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Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.
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SUSTENTABILIDADE DOS TERRITÓRIOS PESQUEIROS TRADICIONAIS: riscos
produzidos pela invisibilidade da pesca tradicional diante das políticas públicas.
Autores:
Miguel da Costa ACCIOLY
Jussara Cristina RÊGO
Kássia Aguiar Norberto RIOS
Sue SAFIRA
Carla Virgínia Hage FERRAZ
PESCA E MEIO AMBIENTE
Desde a antiguidade a pesca nos oceanos, lagos e rios tem se constituído numa das principais
fontes de alimentos, emprego e outros benefícios econômicos para a humanidade. A
produtividade do oceano principalmente sempre pareceu ilimitada. Com o desenvolvimento
dinâmico da pesca e da aquicultura, e o aumento dos respectivos conhecimentos, a
humanidade finalmente tomou consciência de que, apesar de renováveis, os recursosaquáticos vivos não são infinitos e requerem uma ordenação adequada, para que a pesca possa
seguir contribuindo para o bem estar nutricional, econômico e social da crescente população
do planeta (FAO, 2010). O esgotamento dos estoques pesqueiros tem repercussões negativas
para a segurança alimentar e para o desenvolvimento econômico, além de reduzir o bem estar
social em países de todo o mundo, especialmente naqueles que dependem do pescado como
principal fonte de proteína animal e renda, como ocorre com os pescadores tradicionais nos
países em desenvolvimento.Ao mesmo tempo, os estoques pesqueiros e a pesca têm sido prejudicados pela degradação e
perda de habitats (SPEIGHT; HENDERSON, 2010). As mais ameaçadas são as áreas rasas
costeiras, as quais respondem por cerca de 95% da produção pesqueira mundial (QUIÑONES;
ALIAGA, 2004), constituindo-se assim nos habitats marinhos mais produtivos. Estas áreas
têm sido especialmente danificadas apesar de sabidamente serem usadas pelos principais
recursos pesqueiros como áreas de reprodução, criação e alimentação. Historicamente a causa
mais importante de destruição de habitats aquáticos tem sido o lançamento de esgotos,
seguido por outras fontes de poluição. Nas áreas tropicais são expressivas as perdas de
manguezais, habitats fundamentais para a reprodução e desenvolvimento da maioria das
Importância da pescaenquanto sistemasócio-cultural;tecnologia social.
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espécies marinhas, pela ocupação, desmatamento, aterros e turismo. Além dessas ameaças
destacam-se as construções costeiras, alterações da linha de costa e dos padrões de correntes e
circulação marinhas, e ainda as construções de estruturas marítimas como plataformas de
petróleo e portos, além da introdução de espécies não nativas. Uma série de estudos junto a
algumas comunidades tradicionais de pesca na Bahia (SANTOS; SCHOMMER; ACCIOLY,
2009) evidenciaram e exemplificam essa realidade. Segundo Diegues (2001), o território das
sociedades tradicionais, diferentemente do das sociedades urbanas industriais, é descontínuo
no tempo e no espaço o que tem levado as políticas públicas a considerá-los como usados por
ninguém. Por este motivo, os licenciamentos das intervenções que prejudicam estes territórios
não respeitam os usos tradicionais pré-existentes, levando a danos ambientais que prejudicam
os estoques pesqueiros e retiram a sustentabilidade da pesca.Quando se trata de bens ambientais, devemos entrar no campo do direito ambiental que o
compreende, não como uma função de um poder do sujeito, mas que o percebe como uma
partição social, como a justa medida dos bens que existem para serem distribuídos segundo o
melhor processo heurístico para fazê-lo (MOTA, 2009). É assim que os bens e serviços que
garantem sustentabilidade da pesca e das comunidades pesqueiras tradicionais devem ser
abordados pelo direito, não permitindo que estes se tornem externalidades produzidas pelas
atividades de empreendimentos econômicos concentradores de capital, onerando de formainjusta e mesmo desumana, os pescadores tradicionais. Desta forma, deve-se pensar na
elaboração de normas ambientais que garantam a sustentabilidade do ambiente e das
comunidades tradicionais. Estas normas, de acordo com Pêcego (2009), para serem
enquadradas como lei deve atender a quatro critérios: 1- apresentar conformidade com a lei
natural; 2- ser estabelecida por autoridade política competente; 3- ser dirigida ao bem comum,
e; 4- ser adaptada às circunstâncias de tempo e lugar. Quanto ao quarto critério, urge o
estabelecimento de normas para mediarem os conflitos estabelecidos atualmente em torno dosrecursos naturais, considerados como bens e serviços ecossistêmicos, que garantem a
atividade pesqueira, especialmente a tradicional. Quanto ao terceiro critério, reforça-se aqui a
importância da atividade pesqueira tradicional para a manutenção das capacidades dos bens e
serviços ecossistêmicos os quais também garantem outras atividades econômicas. Finalmente,
e por todos os critérios, uma normatização ambiental para a pesca tradicional deve atender à
garantia de bem estar para um grande contingente social, hoje à margem das políticas
públicas.
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GESTÃO DA SUSTENTABILIDADE DA PESCA TRADICIONAL
Segundo Kuhn (2009), a classificação em pescadores amadores e pescadores profissionais
adotada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, com base na Lei nº. 11.959, de 29 de junho
de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da
Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras e revoga a Lei nº. 7.679/88 e os
dispositivos do Decreto-Lei nº. 221/67, não leva em conta as demais características dos
pescadores artesanais, como a cultura, a tradição e a relação que os mesmo têm com a
atividade da pesca, muitas vezes sua única fonte de renda e sobrevivência. Por esse motivo os
mesmos “não se identificam apenas como um grupo profissional”. Nesse mesmo sentido de acordo com Rios (2012), observamos que a classificação oficial da
atividade pesqueira no Brasil não abrange toda a diversidade de pescadores existentes na
realidade do país. O que acaba prejudicando algumas categorias que são “esquecidas” e/ou
incorporadas a outras que não condizem com sua prática e necessidades. Faz-se importante
não levar em consideração apenas os aspectos socioeconômicos da atividade, sendo assim, a
pesca tradicional é compreendida, em síntese, como uma profissão desenvolvida pelos
pescadores artesanais, que traz consigo características particulares em seu desenvolvimento,seja na sua relação sociocultural com os pescadores e suas famílias ou na sua relação com a
natureza (RIOS, 2012). Esta autora, ainda esclarece que, o pescador artesanal vive e se
reproduz tendo como principal atividade a pesca, que através de sua comercialização
possibilita a compra dos demais produtos necessários a sua sobrevivência. Mesmo este
retirando parte de sua produção para o consumo próprio e de sua família, o mercado é o
principal objetivo de sua produção.
Acrescenta-se que a pesca artesanal é uma atividade de base familiar, que muitas vezesenvolve as mulheres e os filhos, seja na comercialização do pescado, onde em muitas
comunidades a mulher é a responsável, seja na própria captura, no caso das marisqueiras. No
entanto deve-se destacar a relação com a natureza desenvolvida por esses pescadores e
marisqueiras, ou seja, a forma com que estes se apropriam da mesma, se organizam e
desenvolvem suas atividades a qual é caracterizada por extremos laços de identidade, aonde
são desenvolvidos valores simbólicos e materiais. O mar, a pescaria, torna-se uma extensão de
sua vida, não se trata somente de um ambiente marítimo do qual os mesmos retiram o
pescado, é um ambiente acima de tudo, respeitado por estes.
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Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.
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Aspectos da pesca tradicional: 1 - pesca de anzol; 2 - pesca de siris com armadilhas; 3 -marisqueiras na captura de bebe fumo (marisco ou berbigão); 4 – pesca de ostras pormergulho, e; 5 – crianças na captura do guaiamum.Fonte: 1 e 3 Kassia Rios, 2012; 2, 4 e 5 Carla Hage 2012.
Portanto, percebe-se fortemente que essa atividade se sustenta toda nos bens e serviçosecossistêmicos oferecidos pelos territórios onde se desenvolvem a pesca tradicional, sendo os
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pescadores, por suas práticas, os principais responsáveis pela conservação desses bens há
algumas gerações, e por isso, com total capacidade de continuar garantindo a sustentabilidade
das sociedades pesqueiras para as futuras gerações.
A gestão de acesso e uso dos recursos pesqueiros pode ser definida como sendo: “[...]um
conjunto de regras formais ou informais, ou seja, criadas e adotadas por lei ou pelos costumes,
para que o acesso e uso dos recursos pesqueiros sejam realizados de maneira a não
comprometer os estoques e, ao mesmo tempo, gerar empregos e renda, e permitir que aspectos
culturais e modos de vida das comunidades pesqueiras sejam transmitidos de geração em
geração” (MARRUL FILHO, 2009). Assim, a gestão pesqueira deve levar em conta que o
recurso pesqueiro é um bem ambiental e, portanto, constitucionalmente de uso comum,
devendo-se garantir a sua defesa e conservação, para as presentes e futuras gerações.De acordo com a Organização das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO,
2010) as experiências de gestão das atividades pesqueiras convencionais têm falhado e
acarretado com isso perda de sustentabilidade tanto da produção pesqueira quanto das
comunidades pesqueiras. Com base nessa compreensão, desde 1972, vários estudos foram
desenvolvidos levando à proposição a partir de 1999 da gestão pesqueira a partir da
abordagem ecossistêmica da pesca. Esta abordagem surgiu da convergência de dois
paradigmas importantes: a conservação ambiental e a ordenação pesqueira (FAO, 2010). Aconservação se concentra na proteção do meio ambiente natural, enquanto a ordenação
pesqueira tem como principal objetivo a produção sustentável de um recurso com o propósito
de satisfazer as necessidades sociais e econômicas.
Desta forma, apoiando-se no conceito de desenvolvimento sustentável a abordagem
ecossistêmica da pesca se baseia na interdependência entre a saúde do ecossistema e o bem
estar humano, a partir do maior entendimento recente das interações da ordenação dos
espaços costeiros com as atividades de pesca e o ecossistema. A FAO considera que aabordagem ecossistêmica da pesca e aquicultura, como estratégia de desenvolvimento, impõe
sustentabilidade técnica, ecológica, econômica e social do setor pesqueiro. Desta forma, é
fundamental que o marco jurídico seja flexível e capaz de acolher distintas mudanças na base
do conhecimento, em especial às que tratam dos sistemas biológicos, ecológicos e
socioeconômicos, mas ao mesmo tempo, deve ser suficientemente robusto para garantir
estabilidade.
Apesar da pesca artesanal possuir grande importância na soberania alimentar do país –
contribui com mais de 60% do pescado produzido – e ser responsável pela renda econômica
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de inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras, a mesma sempre vem sendo colocada em
segundo plano pelos órgãos gestores do setor (RIOS, 2012).
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Conflitos de uso de território pesqueiro: lancha de turismo em alta velocidade impactandotanto o manguezal quanto a atividade de pesca em embarcação tradicionalFonte: Carla Hage 2012.
COMUNIDADES TRADICIONAIS E MEIO AMBIENTE
A utilização da categoria “Comunidades Tradicionais” ou “Povos Tradicionais” representa
uma designação de grupos que apresentam uma forma cultural característica e que se
reproduzem socialmente com base nas relações de apropriação dos recursos naturais. Tais
comunidades possuem um corpo de conhecimentos que lhes permite uma prática produtiva
específica e estreita adaptação ecológica ao território. Exemplos empíricos de populações
tradicionais são: as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros, comunidades quilombolas,
comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas”
(DIEGUES; ARRUDA, 2001).
Ainda apoiado nas afirmações de Diegues, temos que a essência da pesca artesanal está no
conjunto de conhecimentos transmitidos de pai para filho, que integram os meios de produção
dos pescadores, e que se constituem na compreensão do meio-ambiente, condições da marés,
identificação dos pesqueiros e manejo dos instrumentos de pesca (DIEGUES, 1994). Este
conhecimento representa uma gama de informações necessárias a sustentabilidade ecológica e
econômica das práticas produtivas, conforme indica Mendes (2002), afirmando ainda que se
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trata de um conhecimento relacionado à ecologia, comportamento e classificação das
etnoespécies marinhas, à confecção e uso dos artefatos de pesca, às variáveis ambientais que
interferem na pescaria e à localização exata dos pesqueiros. (MENDES, 2002) .
Diegues (2000) pontua que a valorização do conhecimento e das práticas de manejo dessas
populações deveria constituir uma das pilastras de um novo conservacionismo (...), entretanto,
Mendes acrescenta que: “Para que isso aconteça, é preciso criar um relacionamento novo –
um envolvimento – entre os cientistas e os povos tradicionais com seu conhecimento em
relação às questões ambientais, partindo de que os dois conhecimentos – o científico e o
tradicional – são igualmente importantes” (MENDES, 2002). Almeida e Cunha (1999) se
referem a uma possível prática conservacionista destas comunidades, sem que,
necessariamente possuam esta rotulação, pois suas próprias regras culturais locais voltadas àutilização dos recursos naturais já definem a sustentabilidade da prática. E como afirma
Saldanha (2005), se trata de uma forma de vida que ultrapassa qualquer consciência ou teoria
conservacionista.
De acordo com a Constituição Federal, Povos e Comunidades Tradicionais são grupos que
possuem culturas diferentes da cultura predominante na sociedade e se reconhecem como tal.
Tais grupos estão organizados de forma peculiar dentro de seu território, e dependem dos
recursos naturais para sua manutenção, produção e reprodução social. Da mesma forma, umacomunidade pesqueira, que é caracteristicamente exploradora do meio ambiente aquático,
pois faz desta atividade o seu sustento, é portadora de uma percepção deste meio ambiente,
que cria as condições de possibilidade para a atividade exploratória e, portanto, para a
sobrevivência da comunidade (RÊGO, 1994). Para além das práticas produtivas em seus
aspectos físicos e materiais, as comunidades tem em seus territórios um significado concreto
que envolve: “[...] as formas de relação de uma sociedade com seus ideais e representações,
como também traduz o comportamento de indivíduos e os sentimentos coletivos devinculação a uma organização espacial. Interessa-nos saber qual a relação de um grupo com o
espaço, o que pressupõe uma análise de fatores materiais e não materiais, compreendendo que
território é um produto da história da sociedade, e que, portanto, está em constante
modificação, por ser resultado de um processo de apropriação de um grupo social e do quadro
de funcionamento da sociedade, comportando, assim, ao mesmo tempo, uma dimensão
material e cultural dadas historicamente” (RÊGO, 2006).
Assim, compreende-se aqui um território como o espaço apropriado pelo grupo cultural, onde
lhe é conferido um ordenamento característico, sendo as relações de produção, bem como as
simbólicas e afetivas determinantes deste processo. Dentro desta perspectiva, comunidades
ceito de
unidades
cionais
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pesqueiras podem ser classificadas como “[...] grupos humanos diferenciados sob o ponto de
vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos
isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-
se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram
modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos [...].” (DIEGUES;
ARRUDA, 2001).
Com vistas ao reconhecimento e busca de políticas de apoio a estas comunidades, em 2004,
foi criada a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades
Tradicionais, subordinada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade, entre outras, de
estabelecer e acompanhar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das
Comunidades Tradicionais. O Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007, institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT,
que tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus
direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à
sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. Esta política conceitua:
I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam eusam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição;
II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica
dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou
temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas,
respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias e demais regulamentações; e
III - Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a
melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo a mesma qualidade para as
futuras gerações.
Finalmente, e apesar de reconhecidas e instituídas as formas de apoio legal, podemos afirmar
que tais comunidades, normalmente possuem um fraco poder político, tendo pouco acesso aos
direitos adquiridos pelas legislações em vigor, que reconhecem, valorizam e determinam
Políticas Públicas de apoio voltadas a elas, seguindo à margem da sociedade no que se refere
a seus direitos ao território, emprego e renda dentre outros.
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REGULAMENTAÇÃO DA PESCA TRADICIONAL
Um marco indiscutível para as políticas públicas para a pesca no Brasil foi a criação do
Ministério da Pesca e Aquicultura, no dia 29 de junho de 2009, dia de São Pedro, Padroeiro
dos Pescadores, através da lei nº 11.958, conhecida como Lei da Pesca. Esta lei tem como
objetivo promover o desenvolvimento sustentável da pesca e aquicultura, garantindo o uso
sustentável, a preservação e conservação dos recursos pesqueiros. Além de claramente
associar a atividade à conservação dos recursos pesqueiros, essa foi a primeira vez em que a
organização da atividade pesqueira ficou sob a competência de um Ministério criado,exclusivamente, para a gestão da atividade. Diferentemente dos anos anteriores, que tal gestão
ficou intercalando entre Ministérios da Marinha e da Agricultura e por fim, pelo Ministério do
Meio Ambiente, que não eram exclusivos ao setor pesqueiro. A Lei da Pesca, sendo um
marco histórico e uma vitória para o setor pesqueiro nacional, passou a considerar pescadores
e aquicultores como produtores rurais, e reconheceu também, como trabalhadoras da pesca, as
mulheres que desempenham atividades complementares a pesca artesanal, estabelecendo que
as mulheres tenham direitos iguais aos pescadores (RIOS, 2012). Apesar desse avanço, umaexcessiva mudança de ministros ocorreu desde a criação do Ministério, cabendo destacar a
falta de conhecimento sobre a atividade pesqueira no país por parte desses Ministros, uma vez
que além de sua formação profissional ser em outras áreas, suas experiências profissionais
também são em áreas alheias ao cargo que assumem. A indicação política aliada à falta de
conhecimento da área e ao pouco tempo de execução do cargo traz dificuldades à estruturação
do Ministério, assim como a sua efetiva atuação.
Na história bastante recente do Brasil, essa classe alcançou conquistas muito importantes noque tange aos seus direitos. Pode-se citar como um grande exemplo, os direitos
previdenciários. As Leis n°. 8212/91 e n°. 8.213/91, que regulam a Previdência Social, tratam
os pescadores artesanais como “segurados especiais”, conferindo-lhes os mesmos direitos que
possuem os empregados (“segurados urbanos”), empregados domésticos, trabalhadores
avulsos, dentre outros. Assim, cabe aos pescadores artesanais, em face do labor que realizam,
o percebimento de auxílio doença, pensão por morte, auxílio maternidade, aposentadoria e
todos os outros benefícios previdenciários. Outro exemplo a ser citado, bastante significativo,
é o seguro defeso, que corresponde a um benefício pago ao pescador que exerce a pesca de
forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, no período de proibição
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da pesca para determinadas espécies. O defeso é um período em que pescar é totalmente
proibido, visando a respeitar a época de reprodução das espécies. Para que seja deferida a
concessão desse benefício, o pescador artesanal tem que se enquadrar em alguns requisitos
estabelecidos na Lei nº 10.779/03. Em concorde com uma portaria fixada pelo IBAMA, é
garantido ao pescador artesanal receber o número de parcelas correspondentes ao número de
meses que durar o defeso e cada parcela equivale a um salário mínimo. No entanto, algumas
políticas públicas para a pesca surgiram em completa discrepância com a política ambiental e
consequentemente com a sustentabilidade dos ecossistemas e da própria atividade (LIMA-
JUNIOR et. al., 2012).
UMA EXPERIÊNCIA PARA A VISIBILIZAÇÃO DA PESCA TRADICIONAL
Se por um lado houve avanço na legislação no sentido de proteger os pescadores artesanais,
por outro lado, surgiram também regulamentações vazias, que talvez cause a alguns sensação
de avanço social, mas, na realidade, não sairão do papel e não beneficiarão realmente aqueles
aos quais supostamente foram direcionadas. Um exemplo claro são o Decreto 4.895/03 e a
Instrução Normativa Interministerial n°. 06/04, que regulamentam a cessão de águas públicas.Explique-se: de acordo com a já mencionada Lei da Pesca (Lei n°. 11.959/09), “aquicultor é a
pessoa física ou jurídica (Associação, Cooperativa, Empresa) que, registrada e licenciada
pelas autoridades competentes, exerce a aquicultura com fins comerciais”. Para exercer a
aquicultura em águas e terrenos públicos, é necessário que o Estado conceda o direito de uso.
São exatamente o Decreto 4.895/03 e a Instrução Normativa Interministerial nº. 06/04 que
regulamentam essa cessão de águas de domínio da União para fins de aquicultura. Essas
legislações determinam o procedimento a ser adotado por aqueles que desejarem obter essaautorização. São também essas normas que preveem a prioridade para populações
tradicionais, na concessão do uso de espaços físicos de corpos d’água da União para fins de
aquicultura.
Ocorre que o procedimento para obtenção da cessão de águas públicas, na forma em que foi
previsto, não é passível de realização por comunidades tradicionais, o que torna inaplicável a
previsão legal de prioridade que elas têm. Isso porque, os formulários a serem
necessariamente preenchidos para a solicitação da cessão de águas públicas não apresentam
linguagem compreensiva e adequada às comunidades e povos tradicionais.
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De maneira geral, o mencionado formulário apresenta falhas internas, como por exemplo, a
mesma pergunta presente mais de uma vez. Ainda, sua linguagem técnica não se faz
compreensível sem a atuação direta de profissionais de diversas áreas e alguns dos seus itens
não são apropriados para a realidade dessas comunidades, como por exemplo, a previsão da
produção em toneladas, que se aplica, sobretudo, a grandes empreendimentos, mas,
ordinariamente, não a populações tradicionais. Ademais, o Decreto e a Instrução Normativa já
mencionados, possuem outras previsões inadequadas para comunidades tradicionais, como
alguns prazos que não se adequam aos seus ritmos de vida. Assim, nesse caso, embora exista
uma legislação benéfica aos membros de comunidades tradicionais pesqueiras e marisqueiras,
a mesma não se aplica na prática.
Importante lembrar que a aquicultura se configura como uma atividade muito importante paraos pescadores artesanais, uma vez que estabelece uma renda complementar. Ademais, a
conciliação das técnicas de cultivo com os períodos de defeso é uma alternativa muito
interessante, tendo em vista que aproveita o conhecimento das populações tradicionais e
colabora para a preservação do meio ambiente. Por tudo isso, vê-se a necessidade de se fazer
algumas mudanças na Instrução para que se ajuste à realidade das comunidades e ainda pode-
se dizer que todas essas questões demonstradas acabam por restringir o princípio
constitucionalmente previsto de acesso à justiça, direito de todo cidadão.A cessão de Águas Públicas da União é uma concessão feita pela união a uma pessoa física ou
jurídica para prática de aquicultura. Essa cessão é intransferível, não permitindo ao titular
parcelar ou arrendar a referida área, e tem duração de no máximo 20 anos. Sendo assim, ter a
Cessão de águas públicas da União é obrigatório para qualquer aquicultor que tenha cultivo
em águas da união.
Apesar de a cessão de águas ser exclusiva para a aqüicultura, verificamos que se for bem
utilizada por comunidades tradicionais, pode ser um aliado para garantir os seus territórios pesqueiros, já que de acordo com a Instrução Normativa Interministerial No. 07 de 28 de abril
de 2005, Art. 1° diz que: “não se deve haver usos conflitantes no corpo d’água”. Sendo assim,
a pesca tradicional e os outros usos do corpo d’água local estão garantidos e suas áreas ou
devem estar fora da concessão ou devem ser preservadas dentro da área licenciada,
compatibilizando-os com o uso da aqüicultura. Para uma comunidade tradicional pesqueira
essa é uma grande oportunidade de se fazer um zoneamento de toda a área de pesca e usos do
corpo d´água, selecionando as áreas possíveis para cultivo e garantindo as outras áreas como
áreas de pesca, impedindo que empresários estranhos à comunidade tradicional apropriem
dela de forma conflitante.
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Com base nessa ideia foi elaborada participativamente um projeto de solicitação de Cessão de
Águas para produção de ostra pela comunidade tradicional pesqueira de Graciosa, município
de Taperoá, Bahia.
A comunidade de Graciosa é tradicionalmente de pescadores e marisqueiras e também
possuem a tradição de desenvolver atividades de ostreicultura artesanal familiar. A pesca da
ostra através de mergulho nos fundos rochosos, uma das atividades mais rentáveis que a
comunidade explorava no passado, hoje está prejudicada pela construção de uma ponte sobre
as principais áreas de pesca, como também pela colocação por um empresário local de alguns
long-lines de cultivo de ostras sobre outros locais de pesca. Somando a isso, essa comunidade
também foi o público alvo desse projeto por necessidades reais em legalizar seus cultivos e
principalmente por já existir ameaças de pedidos de cessão na área da comunidade.Toda a elaboração deste projeto para a cessão foi desenvolvido pela comunidade de
ostreicultores familiares interessada, com apoio da equipe da UFBA como parte do projeto
Semeie Ostras juntamente com bolsistas de extensão (Proext/Mec e Pibiex/Ufba), uma
descentralização do Ministério da Pesca para a Universidade Federal da Bahia com o objetivo
de consolidar a atividade de ostreicultura familiar no estado. Desta forma esta equipe aplicou
a ferramenta do mapeamento biorregional, respondendo os itens exigidos pela instrução
normativa em mapas. Esta linguagem permite que a comunidade tenha a devida compreensãode todo o projeto por ela desenvolvido, o que será por sua vez o modelo para o
desenvolvimento de outros projetos para a regularização em outras comunidades.
Dessa forma, foi solicitada a cessão de uma ampla área para a implantação de cultivos para
atender no mínimo 76 famílias da comunidade, a qual tem pouco mais de 200 famílias. Os
locais onde serão colocadas as estruturas de cultivo não podem interferir com outras
atividades tradicionais da comunidade como: pontos de mergulho para pesca, transporte
através de lanchas, áreas de pesca com rede de fundo, tapesteiro, etc. Além desses fatores olocal tem que ter uma salinidade e uma profundidade adequada. Sendo assim, para calcular a
área total a ser solicitada foram mapeados todos esses usos e gerando um mapa chamado “Os
limites de Graciosa”, também foi feito um mapa da batimetria do estuário da Graciosa, que
posteriormente juntos possibilitaram a geração um terceiro mapa que finalmente definiu-se a
quantidade e disposição das estruturas de cultivos, titulado “Graciostra”.
Os mapas contêm o território de pesca da comunidade e, com a aceitação deles pelos
ministérios, quando a cessão for concedida à comunidade, não só estará garantida a área de
produção de ostra como também o território pesqueiro da comunidade de Graciosa terá sido
reconhecida. Todo esse projeto de zoneamento através do mapeamento biorregional é muito
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importante para a comunidade é o embrião de uma gestão participativa dos territórios
garantindo o controle cidadão sobre a sustentabilidade da comunidade. Pretende-se com esse
procedimento que possa se converter em exemplo para ser aplicado em outras comunidades
tradicionais que desejem regularizar áreas de cultivo com impactos ambientais praticamente
nulos, grande alcance social e compatibilização de usos tradicionais do espaço delimitando as
suas áreas pesqueiras.
7 8
Oficinas de elaboração do projeto de cessão comunitária: 7 - elaboração de mapas biorregionais respondendo aos quesitos da Instrução normativa, e 8 – aprovação dos mapas.
Fonte: 7 Carla Hage 2012; 8 Miguel Accioly 2012.
Esse exercício de regularização dos territórios pesqueiros junto com a solicitação de cessão de
área preferencial para aquicultura por comunidade tradicional em águas da União evidencia a
necessidade de regulamentar os territórios pesqueiros e também de melhorar os regulamentos
para a solicitação da referida Cessão por comunidade tradicional. Regulamentações revestidas
de especial enfoque ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - POR UMA REGULAMENTAÇÃO PARA OS
TERRITÓRIOS PESQUEIROS TRADICIONAIS
A economia ecológica mostra que a “guerra contra a natureza” foi um grande equivoco criado
pela revolução industrial (VIVIEN, 2011). A sustentabilidade vem exatamente em saber usar
os processos ecológicos naturais para benefício social. As comunidades tradicionais
pesqueiras podem realizar gestão ambiental dos recursos naturais dos quais tiram sua
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Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.
Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.
manutenção pelo extrativismo pesqueiro, mas para isso precisam garantias de acesso e
manutenção dos seus territórios pesqueiros.
Pelo ponto de vista da moderna economia ecológica (VIVIEN, 2011), a definição de ambiente
se nutre da construção social da sociedade e da construção social da natureza; a sociedade
definindo-se em sua relação com a natureza e essa “natureza” sendo ela própria definida em
relação à sociedade. Destas formas, mesmo tendo como base os princípios ecológicos as
questões ambientais só podem ser entendidas nas suas relações políticas e sociais.
Segundo Rios (2012), a construção dos territórios pesqueiros se dá a partir do uso e ocupação
que os pescadores artesanais fazem do espaço para as diversas atividades desenvolvidas pela
comunidade. Cabe destacar que esse território abrange tanto os espaços marítimos como
terrestres. O acesso à terra, assim como à água é condição indispensável para reprodução dos pescadores artesanais, tanto pelo seu lado produtivo como pelas múltiplas relações existentes
entre a comunidade e os mesmos. Apesar da existência atual do Ministério da Pesca e
Aquicultura, a criação de políticas públicas continua a privilegiar a pesca industrial, a
aquicultura e os grandes empreendimentos capitalistas, que por sua vez vem sendo inseridos
nos territórios dos pescadores artesanais sem maiores intervenções ou manifestações do
Ministério. Esse é o cenário brasileiro para inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras,
principalmente, após a expansão das atividades industriais no país. Os territórios terra e água passaram a ser vistos como espaços de interesse estratégico ao desenvolvimento do capital.
Tais fatos fazem com que estes territórios estejam atualmente em um cenário de constantes
ameaças e conflitos. Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessária as ações, por parte do
Estado brasileiro para a regularização destes territórios, pois somente com a segurança do
direito sobre seus territórios, os pescadores artesanais poderão continuar a desenvolver suas
atividades e reproduzir-se socialmente e culturalmente.
A tragédia dos comuns, como descrita por Garrett Hardin (1968), tem campo fértil paraacontecer no ambiente pesqueiro sem regulamentação dos seus territórios tradicionais. Este
risco se observa não apenas pela pesca desordenada a partir da perda das tradições das
comunidades pressionadas pelo poder econômico sobre seus territórios, mas também pela
apropriação irresponsável dos territórios pesqueiros para outros usos sem repercussões na
sustentabilidade daquelas sociedades tradicionais cujo modo multiprodutivo empresta grande
representação econômica na produção de alimentos. Assim tem acontecido com o
licenciamento de estruturas turísticas predatórias, exploração de petróleo, indústrias
poluidoras do meio aquático, expansão urbana costeira, entre outras. A tragédia dos comuns
não pode ser combatida nos territórios pesqueiros pelos direitos à propriedade e apropriação
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Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.
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privada, uma vez que não se pode confundir a tradicional propriedade comum ou comunitária
com ausência de propriedade. Desta forma o colapso destas áreas produtivas deve ser
combatido pela regulamentação dos territórios pesqueiros tradicionais, garantindo sua
apropriação pelas comunidades que deles se sustentam a muitas gerações e que por sua gestão
tradicional tem condições de garantir sua produtividade por muitas gerações mais.
A regulamentação dos territórios pesqueiros é o elemento mais importante na gestão
ambiental para garantir a manutenção do ambiente produtivo pesqueiro, o mesmo que garante
a produção de alimentos além da qualidade de vida para toda a sociedade, além de preservar
as belezas cênicas que agregam valor ao turismo responsável, e principalmente garante a
sustentabilidade das inúmeras comunidades pesqueiras tradicionais espalhadas pelo país. Daí
a grande importância da Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios dasComunidades Tradicionais Pesqueiras, lançada em junho de 2012, em Brasília (DF), como
forma de mobilização e luta pelo reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais
pesqueiras sobre seus territórios. É urgente a regularização do acesso e do direito aos
territórios pesqueiros, inclusive demarcando-os, como garantia de sustentabilidade ambiental
e social nessas áreas tão importantes para toda a sociedade.
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