Escalas políticas e geoestratégias científicas:
A modelagem das mudanças climáticas no Brasil 1
Jean Miguel (UNICAMP)
Marko Monteiro (UNICAMP)
Resumo
A infraestrutura do conhecimento em clima no Brasil vem sendo transformada na última
década em função das mudanças climáticas globais. Nesse processo, destaca-se a
crescente importância do desenvolvimento da modelagem e previsão das mudanças
climáticas. A produção de modelos e cenários climáticos futuros é defendida
publicamente por pesquisadores e formuladores de políticas como um dos principais
subsídios científicos para orientar a adaptação às mudanças climáticas no Brasil. Este
artigo explora as implicações entre ciência e política presentes nesse processo, buscando
iluminar as maneiras pelas quais as mudanças climáticas tornam-se suscetíveis ao
conhecimento em escala nacional no Brasil e, ao mesmo tempo, tornam-se parte de uma
política científica internacional. A partir da perspectiva dos Estudos Sociais da Ciência e
da Tecnologia, a modelagem climática é percebida como um instrumento geoestratégico
de recodificação do território em um processo de coprodução da ciência e da política.
Argumenta-se que, nesse processo, a modelagem das mudanças climáticas serve como
um “conhecimento territorial do futuro” que é geoestratégico em dois níveis relacionados.
Primeiro, nacional-regional na medida em que reconstrói fronteiras e regionaliza os
problemas das mudanças do clima global estabelecendo uma técnica de governo dos
impactos dessas mudanças em escalas locais. Segundo, internacional ao fortalecer a
posição do país nas arenas de negociação e cooperação político-científicas das mudanças
climáticas.
Palavras-chave: Mudanças Climáticas; Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia;
Ciência e Adaptação.
Introdução
As mudanças climáticas globais têm sido um tópico de grande visibilidade pública
nas últimas décadas e têm ocupado um espaço considerável nas agendas ambientais,
políticas e sociais em todo o mundo (GIDDENS, 2009). Nesse contexto, as ciências
climáticas adquiriram enorme crescimento e articulação no entendimento sobre o clima e
suas mudanças. A maior expressão desse crescimento e articulação foi a formação, em
1988, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Os sucessivos
relatórios produzidos por esse painel têm reafirmado o aumento da temperatura global
devido às emissões antropogênicas de carbono e alertado para os riscos dessa mudança.
Dentre as diversas implicações entre ciência e política nesse problema, é marcante
a confiança crescente no poder de pesquisas científicas estratégicas para orientar os gastos
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto
de 2014, Natal/RN.
públicos e as tomadas de decisão (JASANOFF e WYNNE, 1998). Nessa relação,
cientistas e formuladores de políticas têm aceitado que as mudanças climáticas globais
podem ser melhor compreendidas através da modelagem computacional de forças
causais, naturais e sociais que influenciam o clima (EDWARDS, 2010; MILLER, 2004).
A partir das análises e previsões obtidas através desses modelos, tenta-se planejar as ações
de mitigação e adaptação das mudanças climáticas em escala global e local (MILLER e
EDWARDS, 2001).
Um aspecto surpreendente nesse processo é que a governança transnacional das
mudanças climáticas, que evoca um discurso político de cunho globalizante,
paradoxalmente, fez ressurgir afirmações e reivindicações de conhecimentos e
identidades locais (JASANOFF e MARTELLO, 2004). Isso está relacionado ao fato de
que a governança das mudanças climáticas globais apresenta contradições, ambiguidades
e complexidades em sua realidade sociopolítica local (LAHSEN, 2004; CRATE e
NUTTALL, 2009; DOVE, 2014). Portanto, é importante não perder de vista os processos
pelos quais as mudanças climáticas têm se tornado uma entidade governável na escala
nacional. Estudando o caso brasileiro, o que pretendemos indicar é que tais processos
científico-políticos colocam desafios e oportunidades ligados a geopolítica e a lógica
territorial do Estado.
O estado brasileiro, a partir da realização da conferência RIO 92, tornou-se
signatário da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima.
Entretanto, somente no ano de 2007 foi instituído o Plano Nacional sobre Mudanças do
Clima (PNMC - Decreto 6.263) e em 2009 foi promulgada a Lei 12.187 que estabelece a
Política Nacional sobre Mudanças do Clima. Entendendo que a mudança global do clima
é um dos mais significativos desafios da atualidade, o PNMC estabelece metas a diversos
setores da economia e também às instituições de ensino e pesquisa (PNMC, 2007).
Desde 2007, através do MCTI e das agências de fomento à pesquisa, o governo
passou a criar e investir em programas de pesquisa em mudanças climáticas como a Rede
Clima, o INCT das mudanças climáticas e, no estado de São Paulo, o Programa FAPESP
em Mudanças Climáticas Globais. Dentre as diversas ciências que abordam o tema das
mudanças climáticas, esses programas deram grande importância às chamadas Ciências
do Sistema Terrestre2, sobretudo, na área da modelagem global do sistema terrestre3. A
criação de um Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST) no INPE, em 2007, e o
apoio à construção de um Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (sigla em inglês
BESM), ilustram a importância dada a esse tipo de conhecimento pelo governo federal.
Cabe destacar as principais metas do CCST/INPE são gerar cenários de mudanças
climáticas ambientais globais com enfoque nos efeitos dessas mudanças sobre a América
do Sul e o Brasil. Com isso, busca-se subsidiar o PNMC que reivindica estes
conhecimentos4, conforme pode ser observado a seguir:
Quando se considera a questão de mudança no clima no Brasil, depara-se com
o problema da falta de cenários confiáveis do futuro possível do clima no país,
que tem grandes proporções[...]Para a elaboração desses estudos há, entretanto,
a necessidade de desenvolvimento de modelos de mudança de clima de longo
prazo com resolução espacial adequada para análise regional, o que criará
condições para a elaboração de cenários de futuros possíveis de mudança do
clima com diferentes concentrações de dióxido de carbono na atmosfera e para
analisar os impactos da mudança global do clima sobre o Brasil. [...] Com
esses resultados, o país estará mais bem capacitado para identificar regiões e
setores mais vulneráveis com maior grau de confiabilidade do que oferecido
pelos modelos globais e, a partir daí, poderão ser elaborados projetos de
adaptação específicos com o embasamento científico apropriado,
possibilitando uma alocação mais racional de recursos públicos (PNMC, 2007,
p.87).
No CCST, está a coordenação da Rede Clima. Criada pelo MCTI em 2007, a Rede
Clima tem a finalidade de apoiar as pesquisas em mudanças climáticas em várias áreas e
servir como um pilar de P&D do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima5. O principal
projeto de pesquisa do CCST e da Rede Clima é o projeto do BESM e a elaboração do
Sistema de Modelagem Regional do Sistema Terrestre (SMRST). Conforme declarado
pelo coordenador da Rede Clima e coordenador do BESM, Paulo Nobre, “o BESM é um
eixo estruturante das pesquisas em mudanças climáticas no Brasil”6. Este projeto se alia
ao CCST na produção de cenários climáticos futuros para o Brasil e América do Sul.
Além disso, é um projeto que torna o Brasil um dos poucos países que constroem,
2 Resumidamente, essas ciências buscam entender a dinâmica da complexa interação de sistemas naturais
e humanos através da modelagem computacional. Fonte: http://www.inpe.br/pos_graduacao/cursos/cst/
acesso 25/05/2014. 3 A FINEP, através de chamadas públicas, investiu 3,5 milhões para a construção do Centro de Ciências do
Sistema Terrestre (CCST) no INPE e R$ 3 milhões para a construção do Modelo Brasileiro do Sistema
Terrestre (BESM). Fonte: FINEP, chamadas públicas PROINFRA 01\2007, 01\2006, 01\2005. Encomenda
Transversal Projetos de Pesquisa BESM 01.12.0183.00, 14/06/2012. A FAPESP investiu R$ 571.200,00
no BESM. Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/08/13/extremos-do-clima/ acesso 25/05/2014. 4 Fonte: www.ccst.inpe.br/institucional acesso: 23/05/2014. 5 Fonte: www.redeclima.ccst.inpe.br acesso: 23/05/2014. 6 Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo, 09/09/2013,
apresentação BESM, motivação e desafio.
atualmente, um modelo global do sistema terrestre próprio. O primeiro destaque dos
resultados desse modelo divulgado na mídia nacional foi ter possibilitado a primeira
participação brasileira no arcabouço de conhecimentos em modelagem global para a
elaboração do 5º Relatório de Avaliação do IPCC7.
Nesse artigo, argumentamos que gerar seus próprios cenários climáticos globais e
regionais e possuir um modelo do sistema terrestre próprio possui fortes implicações com
a geopolítica exercida pelo governo brasileiro no tema das mudanças climáticas. Baseado
nos dados preliminares de uma pesquisa etnográfica dos grupos de modelagem
computacional, coordenadores de pesquisa e formuladores de políticas envolvidos com o
tópico das mudanças climáticas no Brasil buscam explorar as noções de vulnerabilidade,
realismo e autonomia que fazem parte de discursos e da produção do conhecimento em
modelagem das mudanças do clima no país. Desse modo, indicamos que a modelagem
climática é uma prática científica que possibilita a realização de políticas de tempo e
espaço e produz um “conhecimento climático-territorial do futuro” que articula a
territorialidade com uma arquitetura política local-nacional (MAHONY e HULME, 2012;
MAHONY, 2014). Nesse sentido, sugere-se que os “modelos computacionais do clima
global são tecnologias do poder” (LAHSEN, 2002) que possuem uma função prática e
simbólica importante nos interesses dos grupos político-científicos brasileiros no
contexto internacional das mudanças climáticas e em sua escala nacional de governo.
Mudanças Climáticas, Território, Conhecimento e Poder
As mudanças climáticas, entendidas como um objeto epistêmico e político
definido por sua globalidade e prossecução de uma política transnacional baseada no
conhecimento científico (HULME, 2010; JASANOFF, 2010), geram fricções com os
modos convencionais de ordenamento da relação entre ciência e política no delineamento
das fronteiras do Estado-Nação. Na história moderna dos Estados Nacionais, o território
tem sido, simultaneamente, objeto central e meio para governar de forma soberana
(WEBER, 1982). No entanto, a construção histórica da percepção dos problemas
ambientais em uma escala global (MILLER, 2004) tem desafiado noções tradicionais de
soberania e governo que colocam em questão como redefinir, reafirmar e governar as
fronteiras territoriais do Estado-Nação na atualidade.
7 Escobar, Herton, “Brasil prepara seu 1º modelo climático para o IPCC”. Jornal O Estado de São Paulo,
20 de fev. 2013.
Dedicados a essa questão, estudos recentes no campo dos ESCT e da Geografia
sugerem que os territórios nacionais não devem ser entendidos como uma unidade
espacial dada, mas devem ser problematizados como coproduções8 da ciência e da política
de Estado com o objetivo de, simultaneamente, conhecer e controlar o espaço
((JASANOFF, 2004; BRAUN, 2000; ELDEN, 2007;2010; MAHONY, 2014). Desse
modo, o território pode ser concebido como um objeto produzido por relações de poder e
conhecimento que colocam em circulação tecnologias de representação e comunicação
que conformam o espaço (SHARMA e GUPTA. 2006).
Para entender essa circulação de tecnologias de representação do território é útil
aplicar a noção de “centrais de cálculo” proposta por Latour (1998). Para Latour (1998),
o conhecimento científico não está por toda parte, mas transita pelo interior de uma rede
estreita e frágil. No interior dessa rede, circulam representações (ou inscrições) de todo o
tipo que descrevem e mobilizam o mundo. Os mapas, por exemplo, são representações
cartográficas de uma determinada região que permitem conhecer e controlar aquele
espaço a uma longa distância. As centrais de cálculo, Latour (1998) explica, são nós
nessas redes que recebem e transmitem essas representações, delimitando e influenciando
o que acontece no espaço representado. A partir dessa noção, o território dos Estados
Nacionais modernos pode ser pensado como produto de um processo de circulação de
representações que comunicam noções específicas de tempo e espaço.
Com as mudanças climáticas globais, os Estados e suas centrais de cálculo
precisam estar conectados a órgãos transnacionais como o IPCC, o CMIP9 (Coupled
Model Intercomparison Project) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (CQNUMC) para que seus conhecimentos e políticas sobre essas
mudanças adquiram legitimidade e autoridade internacional (HULME e MAHONY,
8 Através do conceito de coprodução da ciência e da sociedade, Jasanoff (2004) sugere entender a produção
do conhecimento tecnocientífico como uma relação na qual as pessoas e as instituições envolvidas possuem
motivações políticas, interesses e valores específicos que perpassam suas atividades. Entretanto, através
dessa abordagem, pensa-se que estes atores e suas motivações transformam-se no decorrer do processo de
produção na medida em que o conhecimento por eles produzido passa a legitimar e modificar
fundamentalmente o poder e a natureza de suas ações. Nesse sentido, o contexto social e a produção do
conhecimento científico implicam em um processo de construção da realidade no qual contexto e
conhecimento são indissociáveis, pois são mutuamente construídos. A respeito da interação entre a ciência
e a política, essa perspectiva analítica evita tratar esta relação como sendo entre duas esferas separadas
tentando demonstrar que a macro-política é coproduzida pela atividade e o engajamento de cientistas e suas
comunidades no processo de sua elaboração e efetivação. 9 Projeto internacional que compara as rodadas dos modelos globais de centros regionais que farão parte do
conhecimento em modelagem climática que será utilizado para produzir o relatório do IPCC. Participar
desse projeto é um ponto de passagem obrigatório para os centros de pesquisa em clima que aspiram
reconhecimento internacional na pesquisa em modelagem das mudanças climáticas.
2010; MAHONY, 2013; HULME, 2013;). Essa condição desafia as formas nacionais de
soberania epistêmica e política do Estado-Nação moderno ao colocar a necessidade de
estabelecer uma governança transnacional dos riscos (BECK, 2009).
Sobre essa questão, estudos recentes indicam que o caráter aparentemente
“cosmopolitista”10 da negociação do problema das mudanças climáticas – transmitido na
forma de um discurso da ciência e do ambientalismo de cunho “globalista” – tem sido
contestado por grupos e movimentos locais que buscam “relocalizar” o problema das
mudanças do clima através de políticas e conhecimentos que “resistem ao império de uma
nova ordem global” (MILLER, 2004b:81). Tem-se demonstrado que a heterogeneidade
também é marcante entre grupos que produzem conhecimento científico e participam da
formulação de políticas relacionadas aos problemas climáticos-ambientais (LAHSEN,
2004; JASANOFF, 2004b, 2009). Nesse sentido, reforçar e construir suas próprias
centrais de cálculo para governar as mudanças climáticas é uma geoestratégia que tem
adquirido notável importância, principalmente, nos países emergentes (LAHSEN, 2002,
2004; KANDLIKAR et. al. 2011; QI e WU, 2013; SHARMINA, et. al. 2013; ROWE,
2013; MAHONY, 2014).
No caso do Brasil, a política científica e tecnológica administrada pelo MCTI em
conjunto com as agências de fomento à pesquisa busca articular através da Rede Clima
antigas e novas centrais de cálculo que possuem expertises consideradas relevantes no
tema das mudanças climáticas11. Dentre essas expertises, é notória a importância dada
pelo MCTI (e agências de fomento) ao desenvolvimento da modelagem climática
realizada, principalmente, nos centros do INPE (CCST e CPTEC). Conforme será
discutido nas próximas unidades, essa ênfase na modelagem climática e do sistema
terrestre tem uma orientação geoestratégica que busca localizar a questão das mudanças
climáticas globais e, ao mesmo tempo, inserir o Brasil no “mapa político-científico
internacional” das mudanças climáticas globais.
10 O termo cosmopolitismo aplicado aqui se refere ao sentido atribuído por Beck (2006) que discute uma
política compreendida à luz da multiplicação de modos de vida transnacionais numa perspectiva
multidimensional. 11 De forma geral, podemos pensar em quais são essas expertises levadas em conta pelo MCTI se listarmos
as sub-redes que compõe a Rede Clima e suas respectivas instituições: Economia (USP), Desastres Naturais
(UFSC), Zonas Costeiras (FURG), Energias Renováveis (UFRJ), Saúde (FIOCRUZ), Modelagem (INPE),
Serviços ambientais dos Ecossistemas (INPA), Biodiversidade e Ecossistemas (MPEG), Desenvolvimento
Regional (UnB), Oceanos (UFCE), Recursos Hídricos (UFPE), Agricultura (EMBRAPA), Cidades
(UNICAMP).
Recursos e Metodologia
Pensamos que para fazer uma Antropologia da Ciência e da Tecnologia é
necessário compreender as novas formas pelas quais as tecnologias e conhecimentos
participam da construção da sociedade. Para tanto, é preciso notar que os artefatos e
saberes produzidos em laboratório transitam em rotas complexas que interagem com
instituições científicas, governos, mídias e organizações sociais as mais diversificadas
(MONTEIRO, 2012).
Ao longo dessa pesquisa, foi verificado que a prática da modelagem climática é
realizada em laboratórios de supercomputação, mas também constatou-se que muito
desse trabalho (que ocorre através de softwares de programação) é feito pelos
pesquisadores em suas casas, dentre outros locais. Além disso, as interações dos
modeladores com seus pares e colaboradores frequentemente ocorrem via internet.
Notou-se, portanto, o caráter “multissituado” (FAUBION e MARCUS, 2009) e “virtual”
(BEAULIEU, 2004) desse campo, caráter que coloca desafios ao formato tradicional do
trabalho de campo da Antropologia.
Desse modo, assim como Gusterson (1997), pensamos que em casos como esse a
observação participante, tão cara a Antropologia, precisa incorporar técnicas mais
ecléticas. Gusterson (1997:116) sugere um “engajamento polimórfico”, isto é, uma
estratégia que pode envolver a interação com informantes em diversos lugares, não apenas
na comunidade local (ou no laboratório), mas às vezes na forma virtual. Além disso, esse
engajamento permite adotar um modo de coleta de dados bastante eclético através de uma
grande variedade de recursos e de diferentes maneiras.
Através desse tipo de engajamento metodológico, buscamos nessa pesquisa
“seguir” nossos informantes de maneiras bastante variadas que não se limitam aos seus
locais de trabalho. Houve interações face a face com pesquisadores em centros de
pesquisa em clima e modelagem na forma de observações e entrevistas12. Também houve
a participação em eventos como o ConClima (1ª Conferência Nacional de Mudanças
Climáticas Globais, São Paulo, 09/09/2013) e o Environmental Modelling in Amazonia,
(Manaus novembro de 2013) nos quais foi possível assistir apresentações dos resultados
de projetos de pesquisa e a exposição do andamento da formulação da política nacional
12 Ao todo, foram conduzidas 27 entrevistas presenciais com modeladores, coordenadores de pesquisa,
membros do MCTI e demais atores envolvidos com o tema da modelagem e pesquisa em mudanças
climáticas no Brasil. Foram feitas visitas aos centros de pesquisa em modelagem: CPTEC - Centro de
Previsão do Tempo e Estudos do Clima - INPE, CCST - Centro de Ciências do Sistema Terrestre - INPE e
no IAG/USP no período de março de 2013 a dezembro de 2013.
das mudanças climáticas13. Além disso, fez-se uso de materiais da internet coletados nos
sites dos centros de pesquisa e de órgãos do governo federal envolvidos com o tópico das
mudanças climáticas14, revistas e jornais online15, vídeos institucionais e de palestras
proferidas em eventos científicos16, atas de audiência públicas realizadas pela Comissão
Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) no Congresso Nacional17.
Modelos e a Política das mudanças climáticas no Brasil
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima possui um
requerimento que estabelece a necessidade dos países signatários produzirem avaliações
nacionais de vulnerabilidade e criar estimativas de impacto das mudanças climáticas
baseadas em cenários climáticos futuros18. Estes cenários são geralmente obtidos através
de resultados de previsões dos efeitos das mudanças climáticas realizadas através de
modelos computacionais do clima global.
Na atualidade, modelos computacionais são ferramentas centrais nas ciências
naturais, pois através deles os cientistas buscam entender como ocorrem os fenômenos e
problemas ambientais e prever seus desdobramentos (MORGAN e MORRISON, 1999;
LENHARD Et. Al. 2006). Na climatologia moderna, projeções simuladas por Modelos
de Circulação Geral da Atmosfera (GCM) formam o conhecimento fundamental sobre as
mudanças climáticas em escala global (EDWARDS, 2010). Os modelos mais complexos,
chamados modelos do sistema terrestre, incluem emissões de carbono antropogênicas e
acoplam processos oceânicos, atmosféricos e da superfície continental para representar o
movimento físico de gases (ou massas líquidas), transferência de energia, reflexão e
absorção da luz solar, dentre outros fenômenos (WEART, 2003, 2010). Um dos produtos
desses modelos do sistema terrestre são os cenários climáticos futuros que, conforme
13 A Conclima 2013 reuniu pesquisadores de todos os projetos de pesquisa da Rede Clima e formuladores
de política para discutir o andamento das pesquisas e das políticas nacionais. Nos intervalos e coffeebreaks
foi possível conversar com alguns pesquisadores e obter contato para futuras entrevistas. 14 A saber CCST - http://www.ccst.inpe.br/; CPTEC - http://www.cptec.inpe.br/; MCTI -
http://www.mcti.gov.br/; MMA - http://www.mma.gov.br/; SAE - http://www.sae.gov.br/site/; CNPQ -
http://www.cnpq.br/; FINEP - http://www.finep.gov.br/; CAPES - http://www.capes.gov.br/; FAPESP -
http://www.fapesp.br/; os acessos realizados em 01/06/2014. 15 Principalmente: Revista FAPESP - http://revistapesquisa.fapesp.br/; Jornal da Ciência
http://www.jornaldaciencia.org.br/; Acessos em 01/06/2014; 16 A maioria disponíveis no youtube, encontradas com palavras – chaves. 17 Atas disponíveis em:
http://www.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=CN&com=1450 acesso 02/06/2014; 18 Convenção sobre Mudanças do Clima.
Fonte: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/convencao_clima.pdf Acesso: 27/05/2014.
mencionado anteriormente, são utilizados como meio para elaborar estimativas de
impacto e adaptação aos efeitos do aquecimento atmosférico.
Historicamente, o desenvolvimento desses complexos modelos teve início nos
centros norte-americanos e europeus a partir da década de 1970. Apesar de a previsão
numérica do tempo já ter sido teorizada no início dos anos 1920, somente com o avanço
da computação nos anos 1960 os modelos numéricos puderam ser rodados em uma
infraestrutura de cálculo adequada e produzir resultados satisfatórios (WEART, 2010;
EDWARDS, 2010). Com o passar dos anos, o avanço da supercomputação, da
modelagem e das infraestruturas de telecomunicação possibilitou a operação da previsão
numérica do tempo em escalas temporais e resoluções cada vez maiores nos centros de
pesquisa meteorológica norte-americanos e europeus de modo que, no início da década
de 1990, a modelagem computacional do clima sazonal já havia suplantado
completamente a antiga climatologia estatística naqueles países (LYNCH, 2007,
HEYMANN, 2010).
Desse modo, o conhecimento em climatologia tornou-se gradativamente um
conhecimento dependente da programação de modelos e da infraestrutura de
supercomputação e telecomunicação global. Nesse sentido, pode-se falar em uma
infraestrutura do conhecimento global em clima, a qual Paul Edwards (2010) chamou de
“uma ampla máquina”. A condição de possuir e construir parte dessa infraestrutura
apresenta-se como um limitador da prática da ciência climática na atualidade, pois nem
todos os países possuem recursos financeiros para investirem, por exemplo, na compra
de um supercomputador e na formação de recursos humanos altamente especializados
para desenvolver modelos computacionais de alta complexidade.
Com a crescente importância das mudanças climáticas na agenda de organizações
internacionais como a ONU, a WMO (Organização Mundial da Meteorologia) e o IPCC,
o conhecimento em climatologia e modelagem das mudanças climáticas tornou-se
estratégico, pois a capacidade de negociação dos países nessas instâncias ficou fortemente
atrelada a sua capacidade de contribuir para o conhecimento científico que embasa a
discussão (JASANOFF e WYNNE, 1998; MILLER, 2004; WYNNE, 2010). Portanto,
realizar seus próprios cenários climáticos de vulnerabilidade, criar capacidades em
modelagem computacional, obter recursos de supercomputação e articular
internacionalmente seus próprios programas de pesquisas em mudanças climáticas é de
grande interesse nacional, principalmente, entre os países emergentes que almejam uma
posição de influência nessas instâncias internacionais (LAHSEN, 2002, 2004, 2009;
MAHONY, 2014).
No caso brasileiro, a partir dos anos 1990, com a realização da Conferência da
ONU sobre meio ambiente, posteriormente chamada Rio92, a posição diplomática do país
mudou em relação a discussão internacional sobre problemas ambientais. A respeito dessa
mudança, Lahsen (2002) argumenta que o Brasil saiu de uma posição de resistência ao
regime internacional das mudanças ambientais, defendida na Conferência da ONU em
Estocolmo no ano de 1972, para uma posição mais aberta e interessada no
desenvolvimento das ciências ambientais, principalmente, no bioma amazônico. Segundo
a autora, a transformação em direção à participação nesse regime ambiental internacional
foi em função de um “otimismo crescente” no Brasil (e em outros países do Sul), pois
percebeu-se que a atenção internacional às questões ambientais não pretendia se sobrepor
aos objetivos de desenvolvimento desses países. Ao contrário, poderiam servir para
interesses nacionais assegurando financiamentos, suporte e acesso à tecnologia para uma
estratégia de desenvolvimento mais sustentável. Assim, “os novos interesses ambientais
poderiam ser acoplados a uma agenda econômica pré-existente” (LAHSEN, 2002:04).
A pesquisa de Lahsen (2002), cujo trabalho de campo ocorreu no final dos anos
1990, sinalizou para a crescente importância dada aos modelos climáticos computacionais
e conhecimentos correlatos para as lideranças brasileiras envolvidas com a negociação
climática internacional naquela época. Através de entrevistas realizadas com membros do
MCTI, MMA e Itamaraty, Lahsen (2002) destacou que essas lideranças percebiam que a
dependência de projeções climáticas de grupos de modelagem estrangeiros significava
que a divisão geopolítica entre nações ricas e pobres persistia no regime ambiental
internacional devido aos limitados recursos dos fundos nacionais dos países do Sul para
essas pesquisas, principalmente, no domínio dos modelos climáticos globais e,
consequentemente, na produção de cenários climáticos futuros. Segundo a autora, os
pesquisadores entrevistados na época ressentiam-se pela ineficiência da burocracia que
envolve a ciência brasileira e dificulta a construção de uma capacidade em modelagem
climática no país, bem como o desenvolvimento de um modelo climático próprio.
A partir de 2007, as pesquisas em mudanças climáticas no Brasil ganharam grande
impulso através da criação de programas de pesquisa como a Rede Clima, o INCT das
Mudanças Climáticas e o Programa FAPESP em Mudanças Climáticas. A modelagem
das mudanças climáticas recebeu grande ênfase nesses programas, principalmente, com
a criação do Centro de Ciências do Sistema Terrestre no INPE, a construção do Modelo
Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM) e a produção de cenários climáticos futuros. Essa
importância pode ser percebida em diversas matérias na mídia científica e em jornais de
circulação nacional e internacional19. Por exemplo, a Revista Nature (2010)20 publicou
um breve artigo cujo título é “Os modeladores climáticos brasileiros estão prontos para
se tornarem globais”21. O texto fala sobre a compra do supercomputador Tupã (CRAY
XT6) alocado no INPE. No artigo, há um depoimento do diretor científico da FAPESP,
Brito Cruz, que diz que o que os cientistas brasileiros querem com o novo
supercomputador “é serem capazes de desenvolver e aperfeiçoar seus próprios modelos
para focar em questões regionais que são especialmente relevantes para o Brasil”22.
Conforme discutiremos a seguir, “focar em questões regionais que são
especialmente relevantes para o Brasil” envolve uma série de noções sobre como o
conhecimento científico em modelagem deve fazer parte da formulação de políticas e da
governança das mudanças climáticas. Tratamos a seguir da percepção dessa relação por
pesquisadores envolvidos em projetos de pesquisa em modelagem climática global no
Brasil, alguns deles, líderes dos programas de pesquisa nacionais em mudanças
climáticas.
Modelagem brasileira – Vulnerabilidade Local, Realismo Regional e Autonomia
Nacional
Nas entrevistas realizadas para essa pesquisa com pesquisadores23 brasileiros
sobre a importância do desenvolvimento da modelagem climática, também em suas
apresentações públicas em eventos científicos, bem como em audiências públicas da
CMMC e, até mesmo, em programas de TV24, percebeu-se três noções que
frequentemente se relacionam em seus discursos sobre a relevância das pesquisas em
modelagem: a noção de vulnerabilidade local, a noção de realismo regional obtido através
19 Principalmente a Revista FAPESP em diversos números (08/2008; 11/2010; 02/2013; 03/2013; 08/2013).
Jornal O Estado de São Paulo, 20 de fev. 2013. 20 TOLLEFSON, J. “Brazil’s Climate Modellers are set to go Global”. Nature, 468, 20, 2010. 21 Livre tradução dos autores (Idem). 22 Livre tradução dos autores (Ibdem). 23 É importante esclarecer que utilizaremos o termo “pesquisadores” de maneira geral, mas que a maioria
desses doutores são membros do MCTI, fazem parte dos conselhos científicos das agências de fomento e
são (ou foram) articuladores e coordenadores dos programas de pesquisa em mudanças climáticas no Brasil.
De certa forma, além de cientistas, podem ser considerados policy-makers. 24 Destaca-se uma edição do programa Roda Viva da TV Cultura em 19/08/2013 com pesquisador e
secretário do MCTI Carlos Nobre na qual foram discutidos temas como vulnerabilidade, adaptação e
ciência das mudanças climáticas.
do recurso da modelagem e a noção de autonomia nacional relacionada à necessidade de
criação de capacidades para essas pesquisas no país.
Vulnerabilidade Local
A vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas é tratada pelos
pesquisadores como uma urgência que devemos compreender e lidar através de modelos
climáticos mais adequados para as condições locais. O diretor do CCST, José Marengo25,
afirmou em sua fala no Conclima 2013 que a vulnerabilidade do Brasil às mudanças
climáticas concentra-se em três temas centrais: a segurança dos recursos hídricos, a
segurança da matriz energética e a segurança da produção agrícola. Marengo, (assim
como outros pesquisadores que serão mencionados a seguir), trata em suas apresentações
desses três temas de vulnerabilidade enfatizando os riscos econômicos relacionados, os
quais, segundo ele, a modelagem das mudanças climática pode ajudar a mensurar e
administrar.
Em entrevista concedida para esta pesquisa, o coordenador geral da Rede Clima,
Paulo Nobre, destacou a importância que a modelagem adquiriu atualmente no tratamento
do tema das mudanças climáticas no país advêm do fato de que “o Estado brasileiro
entendeu que, comparativamente a outros países, estava perdendo dinheiro por não
investir em previsão numérica do tempo e clima”26. Nessa visão, desenvolver modelos e
cenários climáticos regionais é justificável e fundamental para o planejamento da
economia nacional.
Nota-se que, valendo-se da noção de vulnerabilidade local e riscos econômicos,
os pesquisadores adotam a linguagem dos tomadores de decisão para convencê-los da
aplicabilidade dos modelos climáticos como fonte de informação. Portanto, tratar das
vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas em termos econômicos é uma
estratégia que pode conquistar novos aliados que defendam a utilidade da prática da
modelagem climática no planejamento de suas atividades27.
25 MARENGO, JOSÉ. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,
09/09/2013. Cerimônia de Abertura. 26 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 27 Nota-se que os primeiros cenários climáticos realizados para o Brasil foram utilizados em outros projetos
de pesquisa que focaram no impacto dessas mudanças no setor energético (SCHAFFER, Et. al. 2008) e na
agricultura (EMBRAPA, 2008). Destaca-se ainda, que o patrocinador da ConClima foi a empresa
MONSANTO, multinacional do agronegócio, que possui grandes investimentos nesse setor no país. Fonte:
http://www.institutocarbonobrasil.org.br/noticias2/noticia=735132 acesso: 05/06/2014.
Além dos riscos econômicos, há questões como áreas vulneráveis, eventos
extremos e a segurança pública que são frequentemente tratadas nos discursos dos
pesquisadores. Por exemplo, o pesquisador e secretário do MCTI, Carlos Nobre28, destaca
frequentemente em seus discursos o tema da vulnerabilidade e a maior ocorrência de
eventos extremos como enxurradas e tufões que põem em risco a população brasileira.
Como exemplos desses eventos extremos, Carlos Nobre cita o “furacão Catarina” que
atingiu o sul do Brasil em 2004, as enchentes em Santa Catarina em 2008 e os
deslizamentos no Rio de Janeiro em 2011. Esses eventos, segundo Nobre, “atingiram,
sobretudo os mais pobres”, isto é, os mais vulneráveis que “sofreram de maneira mais
dolorosa os efeitos das mudanças climáticas”29.
Na perspectiva desses pesquisadores, na definição e tratamento da questão da
vulnerabilidade, o monitoramento e a modelagem climática servem para prever eventos
extremos e auxiliar no planejamento e na ação de órgãos públicos como a defesa civil em
várias municipalidades. Dessa maneira, os modelos climáticos passam a ser associados
às preocupações nacionais particulares como as perdas na agricultura, “apagões” do setor
energético, enchentes e desabamentos. Assim, as mudanças climáticas são pensadas em
uma escala de tempo de proporções humanas, inculcando um sentido de urgência política
em relação ao assunto. Nessa perspectiva local da vulnerabilidade discursivamente
construída, os modelos climáticos são propostos como ferramentas que permitem
“localizar” a questão do clima, traduzindo-se30 em um meio para lidar com problemas e
demandas locais.
Realismo Regional
Com a vulnerabilidade sendo entendida em parte como uma variabilidade
climática de impactos locais, os potenciais usuários dos modelos e cenários climáticos
desenvolvidos pelos pesquisadores brasileiros podem ser convencidos da importância de
investir e possuir essas tecnologias. Nesse sentido, um segundo passo dado pelos
28 NOBRE, CARLOS (2014). Audiência Pública da CMMC 5ª Reunião, Senado, 13 de maio. NOBRE,
CARLOS (2013). Programa Roda Viva, TV Cultura, 19 de agosto. 29 Idem. 30 Adota-se o sentido de “tradução” conforme entendido por Callon (1986:02). “A tradução é um
mecanismo pelo qual os mundos ‘social e natural’ ganham forma progressivamente. O resultado é uma
situação em que certas entidades controlam outras. Traduzir-se para Callon é tornar-se “um ponto de
passagem obrigatório” pelo qual outros atores devem passar para lidarem com seus problemas e interesses.
Nesse sentido, na definição das vulnerabilidades em escala local, os modelos tornam-se uma condição para
o planejamento das ações governamentais.
pesquisadores é propor o desenvolvimento local dessas tecnologias ao invés de importá-
las.
A fim de justificar a construção de um modelo do sistema terrestre nacional os
pesquisadores do BESM apoiam-se no argumento de que nenhum modelo global
disponível simula as condições do clima na América do Sul de maneira adequada31.
Segundo o coordenador do projeto, Paulo Nobre, “o BESM é o eixo estruturante das
pesquisas em mudanças climáticas no Brasil porque visa fornecer os cenários climáticos
para as demais pesquisas no país” uma vez que “outros modelos não representam bem
fenômenos que são particulares para o Brasil como interação das florestas com o clima e
a interação do Oceano Atlântico com a atmosfera”32. Pretende-se, portanto, com o BESM
“um maior realismo e resolução do clima regional”33.
Entretanto, as simulações desses modelos devem dar provas aos outros atores de
quão realistas elas são em nível regional. Em entrevista realizada para essa pesquisa com
um membro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República34
envolvido com a elaboração do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas
(PNAMC), foi destacado que, em reuniões da presidência da república e do MMA, os
tomadores de decisão requerem os cenários climáticos prometidos pelos pesquisadores
em resoluções adequadas para que os estados e suas municipalidades possam formular
suas políticas, enfatizando que as pesquisas devem atentar para o que o governo sinaliza
como prioridade. Essas reivindicações, portanto, exigem que pesquisadores apresentem
seus resultados e demonstrem que suas “máquinas efetivamente funcionam”.
Conforme Latour (1999:310) assinalou, não é suficiente para os cientistas
simplesmente reivindicarem o realismo de suas pesquisas em seus discursos sem algum
exemplo de “produção de referência” que relacione o mundo empírico às séries de
inscrições produzidas por suas práticas. No caso do BESM, resultados preliminares do
seu desenvolvimento foram apresentados na Conclima como uma produção de referência
e prova de maior realismo do clima regional (Figura1).
31 Essa justificativa foi apresentada em todas as entrevistas conduzidas com os seguintes pesquisadores:
SAMPAIO, GILVAN. Entrevista realizada em 28/05/2013; NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em
21/06/2013; NOBRE, CARLOS. Entrevista realizada em 20/09/2013; COSTA, H. MARCOS. Entrevista
realizada em 05/12/2013; SIQUEIRA, LÉO. Entrevista realizada em 13/12/2013. 32 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 33 Idem. 34 O informante solicitou que seu nome não fosse mencionado, mantemos, portanto, o anonimato da fonte.
Entrevista realizada em 05/05/2014. Além dessa fonte, a mesma reivindicação dos formuladores de política
pode ser encontrada na fala de Sérgio Margulis (SEA), Carlos Klim (MMA), Gustavo Luedmann (MCTI)
e Couto Silva (MMA) no Conclima na mesa “C, T&I como apoio às Políticas Públicas”, 11/09/2013.
Figura 1- BESM - Representação de chuva sobre a Amazônia e sobre o Atlântico Sul. Fonte: NOBRE, Paulo, 2013.
A Figura 1, trata-se de um slide apresentado pelo pesquisador Paulo Nobre na
Conclima 2013. Tratam-se dos resultados das simulações realizadas com o BESM que
representam as chuvas sobre a região da Amazônia e no Atlântico Sul. A imagem (a)
representa os dados meteorológicos observados sobre a Amazônia e a Zona de
Convergência Intertropical do Atlântico, (b) e (c) são simulações feitas com o BESM; (b)
é uma simulação com uma versão mais antiga do modelo que foi publicada no CMIP5,
mas que ainda se equipara aos demais modelos globais; (c) é uma simulação com uma
versão mais recente do BESM que, segundo Nobre, “corrigiu um erro que existe em todos
os modelos globais que é não representar as chuvas sobre a Amazônia e fazer chover
muito no Atlântico Sul”35.
Esses resultados apresentados por Nobre, podem ser entendidos como
“inscrições”, isto é, como produtos das máquinas dos laboratórios (inscritores), por
exemplo, gráficos, mapas, índices etc. Segundo Latour e Woolgar (1979:60), ao serem
obtidas, as inscrições “fazem esquecer o conjunto de etapas intermediárias que tornaram
35 Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo, 09/09/2013.
Apresentação BESM, motivação e desafio.
(b) (c)
(a)
possível sua produção” e passam a “constituir uma realidade artificial da qual os atores
falam como se fosse uma entidade objetiva”. Através das inscrições produzidas pelo
BESM, Paulo Nobre sugeriu em sua apresentação uma equivalência entre o observado e
o simulado ao dizer “agora estamos levando em conta as chuvas na Amazônia e no
Atlântico Sul, que os outros modelos não representavam”. Em sua fala, o simulado é
tomado como referência36 e passa a ser utilizado com o objetivo de convencer, conquistar
aliados para dar suporte a prática da modelagem, uma vez que agora, “de maneira mais
realista, podemos prever os efeitos da mudança do clima na América do Sul”37. Ao
destacar os resultados do BESM sobre a Amazônia e o Atlântico Sul, Paulo Nobre
constrói uma noção de maior realismo regional ao declarar que “com o BESM somos
capazes de representar a América do Sul com uma acurácia muito maior em pontos que
são resolvidos de uma maneira insuficiente nos demais modelos climáticos disponíveis38.
A seleção dessas regiões na América do Sul como foco da modelagem brasileira
sugere uma lógica territorial interessante. O Atlântico Sul e a Amazônia são regiões de
grande importância geopolítica para o Brasil. Desse modo, representar essas regiões com
maior “realismo” do que outros países é uma forma de governar, epistêmica e
politicamente, esses espaços39.
Autonomia Nacional
O discurso da vulnerabilidade local e do realismo regional na fala dos
pesquisadores se une a uma linguagem de autonomia e da necessidade de ser
36 O interessante é pensar aqui a referência, conforme sugeriu Latour (1999), como sendo circulante numa
cadeia de transformação na qual os fenômenos ocorrem. Além disso, no caso das simulações cabe destacar
a discussão feita por Shackley e Wynne (1996) e Lahsen (2005) sobre como os modeladores lidam com a
incerteza de suas simulações. Para esses autores, não está claro que os modeladores consideram seus
modelos Truth-Machines o tempo todo, isto é, como a realidade ela mesma. Ao invés disso, através dos
grupos que estudaram, esses autores sugerem que os modeladores mobilizam a incerteza de acordo com o
público para o qual falam sobre seus modelos, tratando em certos momentos seus modelos como
equivalentes a realidade e as vezes como meras aproximações que carecem de melhorias. Isso também pode
ser verificado nessa pesquisa. Quando as entrevistas eram realizadas em privado, os modeladores se
referiam aos seus modelos como “aproximações sempre incompletas da realidade”, mas nos eventos
públicos, como a Conclima, optavam por destacar o caráter objetivo das ciências exatas, o uso da
supercomputação como infraestrutura e enfatizar a utilidade pública de suas pesquisas. 37 NOBRE, PAULO. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,
09/09/2013. Apresentação BESM, motivação e desafio. 38 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 39 Nas entrevistas realizadas com meteorologistas do CPTEC/INPE para essa pesquisa, era comum eles
dizerem que sua missão é “ produzir a melhor previsão do tempo e clima para o Brasil e a América do Sul”
e que “ninguém deveria fazê-la melhor para essa região do mundo”. Isso demonstra que a Meteorologia é
compreendida por esses pesquisadores como uma questão estratégica do Estado.
autossuficiente quando se trata de produzir e avaliar as informações disponíveis sobre os
impactos das mudanças climáticas.
Em entrevista para essa pesquisa, Carlos Nobre afirmou que o projeto do BESM
mostra que “o Brasil finalmente atingiu um estágio de autonomia para gerar seus próprios
cenários climáticos”40. Ao ser perguntado a respeito do que ele entende por autonomia
em modelagem ele declarou:
Quando a gente diz autonomia é na inteligência, é no software. O que queremos
dizer é que nós temos uma comunidade científica que sabe modelar o clima,
que entende dos processos químicos, físicos, biológicos, oceânicos,
atmosféricos, na vegetação, no solo, na água, que sabe entender o que a
mudança climática vai causar em relação à agricultura, biodiversidade, zonas
costeiras etc.41
Autonomia, portanto, está relacionada à criação de capacidades em modelagem,
isto é, saber modelar e gerar seus próprios cenários climático futuros. Além disso,
segundo o pesquisador, autonomia refere-se ao fato de que “a comunidade científica
brasileira não precisa esperar para que os centros europeus e americanos representem os
diferentes processos relacionados ao clima que são importantes para a América do Sul”42.
Ele ainda ressaltou que “o BESM é nossa maneira de contribuir para o esforço de
melhorar a modelagem global”, pois “modelagem é algo como colocar tijolinhos, cada
um faz um pedacinho pequeno e colabora para o todo”43.
Paulo Nobre, por sua vez, destacou que possuir um modelo “padrão IPCC” como
o BESM é um “esforço nacional” sem o qual “não seriamos parte do grupo de países que
contribui com conhecimento em modelagem para o IPCC”44. Segundo ele, através do
BESM e de sua primeira contribuição para o 5º Relatório do IPCC, “nós começamos a
aparecer no radar internacional mostrando que no Brasil não é somente futebol e café, é
inovação também”45. O discurso da autonomia nacional em modelagem associa-se ao da
necessidade de internacionalização da ciência brasileira46. Nessa perspectiva, o Brasil ter
40 NOBRE, CARLOS. Entrevista realizada em 20/09/2013. 41 Idem. 42 Ibdem. 43 Ibdem. 44 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013 45 Idem. 46 Conforme destacado por Velho e Ramos (2014:263) a internacionalização da ciência está, com destaque,
na pauta da Política Científica e Tecnológica da maioria dos países industrializados e de industrialização
recente. “Uma passada de olhos pelos documentos oficiais e pelos programas das agências financiadoras
de P&D dos mais variados países revela que todos eles incluem ações e instrumentos visando incentivar a
dimensão internacional da ciência”. No caso do Brasil, as autoras notam que a importância de estimular a
o seu próprio modelo do sistema terrestre, a exemplo dos outros 14 países desenvolvidos
que constroem essa tecnologia, é um modo de “inserir-se no primeiro mundo” e não se
mostrar submisso aos países do Norte.
A questão da autonomia nacional na pesquisa em modelagem e de sua relação
com inserção internacional da ciência brasileira tem um sentido geopolítico importante,
principalmente, na posição do Brasil como uma liderança entre os BRICS. Essa relação
de coprodução da ciência e da política evidencia-se na Declaração da Cidade do Cabo na
qual os BRICS oficializaram a decisão de aprofundar a cooperação em ciência, tecnologia
e inovação47. O documento expressa a intenção de enfrentar os desafios socioeconômicos
globais e regionais comuns ao bloco; gerar novos conhecimentos e produtos inovadores,
serviços e processos; e promover parcerias com outros atores estratégicos no mundo em
desenvolvimento. As cinco áreas temáticas de colaboração são: alterações climáticas e
mitigação de desastres; recursos hídricos e de tratamento da poluição; tecnologia
geoespacial e suas aplicações; energias alternativas e renováveis; e astronomia.
Na área das mudanças climáticas, foi realizado no Brasil no presente ano (2014)
um workshop que antecedeu a cúpula dos BRICS48. A respeito da ocasião, Carlos Nobre,
em sua posição de Secretário do MCTI, declarou que a geração de pesquisadores da qual
ele faz parte se formou em um ambiente em que tudo passava por Estados Unidos e
Europa. "Nós, de países em desenvolvimento, sempre olhávamos para o Norte em busca
de intercâmbio científico", lembrou. "Mas o mundo não é composto apenas por um
hemisfério, e as nações dos BRICS mostram claramente outros arranjos, que são
essenciais para o desenvolvimento sustentável do planeta como um todo."49.
A modelagem das mudanças climáticas brasileira em sua pretendida posição de
autonomia almeja colocar-se nesse cenário político como uma liderança na pesquisa
científica em mudanças climáticas entre esses países. A respeito disso, ressalta-se que o
BESM foi apresentado na China em um evento organizado pela FAPESP no qual
destacou-se os avanços feitos em suas simulações para o Hemisfério Sul50. Nesse sentido,
a autonomia nacional da pesquisa em modelagem proporciona ao Brasil um lugar
internacionalização da ciência tem já alguns anos e que, apesar da participação brasileira em redes
internacionais ainda ser muito baixa, ela é desejada pelos órgãos de governo. 47 Fonte: MCTI: http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/352787.html acesso 28/05/2014 48 Jornal da Ciência, 08 de maio de 2014, versão online
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.php?id=93115 acesso em 28/05/2014. 49 Idem. 50 Fonte: Revista FAPESP, 22/04/2004, http://agencia.fapesp.br/18950 acesso: 28/05/2014.
favorável para estabelecer modos de colaboração científica nos quais poderá oferecer
conhecimento e tecnologia em áreas específicas e solicitar em outras.
Dado o exposto, percebe-se que o conhecimento científico em modelagem
climática brasileiro permite coproduzir a ordem política nacional promovendo uma
reafirmação do Estado-Nação, sua territorialidade e influência geopolítica. Desse modo,
na recente evolução do debate das mudanças climáticas a visão idealizada de “um mundo
sem fronteiras” é desafiada no sentido de que a autonomia nacional do conhecimento e
da política sobre o território e o clima é fundamental nas ações do Estado. Assim, a
modelagem climática é parte de uma geoestratégia ao produzir “conhecimento territorial
do futuro” que possibilita ações de cálculo e determinadas políticas que visam agir sobre
o território, mas também “exercer a política por outros meios” (ELZINGA, 1993)
internacionalmente.
Predição e Tomada de Decisão em Nível Local.
Segundo José Marengo51, onde se quer chegar com o desenvolvimento da
modelagem do sistema terrestre no Brasil é em um Sistema de Modelagem Regional do
Sistema Terrestre (SMRST). Marengo explica que essa é uma iniciativa do governo
federal que visa desenvolver e rodar o BESM e outros modelos globais e regionais com
altíssima resolução (5-10km) no supercomputador Tupã no INPE. Esses modelos em alta
resolução, segundo Marengo, possibilitariam estudos de impacto, adaptação e
vulnerabilidade em diversos temas (ver figura 2) que orientariam as políticas públicas no
Brasil e em outros países da América do Sul e Central52.
Figura 2 - Sistema de Modelagem Regional do Sistema Terrestre (SMRST) Fonte: Elaborado pelos autores (2014) com base em MARENGO, 201353.
51 MARENGO, JOSÉ. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,
11/09/2013. Cenários climáticos, adaptação e vulnerabilidade. 52 Marengo destacou em sua apresentação na Conclima que os países da América Central solicitaram
cenários climáticos adaptados a sua realidade local, os quais, o BESM, quando atingir maior resolução,
poderá fornecer. 53 Idem.
•Análise da variabilidade climática presente
•Projeções de climas futuros em alta resolução
Modelagem global e
regional de altissima resolução
•Agricultura, urbanização, eventos extremos
•Biodiversidade, saúde, econômia
Estudos de Impacto,
adapatação e
variabilidade
• Políticas públicas ambientais
• Estratégias de adaptação, medidas de mitigação, ações de emergência
Formulação de políticas
Tomada de decisão
A construção do SMRST, como uma possível interação entre ciência e política, é
sugerida pelo pesquisador (e por outros pesquisadores envolvidos no projeto) na forma
de um modelo linear de interação (conforme representado na figura 2) entre o
conhecimento científico e a política no processo decisório. Esse modelo linear sugere que
a autoridade do conhecimento científico deve preceder a tomada de decisão política e que,
esta última, depende desse tipo de conhecimento. Tal modelo, já discutido por autores
dos ESCT, reforça um entendimento de que a ciência e a política são domínios
completamente separados. Segundo Latour (1994,1999), esse modelo sugere que à
ciência cabe falar sobre os fatos de maneira objetiva e imparcial e à política lidar com os
valores e interesses político-econômicos. Pensa-se, portanto, que o conhecimento
científico é capaz de produzir consenso e racionalidade no processo decisório resultando
em decisões mais adequadas. Não obstante, autores dos ESCT em vários estudos de caso
empiricamente documentados demonstraram tratar-se de uma relação idealizada que, de
maneira inversa, pode obscurecer o processo político em curso (WEINBERG, 1972;
NELKIN. 1971, 1979; JASANOFF, 1990; SAREWITZ, 2004).
Através do modelo linear apresentado, a habilidade científica de prever o clima
futuro através de modelos em escalas interessantes para os tomadores de decisão pretende
ser adotada como um modo de racionalizar a definição de vulnerabilidade e a tomada de
decisão tornando esses processos mais objetivos. Segundo essa visão, a habilidade das
ciências físicas e computacionais do sistema terrestre é produtora de um poder definidor
e orientador do debate sobre o clima. A respeito disso, a questão que precisa ser feita é se
essa iniciativa tem privilegiado uma abordagem da adaptação sobre outras que,
potencialmente, poderiam gerar decisões mais socialmente robustas54.
Considerações Finais
Ao longo desse artigo, discutiu-se que o governo brasileiro tem construído centrais
de cálculo para lidar com o problema das mudanças climáticas reforçando noções de
autonomia e de territorialidade do Estado-Nação que destoam de um discurso globalista
que entende que lidar com essas mudanças necessariamente implica em uma forma de
54 Uma alternativa no campo da modelagem é a prática da modelagem baseada e agentes que parte do
princípio de que o modelo conceitual que embasa os modelos matemáticos e a própria noção de
vulnerabilidade deve ser discutida com os agentes locais que habitam a área a ser modelada. Sobre o tema
ver: FEITOSA e MONTEIRO (2012).
governança transnacional na qual as fronteiras adquirem pouca importância. Indicou-se
que a prática da modelagem produz um novo conhecimento territorial geoestratégico
coproduzido pela ciência e política climática. A posse dessas centrais de cálculo em
mudanças do clima torna o Estado brasileiro detentor de conhecimentos e tecnologias de
simulação e previsão que redefinem relações de poder nacionais e internacionais.
Internacionalmente, isso possibilita a inserção do Brasil no seleto grupo de países
que colaboram com conhecimento em modelagem global para o IPCC aumentando o
poder de negociação do país nessa e em outras arenas. Nesse sentido, conforme observou
Ezrahi (1990), na democracia liberal os Estados precisam da autoridade da ciência para
legitimar suas ações, e em um contexto de discussões sobre problemas internacionais,
esses Estados buscam construir e utilizar bases nacionais de expertise (tratadas aqui como
centrais de cálculo) para poderem mobilizar interpretações científicas que sejam
favoráveis as suas posições. Portanto, nas instâncias internacionais de negociação, é
fundamental que ciência e política possam consubstanciar-se para que as decisões sejam
favoráveis aos interesses nacionais. No caso do Brasil, há ainda uma busca por uma
posição de liderança entre os BRICS e o fato de o país tornar-se líder em conhecimentos
específicos sobre o clima reforça essa iniciativa.
Tratando-se de questões regionais, as centrais de cálculo em mudanças climáticas
podem vir a estabelecer uma abordagem top-down da questão da adaptação a essas
mudanças, pois tomam como tecnologias centrais para a definição da vulnerabilidade os
modelos climáticos globais operacionalizados exclusivamente em grandes centros de
estudos climatológicos que possuem infraestruturas de supercomputação e pessoal
altamente especializado. Isso pode incorrer no erro de pensar que ações cientificamente
calculadas e centralizadas são suficientes para tratar de um problema socialmente
complexo como o das mudanças climáticas. Sobre essa questão, um número expressivo
de estudos já tem discutido que uma estratégia de adaptação e mitigação que não leva em
conta a multiplicidade de fatores sociais, políticos, econômicos e culturais presentes nas
diferentes localidades pode ser uma opção arriscada e fadada ao insucesso (HULME,
2009; 2011; DESSAI, et. al. 2009; JASANOFF, 2010; TADDEI, 2012). Nesse sentido, o
uso dos modelos climáticos globais, pode servir somente como um “olho do poder” que
se valendo do privilégio de ter uma ontologia global incorrem no desempoderamento das
ontologias locais (INGOLD, 2000:216; TSING, 2006), perdendo a chance de se tornarem
objetos técnicos voltados a um modo de tomada de decisão mais participativo.
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