e guerra continham em si elementos

1 Artigo apresentado no Eixo 1 – Educação, Processos de Aprendizagem e

Cognição do VI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em

Cibercultura realizado de 06 a 08 de novembro de 2012 2 Mestrando no programa de pós-graduação em Educação e Contemporaneidade,

Universidade do Estado da Bahia. 3 Professora titular do Departamento de Educação – Campus I – Universidade do

Estado da Bahia e do Senai-Cimatec. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunidades

Virtuais – Uneb – BA

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determinantes de uma ludicidade que flertava com o poder e o entretenimento. A

evolução da sociedade colocou o jogo como relação direta ao entretenimento. No entanto,

jogar pode assumir outras representações, afinal

O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.

Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função

significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma

coisa ‘em jogo’ que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um

sentido à ação. Todo o jogo significa alguma coisa (HUIZINGA, 2001,p. 4).

Moura (2009) revela em sua pesquisa, a partir da utilização da palavras-chave jogos

eletrônicos e jogos digitais4, que entre 1987 e 2007 foram elaboradas cerca de quarenta e

cinco investigações, entre teses e dissertações, nas diversas áreas do conhecimento.

Constatou-se ainda que quatorze pesquisas relacionavam-se à área de educação,

imbricando-se com o campo dos jogos digitais.

Neste sentido, percebemos esforços constantes e crescentes para investigar e demonstrar

as potencialidades dos jogos eletrônicos enquanto aliados de uma dinâmica aluno-

conhecimento conduzida ainda através da escola formal, possibilitando uma contribuição

no processo de aprendizagem escolar, aguçando a apropriação destes dispositivos como

um elemento potencializador e mediador das singularidades cognitivas de cada sujeito.

A origem desta capacidade nos jogos digitais pode ser entendida através da própria

evolução histórica e tecnológica destes dispositivos, concebendo a instituição de uma

“nova mídia que além da possibilidade de criar outras mídias e possibilidades narrativas,

estabelecem interlocução com outras linguagens, a exemplo do cinema e da escrita(...).”

(ALVES, 2005, p. 30).

Sendo assim, é natural a demanda por uma nova perspectiva criativa em relação a esta

nova mídia que se consolida, que lida com o híbrido e que solicita um intenso fluxo de

pesquisas e um vigoroso labor técnico. As equipes multidisciplinares integrantes de

4 Serão utilizados para explicitar as idéias deste projeto as palavras games, jogos digitais e jogos eletrônicos.

No entanto, para efeitos semânticos e visando um melhor entendimento das propostas deste trabalho, o leitor deverá

considerar que tais palavras acima representam a mesma coisa: jogos elaborados a partir de softwares computacionais,

produzidos para serem jogados em mídias eletrônicas/digitais, com fins educacionais ou não.

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projetos que

envolvem o desenvolvimento de jogos digitais constituem-se, neste sentido, em sujeitos

que equilibram múltiplos saberes, não apenas aliados ao conteúdo de um jogo a ser

desenvolvido, mas também relacionados aos estudos da narratologia, semiologia e ainda

uma abrangente teia de referências que estão presentes nas mídias supracitadas, operando

como um suporte essencial durante o processo criativo de uma história e conteúdos com

fins educativos.

JOGOS, JOGOS ELETRÔNICOS E CONTEÚDOS PEDAGÓGICOS

Discussões téoricas que envolvem o entretecimento entre jogos, educação e propostas

pedagógicas ganham melhor contorno com as considerações de Vygotsky (2004) sobre a

relação estreita entre o jogo e aprendizagem.

É na constituição de um universo lúdico, com exercícios de representação de papéis, que

a criança imagina situações diversas, vivenciando ambientes imersos sob um contexto de

regras. Será através do jogo simbólico (e não qualquer tipo de jogo) que a criança ensaia

um mundo imaginário, com detalhes, ações e valores que se aproximam do mundo real,

mimetizando aquilo que percebe ao seu lado, no convívio com um adulto. Este exercício

mimético, para Vygotsky (2004), estabelece o condicionamento de uma Zona de

Desenvolvimento Proximal onde novos conhecimentos são elaborados, saberes entram

em um processo de desenvolvimento evoluindo para uma autonomia cognitiva.

Será através deste exercício/brincadeira que se vale do hibridismo inerente à imaginação

para (re)criar algo e (re)elaborar conhecimentos que os jogos podem ser compreendidos

como tecnologias intelectuais, se apresentando como

elementos que reorganizam e modificam a ecologia cognitiva dos

indivíduos, o que promove a construção ou reorganização de funções

cognitivas, como a memória, a atenção, a criatividade, a imaginação, e

contribui para determinar o modo de percepção e intelecção pelo qual o

sujeito conhece o objeto (ALVES, 2005, p. 21).

Diante da representação do jogo digital como um espaço de aprendizagem, Moita sinaliza

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a emersão de novas

possibilidades de estruturação social conferindo a existência de novas sociabilidades,

permitindo ao jogo eletrônico uma ressignificação enquanto um lugar privilegiado de

aprendizagem, potencializando a “ produção de saberes, habilidades, competências,

comportamentos, valores e atitudes, mediatizados por estes artefatos”, oferecendo, nestes

termos, novos paradigmas para uma educação contemporânea" (MOITA, 2006, p.41).

Cabe aqui, neste momento, uma reflexão fundamental para este trabalho, na qual

compreendemos o jogo eletrônico enquanto um dispositivo que não se resume apenas a

um software de caráter instrumental. As potencialidades possíveis de serem atingidas

através de um conjunto de elementos lúdicos e narratológicos, forjando concepções e

percepções acerca do jogo eletrônico denotam uma necessidade de perceber a existência

de uma complexidade de conceitos e sentidos propostos ao jogador.

Neste sentido, o jogo eletrônico, que emerge como uma tecnologia de

comunicação e informação, não se limita apenas a uma simples ilustração de conteúdos,

em um auxílio ao trabalho docente ou em “animadores da velha educação”(PRETTO,

1996) . Conforme nos diz Alves:

A interação com as tecnologias exige uma nova compreensão do

mundo, emergindo um novo tipo de inteligência que contemple a

pluralidade, a complexidade, as diferenças e ambigüidades dos sujeitos,

possibilitando assim, a participação, a colaboração, a multiplicidade das

visões de mundo, enfim, uma maior interatividade que se caracteriza

pela dimensão comunitária, pela reciprocidade, criação e interferência

por parte dos indivíduos (ALVES,1998, p.144).

Esta interatividade, que providencia diferentes aspectos constituintes do ser humano,

pode representar, portanto, um possível elemento catalisador para um pensar criativo e

transformador. O jogo eletrônico, inserido em um contexto de tecnologia de informação e

comunicação e assumindo suas potencialidades de interação junto ao seu jogador,

possibilita uma liberdade criativa ao pensamento humano, articulando-o junto a uma

profusão de conteúdos, evidentes ou não, promovendo uma nova forma de pensar e agir

individualmente e coletivamente. Portanto, assim como elementos tecnológicos como o

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computador, a

televisão, o vídeo, a internet, entre outros, os jogos eletrônicos, podem ser vistos como

um dispositivo

carregado (s) de conteúdo (s) (e não apenas como instrumento), como

representante (s) (talvez principal!) de uma nova forma de pensar e

sentir, que começa a se construir, no momento em que a humanidade

começa a deslocar-se de uma razão operativa para uma nova razão,

ainda em construção, porém baseada na globalidade e na integridade,

em que realidade e imagem fundem-se no processo (PRETTO, 1996

,p.115).

O jogo Caesar III e a metodologia

Lançado no mercado comercial em 1998, o jogo CAESAR III foi um dos primeiros jogos

para plataforma de computadores de mesa que apresentava uma atenção para o

hibridismo no que se refere ao conteúdo exposto durante o jogo: um simulador de

construção de cidades de acordo com as características da época da Roma antiga,

propondo a transmissão de um conteúdo histórico.

A proposta do jogo permite a concepção de dois processos distintos mas complementares,

fundamentais para a demanda cognitiva por parte do jogador: a construção de um espaço

urbano e o conteúdo de história, precisamente, a fundação e manutenção de uma cidade

do império romano. É uma necessidade que demanda um movimento para “fazer a boa

história, para ensiná-la, para fazê-la ser amada, não esquecer que, ao lado de suas

necessárias austeridades, a história tem seus gozos estéticos próprios” (LE GOFF, 2001)

Neste sentido, percebe-se a orientação do desenvolvimento de um conteúdo pedagógico

que se inicia a partir da proposta do game play5 de um jogo eletrônico cuja equipe

multidisciplinar ,contando com a presença e a perspectivas epistêmicas de pedagogos,

cartógrafos e historiadores, pode desvelar elementos de uma didática que se aplica na

escolha e condução de determinado conteúdo histórico.

5 Gameplay refere-se ao conjunto de táticas como coerência e flexibilidade que tornam interessante e divertida

a experiência de jogar

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A

construção de um enredo para o jogo possibilita uma experiência uma imersão ao jogador

que, ao assumir a representação de um personagem, nesse caso como o administrador de

uma cidade antiga romana, é condicionado a um caminho de resoluções e sucesso no

jogo com demandas e experiências cognitivas bem definidas.

Estas demandas e experiências estabelecem (e solicitam por) sentidos que são “elementos

constitutivos e que expressam a subjetividade permitindo conhecer melhor os

participantes numa dimensão subjetiva da realidade, entendida como síntese entre

objetividade e subjetividade” (AGUIAR ET AL 2009, p.64).

No caso de um simulador de cidades, estes elementos constitutivos são entendidos neste

trabalho como as representações e ressignificações trazidas por um jogador sobre a

representação de um espaço cartográfico proposta pelo jogo. Este espaço, que para o jogo

Caesar III envolve o desenvolvimento urbano, admite uma perspectiva que atende o

significado de uma cidade como

uma região, um lugar e uma totalidade, onde suas partes dispõem de um

movimento próprio, combinado e de um processo transformativo

constante que reflete nas atividades humanas (produção, circulação,

etc.) e na vida cotidiana.” (HETKOWSKI ET AL, 2012, p.46)

Será então através desta dinâmica que o jogo Caesar III acontece. A proposta é fazer o

jogador empreender, através de um nível crescente de dificuldade nos objetivos, sua

perspectiva de administrador de uma cidade, a fim de este imagine e reflita sobre as

condições citadinas como população, impostos, comércio, entre outros e encontre

equilíbrio através da construção e administração de prédios comerciais, prédios civis,

templos, fazendas, celeiros e prédios militares.

O mundo simulado proporcionado pelo jogo oference ainda uma interação entre aspectos

sociais dos moradores da cidade e, em determinados momentos, o embate com inimigos

dos romanos, todos devidamente identificados a partir da localização da cidade dentro do

império romano.

A dinâmica proposta pelo jogo revela então uma experiência, também entendida como

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fluxo do game

(SCHUYTEMA, 2008), semelhante a uma:

experiência de história (seja livro ou filme) – o jogador movimenta-se

em direção a um objetivo, supera muitos obstáculos (...) até alcançar o

conflito final em uma tentativa de atingir o principal objetivo (...).Desse

modo, a movimentação ao longo de um game é muito semelhante ao

diagrama de evolução do enredo, comuns nos cursos de redação e

literatura(...) (ibdem, 2008, p.203).

Essa estratégia de condução de um enredo e seus desafios e que oferece múltiplas

escolhas durante o ato de jogar constitui um dispositivo de imersão, aqui entendida como

um “(...) processo, uma mudança, uma passagem de um estado mental para outro.

Caracteriza-se pela diminuição da distância crítica em relação ao que é mostrado e um

crescente envolvimento emocional com o que está acontecendo” (GRAU, 2003, p.13)6.

O processo de imersão, constituído através do game-play do jogo, possibilita uma

dinâmica hierárquica na concepção e realização dos objetivos, tornando a experiência do

jogador uma reflexão sobre os desafios impostos e as melhores decisões a serem tomadas

, evidenciado, neste processo, o jogo eletrônico como um ambiente de construção de

conhecimento (WILLIAMSON, 2009) e não apenas exclusivo à diversão, inferindo ao

jogador interpretações de realidades simbólicas sociais, políticos, e econômicas dispostas

no jogo através de um roteiro com evidente marcas de conteúdo com fins educativos.

Este estudo está fundamentado em uma metodologia híbrida, que dialoga com processos

,a princípio diferentes entre si mas que, unidos, potencializam os esforços por resultados

neste trabalho. Com o intuito de analisar as mensagens e as diversas formas de

comunicação sobre produção e recepção de conhecimento entre os sujeitos (BARDIN,

1995), será proposto um exercício de análise de conteúdo sobre todo o conteúdo textual

que o jogo CAESAR III disponibiliza ao jogador durante a atividade de jogar.

6 Tradução nossa para :“(...)a process, a change, a passage from one mental state to another. It is

characterized by diminishing critical distance to what is shown and increasing emotional involvement in what is

happening.”

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A partir das

considerações de Bardin, Ferreira (2003), discorre sobre possibilidades desta técnica,

identificando sua utilização quando se quer:

(...) ir além dos significados, da leitura simples do real. Aplica-se a tudo

que é dito em entrevistas ou depoimentos ou escrito em jornais, livros,

textos ou panfletos, como também a imagens de filmes, desenhos,

pinturas, cartazes, televisão e toda comunicação não verbal: gestos,

posturas, comportamentos e outras expressões culturais (ibdem, 2003,

p.32).

Destarte, admitindo-se aqui o conteúdo de um game como um dos possíveis campos

suscetíveis à aplicação desta metodologia, a intenção é perceber aspectos relacionados a

conteúdos que remetam sobre a história de Roma Antiga, sua sociedade enquanto hábitos

e conflitos.

Tratando-se o corpus da pesquisa um jogo digital que desde já reclama seu caráter

multidisciplinar e multirreferencial (AARSETH, 2003), este trabalho também dialoga

com as concepções metodológicas propostas pelo pesquisador norueguês Espen Aarseth ,

cujo entendimento sobre as formas de aquisição de conhecimentos em um jogo digital

pode acontecer através do estudo sobre aquilo que se refere à mecânica (também

reconhecido como game-play) do jogo, suas regras e concepção e através do exercício do

ato de jogar o próprio jogo. (AARSETH, 2003).

Para este trabalho, foi criado um roteiro investigativo (anexo 1) com intuito de servir

como guia de análise a serviço de identificar os processos artísticos-lúdicos observados

no fluxo do game, através da sua história e objetivos, e que orientam o jogador através

da percepção de um espaço cartográfico e na transmissão de determinado conteúdo

histórico.

Análise do jogo

O jogo CAESAR III desenvolve a experiência de simular e pensar estrategicamente a

construção de uma cidade do antigo império romano. O jogador assume a posição de um

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funcionário de

Caesar, governador máximo de todo império romano, instituído de deveres e direitos

relacionados a construção de uma cidade romana em uma província que, por escolha do

jogador, pode ser pacífica ou perigosa, esta com vários ataques de inimigos. O jogador

tem interlocução apenas com outro personagem não jogável, um governador de confiança

de Caesar, que em cada início de fase apresenta através de um texto (que também é lido

para o jogador) com informações sobre a nova província a ser desenvolvida, com

explicações que vão desde o que deve constar na cidade, como ela deve atender ao

império romano e como poderá ser as ações dos possíveis inimigos do império sobre a

cidade em desenvolvimento.

O jogo propões um fluxo que percorre por onze fases, solicitando um aprendizado sobre

ações estratégicas relacionadas à época que se passa a história do jogo.Em cada fase, o

jogador assume a posição de um personagem que administra uma cidade romana sob as

atenções de Caesar, o governador máximo de todo império.

O aprendizado “estratégico” é provocado através das apresentações textuais dos objetivos

antes de iniciar cada fase. Um personagem não-jogável é representado na figura de um

mensageiro de Caesar, o governador máximo de todo império, providenciando ao jogador

uma carta com informações sobre a nova província na qual deverá ser erguida a nova

cidade e os objetivos que Caesar espera que ele execute.

Durante o ato de jogar, percebemos diversos elementos que demandam e provocam um

entendimento sobre o espaço cartográfico através da exposição de um grande mapa

quadriculado como representação da província na qual a cidade deverá ser desenvolvida.

Cada espaço deste mapa admite a construção de diferentes tipos de construções, todas

relacionadas com a história do império romano e cujo grau de dificuldade se instala

através do espaço físico disponível para cada categoria de prédio, a sua especificidade e

uso (no caso de uma fazenda, esta deve ser construída apenas em um terreno com gramas

amarelas. Em outro terreno, a fazenda não irá ser criada) e efeitos sobre a sociedade

(poucas prefeituras construídas elevam a criminalidade de uma determinada zona do

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mapa, por

exemplo).

Fig. 01: Interface apresentado um exemplo de cidade do jogo e suas construções

As construções disponíveis são divididas em categorias apresentadas como Habitação,

Educação, Civil, Saúde, Lazer,Transporte, Água, Religião, Entretenimento, Militar e

Economia.

O jogador possui uma determinada quantia em dinheiro romano (denários) para iniciar o

desenvolvimento da cidade mas o sucesso do jogo está vinculado ao modo de como ele

dispõe deste recurso, construindo prédios que sejam lucrativos, estabelecendo sentidos

sobre economia, oferta e demanda, outros prédios que possam prover a população com

emprego e segurança e até prédios que possibilitem conforto espiritual para a população,

deixando-a mais calma , evitando assim rebeliões internas.

Caesar apresenta ainda recursos textuais e semióticos que expõe o conteúdo histórico

sobre o período da Roma Antiga: o português utilizado nos texto é extremamente bem

construído através de normas cultas do idioma, causando uma referência temporal (algo

que é antigo) para quem lê os objetivos do jogo e solicitações do imperador.

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A maioria das

construções possuem um recurso de ajuda com o qual o jogador poderá saber mais sobre

determinada construção, seus efeitos sobre o jogo e sua importância na história de Roma

Antiga, convidando o jogador a realizar uma imersão sobre um período histórico

associando ainda com a prática do jogo. Por fim, a música que permeia todo ambiente do

jogo é similar aos sons emitidos por harpas e cítaras, instrumentos antigos e que remetem

à época do império romano.

Considerações finais

As tecnologias de comunicação e informação não substituem o educador mas

potencializa alguma de suas funções, sua atuação em um espaço escolar que não precisa

estar mais estabelecido dentro do espaço físico de uma sala de aula.

O professor, através de jogos eletrônicos, inclusive aqueles que não apresentem apelo

educacional de forma direta, pode dialogar com os seus alunos a partir de sentidos

apresentados textualmente ou através de imagens , disparando interesse do aluno em

continuar suas pesquisas através de outros meios , digitais ou não.

Assim, o processo de ensino e aprendizagem ganha um dinamismo criativo, alimentado

por um fluxo permanente e provocador de ideias relacionadas, principalmente, ao

processo didático que será exposto no exercício de jogar um game desenvolvido por uma

equipe multidisciplinar representada por artistas gráficos, historiadores, programadores

e, porque não, pedagogos.

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Anexo 1

Questionário para Análise de Conteúdo

Informações iniciais 1. Nome do jogo

2. Tipo de plataforma utilizada

3. Ano de produção

4. Empresa produtora

5. Argumento do Jogo

Sobre o Fluxo do Game

1. Como a história é apresentada ao jogador? Que personagem o jogador assume

durante o jogo?Existem outros personagens interlocutores ?

2. Quantas fases são propostas durante todo o jogo e quais seus objetivos principais

3. Consegue-se perceber elementos/dispositivos que auxiliem uma compreensão

sobre o

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espaço cartográfico do jogo? Como eles são representados? Quais Construções

disponíveis?

4. Aspectos sociais, políticos, econômicos de uma sociedade estão evidentes? Como

eles se apresentam?

5. Quais elementos que expressam o conteúdo histórico do jogo?