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PEREIRA, Jesus Marmanillo. Notas sobre a sociologia urbana de Georg Simmel: Do cotidiano de Berlim às formas urbanas. Sociabilidades Urbanas Revista de Antropologia e Sociologia, v.3, n.9, p. 15-30, novembro de 2019. ISSN 2526-4702. ARTIGO http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/ Notas sobre a sociologia urbana de Georg Simmel: Do cotidiano de Berlim às formas urbanas Notes on urban sociology by Georg Simmel: From Berlin's everyday life to urban forms Notas sobre la sociología urbana de Georg Simmel: De la cotidianidad de Berlín a las formas urbanas Jesus Marmanillo Pereira Resumo Compreendendo o contexto cosmopolita da cidade de Berlim do final do século do XIX como diretamente relacionado às interpretações e ao conjunto conceitual de Georg Simmel, o presente artigo visa analisar a sociologia urbana desse autor seguindo a orientação da teoria vivida (PEIRANO, 2008) e do artesanato intelectual (MARTINS, 2014). A proposta percebe, assim, como todo contexto do autor é bastante próximo de uma perspectiva etnográfica fundamentada na observação cotidiana do estrangeiro, dos pobres, das migrações, das concentrações populacionais e das exposições e feiras mundiais. Se valendo da análise e da contextualização de textos do próprio autor e de pesquisadores como Moraes Filho (1983), Vandenberghe (2005), Bueno (2013), Waizbort (2013) e outros dedicados à recepção, difusão e reflexão dos estudos de Simmel no Brasil, organizamos o estudo em duas partes: a primeira focada na compreensão do autor em relação ao contexto urbano de Berlim; e a segunda sobre a experiência dele nas cidades italianas de Roma, Florença e Veneza. Palavras-chave: Sociologia Urbana, Etnografia, Georg Simmel, Berlim Abstract - Understanding the cosmopolitan context of the city of Berlin at the end of the nineteenth century as directly related to the interpretations and the conceptual set of Georg Simmel, this article aims to analyze the urban sociology of this author following the orientation of the lived theory (PEIRANO, 2008) and intellectual craftsmanship (MARTINS, 2014). The proposal thus perceives how every context of the author is very close to an ethnographic perspective based on the daily observation of the foreigner, the poor, the migrations, the population concentrations and the world expositions and fairs. Using the analysis and contextualization of texts by the author himself and by researchers like Moraes Filho (1983), Vandenberghe (2005), Bueno (2013), Waizbort (2013) and others dedicated to the reception, diffusion and reflection of Simmel's studies in Brazil, we organized the study in two parts: the first focused on the author's understanding of the urban context of Berlin; and the second on his experience in the Italian cities of Rome, Florence, and Venice. Keywords: Urban Sociology, Ethnography, Georg Simmel, Berlin Resumen: Entendiendo el contexto cosmopolita de la ciudad de Berlín de finales del siglo XIX como directamente relacionado con las interpretaciones y el conjunto conceptual de Georg Simmel, este artículo tiene como objetivo analizar la sociología urbana de este autor siguiendo la orientación de la teoría vivida (PEIRANO, 2008) y oficios intelectuales (MARTINS, 2014). Por lo tanto, la propuesta se da cuenta de que todo el contexto del autor está muy cerca de una perspectiva etnográfica basada en la observación diaria de extranjeros, pobres, migraciones, concentraciones de población y exposiciones y ferias mundiales. Basándose en el análisis y la contextualización de textos del propio autor y de investigadores como Moraes Filho (1983), Vandenberghe (2005), Bueno (2013), Waizbort (2013) y otros dedicados a la recepción, difusión y reflexión de los estudios de Simmel en la literatura. Brasil, organizamos el estudio en dos partes: la primera se centró en la comprensión del autor del contexto urbano de Berlín; y el segundo sobre su experiencia en las ciudades italianas de Roma, Florencia y Venecia. Palabras clave: Sociología urbana, Etnografía, Georg Simmel, Berlín

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PEREIRA, Jesus Marmanillo. Notas sobre a sociologia urbana de Georg Simmel: Do cotidiano de Berlim às

formas urbanas. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.3, n.9, p. 15-30, novembro

de 2019. ISSN 2526-4702.

ARTIGO

http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

Notas sobre a sociologia urbana de Georg Simmel: Do cotidiano de Berlim

às formas urbanas

Notes on urban sociology by Georg Simmel: From Berlin's everyday life to urban forms

Notas sobre la sociología urbana de Georg Simmel: De la cotidianidad de Berlín a las formas urbanas

Jesus Marmanillo Pereira

Resumo – Compreendendo o contexto cosmopolita da cidade de Berlim do final do século do XIX

como diretamente relacionado às interpretações e ao conjunto conceitual de Georg Simmel, o

presente artigo visa analisar a sociologia urbana desse autor seguindo a orientação da teoria vivida

(PEIRANO, 2008) e do artesanato intelectual (MARTINS, 2014). A proposta percebe, assim,

como todo contexto do autor é bastante próximo de uma perspectiva etnográfica fundamentada na

observação cotidiana do estrangeiro, dos pobres, das migrações, das concentrações populacionais e

das exposições e feiras mundiais. Se valendo da análise e da contextualização de textos do próprio

autor e de pesquisadores como Moraes Filho (1983), Vandenberghe (2005), Bueno (2013),

Waizbort (2013) e outros dedicados à recepção, difusão e reflexão dos estudos de Simmel no

Brasil, organizamos o estudo em duas partes: a primeira focada na compreensão do autor em

relação ao contexto urbano de Berlim; e a segunda sobre a experiência dele nas cidades italianas

de Roma, Florença e Veneza. Palavras-chave: Sociologia Urbana, Etnografia, Georg Simmel,

Berlim

Abstract - Understanding the cosmopolitan context of the city of Berlin at the end of the

nineteenth century as directly related to the interpretations and the conceptual set of Georg

Simmel, this article aims to analyze the urban sociology of this author following the orientation of

the lived theory (PEIRANO, 2008) and intellectual craftsmanship (MARTINS, 2014). The

proposal thus perceives how every context of the author is very close to an ethnographic

perspective based on the daily observation of the foreigner, the poor, the migrations, the

population concentrations and the world expositions and fairs. Using the analysis and

contextualization of texts by the author himself and by researchers like Moraes Filho (1983),

Vandenberghe (2005), Bueno (2013), Waizbort (2013) and others dedicated to the reception,

diffusion and reflection of Simmel's studies in Brazil, we organized the study in two parts: the first

focused on the author's understanding of the urban context of Berlin; and the second on his

experience in the Italian cities of Rome, Florence, and Venice. Keywords: Urban Sociology,

Ethnography, Georg Simmel, Berlin

Resumen: Entendiendo el contexto cosmopolita de la ciudad de Berlín de finales del siglo XIX

como directamente relacionado con las interpretaciones y el conjunto conceptual de Georg

Simmel, este artículo tiene como objetivo analizar la sociología urbana de este autor siguiendo la

orientación de la teoría vivida (PEIRANO, 2008) y oficios intelectuales (MARTINS, 2014). Por lo

tanto, la propuesta se da cuenta de que todo el contexto del autor está muy cerca de una

perspectiva etnográfica basada en la observación diaria de extranjeros, pobres, migraciones,

concentraciones de población y exposiciones y ferias mundiales. Basándose en el análisis y la

contextualización de textos del propio autor y de investigadores como Moraes Filho (1983),

Vandenberghe (2005), Bueno (2013), Waizbort (2013) y otros dedicados a la recepción, difusión y

reflexión de los estudios de Simmel en la literatura. Brasil, organizamos el estudio en dos partes: la

primera se centró en la comprensión del autor del contexto urbano de Berlín; y el segundo sobre su

experiencia en las ciudades italianas de Roma, Florencia y Venecia. Palabras clave: Sociología

urbana, Etnografía, Georg Simmel, Berlín

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Observando estudiosos que debatem sobre a produção de Georg Simmel (LEVINE,

2015; WAIZBORT, 2007 e LUCACKS, 2016), nota-se que tanto a influência quanto a

percepção relacionada aos escritos dele ultrapassam os limites disciplinares e os

enquadramentos teóricos. Isso acontece porque, entre outras coisas, trata-se de um autor que

pode ser considerado pensador, ensaísta, filosofo e sociólogo, cujas reflexões transitam no

âmbito da sociologia clássica, dos estudos urbanos contemporâneos, do pensamento social e

da epistemologia, demonstrando, assim, o caráter versátil desse intelectual.

Compreendendo-o enquanto sociólogo da cidade que viveu a Berlim do século XIX,

partimos da hipótese de que a experiência urbana desse autor constitui o principal fio

condutor por meio do qual se produziu um importante legado conceitual da sociologia formal

simmeliana, além das interpretações sobre a metrópole. Nesse viés, problematizamos a

relação entre os aspectos da vida do autor e a sua produção intelectual com o propósito de

compreendê-lo em sua rica e detalhada descrição do cotidiano urbano da capital alemã.

Para tanto, aproximamo-nos dos estudos de Mills (1982) quando tentamos perceber o

sociólogo Georg Simmel a partir de elementos da própria vida. Tal opção segue o caminho de

um verdadeiro artesanato intelectual no qual a pesquisa e a vida se enriquecem e relacionam-

se, possibilitando ricas orientações e insights. Sobre isso, Martins (2014) também

problematiza a relação entre o vivido cotidiano e a prática de pesquisa, destacando a

importância do artesanato intelectual.

Considerando o momento histórico de Georg Simmel, compreendemos o termo

―urbano‖ como sinônimo de ―metrópole‖, levando em conta sua capacidade de materializar

todas as manifestações vinculadas à modernidade (GIDDENS, 1991 e 2002). Foi na cidade

que ele observou: (1) o efeito alienador e separador da circulação monetária na dissolução dos

laços sociais; (2) as condições sociais que influenciavam a prática da prostituição; (3) a

chegada de (i) migrantes estrangeiros; (4) a pobreza coexistente com as exposições de

inovações tecnológicas e industriais; (5) a intensidade de estímulos e as estratégias individuais

dos habitantes das grandes cidades, além de tantas outras influências daquele contexto sobre

as formas de sociabilidades urbanas.

Enfim, considerando textos como ―As grandes cidades e a vida do espírito‖ (2005), ―O

estrangeiro‖ (2005) e a obra ―Questões fundamentais da Sociologia‖ (2006), assim como as

contribuições de importantes pesquisadores como Moraes Filho (1983), Tedesco (2006),

Waizbort (2013), Bueno (2013) e outros, organizamos este artigo em duas seções voltadas à

compreensão e ao contexto de Berlim na época de Georg Simmel, e o segundo sobre a

experiência dele nas cidades italianas de Roma, Florença e Veneza.

Simmel: vida urbana e a modernidade de Berlim

As fronteiras entre o Georg Simmel cidadão de Berlim e o intelectual são tênues e

marcam a própria história de vida do autor. Sobre isso, Vandenberghe (2005) comenta que

esse ele nasceu em 1º de março de 1858, numa construção encravada, em um dos pontos de

maior movimento em Berlim: a esquina de Leipzigerstraße com Friedrichstraße, ou seja,

praticamente no ―coração‖ da cidade, justamente no encontro das duas maiores ruas de

comércio daquela época.

Esse importante sociólogo nasceu no seio de uma família judia, sendo o mais novo de

sete irmãos. Com o falecimento do pai1 em 1874, Simmel ficou sob a tutela de Julius

Friedflamder, um homem dedicado aos negócios musicais, que deixou importantes recursos

que lhe possibilitou a dedicação exclusiva à carreira acadêmica. Com essas características

sociais, vivenciou um século marcado pela intensificação da urbanização em muitos locais da

Europa e um intenso desenvolvimento econômico e industrial em Berlim (FILHO, 1983).

Pode-se dizer que ele viveu em um dos períodos mais intensos de expansão urbana na Europa,

1Edward Simmel nasceu em Breslau, em 1810, e dedicou-se ao comércio de chocolate.

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visto por Hobsbawn (2011) como o momento em que a população de 100 mil habitantes em

1800 sextuplicou, indo para 5 milhões de pessoas. Nesse contexto mais amplo o autor destaca

Berlim, Paris e Viena como as cidades que possuíam mais de 1 milhão de habitantes entre

1800 e 1880.

No decorrer desse século XIX, Berlim se tornou grande rapidamente, caracterizando-

se pela expansão de novos espaços, por inovações como a luz elétrica, automóveis, bondes,

intensificação do comércio, barulho, exposições, prostituição e chegada de estranhos. Esse

autor explica que a população dessa cidade passou de 826.000, em 1871, para 1.677.000, em

1895, destacando que apenas 40% desse aumento eram provenientes de nascimentos

ocorridos na cidade (WAIZBORT, 2013).

2

Não diferente de qualquer outra cidade grande, o rápido aumento populacional não foi

acompanhado de uma infraestrutura urbana, gerando assim, uma centralização de habitantes

em pequenos e precários espaços habitacionais, que indicavam os primeiros sinais de pobreza

e miséria social coexistentes com o avanço da industrialização (ibid, 2013). Foi nesse

contexto de urbanização que Georg Simmel nasceu na esquina de Leipzigerstraße com

Friedrichstraße, local que, como demonstra a figura 1, possuía sinais indicadores da

concentração de transeuntes, dos veículos e da verticalização da cidade. Enfim, sabe-se que

Georg Simmel nasceu e viveu em Berlim até os 56 anos. De 1858 a 1914 ele

morou ininterruptamente na capital prussiana. Nesse período acompanhou as

transformações da cidade, e esse processo de transformação foi um elemento central

na configuração de sua teoria do moderno [...]. Sua teoria do moderno é o seu

enfrentamento com a cidade em que vivia, suas próprias experiências formam o

material que atiça a sua reflexão e a tentativa de apreender conceitualmente as

transformações que ocorrem (WAIZBORT, 2013, p.315, grifos nossos).

As observações durante os 44 anos ininterruptos na capital podem ser consideradas

um verdadeiro campo de pesquisa cotidiana que, sistematizado e problematizado, possibilitou

a Georg Simmel elaborar uma série de trabalhos focados em temas urbanos. Quando

2http://www.bildindex.de/document/obj20443656/mi03874c08/?part=0. Acessado em 10 de fevereiro de 2017.

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pensamos isso em relação artesanato intelectual (MILLS, 1982) é importante refletir sobre

sistematizar a relação entre a vida e a obra de Simmel. Em caminho similar Peirano (2008,

2008), explica que, no fazer etnográfico, a teoria fica emaranhada nas próprias evidências

empíricas observadas pelo pesquisador, não ocorrendo assim uma separação entre teoria e

prática. Mais que isso, a autora afirma que a teoria vivida está presente no dia a dia do

pesquisador, quando transformamos observação em fato etnográfico, no ambiente acadêmico

e nos debates com os pares. Nesse sentido, é possível compreender a teoria vivida em Georg

Simmel quando estabelecemos a relação entre os 44 anos de experiências em Berlim e sua

obra. Uma leitura atenta aos ensaios ―Exposição industrial de Berlim‖ e ―As grandes cidades

e a vida do espírito‖ nos permite compreender que Simmel ―escreveu o vivido‖ (PEIRANO,

2008), pois se valeu do tempo de experiência e dos sentidos – olfato, visão, tato, e percepção

espacial - para descrever o contexto situacional da metrópole de Berlim, interpretando,

traduzindo e produzindo reflexões e análises detalhadas.

Outra forma de pensar esse Simmel contextualizado entre a experiência cotidiana de

44 anos de cidade e o conjunto conceitual é por meio da noção de artesanato intelectual

(MILLS, 1982), bastante próxima da teoria vivida e que pode ser pensado por meio da

aplicabilidade de uma formação teórica densa na observação sistemática do cotidiano, ou seja,

é um exercício de utilização da experiência pessoal como campo de pesquisa. Por conta disso

Martins (2014) discorre que o artesanato intelectual é uma ferramenta portátil ancorada numa

visão de sociologia relacionada a uma visão de mundo. Cita exemplos como o de Gilberto

Freyre, cujas obras se valeram, também, de memórias e experiências vividas. Enfim,

moldando todo o processo de pesquisa, e moldando-se também, o sociólogo é comparado a

uma espécie de artesão.

De maneira similar, Simmel pensou o moderno a partir da cidade em que viveu,

considerando suas próprias experiências, como material que atiçou sua reflexão para

compreender as transformações que ocorriam, sendo, portanto, um bom observador tal como

os pesquisadores que se valem da teoria vivida e do artesanato intelectual. Para Martins

(2014, p.27), essa possibilidade, defendida por Mills, é eficaz porque ―envolve o pesquisador

muito mais profundamente na sua temática e lhe permite lidar com a inteireza dos processos

sociais enquanto processos históricos e cotidianos ao mesmo tempo‖. Ou seja, quem poderia

duvidar da mente treinada daquele pesquisador? Posto isto, só nos resta à indagação: como

duvidar das sistematizações desse intelectual que, apesar de todas as dificuldades de história

de vida, possuiu uma dedicação exclusiva para a formação e uma observação cotidiana de 44

anos em Berlim?

Para responder essas indagações, vale esclarecer que, se essa bibliografia

contemporânea possibilita problematizar experiência cotidiana enquanto dado, evidenciando

aspectos da vida social que geralmente passam despercebidos nas grandes pesquisas, a

sociologia dos séculos XIX e XX podia ser caracterizada por uma busca constante de uma

objetividade que era associada à valorização das grandes obras, como por exemplo, como a

―Divisão do Trabalho Social‖ de Emile Durkheim, a ―Ética protestante e o espírito do

capitalismo de Max Weber‖ e ―o Capital‖ de Marx.

Nesse âmbito, autores como Luckacs (2006) percebem Simmel popularizado como

um pesquisador ―cheio de espírito‖. Acredita-se que seja por conta da alta capacidade de

abstração e de uma perspectiva vitalista que o aproximou de várias áreas de conhecimento,

possibilitando um tipo de escrita bastante autoral que ora era analisada como filosófica, ora

como ensaísta ou sociológica. Trata-se de uma compreensão que está diretamente vinculada

aos círculos sociais e questões pelas quais ele transitou ao longo da vida.

Com base em autores como Jankélévitch (2007) e Vandenberghe (2005) é importante

situar Simmel em um dialogo intenso com várias perspectivas intelectuais da época: ocorria

uma aproximação dele com a perspectiva neokantiana desenvolvida na região de Baden

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(sudoeste da Alemanha) na qual se destacavam nomes como Wilhelm Windelband, Heinrich

John Rickert e Max Weber e outros que focavam os esforços no debate teorico-metodológico

em torno das Ciências Humanas. Sobre essa ponte com os estudos neokantianos, é importante

considerar que,

Simmel buscaba formas de establecer puentes entre los debates filosóficos com los

que había madurado como filósofo (recordemos que Simmel obtuvo su título de

doctor y su habilitación para ser professor com trabajos que discutían La obra de

Kant) y la disciplina de la sociologia, que se había convertido em su principal

âmbito de producción acadêmica (CANTÓ-MILÀ, 2015, p.50).

De forma mais clara, Cantó-Milà (2015) explica que o autor estabeleceu um paralelo

com os a priori desenvolvidos por Kant, no abra Crítica da razão pura, retrabalhando-os na

forma como o ―eu‖ apreende o ―outro‖, como cada individuo faz parte de um conjunto de

relações sociais, ao mesmo tempo em que possui uma parte que não é integrada a essa ―todo‖

e, por fim, como esses aspectos resultam em uma rede complexa de relações entre vários

indivíduos que constituem a sociedade.

Além dessas relações entre diferentes áreas, é necessário observar o dialogo de

Simmel com a corrente vitalista, que para Miranda (2017) pode ser compreendida tanto por

meio do romantismo alemão e a crítica ao racionalismo moderno, como por uma crítica a uma

perspectiva biológica de vida apartada da experiência e dos sentidos atribuídos pelos sujeitos.

Desses movimentos pode-se destacar o trabalho conjunto de Simmel com o filosofo Frances

Henri Bergson, após 1911, e a aproximação com as idéias de filósofos e poetas alemães3 que

valorizavam o protagonismo da experiência e dos sujeitos. Disso tudo, Simmel legou a

valorização da idéia da presença do autor na escrita, situado nos acontecimentos narrados, ou

seja, os fatos já não poderiam ser descritos apenas de forma objetiva, mas também de acordo

com as individualidades de cada autor.

De posse dessas observações é possível compreender que a interpretação do moderno

e da cidade (ou da cidade moderna) foi desenvolvida, por ele, de uma forma bastante autoral e

extremamente particular, já que é possível notar que naquele momento de afirmação da

sociologia, a objetividade4 além de ser uma necessidade dessa área também era uma

característica do próprio contexto de desencantamento do mundo e valorização da

racionalidade positiva. Assim, embora a sociologia possa ser entendida como filha da

modernidade (BECKER, 1974), sendo os clássicos intérpretes daquele contexto, é importante

destacar que Simmel observou fenômenos similares e bastante próximos, mas de uma forma

diferenciada5, crítica e preparada, pois não seguiu os ditames da negação do ―espírito‖, nem

tão pouco deixou de comparar e contextualizar as próprias ideias a partir de exemplos

empíricos, demonstrando um equilíbrio que foge de qualquer dogmatismo vinculado a

preponderância da objetividade ou subjetividade pura.

Uma boa alternativa para pensar a modernidade e a perspectiva urbana (artesanal e

vivida) de Georg Simmel é por meio da compreensão sobre das exposições industriais, tema

que pode ser acessado, no Brasil, tanto por meio da importante tradução do texto ―Exposição

Industrial de Berlim‖, presente no livro ―Georg Simmel: o conflito da cultura moderna e

outros escritos‖ (BUENO, 2013); como pelo estudo sobre ―As exposições‖, contido no livro

―As aventuras de Georg Simmel‖ (WAIZBORT, 2013).

3Dessa corrente pode-se destacar Johann Wolfgang von Goethe por quem Simmel nutria admiração, Friedrich

Wilhelm Nietzsche e Arthur Schopenhauer 4Tratava-se de uma objetividade que facilmente se confundo com os pressupostos da modernidade já que no

campo da ciência se opunha aos saberes intuitivos, espontâneos e tradicionais 5Para Waizbort (2013) Simmel é um moderno por tentar de captar o espírito da modernidade e compreender o

seu presente e destino. Explica que o clássico aponta uma analogia entre o desenvolvimento da ciência moderna

e o desenvolvimento da economia monetária já que ambas se exprimem mobilidade maleabilidade e a imagem

de mundo moderno.

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De forma detalhada, Waizbort (2013) explica que entre 1º de maio e 15 de outubro de

1896 foi realizada a Exposição Industrial de Berlim, em uma área de 900.000 m², em um

bairro do subúrbio daquela cidade. O que chama bastante atenção na interpretação desse autor

é a análise iconográfica que ele faz a respeito do cartaz da referida exposição, no qual há

destaque da cidade de Berlim, no segundo plano, e de uma mão empunhando um martelo, em

primeiro plano. Quando associa a mão do trabalhador, provavelmente, às condições

miseráveis de Berlim, Waizbort (2013) o interpreta como uma espécie de missionário a

indicar o novo tempo que se irrompe: o ―tempo da grande Alemanha‖.

6

Por meio do conhecimento histórico da época, é possível pensar que o cartaz faz

menção aos primeiros momentos industriais de extração de carvão, ferro e metalurgia, pois se

trata de uma mão robusta, provavelmente oriunda de um tipo de indústria que exige um

trabalho pesado, realizado com a utilização do martelo. Reduzidamente, no segundo plano,

aparecem minúsculas edificações verticais, um obelisco. Delimitando toda essa simbologia

há, como ressalta Waizbort (2013), uma moldura com animais que sinalizam a cidade, a

sabedoria e o trabalho em equipe.

Enfim, para além de toda a simbologia presente no cartaz da exposição, essa

experiência resultou na escrita do texto ―Exposição industrial de Berlim‖, publicado em 1896,

no jornal Die Zeit. Sobre esse material, Bueno (2013) comenta:

As primeiras exposições do gênero aconteceram em Berlim na primeira metade do

século XIX, com o objetivo de divulgar as novidades tecnológicas e contribuir para

a afirmação da cidade como centro econômico e industrial no contexto europeu. [...]

A exposição à qual Simmel se refere foi a mais ambiciosa de sua época e aconteceu

em 1896 no Treptower Park, em Berlim: com cerca de 4 mil expositores, ela estava

voltada à indústria têxtil, à fotografia, ao esporte, à pesca, às artes gráficas e às

construções em metal, e incluía, além disso, teatros, restaurantes e um circo.

(BUENO, 2013, p.163-164)

Ao relacionar o trecho com a imagem do cartaz, é possível associar a ―mão operária‖

às novidades tecnológicas, interpretando-as como a grande atração que emerge de uma já

conhecida ―indústria do aço‖, cujos produtos ocuparam gradativamente as paisagens da

cidade por meio de carruagens, bondes, linhas de trem e proliferação de estruturas metálicas

que passaram a se mesclar com as pedras e concretos. Tratam-se, não só, de novos consumos

6https://br.pinterest.com/pin/419116309042347086/. Acessado em 18/01/2017.

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e estilos de habitar, se deslocar e viver na cidade, mas também, de uma propaganda dos

avanços da indústria.

Ainda sobre isso, é possível pensar que a exposição comercial de Berlim, ao mesmo

tempo em que ritualiza o processo industrial na cidade, em todas as suas etapas, significa

também uma forma de expressar a ruptura com um mundo pré-moderno. Sobre essa relação

entre cidade, modernidade e indústria, vale ressaltar os estudos de Lefebvre (2001), quando

este autor nota que as ―questões urbanas‖ nasceram com a industrialização. Em linha similar,

Giddens (2002, p.21) afirma que a ―modernidade‖ pode ser entendida como análoga ao

―mundo industrializado‖, que possui relação com o contexto de mercantilização da força de

trabalho e com a construção de uma vida social ―moderna‖ nas cidades.

Para interpretação desse evento, marcado pela diversidade de produtos e divulgação

das novas tecnologias, Simmel parece estabelecer uma analogia daquela feira que nasce como

expressão de uma indústria em expansão e da metrópole, já que ambas sinalizam uma

concentração de pessoas, de fábricas, de capital e de tecnologia. Tratam-se de locais

diretamente associados às lógicas econômicas e industriais, e propiciam um imenso fluxo de

informações, de estímulos, além de sinalizarem lógicas tidas como opostas às cidades

pequenas e/ou ao mundo rural. Sobre tais exposições, Simmel discorre:

Talvez, segundo essa linha, a exposição de Berlim seja um fenômeno inteiramente

particular; talvez nunca tenha se tornado tão visível o quanto a forma da cultura

moderna permite condensar-se num lugar, isto é, não como o faz a exposição

mundial, mediante uma junção mecânica, mas por meio de uma produção própria,

com a qual uma única cidade se apresenta como retrato e extrato das forças

industriais do mundo da cultura. (SIMMEL, 2013, p. 73- 74)

Considerando a concentração de muitas coisas em um só lugar o evento apresenta uma

característica de organização espacial semelhante ao das cidades modernas, que é capaz de

aglutinar várias formações sociológicas que não são definidas em termos espaciais, mais sim

de lugar. Por conta disso é possível que em ambos os espaços existam diversos grupos,

estabelecendo muitas formas de trânsito e interações sem que se choquem no espaço.

Utilizando o exemplo das corporações de ofício, Simmel (2003) explica que, em relação aos

seus conteúdos, elas possuíam exclusividade de preencher determinadas extensões espaciais

para cada ofício específico, sendo possível também à coexistência inúmeras formações sociais

(Formas) que poderiam preencher o mesmo espaço sem que ocorresse contradição - já que

toma a cidade como unidade de referência.

Para compreender melhor essa questão de ―forma‖ e ―conteúdo‖ cabe aqui um

parêntese explicativo. Grosso modo, a ―forma social‖ pode ser compreendida como um

processo de abstração com o qual é possível delinear e decompor os agrupamentos, buscando

explicar seus processos de formação por meio da análise sobre as interações. Sobre isso Cohn

(1979) e Remy (2012) notam que as ―formas‖7 podem ser visualizadas e sistematizadas a

partir de uma agregação de interações que derivam de processos de reconhecimento mútuo e

que favorecem a construção de representações e práticas comuns portadoras de significado. Já

por conteúdo compreendem-se os interesses, condicionamentos psíquicos dos indivíduos e

―tudo que está presente nele de modo a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os outros, ou

a receber efeitos dos outros‖ (SIMMEL, 2006 p.60). No entanto, os conteúdos só se tornam

sociais quando se acomodam sobre as formas, não sendo reduzidos aos processos dos

indivíduos.

Transpondo esse pensamento para a situação da exposição, é possível dizer, grosso

modo, que, quanto ao conteúdo, os empresários, consumidores, vendedores, crianças e outros

7Ao seguir a perspectiva da forma social é possível considerar os processos de tensão entre socialização e

individualização, ressaltando assim tanto aspectos da intersubjetividade, quanto da objetividade das formas. Pode

ser assim, compreendida como uma mediação indispensável para se pensar os agregados de interações.

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se concentravam no local resultando em uma agregação de interações que sinalizam

construção de lugares, formas e conteúdos sinalizados nos desejos de consumo, lazer, venda,

encontros e outras finalidades vinculadas às interações8.

Classificando Berlim como uma cidade mundial, Simmel explica que o impressionante

desse evento era o fato de ele se configurar, momentaneamente, como um centro da cultura

mundial e do trabalho do mundo inteiro. Nesse viés, ele discorre que, naquele local, não

faltava nenhum gênero de produtos essenciais e, por mais que os modelos e as partes fossem

recolhidos de vários lugares, era na exposição de Berlim que recebiam a forma final,

tornando-se totalidade. Na figura 3 é possível verificar um longo corredor preenchido com

diversos produtos, que vão desde bicicletas até barcos de pesca e para esportes náuticos,

caracterizando uma amostra da diversidade de produtos. Para Bueno (2013, p.163), esse

aspecto tinha também ―o objetivo de divulgar novidades tecnológicas e contribuir para a

afirmação da cidade como centro econômico e industrial no contexto europeu‖.

Sendo o centro econômico em um contexto de ampliação industrial europeu, pode-se

dizer que Berlim funcionava como um ponto de rotação de transações para o seu entorno mais

próximo e distante (SIMMEL, 2003), atraindo pessoas de várias partes do mundo e

constituindo um lugar de concentração de formações sociais que compartilhavam de

interesses comuns, vinculados à lógica industrial e econômica da cidade. Tanto a cidade

quanto a exposição são lugares que se alimentam da produção para o mercado, unindo em um

só lugar fregueses desconhecidos, vendedores e produtores que provavelmente nunca teriam

contato com seus clientes.

Era naquele local, denominado cidade, que se permitia uma objetividade das relações

econômicas e associativas, por meio da mediação do dinheiro, elemento que se interpôs entre

8Esse autor considera que a interação emerge com a busca de certas finalidades como, por exemplo: instintos

eróticos, interesses objetivos, impulsos religiosos, objetivos de defesa, ataque, jogo, conquista, ajuda,

doutrinação e inúmeros outros, que fazem o ser humano entrar em contato com outros, em uma relação de

convívio, de atuação com referência ao outro, ―com e contra‖ o outro.

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pessoa e posse, bem como entre as pessoas. Assim, para Simmel, o dinheiro desalojou as

últimas sobrevivências de trocas e relações diretas o que resultou na expansão de sua natureza

calculista e impessoal entre cenários metropolitanos de diferentes partes do mundo. Produziu

paradoxalmente, ―por um lado, uma antes desconhecida impessoalidade de todo o ato

econômico e, por outro, uma autonomia e uma independência das pessoas também maiores

(SIMMEL, 2013, p. 52). Tal lógica objetiva é que influenciou diretamente na construção de

espaços de interações econômicas na cidade de Berlim e, consequentemente, a exposições

como pontos fixos que permitiu relações monetárias e geravam agrupamentos em torno desse

objetivo.

Frente a esses aspectos objetivos e impessoais presentes nas relações econômicas da

cidade, percebe-se que a característica paradoxal (COHN, 1979) de Simmel aparece quando

ele demonstra preocupação em analisar a base psicológica do homem metropolitano no

contexto de intensificação dos estímulos. Tal questão foi o ponto central do ensaio ―As

grandes cidades e a vida do espírito‖ que resultou de uma conferência proferida na cidade

alemã de Dresden durante a Exposição das Cidades (entre 1902-1903).

Para buscar tal compreensão, esse autor estabelece uma comparação dos estados

psíquicos nas cidades grandes e a pequenas, e percebe há um contraste profundo entre as duas,

que é marcado pela multiplicidade da vida econômica, ocupacional e social da metrópole, em

relação ao campo. Para esse autor:

Na medida em que a cidade grande cria precisamente estas condições psicológicas

— a cada saída à rua, com a velocidade e as variedades da vida econômica,

profissional e social —, ela propicia, já nos fundamentos sensíveis da vida anímica,

no quantum da consciência que ela nos exige em virtude de nossa organização

enquanto seres que operam distinções, uma oposição profunda com relação à cidade

pequena e à vida no campo, com ritmo mais lento e mais habitual, que corre mais

uniformemente de sua imagem sensível-espiritual de vida (SIMMEL, 2005,

p.578).

Uma forma de visualizar essa diferenciação é imaginando a descrição de uma

caminhada de 50 metros, ou uma observação de 15 minutos, em algum centro metropolitano,

e depois comparar com mesmo exercício realizado em uma cidade pequena. A comparação do

número de automóveis, transeuntes, sons, habitações, lojas e demais dinâmicas permitem

pensar a diferença de ritmos. Um exemplo pode ser dado com a observação dos detalhes da

própria figura 1, que traz o registro da Esquina da Leipzigerstraße com Friedrichstraße tão

comum a Georg Simmel. Mesmo não sendo uma imagem em movimento, a ilustração é

repleta de detalhes, pois apresenta cerca de sete carruagens no meio da rua, muitos prédios

com janelas e portas das quais podem sempre aparecer pessoas, e cerca de 40 transeuntes

visíveis e outros tantos que não podem ser contabilizados pela visão.

Trata-se de uma diferenciação em termos quantitativos cujos resultados são

qualitativos na vida do cidadão urbano, que se vê sendo alvo de inúmeros estímulos nervosos

e impressões, por conta do adensamento das informações. Como estratégia para lidar com a

essa situação, Simmel (2005) explica que o homem metropolitano necessita desenvolver uma

―intelectualidade‖ que, além de se ramificar para muitas direções, e se integra com diversos

fenômenos, ainda preserva a vida subjetiva dos múltiplos estímulos da cidade grande.

É nesse processo de preservação da subjetividade que repousa a atitude blasé,

percebida por Simmel como a incapacidade de reagir aos novos estímulos e sensações. Trata-

se de um embotamento da capacidade visual de discriminar, de uma percepção incapaz de

detalhar as oscilações que exigiriam, do individuo, um raciocínio constante diante da

multiplicidade de informações e estímulos da metrópole. Utilizando o mesmo exemplo da

figura 1, pode-se dizer que para o cidadão blasé os prédios e janelas da paisagem são

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percebidos como algo padrão, para ele não é possível distinguir descrever as faces dos

transeuntes que são vistos apenas como uma paisagem desfocada de segundo plano.

Ainda na perspectiva de diferenciação entre as cidades pequenas e as grandes,

Simmel explica o desenvolvimento extremo dessa ―intelectualidade‖ como uma importante

forma de pensar no acomodamento e no ajustamento da personalidade diante das forças

externas da cidade, que para ele é, por excelência, o local do intercâmbio monetário, da

divisão econômica do trabalho e o local genuíno da atitude blasé. Sobre a relação entre as

duas situações (urbana e rural), Remy (2012) nota que Simmel aprendeu e viveu a grande

cidade o que lhe gerou dificuldades de aproximação com a cidade pequena. Esse comentador

do clássico chama a atenção para que não se confunda a análise sobre a metrópole e a

modernidade com uma apologia da cidade grande, em detrimento da perda da

problematização sobre cidades menores ou rurais.

Ele explica que não se trata de pensar a cidade grande como o futuro e a pequena

como o passado, numa perspectiva processual, mas de considerar cada qual em suas

singularidades e, ao mesmo tempo, em relação entre si. Assim, para Remy (2012) é necessário

substituir uma perspectiva unilateral por outra que enfatize a tensão que vai do universal para

o particular, e do particular para o universal, o que faz com que a dualidade entre pequena e

grande cidade possa ter um sentido diferenciado do processual.

Nessa forma de abordagem é possível compreender que alguns processos sociais, em

especial a tensão entre individualização e socialização, ocorrem tanto nas cidades pequenas

quanto nas grandes. Remy (2012) explica que se na cidade grande a única estratégia de

conversação da personalidade estaria na desvalorização do idêntico e de uma cultura objetiva9

em detrimento da proteção da dimensão subjetiva dos indivíduos. Por conta disso é possível

pensar que, no contexto de liberdade moderna, a construção da identidade na cidade tende a

desenvolver-se por meio de um processo de homogeneização da cultura.

Na cidade pequena também há uma tensão entre individuo e forças externas, no

entanto a luta é no sentido de afastar-se do individual, pois, possuindo um círculo mais

restrito, a situação no aglomerado urbano menor possibilita o desenvolvimento de maior

conhecimento entre os membros e de afetividade que dão a impressão de que o tempo se

desenvolve em outra velocidade. Contudo, Remy (2012) explica que na cidade pequena é

possível ser aceito pela singularidade desde que haja uma concordância com ―as regras do

jogo‖, pois o impessoal nesses lugares pode ser instrumentalizado e se tornar uma

responsabilidade coletiva. Não se fechando em uma comparação do antagonismo entre os dois

tipos de espaços, esse autor ainda explica que, quando influenciada por forças externas, a

cidade pequena também pode cumprir o papel de metrópole, de maneira provisória.

Na metrópole a intelectualidade gera uma forma de reserva que o homem

metropolitano possui em relação aos contatos estabelecidos no espaço. Se, por um lado, os

espaços restritos e a aproximação física garantem o adensamento e a concentração de pessoas,

por outro, a liberdade moderna, nessas condições, gera a sensação de solidão, pois, como

afirmou Simmel, nesse contexto, ―não é necessário que a liberdade do homem se reflita em

sua vida emocional como conforto‖ (SIMMEL, 1967, p.23). É possível compreender que essa

forma de integração ―mediada‖ pela lógica do intelecto e do dinheiro erradicou os traços

antropomorfizados, confinando-os em uma legalidade objetiva que se tensiona com as

subjetividades individuais. Sobre esse aspecto de Simmel, Koury (2014) comenta que:

[...] Na medida em que as procuras, satisfações e insatisfações dos indivíduos em

interação são configuradas em um dado agrupamento social qualquer, de uma

sociedade urbana onde melhor se realizou essa busca pela autonomia individual,

enquanto limites e fronteiras construídas ou estabelecidas nas relações vinculares

9Remy explica que tais processos são compreendidos por Durkheim e Merton como, respectivamente, anomia e

anomia seletiva.

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dos sujeitos em jogo, através da objetivação da cultura; e o seu sufocar, ou melhor, a

busca da contenção de sua subjetividade, no interior dessa cultura objetiva

conformada, e os motins encobertos, em seu interior, pela ampliação da cultura

subjetiva no refreamento objetivo dos vínculos estabelecidos (KOURY, 2014, p.

54).

Para esse importante autor da Sociologia das Emoções, a sensação de sufoco e o

refreamento dos vínculos são aspectos desse conflito que também marcam a acomodação do

indivíduo no intenso conjunto de forças que pairam pela cidade. Um exemplo marcante dado

por esse ele é o do ―homem egoico‖, que solitário, insatisfeito e angustiado, anseia por ser

descoberto, compreendido e acarinhado, mas, ao encontrar alguém, se fecha com medo de que

o ―outro‖ seja um provável algoz (KOURY, 2014). Trata-se, assim, do homem moderno livre,

mas imerso na objetividade do trabalho e na frustração subjetiva dos sentimentos.

Podemos destacar que essa forma moderna de vida foi pensada por Simmel (2006 e

2013) em comparação a outras maneiras de socialização na idade média, já que o autor

percebe que, naquele período anterior, o homem se encontrava em um estado de

pertencimento a alguma comunidade, propriedade da terra, associação feudal, desenvolvendo

um estilo de vida que mesclava o elemento da pessoalidade nas relações materiais e sociais,

algo que foi dissolvido pela economia monetária moderna. Assim, a relação entre liberdade e

identidade desenvolveu-se de forma distintas nos referidos contextos.

Nas fronteiras espaciais e simbólicas entre o local e o global, esse autor nota não

apenas o papel do dinheiro no nascimento de uma Europa moderna, mas também a existência

do ―estrangeiro‖. Indivíduo percebido, inicialmente, como mercador que favorecia as trocas

comerciais em diferentes espaços, e supria as necessidades de círculos cujos membros não

poderiam buscar determinados produtos em outras regiões. Se esse personagem, como

percebeu Marquéz (2012), caracteriza a própria metáfora da modernidade, é porque ela pode

ser visualizada na imagem de um homem em trânsito, solitário em meio à multidão de pessoas

e lojas onde se prestam diversos serviços e se estabelecem várias interações comerciais.

Enfim, é o cenário urbano e das relações economicamente objetivadas nos operários, nas

prostitutas ou nos vendedores da Exposição Comercial de Berlim de 1896 e da esquina da

Leipzigerstraße com a Friedrichstraße.

Diferentemente de Weber para quem as grandes cidades da modernidade são

diretamente relacionadas aos processos de racionalização da vida e desencantamento do

mundo, Simmel percebe que a cidade moderna resulta da intensificação da vida. Assim

embora possa ocorrer uma relação entre racionalidade e intensificação da vida naquele

contexto industrial do século XIX, é importante enfatizar que as especificidades desses

autores ocorrem no trato que oferecem para as questões da objetividade e subjetividade10

.

Simmel e os estudos das cidades italianas: Observações diretas, idéias e metodologia

Como percebe Waizbort (2013) Simmel percebia a cidade grande e moderna em

oposição à velha cidade, enquanto a primeira era o palco de luta entre o individuo e a

sociedade, a segunda possui um aspecto atemporal no qual passado e presente se tocam a cada

instante. Se ao longo de toda obra do autor, e mais especificamente no texto ―As grandes

cidades e a vida do espírito‖ ele expressou bem um quadro da organização social de Berlim,

as cidades antigas serão trabalhadas, principalmente em relação à análise estética, ao longo de

três ensaios sobre as cidades italianas de Roma, Florença e Veneza11

. Segundo Levine (2015)

tais escritos, provavelmente, tiveram influência do livro Viagem à Itália: 1786-1788, escrito

10Para mais detalhes ver Cohn (1979) 11O ensaio sobre Roma foi escrito em 1898 para o diário Die Zeit (de Viena), enquanto o de Florença foi escrito

sete anos depois para o Der Tag de Berlin, e o de Veneza em 1907, para o Der Kunstwart de Munich (LIVNI,

2012).

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por seu conterrâneo Johann Wolfgang Von Goethe. Tal afirmação faz bastante sentido quando

observamos que, em tais ensaios, Simmel nos traz uma escrita carregada de presença, sentidos

e de uma liberdade que sinaliza o estilo romântico alemão.

A análise sobre as cidades Italianas possibilita compreender o entrecruzamento entre

a teoria e a observações diretas desenvolvidas pelo autor. Para Livni (2012) se trata de

trabalhos que observam a cidade pelas qualidades estéticas e eideticas, de onde é possível se

pensar um Simmel da fenomenologia sociológica. Dessa forma, apresenta uma preocupação

no modo como as coisas ou fatos se apresentam as idéias (essências eidéticas), não realizando,

portanto, descrições urbanas limitadas à dimensão empírica imediata, mas as significações e

sentidos, temporalidades e espaços que extrapolam a primeira observação. Observamos assim,

uma valorização da atividade de abstração como método para compreender as ―formas‖ e

pensar os conteúdos.

Trata-se assim de ―colocar entre parênteses‖ as situações observadas, compreendendo-

as também como experiência de seres humanos conscientes que viveram e atribuíram sentidos

as cidades. Por outro lado, Simmel (2003) observa que a percepção estética é a única forma de

encontrar unidade diante da heterogeneidade de tempos, arquiteturas, idéias e sentidos

presentes nas três cidades. Dessa forma, para ele a beleza de Roma surgiria da conjugação de

diferentes gerações e temporalidades que coexistem harmonicamente na percepção de que a

observa. Assim, explica que as cidades antigas, crescidas sem um plano premeditado,

possibilitam certos conteúdos para as formas estéticas que nascem de finalidades humanas

que aparecem como materizalições do espírito, cujo valor está inteiramente além das

intenções que lhes foram atribuídas em outros tempos (SIMMEL, 2003).

Para o autor Roma é uma obra de arte porque nela era possível uma multiplicidade se

apresentar como uma unidade atemporal no qual ―o passado se torna presente‖, uma unidade

que provoca a fruição da cidade como um fenômeno psicológico que surge perante as

individualidades. No entanto essa apreciação da cidade enquanto unidade é possível graças ao

exercício eidetico, ou seja, a beleza da cidade não estaria em cada uma das peças e

características que compunha a heterogeneidade de Roma, mas em uma unidade que é

possível no espírito que a contempla. Nesse sentido, Livni (2012) entende que Simmel fala

de uma cidade cujos fragmentos temporais, espaciais e outros tantos que confluem para

unidades pensadas e vividas.

Nessa linha percebe uma interação entre elementos da percepção, da consciência,

destacando que a relação entre Roma e Goethe deve ser considerada quando se constrói uma

percepção sobre a cidade. Assim, para o autor ―O patrimônio que Goethe representa para nós

adquire o seu alcance incomensurável pelo facto de, por detrás de cada uma das suas

afirmações, estarem para nós o Goethe inteiro‖ (SIMMEL, 2003, p.114).

Quando observa a cidade de Florença, o autor deixa clara a aplicação do raciocínio

contido no texto ―Moldura. Um ensaio estético‖ publicado em 1902 no jornal Der Tag de

Berlin. Isso ocorre quando problematiza o caráter das coisas, considerando a totalidade ou as

partes. Nesse sentido a ―moldura‖ possui a dupla função de limitar e excluir a obra de arte do

ambiente externo simbolizando uma unidade psíquica para quem a contempla. Para Simmel

Florença tal como uma obra de arte foi pensada, emoldurada e é algo em si mesma, pois traz

uma tensão entre a paisagem natural e a matéria pensada que dá base a estética local.

Segundo Simmel:

E não é apenas a contigüidade entre todos os elementos visuais e entre natureza e

espírito, mas também a sucessão de passado e presente que concentra a impressão de

Florença e da sua paisagem como que num único ponto (SIMMEL, 2003, p. 119)

Além dessas conjunções e contigüidades, Simmel explica que o efeito de obra de arte

surge também por conta dessa cidade possuir uma imagem que estava vinculada a uma vida e

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história que já não existiam, mas que no plano das ideias era inerente ao local. Enfim, para

Livni (2012) a característica simmeliana em Florença era a harmonia e não os fragmentos.

Já na interpretação de Veneza, Simmel se vale da metáfora da mascara, ou seja, nota

que a arquitetura e as fachadas dos palácios venezianos ocultam a vida de seu interior, não

sendo possível observar as características individuais de seus habitantes. Nas palavras do

autor, os palácios venezianos ―são um jogo precioso, eles mascaram já pela sua uniformidade,

as personalidades dos seres individuais que os habitam‖ (SIMMEL, 2003, p.124). O sociólogo

percebe essa cidade como artificial, como um grande telão que serve como fundo de um

cenário para uma representação teatral de uma vida que não transcende o próprio instante em

que as coisas acontecem.

Em Veneza, todas as pessoas andam como se estivessem a atravessar um palco: nos

seus zelosos afazeres, com que nada fazem, ou nos seus devaneios vazios, surgem

constantemente a dobras uma esquina para desaparecer de imediato em uma outra e

têm nisso alguma coisa de actores, que à direita e à esquerda da cena não são nada, a

representação só acontece ali e não tem qualquer motivação na realidade do antes,

nem qualquer conseqüência na realidade do depois (SIMMEL, 2003, p.125)

Com uma dificuldade de estabelecer o externo necessário para se pensar à moldura, as

observações de Simmel apontam Veneza como uma falsa arte. Algo importante que faz

lembrar o texto ―As grandes cidades e a vida do espírito‖ é o momento em que ele descreve o

ritmo de vida em Veneza e a relação dele com os estímulos recebidos. Segundo o autor, as

impressões sempre uniformes e monótonas possuem a capacidade de hipnotizar as pessoas,

levando-as a um estado sonolento e de condicionamento da alma. Nesse sentido, percebe uma

relação entre a homogeneidade estética e os estados da alma. Para ele Veneza traz uma beleza

ambígua que mescla aventura e ausência de raízes, trata-se do local onde é possível se pensar

na relação entre formas e conteúdos.

Considerações Finais

Muito mais que estar presente no texto ―As grandes cidades e a vida do espírito‖, a

sociologia urbana de Georg Simmel pode ser notada ao longo da obra do autor, e também na

forma como ele estabelece o próprio diálogo com os contextos urbanos vividos e com os

círculos sociais por onde transitou. Trata-se de um aparato teórico-metodológico que pode ser

pensado nos termos de uma teoria vivida ou imaginação sociológica. Isso porque, de maneira

bastante autoral e peculiar, ele produz uma sociologia vitalista cujas variáveis subjetivas

aparecem em mesmo grau de importância dos aspectos objetivos da pesquisa, fazendo com

que ele possa ser compreendido como um intelectual da tensão e fluidez.

Nesse sentido, esse sociólogo clássico oferece um modelo para se pensar e refletir

sobre a organização social na metrópole, enfatizando a tensão entre subjetividade e

objetividade, e também uma forma de observar a paisagem urbana na cidade antiga, sem se

contentar com as primeiras impressões. Dessa forma, prioriza a importância da observação

sobre o cotidiano para a produção de interpretações sobre a cidade, e consequentemente, para

sistematização de esquemas interpretativos que podem variar de caso a caso, como

demonstrado nos dois tipos de cidade (moderna e antiga).

A riqueza dos estudos dele advém de todas as reflexões sobre a forma de observar, de

processar os dados e da produção do conhecimento: de se perceber nesse processo e de

possuir um grau de abstração que possibilita o exercício fenomenológico e de vigilância

epistêmica. Dessa maneira, mais do que um conjunto conceitual esse autor possibilita ao

antropólogo ou sociólogo, na cidade, exercitar abordagens comparativas, estéticas e

fenomenológicas sobre as interações cotidianas dos indivíduos em suas experiências e

sentidos. A partir de aí pensar as formas, molduras e maneiras de sociação e organização

social nos diferentes contextos.

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Pensar a sociologia urbana de Georg Simmel como uma sociologia artesanal da

cidade, ou em termos de uma teoria vivida facilita o reconhecimento dele como um

contribuinte para uma etnografia na cidade, na qual o pesquisador se (re)encontra com (n)os

nativos, caminhando e observando ruas, casas e praças que podem servir como estimulo para

buscar relações com conhecimentos anteriores, teorias e outros dados. Significa não pensar

uma pesquisa fechada e pronta, com a aplicação e encaixe de um referencial teórico em

determinada situação, mas de tomar a situação como ponto de partida de onde se estabelecem

os diálogos com a teoria e com a própria vida. Simmel nos ensina que é necessário construir

um modelo de pensamento e de reflexão que não seja aprisionado em um campo de

racionalidade cega ou de subjetividade pura, mas que tome a experiência como ponto de

partida para a análise da tensão entre objetividade e subjetividade nas diferentes formas de

cidades.

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Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v3 n9 novembro de 2019 ISSN 2526-4702