7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
1/114
agora, squerda?
Porfrio Silva
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
2/114
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
3/114
ndice
Introduo ..................................................................................................................................... 1
Teoria e prtica. Carta ao PS. ........................................................................................................ 5
O messias, a agenda da dcada e a agenda da espuma dos dias (ou "Costa e os imediatistas") . 8
Mobilizar Portugal ....................................................................................................................... 14
Grandes opes do governo para mobilizar Portugal ................................................................. 21
Contratos incompletos e as primrias do PS ............................................................................... 24
"H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a s-lo" ............................................ 27
Os socialistas e a esquerda da esquerda ..................................................................................... 30
Viaggio in Italia ............................................................................................................................ 35
Afinal, somos todos gregos? ....................................................................................................... 37
Hoje a Grcia. Lies antes do voto ............................................................................................ 39
O que est em causa na Grcia o interesse nacional, no uma questo partidria ............. 41
A Grcia no Portugal ............................................................................................................... 43
Com a Grcia, ressuscitar o mtodo comunitrio ....................................................................... 45
Algo que nem chega a ser uma polmica ................................................................................... 47
Postal para Pedro Santos Guerreiro. ........................................................................................... 49
A Europa a ver-se grega .............................................................................................................. 51
A Grcia e o canto das sereias..................................................................................................... 53
Um novo comeo para o dilogo social? .................................................................................... 55
No queremos instalar a rutura no pas.................................................................................. 58
A arrogncia da esquerda ser melhor que a estupidez da direita? (ou, pequeno tratado sobre
a cagufa em poltica) ................................................................................................................... 70
Por um debate decente esquerda ............................................................................................ 76A direita esqueceu de vez o interesse nacional....................................................................... 79
Desafio socialista ao PCP e ao BE: Faam uma coligao........................................................ 82
Um fracasso europeu .................................................................................................................. 86
Juntar geraes ........................................................................................................................... 91
A Grcia, depois do referendo .................................................................................................... 93
A Grcia no foi expulsa do euro ................................................................................................ 95
Um pragmtico de esquerda ....................................................................................................... 96
E agora, Esquerda? ...................................................................................................................... 98
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
4/114
Coerncia. Recusar a teoria do arco da governao. ................................................................ 102
Defender a democracia representativa .................................................................................... 104
O arco da responsabilidade ....................................................................................................... 106
Um antigo partido social-democrata e um antigo partido democrata-cristo ......................... 109
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
5/114
1
Introduo.
No dia em que fui eleito para o Secretariado Nacional do Partido Socialista, a 30 de
novembro de 2014, escrevi no meu blogue: A fidelidade mais necessria (e mais
difcil) a fidelidade a si prprio.Assinalei, assim, a minha conscincia de que, ao
assumir responsabilidades polticas entramos numa inescapvel negociao entre a
nossa prpria histria de posicionamento nos debates pblicos (que, pela palavra
dada, firma compromissos) e a pertena a coletivos plurais onde nunca podemos
abrigar-nos no unanimismo ou na lealdade cega.
Dessa data at hoje passou pouco tempo, mas um tempo intenso. Um tempo que,
alis, se prolonga para trs, na campanha Mobilizar Portugal, que levou Antnio
Costa liderana do Partido Socialista, onde tive a responsabilidade de coordenar a
moo poltica apresentada aos militantes e simpatizantes e, atravs deles, ao pas.
Desse perodo deixo aqui testemunho, recolhendo as principais tomadas de posio
que assumi nesse percurso pblico.
Este tempo foi lugar para grandes debates programticos, marcados, nomeadamente,
pela metodologia inovadora adotada por Antnio Costa para construir o programa
eleitoral do Partido Socialista, metodologia desenhada para que os compromissos
assumidos no ignorassem os constrangimentos econmicos e financeiros, incluindo o
enquadramento resultante do empenhamento europeu do pas e do partido.
Neste tempo rico de debates pblicos, a dominante da minha interveno foi menos
abrangente, tendo-se focado nas condies em que os socialistas podem, no mundo
de hoje, assumir-se como fora de esquerda. Em Portugal, isso passou largamente
pelas discusses acerca da governabilidade. Na Europa, neste tempo, este debate foi
intensamente atravessado pela experincia grega. , pois, natural, que os textos aqui
recolhidos girem largamente em torno dessas questes.
Ao juzo do leitor fica a questo de saber se consegui a necessria e difcil fidelidade
comigo mesmo. Para quem faz poltica e, por isso, deve responder pelas suas palavras
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
6/114
2
e atos, essa questo no despicienda. E no uma questo privada, nem uma
questo pessoal. Pela minha parte, embora tenha andado dcadas afastado da poltica
ativa, nunca deixei de me pronunciar sobre uma viso geral para o pas, para o Partido
Socialista e para a esquerda portuguesa. Um momento desse meu empenhamento foio congresso do PS em 2004.
O XIV Congresso Nacional do PS, em 2004, foi um congresso importante. Elegeu, em
diretas, o Secretrio-geral que sucederia a Ferro Rodrigues. Apresentaram-se trs
candidatos: Jos Scrates, Manuel Alegre e Joo Soares. A vitria foi alcanada por
Scrates, num processo de mobilizao que daria um grande impulso, na opinio
pblica, vitria do partido nas legislativas subsequentes.
Nesse processo, alguns militantes socialistas tomaram a opo de no apoiar nenhum
dos candidatos a lder do partido para, mais livremente, se empenharem na iniciativa
de uma moo de orientao poltica nacional, no acompanhada de candidatura a
secretrio-geral. Tendo chegado ultraminoritria ao congresso, onde s foi a discusso
por generosidade de delegados das outras moes que subscreveram no prprio local
o texto, essa moo conseguiu, mesmo assim, assinalar alguns pontos politicamente
relevantes para pensar o lugar do PS na democracia portuguesa. Desse gesto pouco
ficou, mas a moo Uma Esquerda com Razes e com Futuro, de que fui promotor e
primeiro subscritor, assinalou alguns pontos que ainda hoje tm caminho para fazer.
J na altura defendemos, com toda a clareza, que, sendo o PS um partido moderado,
pela sua vocao para construir consensos slidos em torno de grandes desgnios
nacionais, deve apostar em congregar foras para grandes desgnios nacionais que
no podem ser prosseguidos apenas nos limites temporais de uma ou duas legislaturas
e cuja concretizao no deveria ser prejudicada pelo exerccio normal da alternncia
democrtica. Exemplos: desafios do envelhecimento demogrfico e novas polticas de
imigrao; reforma democrtica do Estado; estratgia de desenvolvimento sustentado;
qualificao das pessoas e das instituies; prioridade s reas sociais essenciais a uma
modernizao solidria; igualdade entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, era
claro em afirmar que ser moderado no ser centrista: o PS um partido de
esquerda e, portanto, cabe-lhe a responsabilidade de fazer funcionar o sistema dealternativas dentro do regime. No basta garantir a rotatividade, que o eleitorado
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
7/114
3
entende como um fracasso do sistema de partidos em permitir ao povo que possa
escolher.
Em consequncia, acrescentvamos, o PS deve desafiar os outros partidos da
esquerda parlamentar para o debate pblico da governao, para que as polticas de
um futuro governo de esquerda no fiquem refns de qualquer eleitoralismo ou
retrica de facilidades. E, sem tibiezas: A esquerda consequente no teme as
responsabilidades da governao. Entre o PS e outros partidos de esquerda h
divergncias importantes que teriam de ser resolvidas para que uma convergncia em
termos de polticas governativas fosse possvel. O debate da governao esquerda
no ser, provavelmente, fcil. Mas necessrio.E davam-se exemplos de tpicos
inescapveis desse debate: o empenhamento europeu de Portugal com o objetivo de
melhor fazer valer na UE as orientaes polticas que importam modernizao
solidria do nosso pas; a necessria compatibilizao de competitividade na economia
e direitos dos trabalhadores; a modernizao da administrao pblica, essencial ao
reforo dos poderes pblicos no cumprimento cabal das suas responsabilidades,
contra as falsas solues da facilidade ideolgica direita (enfraquecer, desmantelar,
privatizar) e tambm contra qualquer esquerda que caia na armadilha de tornar-se
aliado involuntrio dessa direita, ignorando parmetros importantes do problema
(onde defendia, por exemplo, a descentralizao e uma avaliao de desempenho
justa e com consequncias).
No fundo, estavam em causa, e continuam a estar hoje, matrias atinentes questo
central da autonomia estratgica do Partido Socialista: o PS no nem a esquerda
privativa da direita, nem a ala direita da esquerda, nem o centro geomtrico do
sistema poltico. O PS esquerda democrtica e no prescinde, em circunstncia
alguma, nem da esquerda nem da democracia. E cabe-lhe, em cada momento, definir
como deve agir para que a sua posio peculiar no quadro das foras polticas
contribua para uma dinmica de progresso na democracia portuguesa. Todo esse
desafio est hoje inteiro nas opes estratgicas dos socialistas.
Escolhi como fronteira temporal destes textos a minha entrada em funes como
deputado Assembleia da Repblica. Todos os textos so anteriores a esse momento.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
8/114
4
No h nada de transcendente nesse momento, mas faz sentido deixar clara esta
circunstncia. Porque nada no mundo real est ganho ou perdido antes de ser feito.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
9/114
5
Teoria e prtica. Carta ao PS.
Anuncia-se que Antnio Costa vai apresentar esta sexta-feira as linhas programticas
com que quer trabalhar no partido e no pas. Acho bem, por todas as razes. Contudo,
antes disso, quero esclarecer um ponto para mim importante.
A tese de que em poltica o que conta o programa , h bastante tempo, uma tese
popular. sombra dessa tese pode afirmar-se uma magnfica preferncia pelas
"ideias", "sem estarmos agarrados a pessoalismos".
No estou sequer a referir-me a uma forma extrema e desonesta desta tese, que a
(pequena) histria j viu muitas vezes ser usada pelos dirigentes de turno, que tratam
de preservar a sua posio acusando de ambiciosos aqueles que se proponham
substitu-los no lugar, "por colocarem as questes em termos de pessoas". Claro que
h pessoas com ambies desmedidas, pouco apropriadas ao seu valor, mas essa m
ambio tanto se pode manifestar assaltando o poder como querendo mant-lo a todo
o custo.
No estou a referir-me a esse extremo: estou a referir-me ideia muito espalhada deque, desde que estejamos de acordo no programa, nas ideias, na "teoria", o resto
"simplesmente" questo de aplicao - e nada de essencial iria no aplicar. A prtica
guiada pela teoria e, desde que estejamos de acordo na teoria, no haver problema
na prtica - pretende essa viso das coisas.
Pois, eu discordo profundamente dessa ideia. No caso de um partido poltico, normal
que haja uma enorme coincidncia de pontos de vista em muitos assuntos relevantes
para a orientao do pas. As divergncias nem sempre podem ser sanadas, mas
podem ser resolvidas - ou "adiadas", quando isso seja necessrio para travar batalhas
importantes para o pas. Portanto, a coincidncia programtica pode nunca ser total -
e isso nem sempre grave -, mas a prtica pode ser ainda mais importante do que o
programa.
Por vrias razes. Porque, chegados ao governo, acontecero muitas coisas que no
estavam precisamente previstas na "teoria", porque os programas no conseguem
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
10/114
6
explicitar todos os valores que esto em causa, porque a interpretao dinmica do
programa pode ser feita de formas muito diferentes por pessoas diferentes. Como
ganhamos (ou no ganhamos) confiana em que certas pessoas faro bom uso do
programa, chegado o momento de o aplicar? S olhando para a teoria? No. Olhandotambm para "a equipa". Ah, l est, a vem a acusao: afinal ests a cair em
messianismos, pessoalismos, subjetivismos.
No. Quando me importa saber quem levar prtica um programa (qual a equipa,
quem o lder), no estou a depositar confiana num indivduo (ou indivduos). No tal
"messias" ou num escol. No isso que atrai o meu olhar. Quando quero escolher um
lder e uma equipa, no apenas um programa, quero escolher uma forma de fazer que
seja conhecida, uma postura, uma atitude - e tudo isso tem de ter uma histria, um
percurso, tem de ter sido provado ao longo do tempo, em circunstncias concretas,
quando as pessoas foram experimentadas pelas tempestades. Quero julgar com base
na prtica real, em terreno aberto, no apenas com base no "laboratrio". A teoria s
passa verdadeiramente a prova da vida quando a tentamos levar prtica: e uma
prtica errada pode ser apenas o coveiro de uma magnfica teoria ou programa.
por isso que, quando olho para o PS e para o pas, aqui e agora, e observo o
movimento que Antnio Costa introduziu, digo: sim, quero saber se ele traz alguma
clarificao programtica, alguma luz que fure a neblina dos subentendidos, alguma
ideia mais mobilizadora - mas isso no quer dizer que eu esteja s espera disso. Isso
quer dizer que entendo que o PS e o pas precisam, desde logo, de outra prtica da
poltica, de outra prtica da governao, mais aglutinadora, mais mobilizadora, mais
criativa, mais ousada, mais capaz de fazer pontes, de romper tabus, de moldar em
lugar de ser moldado. De fazer compromissos largos guiados por uma ideia de futuro e
no falsos consensos que unam fraquezas vrias numa demisso coletiva. Estou
espera das ideias novas, mas, provavelmente, estou at mais espera de uma forma
de fazer que seja nova.
Precisamos de uma fora serena. E isso uma questo de prtica.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
11/114
7
Apesar dos muito espalhados preconceitos intelectualistas e hiper-racionalistas, creio
que, tambm em poltica, por vezes o mundo muda-se mais mudando a prtica do que
mudando a teoria.
(5 de Junho de 2014, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
12/114
8
O messias, a agenda da dcada e a agenda da espuma dos
dias (ou "Costa e os imediatistas")
- I -
Antnio Costa, a propsito da Conveno Nacional Mobilizar Portugal que se realiza
este sbado em Aveiro, falou ontem com a imprensa sobre a Agenda para a Dcada.
Explicou que o processo de Mobilizar Portugal tem vrias etapas, vrios nveis,
sublinhando que no podemos esgotar todas as foras do Pas a pensar no imediato. E
declarou que a Agenda da Dcada uma pea fundamental do seu projeto para
Mobilizar Portugal, j que ela deve permitir uma larga congregao de esforos em
objetivos estratgicos de longo prazo que no estejam sempre a mudar quando muda
o governoou, pior, quando muda o ministro, mesmo que seja no mesmo governo.
Reao, bastante partilhada em vrios meios, quer por jornalistas, quer por
comentadores de vrios feitios: Antnio Costa (ou a Conveno) no quer falar dos
temas prementes, como a dvida ou o dfice, e quer empatar-nos falando de coisasdistantes no tempo. O subentendido, que alguns explicitaram, : Antnio Costa est a
querer enganar-nos, evitando falar dos temas difceis, talvez por no ter nada para
dizer. Merece reflexo esta reaco proposta de Antnio Costa. E merece reflexo
porque estes comentrios fazem parte do estado a que isto chegou, como teria
dito Salgueiro Maia. O estado a que chegou o debate pblico nacional.
- II -
Quem duvida de que o programa de recuperao do Pas no se pode esgotar na
agenda de uma legislatura?
Quem duvida de que precisamos de uma agenda que nos permita olhar em frente e
lanar as bases para um Pas mais prspero, mais eficiente, mais inovador, mais
sustentvel, mais coeso e solidrio, mais culto, mais influente na Unio Europeia e noMundo?
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
13/114
9
Quem duvida de que uma ambio desta dimenso precisa de mais tempo, de uma
continuidade nas polticas, de objetivos claros e de linhas de rumo bem definidas ?
Quem duvida de que uma ambio desta dimenso precisa de uma Agenda
estratgica para uma dcada, que mobilize fortemente o conjunto da sociedade em
torno de objetivos nacionais comuns?
Creio que ningum, que tenha refletido sobre o Portugal das ltimas dcadas, duvidar
da necessidade desta Agenda para a prxima Dcada e da necessidade de um
mtodo poltico que comece pela estratgia, em vez de comear pelo imediato e pelo
curto prazo.
Um exemplo simples. Qualquer anlise ao problema das qualificaes dos
portugueses, e ao seu impacto nas nossas debilidades como economia, mostra que o
Pas precisa de um sistema de formao de adultos, numa lgica de aprendizagem ao
longo da vida. Como o problema das qualificaes s pode ser resolvido no longo
prazo, no faz sentido que cada governo que chega inverta tudo o que fez o governo
anterior, s por uma questo de luta poltica imediata. Sem prejuzo de que qualquer
linha de ao pode sempre sofrer correes, mas as correes podem ser
incrementais, no tm de querer comear tudo de novo de cada vez. Em vez disso,
para continuar no exemplo, usaram-se mtodos terroristas para lidar com o programa
Novas Oportunidades, confundindo destruio (que se paga cara) com melhorias mais
ou menos pontuais (que so sempre necessrias em qualquer obra humana).
- III -
Este problemavistas curtas do funcionamento do nosso sistema polticoest
identificado. O problema adicional que ningum conseguiu, at ao momento, mudar
esta realidade no sentido desejado: dar profundidade estratgica governao do
Pas. A ideia de Antnio Costa, com a Agenda da Dcada, atacar nessa questo de
mtodo fundamental.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
14/114
10
Algumas pessoas, que julgam que o trabalho dos polticos responder s expectativas
dos media, tiveram a atitude preguiosa de nem tentarem perceber o que estava em
causa no que disse AC.
Um dos aspetos mais curiosos dessa vaga reativa tem a ver com uma afirmao de AC
sobre a dvida, lembrando que a dvida no a causa dos nossos problemas
estruturais, mas, antes, foram os nossos problemas estruturais (ligados
produtividade e nossa insero no comrcio internacional, por exemplo) que foram a
causa do problema da dvida. Parece que algumas pessoas acharam bizarra essa
declarao. Francamente, o que bizarro que ainda haja jornalistas e opinadores
que ainda no tenham percebido quo fundamental perceber precisamente aquilo
que disse AC. Seria uma enorme tragdia que se resolvesse o problema da dvida s
para, depois, recomear a esquecer quais so os estrangulamentos fundamentais que
adiam sempre a nossa prosperidade econmica e social. Seria uma enorme tragdia
que, depois de tudo o que passmos, voltasse a acontecer no futuro que uma crise
poltica interna gerada por mero egosmo partidrio, criada pela vontade de ir ao
pote (expresso de PPC), nos fragilizasse num contexto de enorme exposio
internacional. Seria gravssimo que o Pas no se equipasse politicamente para ser
capaz de se defender melhor, mais solidariamente, mais organizadamente, na resposta
s dificuldades que enfrentamos. preciso resolver o problema da dvida e do dfice
mas preciso saber para qu. Para mobilizar os portugueses para um percurso,
entusiasmante mas exigente, no basta mandar marchar: preciso saber para onde
vamos. Temos de saber definir as metas. E, para isso, a questo fundamental ,
exatamente, que Pas queremos ser daqui a dez anos.
- IV -
Tal como Antnio Costa a apresentou, a Agenda da Dcada tem outra virtualidade
poltica: combinar mudana com estabilidade no quadro de uma democracia madura.
Vejamos.
Indiscutivelmente, depois da forma ideolgica e insensvel como a atual maioria lidou
com a crise, precisamos de mudar de polticas, de mtodos, de protagonistas. O PSD e
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
15/114
11
o CDS precisam de uma licena sabtica para se curarem de uma experincia
governativa em que ignoraram a realidade dos portugueses e comearam a pensar,
como explicava o lder parlamentar do PSD, que possvel o Pas estar melhor
enquanto os portugueses esto pior. E o Pas tambm precisa dessa licena sabtica,porque estamos cansados desta governao tanto mais agressiva quanto mais
desnorteada. Precisamos de uma viragem. Nesse quadro, seria desejvel que outros,
esquerda, deixassem de se focar exclusivamente na contestao e comeassem a
pensar no que poderiam ganhar, para os ideais que os guiam quando pensam no Pas,
se aceitassem pensar em termos de desafios concretos da governao. No bom
para a democracia que haja uma fatia do eleitorado esquerda que, h dcadas de
democracia constitucional, nunca tenha sido envolvida numa soluo para governar o
Pas. Eu espero que essa mudana ocorra e tenha consequncias no prximo ciclo
poltico (e digo isto h muito tempo).
Contudo, ningum pensa que a direita vai morrer para a democracia portuguesa.
Parece que tabu, hoje, ser de esquerda e assumir que o PSD no vai ser confinado a
um campo de concentrao nas Berlengas. A direita precisa da tal licena sabtica (ns
precisamos de colocar a direita em licena sabtica), mas o PSD e o CDS vo voltar a
ser alternativa de podere ainda bem, porque disso que vive a democracia. E,
portanto, os partidos da direita devem, como outros agentes polticos, e as mais
diversas foras sociais, entrar num compromisso estratgico para a dcada. As reais
escolhas, as reais divergncias, fazem sentido sobre o pano de fundo de convergncias
essenciais que devem ser largamente partilhadas pela esmagadora maioria dos
portugueses. Para que as divergncias faam sentido, e os portugueses tenham
alternativas e possam escolher entre elas, til que se desenhe primeiro (ou aomesmo tempo) o pano de fundo das convergncias. E, como claro, no horizonte de
uma dcada, essa convergncia no pode ser s de esquerda, nem ser s de direita.
Ora, precisamente, para ser possvel essa combinao produtiva entre prazo de uma
legislatura e prazo mais longo, estratgico, precisamos da Agenda para a prxima
Dcada proposta por Antnio Costa. Alis, o que Antnio Costa prope um quadro
para comear a construir essa Agenda, dizendo que esse processo continuar at,
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
16/114
12
mesmo depois de ser governo, na Concertao Social, para continuar essa construo
e lhe dar enraizamento na sociedade organizada, no sendo apenas coisas de partidos.
- V -
Parte essencial da abordagem de Antnio Costa, em todos os trabalhos por onde
passou, questo de mtodo. O mtodo de um debate poltico a vrios planos, com
diferentes horizontes temporais, onde o curto prazo no obscurece o longo prazo,
onde a divergncia de hoje no impede a convergncia de amanh, , a meu ver, parte
essencial da proposta que Antnio Costa est a apresentar ao Pas. que Mobilizar
Portugal, como ele se prope, no coisa que se faa em modo tecnocrtico.
Mobilizar Portugal no s contedo das polticas, tambm o modo de fazer as
coisas: respeitar as pessoas, respeitar as instituies, respeitar as diferenas, esquecer
o consenso oco e artificial e colocar em marcha a negociao sria, o compromisso
nobre e que no apaga as diferenas. E tudo isso s possvel se soubermos levantar
os olhos e olhar para a frente. Pelo menos, para o horizonte de uma dcada.
Se no percebermos isto, no percebemos nada do que Antnio Costa est a proporao Pas. O gosto pelos chaves, por ttulos que entram facilmente no ouvido, causa
estragos notveis em certos opinadores mais cataventos. Primeiro, Antnio Costa era
acusado de aparecer como um messias, um homem providencial que apostava
apenas na aura pessoal para efeitos polticos. Agora, como j se v que a sua ao
poltica tudo o contrrio de qualquer messianismo ou populismo, quando mostra a
seriedade da sua abordagem, no prometendo milagres nem facilidades, mas
oferecendo uma via democrtica para sair da criseMobilizar Portugal, agora
lamentam-se porque o candidato no avana com solues mgicas, rpidas e de
efeito garantido. Eu continuo a preferir a Agenda da Dcada agenda da espuma dos
dias. E acho que a nica maneira de conseguir, nesta poltica que temos, forar este
debate, no comear pelos temas evidentes. Confio que Antnio Costa no deixar
de ir a todos os temas que os jornalistas queriam ouvir hojeou ontem. Mas segundo
o seu prprio mtodo.
Fico contente por isso.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
17/114
13
J vos disse que o mtodo , precisamente, uma das razes principais para eu apoiar
Antnio Costa?
(24 de Julho 2014, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
18/114
14
Mobilizar Portugal
Caras Amigas e Caros Amigos, Caras e Caros Camaradas,
com um prazer muito especial que participo nesta Conveno em Aveiro, onde iniciei
a minha participao cvica, quando aos 14 anos subi as escadas de um prdio aqui do
centro da cidade para me inscrever na Juventude Socialista, nesta cidade onde fui
ativista e dirigente associativo.
Este um regresso que me sabe muito bem. Mas, estar aqui nesta Conveno
representa para mim um regresso mais fundamental: o regresso esperana de que
ainda vamos a tempo de celebrar os 50 anos do 25 de Abril num Portugal mais
desenvolvido, mais eficaz e mais eficiente, e, ao mesmo tempo, com mais equidade e
com direitos mais efetivos para todos. E estamos muito precisados dessa esperana,
uma esperana realista que seja capaz de se dotar dos instrumentos para a sua
concretizao. Uma esperana que s ser possvel se formos capazes de Mobilizar
Portugal.
Para Mobilizar Portugal, o nosso candidato a primeiro-ministro lanou um desafio:
construir uma Agenda para a prxima Dcada.
Tivemos, hoje, nesta Conveno, um momento forte de impulso na construo da
Agenda da Dcada.
Pelo que pudemos ver e ouvir, pelas concluses apresentadas pelos coordenadores
dos painis, comeou bem a construo desta Agenda da Dcada.
Algumas vozes queixaram-se de que este movimento para Mobilizar Portugal veio aqui
discutir a lusofonia, o interior e as cidades, o mar, a modernizao das empresas e do
Estado, a cincia, a cultura, o combate s desigualdadese, queixam-se essas vozes,
no discutimos o dfice e a dvida.
O dfice e a dvida so temas importantes, no tenhamos dvida, e falaremos deles
nesta campanha.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
19/114
15
Mas preciso saber em nome de que pas queremos resolver esses problemas.
Seria uma enorme tragdia que se atacasse o problema da dvida e do dfice s para,
depois, voltar a esquecer quais so os estrangulamentos fundamentais que adiam
sempre a prosperidade econmica e social do Pas. O PS no quer resolver esses
problemas custa dos que pagam sempre as crises quando a direita governa. Notem
que o lema deste movimento que somos Mobilizar Portugal.
Ora, para mobilizar os portugueses para um caminho, entusiasmante mas exigente,
no basta caminhar: preciso saber para onde vamos. A questo fundamental ,
exatamente, que Pas queremos ser daqui a dez anos. E por isso esta construo da
Agenda da Dcada to importante. Este processo no um processo de tecnocratasou idelogos a querer experimentar mais umas receitas custa do pas. Isso j
sabemos o resultado que d e no queremos repetir. Como tambm no um
processo meramente voluntarista.
que Mobilizar Portugal no s questo de contedo das polticas, no coisa que
se faa com uma srie de decretos, tambm o modo de fazer as coisas, o mtodo:
respeitar as pessoas, respeitar as instituies, mudar as representaes e as
aspiraes, envolvendo os atores econmicos e sociais na identificao das questes
relevantes e na apropriao dos objetivos e dos instrumentos. colocar em marcha a
negociao sria, o compromisso que no apaga as diferenas. E tudo isso s possvel
se soubermos levantar os olhos e olhar para a frente.
Por isso estamos empenhados nesta construo da Agenda da Dcada.
Pensar em comum e pensar estrategicamente um grande desafio. Ainda mais
quando esse exerccio tem de ser feito no quadro de uma Europa que tem ela prpria
de ser repensada.
A Europa foi enfraquecida por seis anos de crise.
Enfraquecida economicamente, pela recesso.
Enfraquecida socialmente, pelo desemprego massivo e pelas desigualdades.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
20/114
16
Enfraquecida politicamente, porque perdeu legitimidade aos olhos dos cidados pela
forma desordenada e incompetente como reagiu s crises.
A Comisso Europeia enfraqueceu-se a si prpria, e foi enfraquecida pelo regresso de
um intergovernamentalismo agressivo.
A ideia de governao econmica europeia foi capturada por uma viso ideolgica da
disciplina oramental, que usa o estribilho das reformas estruturais para impor a
desregulao dos mercados, a compresso salarial e o recuo nos direitos sociais.
A ideia de reforo da coeso perdeu a centralidade poltica que j teve e que precisa
de voltar a ter.
A crise lembrou, a quem o tivesse esquecido, que a Europa no se legitima apenas
politicamente. A construo europeia requer igualmente um continuado processo de
legitimao econmica, j que a Europa s faz sentido se for tambm um projeto de
prosperidade partilhada.
Contudo, a tentao de virar as costas Europa seria um erro grave.
Por qu? importante responder, de novo, a esta pergunta: por qu a Europa?
Certamente que, hoje, no basta repetir, embora seja verdade, que esta comunidade
deu ao continente um perodo de paz sem precedentes.
Mas isso j no basta. Metade da Europa a empobrecer no vai sequer ser capaz de
garantir a paz.
Para os nossos valores de justia social e progresso, o mundo est difcil.
Essa combinao sagaz de progresso econmico e de progresso social a que chamamos
modelo social europeu est ameaado por transformaes econmicas reais: a
liberalizao financeira desregulada a nvel global, em prejuzo da economia produtiva,
diminuiu drasticamente a autonomia dos poderes democrticos.
No podemos perder de vista que a Europa avanou para a criao do euro para
proteger os pases face aos perigos da globalizao financeirae ter presente que
esses perigos aumentaram, no diminuram.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
21/114
17
certo que, afinal, o euro no estava preparado para nos proteger do potencial de
desestabilizao da finana global liberalizada, como alguns alertaram
atempadamente.
Mas tambm certo que, fora da Europa, ou numa Europa mais fraca, estaramos
ainda mais expostos aos riscos da globalizao. O caminho no passa, pois, por desistir
da Europa ou por regressar a qualquer ideal de autarcia. O caminho passa por renovar
o nosso empenhamento na Europa, em trabalharmos para fazer da moeda comum um
vetor de prosperidade e convergncia.
Mas para isso precisamos de uma nova atitude de Portugal na Europa.
Porque preciso trabalhar para transformar promessas de convergncia em realidade
efetiva.
Porque preciso trabalhar para eliminar fatores de distoro do funcionamento da
zona euro que so prejudiciais ao nosso desenvolvimento. No podemos achar normal
que, no seio da mesma zona monetria, uma empresa de um pas do Sul se financie a
taxas de juro 2 pontos percentuais acima da taxa a que se financia uma empresa de
um pas do Norte.
preciso voltar a colocar os direitos das pessoas no centro da construo europeia.
Por exemplo, no que a soluo para o desemprego esteja na emigraocomo
disse Antnio Costa, a liberdade de circulao no pode ser confundida com
necessidade de circulaomas aqueles que vo trabalhar fora das fronteiras
nacionais no podem ser penalizados por uma portabilidade insuficiente das
qualificaes e dos direitos sociais.
H, pois, muito trabalho a fazer na Europa.
Desde logo, trabalhar pelo objetivo de completar a arquitetura do euro a tempo de o
salvar. Alguns passos j foram dados, mas h ainda muito a fazer.
A unio econmica e monetria tem de reforar as polticas de convergncia, a Europa
tem de se dotar de mecanismos permanentes de reduo das assimetrias entre
Estados-Membros. Vrias propostas e estudos tm sido avanados em vrios pases,
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
22/114
18
ns no podemos fazer de conta que no sabemos de nada, como tem feito o atual
governo. Portugal tem de ter uma voz audvel nesse processo.
claro que o caminho no est em sermos um Estado Membro que falha as suas
obrigaes europeias. Mas a verdade que, se o Pacto de Estabilidade e Crescimento
e o Tratado Oramental reconhecem que a poltica oramental deve assumir, em
regra, um cariz contracclico, quer dizer, deve permitir estimular a atividade econmica
em perodos de recesso e deve funcionar como conteno em situaes de
crescimento, o que tem sido aplicado no esse lema sbio e prudente de poupar
nos tempos bons para utilizar nos tempos difceis. O que tem sido aplicado, com a
colaborao, com o quase entusiasmo ideolgico do governo PSD/CDS, uma leitura
parcial deste enquadramento europeu, que prejudica o crescimento econmico e a
criao de emprego. Ns no queremos ser um pas incumpridor, queremos que os
instrumentos europeus sirvam a convergncia e no a divergncia. E temos de saber,
tcnica e politicamente, mostrar que possvel uma aplicao inteligente dos tratados
e dos pactos.
Temos, primeiro, de saber criar compromissos internos to alargados quanto possvel
que nos deem mais fora na negociao europeia. E, depois, temos de ser capazes de
estabelecer alianas, de geometria varivel, com outros Estados Membros, que
reforcem as nossas posies, percebendo que outros pases, devido sua situao
econmica e social, tm interesses convergentes com os nossos. O que no podemos
fugir dessas convergncias no concerto europeu, como tem feito o atual governo.
preciso negociar, negociar sempre, procurar sempre aliados, manter as alianas,
argumentar, persuadir. Quem j teve experincia de negociao europeia sabe que
nada est nunca ganho partida e nada est nunca perdido partida, mas preciso
saber o que se quer e trabalhar constantemente em todos os planos para o alcanar.
Mas para isto ser possvel, no podemos enganar-nos no diagnstico das nossas
debilidades estruturais, para no as agravar ainda mais com estratgias de
desvalorizao interna. A economia portuguesa no ganhar competitividade
reduzindo o preo dos bens e servios que j produz, mas produzindo bens e servios
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
23/114
19
diferentes, mais intensivos em conhecimento. Portugal no pode desperdiar os seus
recursos, nomeadamente os fundos estruturais, a atolar-se em vises de curto prazo.
Por isso precisamos desta Agenda para a prxima Dcada. Uma agenda que mobilize
os Portugueses em torno de objetivos nacionais comuns, de longo prazo, sustentveis.
Para que no estejamos sempre a desfazer o que de bom conseguimos fazer, apenas
por causa da pequena guerrilha poltica imediatista.
Portugal precisa, agora, de uma viragem. Vista a forma ideolgica e insensvel como o
atual governo lidou com a crisemudar de polticas, de mtodos, de protagonistas,
uma urgncia. Agora, no basta a alternncia, Portugal exige uma alternativa. Cair
agora numa espcie de rotativismo, apenas criaria mais desiluso, mais descrena,mais desconfiana. E agravaria a crise da representao.
Por isso faz falta um PS forte. S um PS forte ser capaz de Mobilizar Portugal.
Sejamos claros: uma maioria absoluta no Parlamento dar ao PS as melhores
condies para Mobilizar Portugal. Mas nem uma maioria absoluta dever desviar o PS
da procura dos compromissos alargados que deem mais amplitude e mais
profundidade mudana necessria.
Seria desejvel que outras foras polticas, que no estejam comprometidas com a
atual governao, quisessem contribuir para a nova maioria poltica, tal como
contamos que os parceiros sociais se empenhem na construo de uma nova Agenda.
O to abusado conceito de arco da governao no pode servir para justificar a
excluso sistemtica de certos partidos da responsabilidade de governar. na sua
pluralidade que o Parlamento representa o pas e no h qualquer razo para o PS
ignorar as aspiraes dos eleitores representados pelos partidos que no parlamento se
sentam sua esquerda.
Mas a esquerda que no Parlamento se senta esquerda do PS no pode voltar a
enganar-se de adversrio, porque no passado cometeu erros de avaliao que
ajudaram a alar ao poder o atual governo.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
24/114
20
Tambm apelamos a essa esquerda para que reconhea que a contestao e a
oposio, por si ss, no resolvem os problemas dos portugueses. preciso aceitar o
desafio de construir uma alternativa.
O pas no precisa de consensos artificiais e opacos. O que o pas precisa de
compromissos transparentes, onde as diferenas so assumidas e servem de cimento
para convergncias mais slidas e mais relevantes, sabendo que os compromissos
podem tomar formas diversas.
Quem ter coragem de aceitar o desafio?
Ns estamos aqui para isso.
A construir um programa de recuperao da economia e do emprego, para a prxima
legislatura.
A construir uma viso estratgica para o pas para a prxima dcada.
Inspirados pelo prximo primeiro-ministro de Portugal, Antnio Costa, respondendo
presente ao desafio que ele nos lanou para Mobilizar Portugal.
Viva o PS!
Viva Portugal!
(26 de Julho 2014, interveno na Conveno Nacional Mobilizar Portugal, em Aveiro,
na sesso final, na qualidade de coordenador da moo poltica da candidatura de
Antnio Costa)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
25/114
21
Grandes opes do governo para mobilizar Portugal
As Grandes Opes de Governo apresentadas por Antnio Costa s primrias do PS
assentam em trs pilares: uma Agenda para a Dcada, um Programa de Recuperao
da Economia, uma nova atitude de Portugal na Europa. Deixo sublinhados dessa
proposta.
Como Antnio Costa reafirmou, a construo da Agenda da Dcada o primeiro pilar
da viso que prope para o pas. Depois de trs anos de um governo que adotou como
mtodo poltico a diviso entre portugueses e o conflito institucional, a Agenda da
Dcada dever ser um instrumento de compromisso duradouro e frutuoso na
sociedade portuguesa. No estamos a falar de apelos a consensos ocos e opacos, que
tm sido instrumentalizados para tentar perpetuar a atual poltica governamental. A
Agenda da Dcada visa outra cultura poltica para o nosso pas: dever envolver
compromissos mais profundos do que as naturais divergncias entre governo e
oposio numa dada legislatura; deve permitir uma larga congregao de esforos em
objetivos estratgicos de longo prazo que no estejam sempre a mudar quando muda
o governoporque transformaes estruturais importantes e difceis requerem
tempo, persistncia, coerncia. No deve ser apenas um compromisso entre agentes
poltico-partidrios, envolvendo profundamente tambm os parceiros sociais. Talvez
nem todos tenham ainda medido o alcance desta viso, que representa, na verdade,
uma proposta de mudana profunda do clima e das prticas at agora dominantes na
poltica portuguesa. E, o que mais, Antnio Costa tem demonstrado ao longo da sua
vida pblica que quer, sabe e consegue fazer essa transformao positiva na qualidade
da luta poltica. Bem precisamos disso.
Outro pilar da viso que Antnio Costa prope ao pas uma resposta de emergncia
ao estado a que Portugal chegou: o Programa de Recuperao da Economia. A se
apresentam desde j propostas concretas, que no podem ser aqui resumidas, e que
convido a ler na verso integral da Moo. Mas cabe sublinhar, desde j, a sua
arquitetura fundamental.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
26/114
22
Por um lado, pretende mobilizar a iniciativa e o potencial de investimento empresarial,
dando os sinais certos iniciativa privada. Primeiro, identificar atividades econmicas
e sectores prioritrios, selecionados pela sua elevada capacidade de promoo direta e
indireta do emprego, por contriburem para um impacto positivo nas relaeseconmicas com o exterior (aumentando exportaes e/ou substituindo importaes),
por reforarem uma economia ambientalmente sustentvel. Depois, criar condies
para concentrar os esforos nessas atividades priorizadas, onde um Estado promotor
combina bem com a iniciativa empresarial privada e assume claramente o seu papel na
promoo do desenvolvimento, designadamente sendo capaz de incrementar fatores
de competitividade empresarial efetivos (como um ambiente de negcios
desburocratizado e com custos de contexto reduzidos), assumindo funes
estratgicas na ligao entre a investigao cientfica e tecnolgica e a inovao
empresarial, implementando uma poltica industrial que acrescente viso do bem
comum (legtima) procura de valor por parte dos privados.
Por outro lado, a recuperao da economia s ganha o seu melhor significado no
quadro da construo de uma sociedade decente, uma sociedade de cidados com
direitos, onde se promove a igualdade de oportunidades e se combatem as
desigualdades excessivas e injustas, onde se promove a autonomia das pessoas e se
trabalha na perspetiva de uma comunidade de cidados. Assumindo que preciso
acabar com a incerteza que tem instabilizado a vida das pessoas nestes ltimos anos,
que preciso restabelecer a confiana, o Programa de Recuperao da Economia
aposta na revalorizao profunda da concertao social, no relanamento da
negociao coletiva sectorial, em polticas de emprego que apostem nos mais
qualificados e nos mais jovens sem esquecer os menos jovens e menos qualificados, narevalorizao e dignificao do trabalho, no combate decidido precariedade no
trabalho, na recuperao da trajetria de subida real do salrio mnimo, na
recuperao da estabilidade das prestaes sociais, numa estratgia de combate
pobreza infantil e juvenil. Deste modo, assume-se que a Dignidade das pessoas e do
trabalho no pode ficar de fora da resposta de emergncia ao retrocesso sociale isso
traduz-se num programa concreto e articulado.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
27/114
23
A proposta nova atitude na Europa reafirma objetivos e prope um mtodo: escorar a
nossa posio europeia em compromissos internos alargados, explorar as disposies
dos tratados que nos so favorveis, estabelecer alianas de geometria varivel com
pases com interesses objetivos convergentes, negociar sempre e manter o rumo.Quem tem experincia de negociao europeia sabe que prometer milagres
estultciatanto como desistir antes de tentar, como tem feito o governo PSD/CDS.
Resta-me sugerir a leitura das duas moes apresentadas s Primrias do PS.
(Este texto uma combinao dos artigos publicados no Expresso a 6 de Setembro
2014 e no site Mobilizar Portugal a 13 de Agosto 2014, na qualidade de coordenador
da moo poltica sobre as grandes opes de governo Mobilizar Portugal)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
28/114
24
Contratos incompletos e as primrias do PS
As Grandes Opes de Governo apresentadas por A. Costa e A. J. Seguro trouxeram
novas chaves de leitura s primrias do PS. No estando em curso uma refundao
programtica, encontramos a pontos de convergncia, a par de diferenas assinalveis
entre as duas moes. No podendo analis-las aqui, sugiro a leitura de ambas e
sublinho outro aspeto da questo.
As moes so uma espcie de contrato entre foras polticas e os cidados. Ora, para
perceber o que est em causa importante reconhecer que todos os contratos so
incompletos. Para ser completo, um contrato deveria estipular ex anteum conjunto
completo de regras comportamentais de aplicao ex postcapazes de resolver
exaustivamente todos os problemas que pudessem surgir na implementao. No
mundo real, todos os contratos so incompletos: porque nunca podemos antever
completamente a estrutura das questes que podem surgir no futuro, certas regras
daro resultados inesperados e sero mudadas, circunstncias novas exigiro normas
novas, surgiro diferentes interpretaes dos compromissos assumidos e novas
preferncias dos agentes. S uma viso mecanicista do mundo social poderia
convencer-se de que basta um contrato (um programa) para firmar uma relao
sustentvel numa comunidade poltica. A necessria relao de confiana tem de ser
suportada, alm disso, no mtodo e na histria pblica dos seus portadores.
E, a, o que Antnio Costa (A.C.) apresenta ao pas muito distintivo.
Primeiro, quanto ao mtodo. J foi assinalado que um dos pilares da estratgia de A.C.
um programa de recuperao da economia, focado em atividades econmicas
priorizadas pela sua elevada capacidade de promoo do emprego, impacto positivo
nas relaes econmicas com o exterior e reforo de uma economia ambientalmente
sustentvel. O que tem sido menos sublinhado que, na proposta de A.C., a
recuperao da economia aparece claramente articulada com a construo de uma
sociedade decente. Da a ateno detalhada dignificao do trabalho, revalorizao
da concertao social, ao relanamento da negociao coletiva sectorial, ao combate
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
29/114
25
decidido precariedade no trabalho, recuperao da estabilidade das prestaes
sociais, a uma estratgia de combate pobreza infantil e juvenil. Como socialista,
entendo que esta articulao faz toda a diferena.
Ainda quanto ao mtodo: notrio o desassombro com que A.C. coloca de forma nova
o problema da governabilidade esquerda, mas tem sido menos escrutinada a sua
proposta de uma Agenda para a Dcada. No falo aqui pelo contedo, mas pela
dinmica implcita. Assumido que a prxima legislatura ser de rutura com a atual
governao, h que assumir tambm que o pas precisa de convergncias estratgicas
a mais longo prazo, nas quais se revejam duradouramente a esmagadora maioria dos
portugueses. Sem isso nunca seremos capazes das transformaes mais pesadas e
demoradas, como a qualificao das pessoas, das organizaes e do territrio. E,
corolrio, o pas precisa de ultrapassar o clima poltico de confronto permanente,
civilizar os debates, reconhecer que as divergncias so mais salutares numa
democracia assente numa rede de convergncias fundamentais, partilhadas
esquerda e direita. A proposta de uma Agenda para a Dcada, como mtodo poltico,
far toda a diferena, permitindo encontrar uma nova combinao entre mudana e
estabilidade numa democracia madura.
Para o contrato poltico proposto conta igualmente a histria pblica dos seus
portadores. Deixemos o falso pudor: preciso comparar os protagonistas. A.C. foi o
ministro do Simplex: ser preciso sublinhar a importncia de termos governantes que,
em lugar de desorganizarem o Estado, sejam capazes de o modernizar na tica do
servio s pessoas e s atividades? Como presidente da CML, a partir de uma manta de
retalhos poltica (lembrar como estava dilacerada a rea poltica do PS, e como estava
em dificuldades a cmara, aquando da sua primeira eleio), A.C. construiu uma
maioria alargada e plural, que tem dado cidade uma governao responsvel e
progressiva. Em Lisboa se tem mostrado como, mesmo em tempo de crise, a
governao pode respeitar a cidadania. Ser preciso sublinhar a importncia de
polticos capazes de agregar vontades diversas para fixar e prosseguir objetivos
comuns?
Quando, no incio dos anos 1990, governava Cavaco Silva, o excesso de zelo do SEFprovocou o escndalo Vuvu Grace (a jovem zairense que chegou ao aeroporto da
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
30/114
26
Portela para visitar o marido com a filha de seis anos, sendo ambas retidas por no
terem bilhetes de regresso), A.C. no virou a cara. Como advogado, interps uma (bem
sucedida) providncia cautelar. Como deputado, nesses anos em que o cavaquismo
dava todos os sinais errados (desalojados de Camarate, dentistas brasileiros, recusa deasilo pedido por razes humanitrias), A.C. foi um dos que lanaram as bases para uma
pacificao da questo da imigrao, designadamente atravs de um aturado esforo
de mobilizao das comunidades imigrantes para a participao poltica. Sabemos,
olhando para pases europeus onde a imigrao fator de graves dissenses, a
importncia de ter havido entre ns essa coragem e viso. Ser preciso sublinhar a
importncia de termos estadistas que compreendam os grandes desafios do mundo
atual e lhes respondam com inteligncia global, como Antnio Costa est de novo a
fazer, nesta matria, com a sua proposta de uma carta de cidadania lusfona?
Por tudo isto, digo: percebemos melhor o que est em causa nas primrias do PS se
tivermos presente que todos os programas polticos so contratos incompletos, cuja
compreenso cabal implica incluir na equao o mtodo e a histria pblica dos seus
portadores.
(6 de Setembro 2014, Pblico, na qualidade de coordenador da moo poltica sobre
as grandes opes de governo)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
31/114
27
"H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a
s-lo"
Foi coordenador da moo de Antnio Costa [nas Primrias]. Como antev o futuro
do PS?
Quero esclarecer que formalmente no tenho nenhuma representao de Antnio
Costa, neste momento. No perteno aos rgos do partido, no sou deputado. Tive
uma funo na campanha [eleitoral para as primrias]. A campanha acabou. E no
quero prolongar essa funo. Este um esclarecimento que tem de ser dado.
Mas um homem livre, portanto, tem opinio.
Sim, sou livre. Falo a ttulo meramente pessoal.
O que vai mudar no PS com Antnio Costa? Ser uma oposio mais forte? As
divises internas iro manter-se ou haver capacidade para unir o partido?
O PS j teve muitas responsabilidades no governo e na oposio em vrias fases da
democracia portuguesa. H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a s-
lo. Fez parte da sua misso, em certos momentos, discutir a orientao, os mtodos, o
caminho concreto a seguir, mas isso no tragdia nenhuma! O PS sair mais forte e
mais unido depois deste processo de debate que foi necessrio para esclarecer umcaminho mas que terminou. Estou certo de que o partido vai demonstrar muito
rapidamente que est mais forte e unido. O Pas precisa. Por isso, o PS vai fazer essa
unio.
Nesse contexto, a escolha de Ferro Rodrigues para lder do grupo parlamentar
importante para lanar pontes e cimentar a unidade?
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
32/114
28
Ferro Rodrigues foi secretrio-geral do PS num momento particularmente difcil para o
partido. Mostrou, nessa altura, que sabia falar ao Pas e entender aquilo de que o Pas
precisava. E continua a ser assim. um ativo do partido e certamente o PS pode contar
com ele, pois dar um contributo relevante para o reforo da unidade (interna) e davoz do PS na sociedade portuguesa. No tenho a mais pequena dvida. Estou muito
contente com essa escolha.
Ferro Rodrigues estar sempre ligado s questes sociais, nomeadamente criao
do rendimento mnimo garantido. Esta memria do Estado social , tambm, uma
mais-valia para o PS?
Eduardo Ferro Rodrigues - como outros governantes socialistas - demonstrou saber
atuar em relao aos problemas reais dos portugueses e que no o faz de forma
desleixada. Quando enfrenta problemas graves como a pobreza e a excluso social, f-
lo com rigor, mtodo e eficincia, no de uma forma despesista mas responsvel.
Sempre acreditou na vitria de Antnio Costa, presumo. Que foras o candidato
apresentava para obter um resultado to esmagador face a Antnio Jos Seguro?
No posso dizer que sempre acreditei na vitria de Antnio Costa. No me coloco nos
combates polticos em posio de fazer prognsticos ou de (atos de) f. Achei que era
um movimento necessrio e apoiei o seu ato corajoso de disponibilizar-se num
momento difcil do Pas. Os socialistas, quer militantes quer simpatizantes, e at muita
gente fora do eleitorado tradicional do PS, compreenderam que Antnio Costa tomou
esse gesto responsavelmente por entender que tinha possibilidade de fazer alguma
coisa e no poderia ficar quieto e compreenderam que Antnio Costa estava a ser
genuno. As pessoas esperam que os responsveis polticos faam aquilo de que o Pas
precisa e no o que lhes interessa em termos de comodidade, carreira ou calculismo.
O figurino das primrias veio para ficar e pode arrastar outros partidos?
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
33/114
29
As primrias so uma forma possvel. No digo que seja nica nem exemplar. Mas so
uma forma de procurar um relacionamento mais direto, mais transparente, entre os
partidos e as pessoas em geral que tm o direito de participar, dar a sua opinio, votar,
mesmo que no tenham disponibilidade para estar envolvidos com os partidos. Defuturo este debate no vai morrer. A democracia um processo de construo. Se
calhar temos de ir mais longe, no necessariamente com as primrias, mas com formas
de transformar a poltica numa atividade de cidadania e no numa coisa de carreiras.
Como vai utilizar o PS a grande base de dados criada especificamente para as
primrias?
No fao a mais pequena ideia. Nem sei se o PS ir ficar com essa base de dados. Nem
sei em termos legais qual o uso que se pode fazer... como lhe disse no tenho
nenhuma responsabilidade no partido.
Em novembro os militantes escolhem o secretrio-geral. Prev o surgimento de
outros candidatos que representem a linha segurista?
A democracia tem de ser entendida como algo natural. Pessoalmente, irei apoiar
Antnio Costa para secretrio-geral do partido. Mas se houver camaradas no interior
do PS que pensem que a melhor forma de expressar a sua opinioo que no significa
ser completamente divergente, mas podendo ser diferente apresentar outro
candidato ou apresentar listas para os rgos nacionais, acho isso normal. No
podemos pensar que os partidos so exrcitos em que toda a gente tem de marchar
atrs do comandante. Os partidos so organizaes democrticas em que pode haver
convergncias muito profundas e ao mesmo tempo haver diferenas desde que as
pessoas sejam capazes de debater sem se excomungarem mutuamente. Portanto,
acho normal e saudvel.
(1 de Outubro de 2014, Entrevista ao DN)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
34/114
30
Os socialistas e a esquerda da esquerda
1. Entre os militantes e simpatizantes do PS, os partidos da esquerda da esquerda
no so muito populares. compreensvel: muitas vozes do PCP e do BE repetem,
sempre que podem, que o PS no de esquerda, tese na qual se aplicam com este ou
aquele critrio que serve o seu intento de donos da fronteira e de certificadores da
pureza do material, o que, obviamente, desagrada generalidade dos socialistas. Uma
forma particularmente repugnante dessa teoria consiste em dizer que no tem havido
diferena assinalvel entre os governos da direita e os governos do PSo que, sendoto fcil de verificar objetivamente que falso, obviamente nos incomoda. Se essas
pretenses de uma certa esquerda da esquerda fossem s excitaes tericas, talvez
elas at nem fossem obstculo de maiormas, infelizmente, foi uma coligao
negativa, dos partidos da esquerda da esquerda com o PSD e o CDS, que escancarou o
caminho ao atual governo. E, isso, muitos portugueses, no apenas socialistas, no
esquecem e ainda amargam duramente.
2. Ora, compreendendo eu as razes para essa alergia dos socialistas ao
comportamento poltico da esquerda da esquerda, por qual razo continuo eu a dizer
que o PS deve procurar um novo relacionamento poltico com militantes e
simpatizantese organizaesde causas que se posicionam tradicionalmente
esquerda do PS? Por vrias razes, que, tendo j explicado vrias vezes, aqui resumo.
Primeiro, porque (como se afirma na moo de Antnio Costa ao XX Congresso do PS)
o facto de, durante tanto tempo na nossa democracia, sectores significativos do
eleitorado no se envolverem na partilha das responsabilidades de governar,
representa um empobrecimento da democracia. Sem estar agora a querer apurar
responsabilidades para esse facto, julgo que seria tempo de concretizar um princpio
que tambm se explicita na referida moo: na sua pluralidade que o Parlamento
representa o pas. Quem se preocupa com a sade da democracia tem de estar
interessado em que a representao funcione, quer dizer, no exclua
sistematicamente sectores da populao. E s um irresponsvel (ou algum demasiado
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
35/114
31
enclausurado na lgica das mquinas poltico-partidrias) no se preocupar com a
necessidade de renovar continuadamente a sade da democracia.
Segundo, por aquilo que representam os partidos dessa esquerda da esquerda. O PCP
continua a dar expresso, quer partidria quer sindical, a sectores importantes da
sociedade portuguesa, os quais, mesmo que no sejam j maioritrios, representam
uma parte das foras com que temos de contar para desenvolver com equidade o
nosso pas. Uma revalorizao do trabalho e das organizaes dos trabalhadores na
economia e na sociedade deveria contar com os comunistas. Talvez esse processo em
certos aspetos at tenha de ser feito apesar dos comunistas, mas, globalmente, seria
mais alargado e mais profundo se fosse feito com os comunistas e com os sindicatos. O
BE, apesar de se ter rapidamente esclerosado, prometia juntar vozes dispersas
tentando a renovao de um certo iderio radical que extravasava em muito os
partidos que originariamente se juntaram para criar o Bloco. Embora muitos, por
excessiva ortodoxia na anlise, desprezem o papel do BE por causa do seu carcter
pequeno-burgus, ele bem poderia contribuir (ter contribudo) para uma
mobilizao de uma necessria inteligncia alternativa dos desafios que se colocam
hoje democracia.
Terceiro, porque o acantonamento sistemtico de uma fatia importante do eleitorado
de esquerda fora do campo da governao cria uma vantagem estratgica direita,
facilitando a formao de governos com base no PSD. O PS, como todos os grandes
partidos da famlia social-democrata, socialista e trabalhista, um partido social e
ideologicamente plural, onde coexistem, em equilbrio dinmico, abordagens
diferentes a muitos problemas cruciais da governao. O facto de haver sempre
aliados disponveis direita e nunca haver aliados disponveis esquerda, que o que
temos tido, prejudica a mobilizao de foras interessadas nas bandeiras da igualdade
e da equidade, por exemplo em reas pesadas da governao que tocam as opes de
poltica econmica e fiscal. Desse modo, o facto de PCP e BE insistirem num cordo
sanitrio contra o PS, protege o mercado eleitoral desses partidos, mas em prejuzo
da possibilidade de efetivar polticas mais prximas dos seus programase para as
quais o PS tambm precisa reforar o suporte social.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
36/114
32
Ora, num tempo como o que atravessamos em Portugal e na Europa, que um tempo
de urgncia, todos estes fatores deveriam clamar por outro tipo de abertura nas
relaes entre o PS e a esquerda da esquerda. Isso deveria facilitar a construo de
polticas menos condicionadas pelo pensamento nico do austeritarismo e maiscapazes de resistir ao domnio dos mercados e dos poderes fcticos sobre a
cidadania. Ao mesmo tempo, numa perspetiva histria, seria tempo de, quarenta anos
depois, saldar as contas de uma inimizade poltica forjada nos confrontos do PREC,
que, julgo, j no so os confrontos relevantes para os dias de hoje. Mesmo que alguns
no tenham feito o seu percurso.
3. No ignoro que algumas das bandeiras polticas da esquerda da esquerda tornam
extremamente difcil que o PS entre numa convergncia que faa sentido em termos
de governao. A nossa pertena Unio Europeia , talvez, o caso mais difcil. O PS,
que tem sido o partido da Europa, no alinha em soberanismos, nem em qualquer
forma de nacionalismo mais ou menos disfarado, porque o PS sabe que qualquer
opo nacional que tornasse Portugal mais perifrico seria paga muito duramente
pelos portugueses. O PS, sendo crtico da orientao que tem sido seguida pela UE,
no confunde os planos: tal como no pensamos abandonar Portugal quando
governado por maus governos de direita, tambm no pensamos abandonar a UE por
ela ser governada pela maioria de direita que tem sido sufragada sucessivamente pelos
europeus. O discurso antieuropeu fcil, mas no leva a nenhuma soluo. Sair da UE
s poderia deixar-nos mais abandonados na globalizao feroz que ainda pesa. O
melhor para Portugal ser uma voz ativa na Europa e lutar com determinao pelos
nossos direitos na comunidadee, para isso, o PS no pode governar com qualquer
plataforma antieuropeia. Quer isto dizer que o PS deve desistir deste debate com aesquerda da esquerda? A meu ver, no. Quer, antes, dizer que o PS tem de fazer o
combate poltico de mostrar que temos razo nesse pontoe que no tm razo os
que nos querem empurrar para aventuras eurocticas. para isso que serve a poltica:
para dar combate pelas nossas ideias e valores, deixando o povo decidir.
4. To forte tem sido a resistncia do PCP e do BE a qualquer relao normal com o PS
que, hoje, insistir nesta questo parece pregar no deserto. Tanto assim que resulta
mais interessante falar das movimentaes que procuram novos caminhos no espao
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
37/114
33
da esquerda da esquerda, nomeadamente do processo que agora envolve o LIVRE, a
Associao Frum Manifesto e a Renovao Comunista, com vista a uma candidatura
nas prximas legislativas. Pelo meu lado, na medida em que evito dar palpites sobre o
que se passa nas outras casas polticas, no tenho pronunciamentos a fazer sobre oque possa resultar, em termos de propostas, desse esforo. Mas, isso sim, espero que
esse processo tenha efeitos sobre o conjunto da esquerda. Quero dizer, para ser claro:
por muito valioso que seja o processo que envolve aquelas trs foras polticas (e no
duvido de que possa ser de elevado valor acrescentado), o mais interessante que da
poderia resultar seria, no um mtodo extraordinrio para salvar o mundo (h muito
que deixei de acreditar em milagres), mas um desbloqueamento do sistema poltico.
Esse suplemento de democracia para a nossa repblica poderia vir de uma nova
situao em que todos os partidos lutassem para ter uma oportunidade de concretizar
as suas propostas, governando, em lutar de haver partidos que, sistematicamente,
apenas querem ser oposio e preservar o seu cantinho de influncia. Infelizmente, a
esquerda tem sofrido dessa falta de ambio. Mas no s a esquerda.
5. Na verdade, no s a esquerda que est precisada de outra cultura de
responsabilidade poltica, onde se esqueam um pouco as velhas tticas e se assuma
de peito aberto o valor da diversidade democrtica. Tambm direita se nota alguma
esclerose, com muita gente que range os dentes, mas poucos que arrisquem assumir
posies discordantes dos senhores do momento. Onde esto os democratas-cristos
que foram enterrados na sombra do populismo portista? Onde esto os social-
democratas que se dizia ainda sobreviverem no PSD? Na verdade, com a minha
abordagem a uma democracia com todos, onde todos sejam candidatos a
concretizar as suas ideias pelo bem comum, sem que a ortodoxia costumeira alinhe astropas num modo demasiado fixo que no serve as novas necessidades democrticas,
no penso apenas na esquerda. Embora, naturalmente, me preocupe mais com os
meus do que com os do outro lado da rua, por assim dizer. Mas, finalmente, o que
estou a pensar que a democracia no pode fechar-se nas mos de cada vez menos,
sob pena de no resistir s tormentas do tempo presente.
6. Dito isto, e porque, afinal, o meu ponto de vista particular o de um membro do
Partido Socialista, tenha de reafirmar: o PS uma grande casa plural e s com essa
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
38/114
34
pluralidade pode ter um papel relevante na democracia portuguesa; nunca me
expulsaram por defender aquilo que hoje aqui escrevo; tambm no vai o PS expulsar,
nem de qualquer outro modo tentar apoucar, aqueles de entre ns que continuam
fechados no conceito obsoleto de arco da governao. E assim, plural, que tem oPS de continuar a ser. Mas isso no pode impedir o PS de fazer o trabalho que tem a
fazer.
7. Julgo que, neste contexto, vale a pena citar um pargrafo da moo que Antnio
Costa apresenta ao XX Congresso Nacional do PS:
na sua pluralidade que o Parlamento representa o pas. Nenhum conceito que vise
limitar o alcance da representao democrtica, como o conceito de arco dagovernao, pode servir para excluir sistematicamente certos partidos das solues
de governo. Ao mesmo tempo, o facto de sectores significativos do eleitorado no se
envolverem na partilha das responsabilidades de governar, representa um
empobrecimento da democracia. O momento do pas exige da representao
democrtica, na pluralidade dos seus atores, uma capacidade para compromissos
alargados, transparentes e assumidosat para estimular e acompanhar o
indispensvel compromisso social.
E, tudo isto, por qu? Porque h muito a fazer, depois do desastre social, institucional
e poltico criado neste pas por esta maioria. Porque precariedade e incerteza
permanentes, temos de responder com confiana e mobilizao. E, para isso, preciso
mudar de atores, de estratgia, de polticas.
(20 de Novembro 2014, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
39/114
35
Viaggio in Italia
Leio a notcia Itlia em greve geral contra as reformas laborais de Matteo Renzi. E
devo escrever sobre o que leio.
No me custa a admitir que um governo de esquerda enfrente greves, porque entendo
o uso da greve como um direito dos trabalhadores. Para usar uma expresso antiga,
atualmente os governos de esquerda no so governos de classe (embora,
frequentemente, os governos de direita sejam governos de classe, governos dos de
cima). Mesmo sendo de esquerda, um governo,tendo de governar na procura do
interesse comum, pode, num ou noutro momento, desagradar a sectores do mundo
do trabalhoe estes respondem, por vezes, com greves. Nem sequer sou tentado por
aqueles ataques s greves que as denunciam como causando transtornos e prejuzos
pois, se as greves no causassem transtornos e prejuzos, como poderiam ter efeitos?
Tambm os trabalhadores, perdendo o salrio correspondente ao tempo de greve, so
penalizados. claro que uma greve, quando percecionada pela generalidade das
pessoas como injustificada ou desproporcionada, pode descredibilizar a prpria luta
mas cabe aos trabalhadores e suas organizaes fazer essas opes, cabendo aos
demais cidados (e ao Estado) fazer o respetivo juzo.
Contudo, o que se passa em Itlia questiona-me. No por a atual greve geral reunir
centrais sindicais de esquerda, de direita e independentes. Tambm isso me parece
normal - e nem , por si s, demonstrativo de que lado est a razo. J me preocupa
que o governo de Itlia, aparentemente (fiando-me apenas nas notcias), embarque na
ideia de resolver o problema do emprego criando mais precariedade. Porque espalhar
a precariedade, sendo uma soluo habitual no instrumentrio de uma certa direita,
no nunca uma soluo favorvel ao trabalho dignoe, a prazo, no contribui para
aumentar a qualificao das pessoas, necessria qualificao das empresas e dos
servios, necessria ao desenvolvimento sustentado. No conheo adequadamente as
reformas que o governo de Itlia quer aplicar, mas se elas se inspiram na ideia de
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
40/114
36
responder ao desemprego com precariedade, no posso concordar e s posso achar
errada e lamentvel essa opo.
No entanto, mais do que tudo isto, preocupa-me o que, aparentemente, a
justificao dada pelos lderes italianos para estas opes. Segundo a notcia, Matteo
Renzi est a atacar a concertao social e quer acabar com a tradio de os
representantes dos sectores do trabalho serem chamados discusso das leis. Ter
mesmo afirmado: "Se os sindicatos querem negociar, ento faam-se eleger para o
Parlamento". Francamente, uma tal declarao, parece-me, no apenas absurdamente
reacionria, como francamente contrria s necessidades de renovao da democracia
e, at, prejudicial a uma via de progresso econmico aliado ao progresso social.
A histria tem demonstrado que a esquerda, quando se agarra dogmaticamente letra
das suas declaraes de princpios, arrisca perder a noo da realidade e deixar de
cumprir o seu papel na evoluo das sociedades. Mas, tambm, a histria tem
demonstrado que a esquerda, quando se esquece dos seus valores e princpios mais
fundamentais, se torna irrelevante at autoanulao. E, tambm nesse caso, deixa de
ser capaz de cumprir o seu papel. O mais triste neste contexto que nem seria preciso
ser muito progressista para perceber o papel da concertao social efetiva e exigente
numa sociedade que aspira ao progresso: andam por a tantos a dizer mal da
Alemanha, mas bem poderiam, por exemplo nesta matria, olhar para esse lado e
aprender alguma coisa.
Tudo isto me torna ainda mais convicto de que, por c, anda bem o PS em apostar em
melhor concertao social estratgica, em negociao coletiva sectorial mais efetiva,
em compromissos transparentes negociados a prazo de uma dcada, para que seja
mais o que nos une do que o que nos divide.
(12 de Dezembro 2014, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
41/114
37
Afinal, somos todos gregos?
A direita grega perdeu a cabea e at j comeou a usar "argumentos" xenfobos
contra o Syriza. Alguns dirigentes alemes tiveram um momento em que pensaram
que podiam votar nas eleies gregas em lugar dos gregos. E, na verdade, o que pode
acabar por acontecer que a Grcia oferece Europa uma oportunidade para
repensar o que andou a fazer de errado nos ltimos anos.
Afinal, o Syriza - que, note-se, no da famlia poltica em que me incluo - no um
partido delirante, como alguns juravam. Tudo indica que o Syriza estudou, refletiu e
pode perfeitamente ter condies para obter para os gregos aquilo que a direita (e uns
socialistas de cabea perdida) no foi capaz de obter nos anos que passaram. Tudo isso
depois de uma crise que, na Grcia, apareceu com aquela virulncia e descontrolo
porque a direita de l pura e simplesmente falsificou as contas nacionais. Coisa que
trataram de fazer esquecer.
Agora, vemos esta notcia: "Syriza exclui sada da Grcia do euro. Cenrio conduziria rutura da zona euro e a mais austeridade". E isso foi afirmado por Yannis Milis, um
dos quatro economistas responsveis pelo programa econmico daquele partido. Acho
que, desta vez, isto deve dar que pensar aos "camaradas portugueses do Syriza":
afinal, quando chega a altura de governar, se calhar vale a pena deixar de lado a
retrica pseudorradical e comear a pensar nas consequncias concretas, para as
pessoas concretas, de prometer aventuras.
Claro que nada disto ser fcil. Creio que o Syriza e o povo grego deveriam ter sempre
presente que, numa negociao a 28, no podemos nunca estar certos de qual ser o
resultado exato de um processo. O que a Grcia quer talvez possa ser obtido e, no
entanto, isso no acontecer da forma exata em que o pensaram. Mas temos de louvar
que queiram tentar.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
42/114
38
Talvez os mais puros dos radicais ainda tenham alguma coisa a aprender com alguns
socialistas da velha escola da social-democracia moda antiga... que querem combinar
firmeza com capacidade negocial e foco nos objetivos, no na retrica.
(16 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
43/114
39
Hoje a Grcia. Lies antes do voto
Acredito que, mesmo antes das eleies, o Syriza j mudou os dados da situao na
Europa.
Mesmo que no ganhe, o Syriza j mostrou que a vontade poltica de traduzir as
aspiraes das pessoas pode fazer caminho. Se temos democracias representativas, os
partidos tm de dar s pessoas a oportunidade de verem representadas as suas
posies. Se os partidos no so capazes de fazer isso, a democracia representativa
uma farsa.
Os partidos tm de juntar o que as pessoas querem com a inteligncia da estratgia
para l chegar. Os partidos no so meros repositrios das reivindicaes, so o
coletivo onde as pessoas se podem juntar para dar inteligncia de futuro ao que
queremos "j" mas precisa de tempo para ser construdo. Os sistemas polticos
democrticos onde os partidos no percebem isto... acabam mal.
O Syriza poder, tambm, dar uma nova oportunidade Europa se, vencendo as
eleies, souber mostrar a todos que h sempre alternativas - mesmo na complexa
situao que vivemos, mesmo nesta Europa desigual onde o sonho de um continente
dos povos est sempre a ser adiado (ou, pior, atacado).
Que o Syriza ouse querer governar (e no apenas protestar), que o Syriza ouse querer
governar na Europa (em vez de sugerir a porta falsamente fcil da sada do euro ou da
prpria UE), que o Syriza esteja a fazer o trabalho de negociar e aceitar a UnioEuropeia como espao onde tem de ser possvel negociar, atendendo quer vontade
dos povos quer aos constrangimentos da realidade - uma lio. Que espero seja
compreendida por todos os que se reclamam da famlia do Syriza.
Note-se que eu no perteno famlia poltica do Syriza. Os meus "camaradas" na
Grcia no perceberam que os partidos no subsistem se deixaram de representar a
realidade da vida das pessoas que fizeram esses partidos. Os partidos no subsistem se
deixarem de representar. Isso tambm uma lio para mim. E para os meus.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
44/114
40
Entretanto, noto um pormenor. Muitos esto desejosos de que o Syriza tenha maioria
absoluta. Compreendo o anseio. Mesmo havendo pequenos partidos de esquerda
moderada que podem fazer maioria com o Syriza, muitos por c verbalizam o seu
anseio por uma maioria absoluta para o Syriza. Entre esses, alguns (ou muitos?) quepor c esto sempre desconfiados das maiorias absolutas, que dizem ser um risco de
excessos. At nisto a Grcia e o Syriza podem dar uma grande contribuio: ajudar
mais e mais pessoas a perceber que para governar no basta ter programa, preciso
tambm ter condies institucionais e polticas para o fazer. Quando se comea a
pensar em termos de fazer, e j no apenas em termos de propor, o raciocnio muda.
Para melhor: ganha aderncia acrescida realidade.
Bem vistas as coisas, a Grcia volta a ensinar muita coisa Europa em assuntos de
democracia. E ainda nem fecharam as urnas.
(25 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
45/114
41
O que est em causa na Grcia o interesse nacional, no
uma questo partidria
No artigo "O PS pode ter comeado a perder as eleies" (Joo Marques de Almeida,
Observador, 28/01/2015), o articulista efabula acerca do que hipoteticamente seria a
posio de Antnio Costa sobre a Grcia e a Europa. Ataca Antnio Costa por posies
que Antnio Costa supostamente tomou - mas no se d sequer ao trabalho de citar as
declaraes de AC que justificariam o que escreve: se elas tivessem sido proferidas,
claro. Poderia recortar, tirar do contexto, fazer interpretaes abusivas - mas nem isso.Simplesmente elabora no ar.
Na base dos equvocos deste conselheiro de Duro Barroso (tero sido os seus
conselhos a conduzir o homem ao seu estatuto de presidente falhado da Comisso
Europeia?) est a incapacidade para perceber o que est em causa.
Um homem que "to bem" (!) aconselhou Duro Barroso... continua a no perceber
essa coisa simples: sem respeito mtuo e igualdade entre todos os Estados Membros,a Unio Europeia acaba mal. O PS no defende os interesses nacionais na base de
relaes partidrias. O que interessa ao PS, na questo da Grcia, no o Pasok ou o
Syriza. O que interessa ao PS na questo da Grcia que todos os Estados-Membros
da Unio Europeia sejam tratados como iguais, que todos tenham direito a defender
os seus interesses, que todos participem de boa-f e empenhadamente na procura do
interesse comum. O povo grego falou, vamos conversar: eles e ns todos. Isso de
interesse para Portugal, porque ns tambm queremos da UE outra ateno aos
nossos problemas. Se a vontade da Grcia em mudar as coisas resultar, isso vai ajudar
Portugal no futuro. Se a tentativa grega falhar, a nossa margem vai estreitar tambm.
Por isso que o PS est interessado no bom encaminhamento das negociaes com a
Grcia. E o governo tambm deveria estar, por ser do interesse de Portugal: s no
est por Passos Coelho se interessar mais pelo ataque ao PS do que pela defesa do pas
na Europa.
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
46/114
42
A defesa do interesse nacional na Europa no se faz com base em "famlias polticas",
faz-se com base nas convergncias objetivas dos interesses de Portugal com os
interesses de outros pases. H pases governados por "partidos irmos" cujos
interesses divergem dos interesses de Portugal. Enquanto h pases governados poroutras famlias polticas que tm interesses convergentes com os interesses
portugueses. Onde devemos procurar as alianas? Na convergncia objetiva de
interesses nacionais, em primeiro lugar. As "famlias polticas" servem, como
acrescento, para amaciar as dificuldades negociais, quando isso funciona - e nem
sempre funciona. Esse ponto essencial esquecido por Passos Coelho, que tem do
interesse nacional uma viso ideolgica e partidria: sempre pretendeu usar a troika
para realizar as suas experincias ideolgicas, escorado na submisso "humilde" ao
ministro das finanas alemo. O que preciso entender que a Europa tem de
regressar ao funcionamento democrtico das instituies, funcionamento democrtico
esse que foi interrompido pela troika, um corpo estranho enterrado no corpo da UE,
tornando o mtodo comunitrio uma aparncia.
O nosso camarada (alemo do SPD) que preside ao Parlamento Europeu, Martin
Schulz, foi a Atenas, encontrou-se com o PM Tsipras e gostou do que ouviu. O Pblico
relata assim: Raramente senti durante o meu mandato que tive uma discusso to
construtiva e aberta, disse, citado pelo dirio grego Kathimerini. H a impresso na
Unio Europeia de que o novo Governo grego vai tentar seguir um caminho parte,
mas descobri hoje que no o caso, afirmou, aps o encontro. Isto a famlia
socialista e social-democrata a jogar um papel positivo neste cenrio complexo. disso
que precisamos. No precisamos nada de conselheiros de Duro Barroso a quererem
empurrar-nos para as mesmas tolices que Duro Barroso andou a fazer durante a crise,levando Passos Coelho pelo brao.
Precisamos desta viso: enterrar o "mtodo troika" e regressar ao mtodo
comunitrio, a srio, a nica forma de salvar a Europa. E de nos salvar a ns. De
restituir a Europa aos europeus. E, para que isso acontea, bom que acontea j com
a Grcia. Perceberam agora, austeritrios ideolgicos, por qual razo a Grcia importa
tanto?
(30 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
47/114
43
A Grcia no Portugal
O novo governo grego veio dizer e mostrar que no pode deixar de ouvir o seu povo.
No foram eleitos para ignorar o que disseram em campanha eleitoral.
O novo governo grego no veio fazer exigncias radicais a ningum: veio dizer que h
um problema e que ele tem de ser resolvido e que quer negociar para que essa
soluo seja aceitvel para todos.
O novo governo grego tem procurado atender s preocupaes dos seus
interlocutores: tem dito que quer cumprir as suas obrigaes, que quer uma soluo
que lhe permita realmente cumprir, que no quer viver custa dos contribuintes dos
outros pases europeus. No veio fazer de conta que poderia pagar se tudo
continuasse na mesma, porque no poderia.
O novo governo grego tem dito que sim, tem de fazer reformas, por exemplo acabar
com a evaso fiscal massiva. E, certamente, quer uma funo pblica que funcione.
No se colocou na posio, que seria insustentvel, de negar a necessidade de
reformas. Mas, ao aumentar o salrio mnimo, travar privatizaes em curso e travar
despedimentos na funo pblica, mostrou que nem todas as reformas so iguais. H
reformismos progressistas e h reformismos que s fazem recuar.
O novo governo grego no quer l a "troika", quer dizer, aqueles funcionrios que
aparecem a fazer vistorias, e explica por qu: eles aparecem s para executar o
passado e o governo grego quer discutir uma mudana de poltica, coisas que aquelessenhores de fato tcnico no tm poder para discutir. Eles sabem que a discusso
poltica se faz entre representantes eleitos e que burocratas no so interlocutores
vlidos para este efeito.
O novo governo grego ps-se a caminho: o primeiro-ministro e o ministro das finanas
saram de casa para negociar com os seus parceiros, por toda a Europa.
Por tudo isto, a Grcia no Portugal. Porque em Portugal temos um governo que, naEuropa, se faz de morto. Temos um governo incapaz de perceber que, afastado do
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
48/114
7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3
49/114
45
Com a Grcia, ressuscitar o mtodo comunitrio
O novo governo da Grcia fez regressar Europa os bons velhos tempos do mtodo
comunitrio. No no sentido estritamente institucional, com a Comisso Europeia a
propor em nome do interesse comum da Unio, o Conselho de ministros a pesar as
diferentes interpretaes nacionais do bem comum, o Parlamento Europeu a fazer de
representante direto do soberano. Mas "regresso ao mtodo comunitrio" num
sentido mais amplo: o mtodo da proposta e contraproposta, do escrutnio das
alternativas, da negociao dura, do debate pblico a acompanhar o processo polticonas instituies, do compromisso com cedncias mtuas. E digo "fez regressar
Europa" porque a Unio Europeia o nico espao onde isso possvel.
Alguns parecem chocados porque a Grcia fala grosso. Outros sentem-se ultrajados
porque a Alemanha no recebe hoje de braos abertos o que nunca quis. Esquecem-se
que o eleitorado alemo e o eleitorado grego tm, ambos, como os demais, direito a
ter as suas opes prprias. O BCE faz-se duro e alguns profetizam o dilvio. Varoufakis
modula as suas propostas e levanta-se um coro de vozes "cedeu! cedeu!". Ser assim
to difcil perceber que a Europa s pode ser democrtica se funcionar assim? Se
houver debate, propostas e contrapropostas, alguma esgrima onde os interesses
parcialmente coincidentes e parcialmente divergentes possam ser equacionados? Sim,
tambm presso, at chantagem: haver negociaes cruciais que no tenh
Top Related