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FUNDAO GETLIO VARGAS
ESCOLA DE ECONOMIA DE SO PAULO
CESAR HIDEKI YAMAMOTO
A DEMANDA POR BEBIDAS ALCOLICAS NO BRASIL, 2008-2009
SO PAULO
2011
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CESAR HIDEKI YAMAMOTO
A DEMANDA POR BEBIDAS ALCOLICAS NO BRASIL, 2008-2009
SO PAULO
2011
Dissertao apresentada Escola de
Economia de So Paulo da
Fundao Getlio Vargas, como
requisito para obteno do ttulo de
Mestre em Economia.
Orientadora: Profra. Dra. Vernica
Ins Fernandez Orellano
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Yamamoto, Cesar Hideki.A demanda por bebidas alcolicas no Brasil2008-2009 / Cesar Hideki
Yamamoto. - 2011.88 f.
Orientador: Vernica Ins Fernandez OrellanoDissertao (mestrado profissional) - Escola de Economia de So Paulo.
1. Bebidas alcolicasConsumo - Brasil. 2. Consumo (Economia) -- Brasil. 3.Demanda (Teoria econmica). 4. Famlia -- Conduta. 5. Comportamento doconsumidorBrasil. I. Orellano, Vernica Ins Fernandez. II. Dissertao (mestradoprofissional) - Escola de Economia de So Paulo. III. Ttulo.
CDU 663(81)
CESAR HIDEKI YAMAMOTO
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A DEMANDA POR BEBIDAS ALCOLICAS NO BRASIL, 2008-2009
SO PAULO
2011
Dissertao apresentada Escola de
Economia de So Paulo da
Fundao Getlio Vargas, como
requisito para obteno do ttulo de
Mestre em Economia.
Data de aprovao
__/__/___
Banca Examinadora:
________________________________
Prof. Dra. Vernica Ins F. Orellano
FGV-EESP (Orientadora)
________________________________
Prof. Dr. Klnio Barbosa
FGV-EESP
________________________________Prof. Dr. Cludio R. Lucinda
USP-FEA Ribeiro Preto
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Aos meus queridos avs,
Kaoli e Madalena Hirata
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AGRADECIMENTOS
Agradeo especialmente Vernica, que me orientou de forma precisa, com toda ateno e
pacincia do mundo. Sem suas idias e contribuies a realizao deste trabalho com certeza
seria muito mais difcil.
No posso deixar de mencionar a Maria e o Marcos que me deram todas as dicas sobre a
pesquisa de oramentos e STATA. Agradeo tambm a disposio deles em sempre fazer
comentrios muito pertinentes e dar sugestes valiosas na hora do almoo ou do cafezinho,
que contriburam muito para o aperfeioamento deste trabalho.
A todos da LCA, que me deram apoio e me proporcionaram o tempo necessrio para a
realizao deste Mestrado.
Aos meus grandes amigos do LAO/LB, que me deram fora, torceram pelo sucesso desta
dissertao e me cornetarem muito para que eu terminasse logo o trabalho e desse mais
ateno a eles.
Finalmente, minha famlia que sempre me apoiou e deu fora ao longo de toda esta jornada,
alm de proporcionar momentos de conforto e descontrao nos almoos de domingo na casa
dos meus avs.
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RESUMO
A demanda por bebida alcolica um tema de interesse h muitos anos e diversos estudos
econmicos empricos podem ser encontrados na literatura internacional, porm existem
muito poucos estudos para o mercado brasileiro. Assim sendo, este trabalho pretendecontribuir para o melhor conhecimento deste mercado, analisando o consumo domiciliar de
bebidas alcolicas no Brasil a partir dos microdados da Pesquisa de Oramentos Familiares
2008/2009 (POF 2008/2009).
So estimadas equaes de demanda por cerveja, vinho, aguardente de cana e outros
destilados. Uma vez que a POF 2008/2009 investiga o consumo familiar apenas para a
semana de realizao da entrevista, os mtodos de estimao devem incluir tratamento
especial para o fato de muitas famlias relatarem um nvel de consumo igual a zero. Opotencial vis decorrente desse problema tratado utilizando os modelos Heckit e Tobit para
especificaes em duplo-log e semi-log, respectivamente. Tambm estimado um Almost
Ideal Demand System (AIDS) diretamente a partir da amostra de famlias com consumo no
nulodesconsiderando o problema de consumo zeropara comparar seus resultados com os
dois modelos anteriores e tambm testar as restries impostas pela Teoria do Consumidor.
As caractersticas scio-demogrficas so mais importantes no processo de deciso de
aquisio do que na definio da quantidade adquirida. Os domiclios consumidores decerveja e vinho so similares: em geral esto em centros urbanos, tm menos moradores e o
chefe da famlia tem mais escolaridade, mas a maior presena de idosos tem efeito negativo
para cerveja e positivo para vinho. Por outro lado, a aguardente est mais presente em
domiclios rurais, com maior presena de adultos e cujo chefe de famlia tem menos estudo.
Domiclios cujo chefe uma mulher e/ou com maior presena de mulheres apresentam menor
probabilidade de consumo de bebidas alcolicas, com exceo do vinho.
Todas as elasticidades-preo prprias encontradas so negativas, porm suas magnitudes
dependem das especificaes dos modelos. J para as elasticidades cruzadas, os sinais e
magnitudes dependem da especificao escolhida. Identificou-se tambm uma no linearidade
no efeito da renda sobre o consumo de cerveja e vinho e concluiu-se que um aumento na
renda tem efeito positivo sobre a demanda total de puro lcool, aproximando o padro de
consumo brasileiro ao consumo dos pases da Europa Ocidental.
Palavras-chave: equao de demanda, duplo-log, semi-log, AIDS, Tobit, Heckit, bebidas
alcolicas.
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ABSTRACT
The alcoholic beverage demand has been a topic of interest for a long time and many
empirical economic researches can be found in the international literature, however there is a
lack of studies concerning Brazilian market. This work aims to contribute to a betterunderstanding of this market, analyzing the pattern of at-home alcoholic beverage
consumption in Brazil using microdata from the Pesquisa de Oramentos Familiares
2008/2009.
Demand equations for beer, wine, sugarcane spirit and other spirits are estimated. Since the
POF 2008/2009 investigates household consumption only during one week, the estimation
methods should include special treatment to the fact that many families can report zero
consumption level. The potential bias due to this problem is overcome using Heckit and Tobit
models for double-log and semi-log specifications, respectively. It is also estimated an Almost
Ideal Demand System (AIDS)directly from the sample of families with non-zero consumption
without the correction for the problem of zero consumption to compare their results with
the two previous models andto test the Consumer Theorys restrictions.
The socio-demographic characteristics are more important in the decision process of
purchasing than the definition of the quantity purchased. Beer and wine consumer families
are similar: in general, or they live at urban centers, or there are few members in the family,
or the household head is more educated. However, the greater presence of elderly has
negative impact for beer, but positive for wine. On the other hand, sugarcane spirit is more
present in families living in rural centers, or in the household where there are more members
or whose head of family has less study.The presence of more women in the family or whose
family head is female reduces the likelihood of alcoholic beverages demand, except for wine.
All own-price elasticities estimated are negative, but their magnitudes depend on the
specifications of the models. On the other hand, for the cross-price elasticities, the signs and
magnitudes depend on the specification chosen. It was also identified a non-linear effect of
income over beer and wine consumption and the conclusion is that the income increasehas a
positive effect on total pure alcohol demand approaching the Brazilian consumption pattern
to the Western Europe countries.
Keywords: demand equation, double-log, semi-log, AIDS, Tobit, Heckit, alcoholic beverage.
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SUMRIO
LISTA DE FIGURAS, GRFICOS E TABELAS .............................................................. 11
2. O MERCADO DE BEBIDAS ALCOLICAS NO BRASIL ......................................... 172.1. Tendncia do consumo nos ltimos 50 anos.............................................................. 172.2. A indstria da cerveja................................................................................................. 182.3. A indstria do vinho.................................................................................................... 192.4. A indstria da aguardente e outros destilados ......................................................... 202.5. Uma comparao cross-country ................................................................................. 21
3. REVISO DA LITERATURA ......................................................................................... 25
3.1. Evidncia internacional .............................................................................................. 253.2. Importncia das caractersticas scio-demogrficas ............................................... 28
3.3. Estudos empricos da demanda por bebidas alcolicas no Brasil........................... 314. METODOLOGIA E DADOS UTILIZADOS.................................................................. 33
4.1. O Problema do Consumidor....................................................................................... 334.2. Especificaes das Equaes de Demandas .............................................................. 35
4.2.1 O Modelo AIDS ...................................................................................................... 364.2.2. O Modelo duplo-log ............................................................................................... 38
4.3. Microdados e o problema do consumo zero.......................................................... 394.3.1 O modelo Tobit ....................................................................................................... 404.3.2. O modelo Heckit .................................................................................................... 41
4.4. Estratgia de modelagem ............................................................................................ 424.5. Dados utilizados: POF 2008/2009 .............................................................................. 45
4.5.1. Produtos escolhidos ................................................................................................ 464.5.2. Descrio das variveis utilizadas nos modelos ..................................................... 47
4.5.2.1. Variveis dependentes: .................................................................................... 474.5.2.2. Variveis explicativas: .................................................................................... 48
4.5.2.2.1. Variveis de identificao: ....................................................................... 52
5. ANLISE DOS RESULTADOS....................................................................................... 54
5.1. Modelos com equaes simples em duplo-logHeckit............................................ 545.1.1. Primeiro estgiodeciso de aquisio do produto .............................................. 54
5.1.2. Segundo estgio ...................................................................................................... 575.2. Modelos com equaes simples em semi-logTobit................................................ 605.3. Almost Ideal Demand System .................................................................................... 62
5.3.1. Estgio superior ...................................................................................................... 625.3.2. Estgio inferior ....................................................................................................... 635.3.2. Elasticidades-renda e preos .................................................................................. 655.3.3. Testes tericos ........................................................................................................ 67
5.4.Modelo com a renda quadrtica ................................................................................ 685.4.1. Modelos com equaes simples em duplo-log incluindo termo quadrticoHeckit.......................................................................................................................................... 69
5.5.Mudanas na renda e o consumo de puro lcool...................................................... 71
6. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 74
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 77
APNDICE 1Agrupamento dos produtos selecionados ................................................. 82
APNDICE 2Coeficientes estimados no primeiro estgio do Heckit ............................ 83
APNDICE 3Coeficientes estimados para as equaes em semi-log Tobit .................. 84
APNDICE 4Elasticidades-preo e gastos condicionaisAIDS................................... 85
APNDICE 5Coeficientes estimados no primeiro estgio do Heckit ............................ 86
APNDICE 6Coeficientes estimados no segundo estgio do Heckit ............................. 87
APNDICE 7Elasticidades-renda a cada nvel de renda ............................................... 88
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LISTA DE FIGURAS, GRFICOS E TABELAS
Figura 1. Consumo per capita total entre adultos (acima de 15 anos), em litros de puro lcool,2005 .......................................................................................................................................... 22Figura 2. Distribuio das bebidas alcolicas mais consumidas, em litros de puro lcool, 2005
.................................................................................................................................................. 23Figura 3. Grficos de freqncia de elasticidades .................................................................... 27
Grfico 1. Consumo per capita total entre adultos (acima de 15 anos), em litros de puro lcoolBrasil 1963-2005 ................................................................................................................... 18Grfico 2. Participao do consumo por lcool no Brasil em puro lcool2005 ................... 24Grfico 3. Elasticidade-renda cerveja ...................................................................................... 88Grfico 4. Elasticidade-renda vinho ......................................................................................... 88
Tabela 1. Freqncia de aquisio das bebidas alcolicas selecionadas, Brasil, 2008/2009 ... 43Tabela 2. Aquisio domiciliar per capita anual, por classes de rendimento total .................. 48Tabela 3. Descrio das variveis explicativas ........................................................................ 50Tabela 4. Descrio das variveis explicativas: consumo fora do domiclio ........................... 53Tabela 5. Preos mdios das bebidas alcolicas por unidade da federao ............................. 51Tabela 6. Efeitos marginais do primeiro estgioduplo-log / Heckit .................................... 57Tabela 7. Coeficientes estimados para as equaes do segundo estgio (quantidade adquirida)
duplo-log / Heckit .................................................................................................................. 59Tabela 8. Efeitos marginais no condicionaissemi-log / Tobit ............................................ 61Tabela 9. Elasticidades-preo no-compensadas e renda (total ou no-condicional)Tobit . 62Tabela 10. Elasticidades-preo compensadas e renda (total ou no-condicional)Tobit ...... 62Tabela 11. Coeficientes estimados para o estgio superior do AIDS ...................................... 63Tabela 12. Coeficientes estimados para o estgio inferior do AIDS ....................................... 64Tabela 13. Elasticidades-preo no-compensadas e renda real (total ou no-condicional) ..... 66Tabela 14. Elasticidades-preo compensadas (total ou no-condicional) ................................ 67Tabela 15. Teste de homogeneidade ........................................................................................ 68Tabela 16. Teste de simetria ..................................................................................................... 68Tabela 17. Efeitos marginais calculados no primeiro estgio do Heckitduplo-log, quadradodo logaritmo da renda ............................................................................................................... 69
Tabela 18. Coeficientes estimados para as equaes do segundo estgio (quantidadeadquirida)duplo-log, quadrado do logaritmo da renda / Heckit ........................................... 70Tabela 19. Efeito de um aumento de 10% na renda sobre o volume de puro lcool - duplo-log.................................................................................................................................................. 71Tabela 20. Efeito de um aumento de 10% na renda sobre o volume de puro lcool - duplo-logcom renda quadrticaRenda baixa (R$ 400) ........................................................................ 72Tabela 21. Efeito de um aumento de 10% na renda sobre o volume de puro lcool - duplo-logcom renda quadrtica - Renda mdia (R$ 2 mil) ..................................................................... 73Tabela 22. Efeito de um aumento de 10% na renda sobre o volume de puro lcool - duplo-logcom renda quadrtica - Renda alta (R$ 8 mil) ......................................................................... 73Tabela 23. Coeficientes estimados no primeiro estgio do Heckit .......................................... 83
Tabela 24. Coeficientes estimados para as equaes em semi-log Tobit ................................. 84
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Tabela 25. Elasticidade gasto em lcool e elasticidades-preo no-compensadas condicionais.................................................................................................................................................. 85Tabela 26. Elasticidade gasto em lcool e elasticidades-preo compensadas condicionais .... 85Tabela 27. Coeficientes estimados no primeiro estgio do Heckitmodelo com o quadradodo logaritmo da renda ............................................................................................................... 86
Tabela 28. Coeficientes estimados no segundo estgio do Heckit - modelo com o quadrado dologaritmo da renda .................................................................................................................... 87
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1. INTRODUO
A demanda por bebida alcolica um tema de interesse h muitos anos, seja pela perspectiva
sociolgica, da sade pblica ou econmica. Assim como outras bebidas, como o caf na
cultura muulmana, a bebida alcolica considerada um veculo para interao social, umamaneira de se reunir pessoas e criar uma atmosfera diferente no dia a dia. De acordo com
Skog (2006), noventa por cento das pessoas em idade adulta consome bebidas alcolicas em
grupo e lugares como bares, pubs e tavernas, que so formas institucionalizadas do papel da
bebida como vetor de interao social.
Ainda que boa parte das pessoas faa uso moderado de bebida alcolica, algo firmemente
estabelecido na literatura a existncia de danos sade e externalidades negativas associadas
ao consumo excessivo de lcool. Apesar dos efeitos positivos que o consumo moderado podetrazer1, o consumo exagerado traz consigo custos significativos sade do consumidor e
sociedade como um todo. Segundo a Organizao Mundial da Sade, o uso abusivo de lcool
est associado a casos de violncia, acidentes de automvel, doenas e responsvel por 2,5
milhes de mortes ao ano no mundo.
Neste sentido torna-se importante que os agentes responsveis por polticas relacionadas
sade pblica compreendam o comportamento e principais determinantes da demanda por
bebida alcolica, para que possam elaborar de forma tima medidas restritivas ao consumo
excessivo, tais como aplicao de impostos, polticas educativas, restries publicitrias, etc..
Dessa forma, estudos que estimem elasticidades-preo da demanda e elasticidades-cruzadas
so cruciais para o desenho da poltica tributria apropriada. necessrio saber, por exemplo,
se a taxao sobre uma bebida especifica ter impacto somente sobre ela (consumo
independente), ou haver efeitos inesperados de desencorajar o consumo no s desta bebida,
mas tambm de outras no taxadas (complementaridade no consumo), ou se simplesmente o
consumo da bebida que sofreu a taxa se transferir para outra no taxada (Faroque, 2006).
Outra varivel importante que um policymaker pode estar interessado a renda, ou seja,
estimar a curva de Engel para bebidas alcolicas e defini-las como bem inferior, normal ou de
luxo. Com isso seria possvel projetar, por exemplo, o impacto que um aumento de renda teria
sobre o consumo de bebidas alcolicas em seu pas. Supondo que uma bebida destilada com
1 Hansel et al. (2010) examinaram 150 mil relatrios mdicos de pessoas da regio metropolitana de Paris econcluram que o consumo moderado de lcool (entre um e trs copos de vinhos) est relacionado a uma menor
probabilidade de doenas cardiovasculares. Mas, ao mesmo tempo, pessoas que consomem moderadamente tmnvel scio-econmico mais alto e vidas mais saudveis. Portanto, alertam que no conclusivo que haja umefeito causal entre consumo moderado de lcool e reduo de doenas cardiovasculares.
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alta concentrao alcolica seja um bem inferior, e a cerveja, que tem concentrao alcolica
oito vezes menor do que um destilado, seja um bem de luxo, um aumento de renda pode ter
como conseqncia uma reduo no consumo de puro lcool neste pas.
Da perspectiva dos players destas indstrias, tambm parece ser crucial compreender ocomportamento do consumidor, sua resposta a preos, bem como o impacto de diferenas nas
caractersticas econmicas, sociais, demogrficas e regionais sobre o consumo de seu produto.
Apesar da existncia massiva de pequenos produtores que produzem marcas regionais
menores, principalmente no segmento premium artesanal, notria a presena de grandes
players globais presentes neste mercado2, que investem bilhes de dlares por ano em
ampliao e construo de novas plantas, operao logstica, mdia, entre outros.
Dessa forma, no planejamento estratgico dessas empresas, quanto mais estas conhecerem omercado e seus consumidores, maior ser sua vantagem competitiva. Projetar a demanda nos
prximos anos soa fundamental para que elas definam o tamanho timo de seus investimentos
e assim maximizem seu retorno; e as elasticidades-preo e renda so peas fundamentais para
se atingir esse objetivo. Ademais, para os especialistas em marketing e vendas, examinar os
efeitos marginais de caractersticas demogrficas, sociais e regionais fundamental para se
definir o pblico alvo de seus produtos e elaborar a melhor forma de se chegar a ele.
Alm da motivao suscitada pelos fatos expostos acima, tambm motivao do presenteestudo o fato de terem sido encontrados poucos trabalhos econmicos empricos para bebidas
alcolicas no Brasil, ao passo que h uma vasta literatura a respeito em outros pases. Huang
(2003), por exemplo, reporta 13 pesquisas em que se estimam elasticidades-preo e renda para
o Reino Unido apenas na dcada de noventa. Assim sendo, este estudo pretende contribuir
para o melhor conhecimento do mercado brasileiro de bebidas alcolicas, estudando a
demanda por consumo domiciliar de cerveja, aguardente de cana, vinho e destilados (exceto
aguardente de cana) separadamente, a partir de dados da Pesquisa Oramentria Familiar de2008/2009 (POF 2008/2009).
J o consumo no prprio estabelecimento de aquisio, como bares e restaurantes, no ser
objeto deste estudo, pois a nica informao reportada na POF 2008/2009 o gasto monetrio
fora do domiclio. No h informao sobre quantidade, nem preos. Outro argumento para o
2
De acordo com seus relatrios financeiros referentes ao ano de 2010, AB-Inbev, Diageo e SAB-Miller, trs dosmaioresplayers desta indstria, tiveram receitas respectivamente de 36,3 bilhes de dlares, 13 bilhes de librase 26,3 bilhes de dlares.
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foco no domiclio o fato de que o consumo fora dele, provavelmente, responde a impulsos
diferentes do consumo de lcool domiciliar.
O problema ser tratado a partir de diferentes modelos de estimao de demanda: sero
estimados modelos em cross-section, com equaes simples, tanto em duplo-log e semi-log,pela sua facilidade de operao e interpretao direta de elasticidades (no caso do duplo-log),
quanto um Almost Ideal Demand System, por levar em conta as restries impostas pela
Teoria do Consumidor.
A escolha por essa abordagem diversificada de especificao do modelo remete a um
problema que surge da utilizao da POF 2008/2009. Como o oramento familiar
acompanhado por apenas uma semana, a possibilidade de uma famlia no consumir alguns
produtos alta, sendo esse o caso de bebidas alcolicas. O problema de consumo zero, nocaso especfico de bebidas alcolicas, pode surgir por trs motivos: (i) o perodo da pesquisa
muito curto para que o consumidor reporte algum consumo; (ii) abstinncia, isto ,
consumidores que no desejam adquirir este determinado produto; e (iii) consumidores no
compraram este produto em face aos preos correntes e o seu nvel de renda atual, ou seja,
uma tpica soluo de canto para o problema de maximizao de utilidade do consumidor.
Dado que os parmetros estimados em Mnimos Quadrados Ordinrios so viesados na
presena de muitas observaes com consumo zero, eles precisam ser corrigidos. Para o casode equaes simples, a literatura para a correo desse problema consolidada e h dois
modelos que so os mais utilizados: Tobit e Heckit.
No entanto, para o caso de sistemas de equao ainda h certa controvrsia sobre como lidar
com o problema. Apesar dos autores atualmente utilizarem geralmente as solues propostas
por Heien e Wessells (1990) e Shonkwiller e Yen (1999), que partem do procedimento
Heckit, alguns problemas ainda no foram totalmente resolvidos, como o fato dos
procedimentos no garantirem a restrio da aditividade para as parcelas dos gastosefetivamente observadas. A soluo geralmente usada tratar um dos bens do sistema como
bem residual e estimar as (n-1) equaes. Porm as estimativas dos parmetros no so
invariantes ao bem escolhido como residual e tambm no se garante que a parcela do gasto
deste bem ser positiva.
Por esse motivo os modelos sero estimados em equaes simples, a partir das seguintes
especificaes: (i) equaes em duplo-log, corrigindo o problema de consumo zero usando o
procedimento Heckit; (ii) equaes em semi-log, corrigindo o problema de consumo zero
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usando o procedimento Tobit. Por ser uma abordagem que leva em conta as restries da
teoria do consumidor, o modelo AIDS em dois estgios sem tratamento de consumo zero
tambm ser estimado3.
Para testar uma especificao no linear da curva de Engel, o primeiro modelo contar comum teste adicional, em que se incluir o quadrado do logaritmo da renda. E ainda sero
realizados clculos a partir das elasticidades-renda estimadas nos modelos para medir o efeito
sobre o consumo de puro lcool em funo de mudanas na renda.
Este estudo est organizado em mais seis captulos alm desta introduo. No captulo 2 sero
apresentadas informaes sobre o mercado de bebidas alcolicas no Brasil, como a tendncia
de consumo no ltimo meio sculo, uma sntese sobre as indstrias brasileiras de cerveja,
vinho, aguardente e outros destilados e, por fim, uma comparao do consumo brasileiro vis--vis o consumo no resto do mundo. No captulo 3 ser realizada uma reviso dos trabalhos
empricos internacionais relativos estimao de equaes de demanda de bebidas alcolicas,
alm dos trabalhos que foram encontrados para o caso brasileiro. J no captulo 4, relembra-se
brevemente o problema do consumidor e apresentam-se as especificaes de equao de
demanda que sero estimadas (AIDS em dois estgios, duplo-log e semi-log) e os
procedimentos economtricos adotados neste estudo para o tratamento do problema de
consumo zero (Heckit e Tobit).As caractersticas da POF (2008/2009) e a descrio dos dados utilizados esto no captulo 5.
No captulo 6 so apresentados os resultados encontrados elasticidades-preo e renda,
parmetros e efeitos marginais das variveis regionais, demogrficas e sociais. Por fim, no
captulo 7, realizam-se as consideraes finais e apresentam-se as principais concluses e
limitaes do estudo.
3 Ao longo do texto, ficar mais clara a dificuldade de tratar os problemas dos zeros no caso do modelo AIDS.
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2. O MERCADO DE BEBIDAS ALCOLICAS NO BRASIL
Neste captulo, sero abordadas brevemente algumas caractersticas do mercado brasileiro de
bebidas alcolicas, como a tendncia de consumo no ltimo meio sculo, uma sntese sobre as
indstrias de cerveja, vinho, aguardente e outros destilados e, por fim, uma comparao doconsumo brasileiro vis--vis o consumo no resto do mundo.
2.1. Tendncia do consumo nos ltimos 50 anos
Como pode ser observado no Grfico 1, nos ltimos 40 anos o consumo per capita de bebidas
alcolicas, medido em litros de puro lcool4, cresceu a um ritmo mdio de aproximadamente
2,5% ao ano. A cerveja a bebida alcolica mais consumida no pas h pelo menos 20 anos,
mesmo quando o consumo medido em litros de puro lcool (aguardente tem oito vezes mais
lcool por litro do que cerveja). Nota-se tambm uma mudana na preferncia do consumidor
brasileiro ao longo dos ltimos 50 anos. Nos anos 1960, o vinho representava metade do
volume consumido de cerveja, enquanto nos anos 2000 o mercado de vinho 10 vezes menor
do que o de cerveja. Mas essa estagnao histrica no consumo de vinho pode ser uma
tendncia global, pois a produo mundial desta bebida, segundo estatsticas do World Wine
Date (2006), passou de 24,9 milhes de toneladas no perodo 1961-63 para 27,1 milhes de
toneladas no perodo 2001-03, o que representa um aumento inferior a 10% em 40 anos
(Guimares, 2009).
J no perodo mais recente, a partir do sculo XXI, h um evidente declnio das bebidas
agrupadas em destilados e um crescimento mais acentuado do consumo de cerveja no Brasil,
sobretudo a partir da segunda metade da primeira dcada deste sculo. Na base de dados
usada para construir o grfico, no h abertura por tipo de bebida destilada, contudo, de
acordo com dados da POF 2008/2009, mais da metade do valor de destilados consumido pelas
famlias brasileiras referia-se a aguardente. Este comportamento de elevao do consumo de
cerveja e reduo de aguardente, a partir de 2005, pode estar associado a uma acelerao da
renda dos consumidores5 e possibilidade de que aguardente seja um bem inferior e cerveja,
um bem normal ou de luxo.
4
Litros de puro lcool a normalizao em termos de graus alcolicos.5 Entre 2005 e 2007, o aumento real do salrio mnimo foi de 8,7% a.a. e entre 2002 e 2004, 2,4% a.a. (Fonte:IPEADATA)
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Grfico 1. Consumo per capita total entre adultos (acima de 15 anos), em litros de puro lcoolBrasil1963-2005
Fonte: Autor a partir de base de dados extrados em Organizao Mundial da Sade, 2011.
2.2. A indstria da cerveja
Rosa et al. (2006) analisam o setor cervejeiro em um estudo desenvolvido para o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econmico Social (BNDES). Nele, os autores afirmam que omercado mundial de cervejas equivale a um consumo anual global de 1,5 bilho de
hectolitros. Em 2004, o Brasil era responsvel por cerca de 85 milhes de hectolitros, sendo
assim o quinto maior produtor, atrs da China (270 mi de hl), Estados Unidos (230 mi de hl),
Alemanha (100 mi de hl) e Rssia (90 mi de hl). Para dar dimenso ao tamanho desta
indstria no Brasil, os autores reportam que ela empregava mais de 150 mil pessoas, entre
postos diretos e indiretos. Eles ressaltam que o mercado brasileiro, em 2004, tinha um
consumo per capita anual de 47 litros/ano por habitante, que baixo relativamente aospadres mundiais, que composto em sua maioria por jovens, que as classes C, D e E so
responsveis por setenta por cento do consumo e que um tero do total so mulheres.
Outra informao importante a respeito da cadeia de produo e vendas desta indstria diz
respeito aos canais que ela utiliza para distribuir seu produto. Segundo os autores, dados da
ACNielsen reportam que 70% do consumo de cerveja, em 2004, foi realizado em pontos de
vendas classificados como consumo local (bares, restaurantes, lanchonetes e casas
noturnas) e tradicional (padarias, armazns e mercearias). Isto , pontos de vendas em que
teoricamente o consumo feito no prprio local de aquisio. Os restantes 30% do consumo
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so realizados em auto-servio, ou seja, mercados, supermercados e hipermercados, nos
quais deve haver pelo menos uma caixa-registradora e os consumidores podem escolher os
produtos sem a necessidade do vendedor, com o intuito de lev-los para consumir em casa.
Este trabalho ir estudar o consumo de bebidas alcolicas declarado na POF 2008/2009 comoconsumo em casa. Ou seja, estudar a aquisio realizada em auto-servio e uma parcela
das compras realizadas no canal tradicional, pois razovel supor que o canal tradicional
corresponde a um misto entre consumo no prprio local e domstico. Em cidades do interior e
periferia de grandes cidades, o armazm e a mercearia devem ser os pontos de vendas que as
famlias utilizam para abastecimento de seu consumo domstico.
2.3. A indstria do vinho
No mesmo relatrio, Rosa et al. (2006) avaliam que o mercado de vinho pode ser dividido em
dois segmentos principais: os vinhos comuns (ou de mesa) e os vinhos de qualidade (finos). O
vinho de mesa pode ser considerado um complemento alimentar, sendo consumido nas
regies mais tradicionais, na maior parte das refeies dirias e pela maioria da populao
local, principalmente a de menor renda. J os vinhos finos so consumidos, de preferncia, em
ocasies fora da rotina diria e pelas camadas sociais de maior poder aquisitivo. Segundo
dados dos autores, a produo nacional de vinhos finos, em 2004, foi de 0,2 milhes de
hectolitros, ao passo que 2,3 milhes de hectolitros so relativos produo de vinho de
mesa. Para eles, os vinhos de mesa concorrem mais diretamente com a cerveja do que com o
vinho fino, uma vez que a primeira tem preo mais competitivo e possui a preferncia do
consumidor brasileiro.
A produo mundial de vinhos em 2004 foi de 294,6 milhes de hectolitros. A produo e
consumo per capita no Brasil so bastante tmidos quando comparados aos pases lderes. Em
termos de comparao, o Brasil produziu, em 2004, 2,5 milhes de hectolitros e seu consumo
anual per capita foi de 1,6 litros, enquanto a lder Frana produziu cerca de 56 milhes de
hectolitros e sua populao consumiu em mdia 55 litros per capita anualmente. Essa grande
diferena pode estar associada especialmente a fatores relacionados produo, j que a
vinicultura depende de clima e solo especficos. No Brasil essas condies so encontradas
apenas na regio Sul do pas, sendo o Rio Grande do Sul o Estado responsvel por 95% da
produo brasileira de vinhos. Alm disso, devido ao custo de transporte ser alto, apenas a
importao de vinhos mais caros lucrativa (Colen e Swinnen, 2011).
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2.4. A indstria da aguardente e outros destilados
Dada a importncia cultural e econmica da aguardente de cana6, esta ser estudada neste
trabalho separadamente das outras bebidas destiladas. Segundo a Associao Brasileira de
Bebidas (ABRABE), a aguardente de cana foi a primeira bebida destilada na Amrica Latina,
descoberta entre os anos 1534 e 1549, durante o processo de produo do acar. Souza
(2009) diz que h fontes documentais do sculo XVIII relatando a existncia de dois tipos de
bebidas destiladas, uma obtida diretamente do caldo de cana fermentado (aguardente de cana)
e outra obtida do resduo dos engenhos (cachaa ou aguardente de mel) 7.
J Gomes (2004) relata que, em 2002, a produo de aguardente de cana atingiu 13 milhes
de hectolitros, faturou meio bilho de dlares e a bebida destilada mais consumida no
Brasil. Segundo Souza (2009), estima-se um consumoper capita de 9,4 litros por ano no pas.
No mundo, a aguardente de cana ocupa o terceiro lugar em consumo entre os destilados,
ficando atrs s da vodca e dos usques. So Paulo o Estado brasileiro que mais a produz
industrialmente e Minas Gerais concentra a produo artesanal, que representa cerca de 10%
do total.
Ainda em relao origem do produto, enquanto a aguardente industrial geralmente est
voltada para os consumidores de classes de renda mais baixas, o produto artesanal busca
novos consumidores, com poder aquisitivo maior e que tenham como principal caracterstica
apreciar a degustao da aguardente pura, sem misturas, valorizando a importncia de seu
aroma e sabor, tornando imprescindvel uma bebida com boa qualidade (Souza, 2009). Uma
hiptese razovel para a caracterizao desta bebida que esta seja um bem inferior quando
industrializada e um bem normal ou de luxo quando artesanal.
Por se tratar do agrupamento mais heterogneo do estudo, pouca ou nenhuma informao foi
encontrada a respeito de outros destilados. Em notcia do jornal Brasil Econmico, do dia
11/05/2010, a Associao Escocesa de Usque reporta que 41 milhes de frascos de usque
6A aguardente de cana, que a forma como essa bebida ser tratada neste estudo, na verdade trata -se de umtermo genrico, usado para denominar os destilados brasileiros obtidos da cana-de-acar: a caninha industrial ea cachaa artesanal de alambique (Gomes, 2004).7 Outra demonstrao de como a bebida est enraizada na histria brasileira que ela era smbolo dos ideais de
liberdade junto aos inconfidentes mineiros e no tempo de transmigrao da Corte para o Rio de Janeiro, em1808, a cachaa j era considerada um dos principais produtos da economia e era moeda de troca para a comprade escravos na frica (Souza, 2009).
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escocs foram importados ao Brasil e que 60% desta bebida de origem estrangeira 8. J a
ACNielsen, em dados divulgados pela Revista Fator do dia 15/05/2010, reporta que o
mercado de vodca teria movimentado em 2009 mais de um bilho de reais e que tenham sido
vendidos 36 milhes de litros da bebida.
2.5. Uma comparao cross-country
De acordo com o relatrio da Organizao Mundial da Sade, em 2005 o consumo mdio de
puro lcool no mundo foi de 6,1 litros per capita por ano9, que um nvel muito parecido com
o encontrado para o Brasil (6,2 litros per capita). Como podem ser observados no mapa da
Figura 1, os mais altos nveis de consumo so encontrados nos pases desenvolvidos e no
hemisfrio norte, mas tambm na Argentina, Austrlia e Nova Zelndia. Nveis mdios de
consumo podem ser encontrados no sul da frica e na maioria dos pases da Amrica do
Norte e da Amrica do Sul. Nveis de consumo baixo so encontrados nos pases do norte da
frica, frica Subsaariana, Oriente Mdio, Sudeste Asitico e Oceano ndico. Nestas regies
h uma alta concentrao de populao de f islmica, que tem alta taxa de absteno (OMS,
2011).
8
Em uma conta rpida a partir dos dados da reportagem, estima-se o mercado desta bebida em 68,3 milhes delitros/ano, no mnimo. Caso todo o usque seja importado da Esccia, este j seria o valor estimado do mercado.9 Em relao a pessoas acima de 15 anos de idade.
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Figura 1. Consumo per capita total entre adultos (acima de 15 anos), em litros de puro lcool, 2005
Fonte: Organizao Mundial da Sade, 2011.
Em relao s preferncias dos consumidores por tipo de bebida alcolica, o relatrio da
OMS apresenta um mapa, exposto na Figura 2, mostrando as principais diferenas
geogrficas. O vinho a bebida mais consumida em alguns pases da Europa Ocidental e nospases mais ao sul da Amrica do Sul (Uruguai, Argentina e Chile), que tambm so
tradicionais produtores de vinhos. A OMS tambm chama a ateno para a reduo da
clssica diferena existente entre o norte da Europa, cujos pases so conhecidos como
bebedores de cerveja, e os pases ao sul da Europa, classificados como bebedores de vinho.
Seu exemplo a Espanha, em que a cerveja passou a ser a bebida mais consumida por seus
habitantes, e a Sucia, cuja bebida preferida passou a ser o vinho.
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Figura 2. Distribuio das bebidas alcolicas mais consumidas, em litros de puro lcool, 2005
Fonte: Organizao Mundial da Sade, 2011.
O Grfico 2 mostra que a cerveja representa 54% do consumo de lcool no Brasil, que desse
modo estaria posicionado na mesma categoria dos pases que bebem mais cerveja. Quase todo
o hemisfrio ocidental, alm do norte da Europa, muitos pases africanos, pases do sudesteasitico e Austrlia so os lugares em que tambm a cerveja a bebida mais consumida. O
consumo de destilados o mais popular entre boa parte da populao dos pases do
hemisfrio oriental e em alguns pases da Amrica Central. Outras bebidas (como vinho
fortificado, vinho de arroz e bebidas fermentadas feitas de milho ou sorgo) so as mais
consumidas em diversos pases africanos.
Nota-se tambm pelo Grfico 2, que os consumos de vinho, destilados e outras bebidas
alcolicas no Brasil so menores do que a mdia mundial, j que se verifica uma participao
do consumo de cerveja bem maior do que a mdia mundial.
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Grfico 2. Participao do consumo por lcool no Brasil em puro lcool2005
Fonte: Autor a partir de base de dados extrados em World Health Association, 2011
Outras
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Cerveja
54.0%
Destilado
40.0%
Vinho
5.3%
BRASIL Outras
10.5%
Cerveja
36.3%
Destilado
45.7% Vinho
8.6%
MUNDO
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3. REVISO DA LITERATURA
O objetivo deste captulo apresentar uma resenha da literatura a respeito de estudos
empricos sobre demanda por bebidas alcolicas. Como mencionado na introduo deste
trabalho, h uma extensa gama de pesquisas fora do pas. Por exemplo, Huang (2003) reporta13 pesquisas em que se estimam elasticidades-preo e renda para o Reino Unido apenas na
dcada de noventa. Entretanto, pouco se encontrou para o mercado brasileiro apenas um
estudo para demanda de cerveja e a competio entre marcas deste setor e estudos baseados
em inquritos epidemiolgicos. Portanto, uma das motivaes deste estudo contribuir para
que se preencha esta lacuna de estudos empricos sobre o comportamento da demanda de
bebidas alcolicas para o caso brasileiro.
3.1. Evidncia internacional
Em estudos empricos internacionais, em geral estimam-se equaes para cerveja, vinho e
destilados,mas em alguns pases acrescenta-se tambm alguma bebida com importncia local.
Por exemplo, Angulo et al. (2001) incluem cava no seu estudo para Espanha e Adrienko e
Nemstov (2006) acrescentam vodca em sua pesquisa do mercado russo. A maioria dos
trabalhos empricos utiliza dados em sries de tempo, muito provavelmente em funo da
maior disponibilidade deste tipo de dado. Porm, estimaes em cross-section e em painel a
partir de dados de pesquisas oramentrias tambm so encontradas na literatura, dada a
importncia que caractersticas scio-demogrficas apresentam na demanda por bebidas
alcolicas10. Modelos com forma funcional flexvel para estimao de sistema de demanda,
como o Almost Ideal Demand System (AIDS) proposto por Deaton e Muellabauer (1980),
alm do modelo Rotterdam, proposto por Theil (1965) e Barten (1966), foram os mais
utilizados pelos autores selecionados. Especificaes um pouco mais simples, como
especificaes em duplo-log e semi-log, tambm foram encontradas11.
H uma grande variao entre os resultados encontrados para as elasticidades-renda, preo e
variveis scio-demogrficas nas diversas abordagens. As diferenas nos resultados refletem
as diferenas nas especificaes dos modelos, no tipo de dados e nos procedimentos de
estimao. Moosa e Baxter (2002), a partir de tcnicas de cointegrao aplicadas a uma srie
10 Alm disso, nos modelos em cross-section, que utiliza microdados, h a grande vantagem de que o preo pode
ser considerado uma varivel exgena, no havendo o problema de endogeneidade decorrente da determinaosimultnea de preo e quantidade no mercado.11 Por exemplo, Atkinson et al. (1990), Bettington e Chang (2001) e Huang (2003).
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trimestral referente ao perodo 1964-1995 no Reino Unido, estimam elasticidades-preo
bastante distintas daquelas encontradas por Huang (2003), cuja estimao tambm baseada
em uma srie trimestral para o mesmo pas, referente a um perodo muito prximo (1970-
2000). Moosa e Baxter (2002) usam o modelo AIDS, enquanto a estimao de Huang (2003)
realizada a partir de equaes simples, especificadas em duplo-log para cada uma das
bebidas. Enquanto os primeiros relatam a cerveja e o vinho como sendo bens altamente
sensveis a preo, Huang estima que a cerveja tenha elasticidade praticamente unitria e o
consumo de vinho seja preo-inelstico.
Ainda mais controversos so os resultados relativos substitutibilidade e complementaridade
entre as bebidas. Enquanto os resultados de Heien e Pompelli (1989) e Cramer et al. (1996)
apontam que cerveja, vinho e destilados so substitutos entre si nos EUA, Nelson (1997)estima elasticidades-cruzadas negativas em todas as bebidas, isto , todas elas seriam
complementares entre si. Todos eles estimam sistemas de demanda12, porm os dois primeiros
utilizam dados em cross-section, enquanto o ltimo faz uso de uma srie de tempo.
A estimao de elasticidades-preo e renda para cerveja, vinho e destilados to explorada na
literatura econmica internacional, que Fogarty (2010) realiza uma ampla investigao sobre
pesquisas empricas no mundo e, a partir de 109 artigos selecionados, utiliza tcnicas de meta-
regresso para tentar identificar padres nas estimativas de elasticidade-preo e renda emfuno da tcnica de estimao, pas em que os modelos foram rodados, freqncia e o
perodo dos dados. Em sua busca, ele tambm identifica os modelos AIDS e Rotterdam como
sendo os mais utilizados em geral a partir da aplicao de tcnicas tradicionais de sries
temporais, mas tambm nota-se a popularizao do uso das tcnicas de co-integrao.
Segundo o autor, cross-section e painel so menos encontrados, provavelmente em funo da
limitao de dados.
As variaes entre os resultados encontrados na literatura, mencionadas acima, ficam maisevidentes a partir da Figura 3, em que Fogarty (2010) apresenta grficos de freqncia de
elasticidade-preo prpria e renda encontrados em sua investigao. Entretanto, de forma
geral, todas as bebidas apresentam certa inelasticidade aos preos, pois nota-se uma
freqncia maior de valores negativos e menores do que um em mdulo. Cerveja a mais
inelstica (elasticidade mdia de -0,44). J destilados e vinho apresentam elasticidades um
12
AIDS o modelo escolhido por Heien e Pompelli (1989). Cramer et al. (1996) utiliza, o que eles chamam deum synthetic demand system, which is constructed by artificially nesting the level version Rotterdam, CBS, andAIDS models. J Nelson (1997) utiliza um modeloRotterdam.
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pouco maiores (mdia de -0,73 e -0,65, respectivamente). Com relao elasticidade-renda,
parece claro que cerveja um bem normal, j que, segundo Fogarty (2010), 89% das
elasticidades estimadas so menores do que um. Destilados, em geral, seriam bens de luxo,
embora apenas 60% das estimativas tenham sido maiores do que um. J vinho apresentou
uma distribuio de freqncia praticamente igual em ambos os lados da unidade, isto , em
metade dos casos foi considerado um bem necessrio e na outra metade bem de luxo 13.
Figura 3. Grficos de freqncia de elasticidades
Fonte: Fogarty (2010)
Um resultado interessante encontrado pelo autor em sua meta-regresso que h diferenas
significativas entre estimaes com equaes simples em mnimos quadrados ordinrios e
13 Como o prprio autor destaca, uma anlise agregada como essa pode mascarar importantes diferenas entre
pases. Entretanto, o autor analisa os resultados por pas e conclui: So, the country-specific results broadlyreinforce what was found when considering the data at the aggregate level. Alcoholic beverages are generally
price inelastic, beer is generally a necessity, spirits are on balance a luxury and wine is a mixed case. (p.453)
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sistemas de equao. Porm no h evidncia estatstica de que os resultados encontrados por
sistemas de demanda (AIDS e Rotterdam, por exemplo) sejam diferentes dos resultados de
equaes simples em sries de tempo com tcnicas de co-integrao. Modelos com dados em
que a freqncia alta (dados mensais ou trimestrais versus dados anuais) obtm
elasticidades-preo maiores. O autor pressupe que este comportamento deva estar
relacionado a padres de estocagem por parte do consumidor: dada uma promoo de cerveja
na semana, um consumidor assduo de vinho e destilados pode adquirir esta cerveja, estoc-la
para consumir depois e, assim, manter o seu padro normal de consumo, isto , ser um
bebedor ocasional de cerveja.
O autor tambm encontra evidncias de que a elasticidade-preo aumenta a partir da dcada
de cinqenta. Seu argumento de que h um aumento do consumo e disponibilidade desubstitutos para bebida alcolica, como entorpecentes leves, e de que a substitutibilidade entre
vinho e cerveja esteja aumentando. Por fim, relata uma tendncia de reduo da elasticidade-
renda desde meados dos anos sessenta, que parece estar alinhada com a teoria econmica: a
renda mundial apresenta uma tendncia de crescimento, ento, espera-se uma reduo na
participao de bebidas e alimentos no oramento do consumidor (Fogarty, 2010).
3.2. Importncia das caractersticas scio-demogrficas
Como mencionado anteriormente, a maioria dos estudos utilizam sries de tempo, portanto,
no possuem muito espao para avaliar a importncia de caractersticas scio-demogrficas.
Dos artigos selecionados, apenas Nelson (1997), na tentativa de explicar a tendncia de queda
no consumo dos EUA, inclui a populao acima de 65 anos e entre 18 e 29 anos como
varivel explicativa em seu modelo usando uma srie de tempo. Clements e Selvanathan
(1991), apesar do sucesso na estimativa das elasticidades-preo e renda do seu estudo em
srie de tempo, afirmam ao final que it must be acknowledged that there are still some more
important aspects of alcohol consumption patterns that remain unexplained in this work. In
particular, constant terms are needed in all the demand equations to account for residuals
trends in consumption. These trends could reflect changing demography, immigration, new
packaging and so on. (p. 230).
O presente estudo tem como um de seus objetivos compreender o papel de caractersticas
scio-demogrficas no consumo de bebidas alcolicas no Brasil. Sendo assim, torna-se
importante que se faa uma investigao acerca dos resultados encontrados a este respeito em
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outros pases, para que seja possvel algum tipo de comparao de resultados. Nesta resenha
tentaremos identificar os resultados encontrados para as caractersticas scio-demogrficas
mais comuns nos estudos selecionados. So elas: (i) localizao geogrfica em geral a
varivel sinaliza se a famlia reside em zona urbana ou rural e/ou em que regio geogrfica do
pas ela vive; (ii) composio familiar isto , nmero de moradores, composio etria,
presena de homens e sexo do chefe da famlia; (iii) grupo tnico as nicas variveis
encontradas nos estudos so aquelas relacionadas cor da pele do chefe de famlia 14; (iv)
educao em geral a varivel relacionada ao nmero de anos de estudo do chefe da
famlia, ou nmero de pessoas por nvel de graduao acadmica; (v) sade se h presena
de mulher grvida na famlia e consulta a mdicos ou nutricionistas e; (vi) fatores sazonais
que podem ser dummies trimestrais, mensais ou de estao do ano.
Em sua pesquisa sobre o mercado norte-americano, Heien e Pompelli (1989), utilizando dados
da Household Food Consumption Survey de 1977-1978, estimam um sistema de demanda
para cerveja, vinho, destilado e outras bebidas no-alcolicas. Os autores confirmam a
hiptese de que efeitos demogrficos desempenham um papel importante na demanda por
bebidas alcolicas. Os resultados encontrados so: (i) localizao geogrficase por um lado
a localizao geogrfica importante para o consumo de vinho (sendo que este maior na
costa-oeste), para cerveja e destilados os autores no encontram significncia estatstica; (ii)
composio familiarnmero de moradores e presena de filhos tm efeito negativo sobre o
consumo das trs bebidas e, alm disso, a condio matrimonial tambm tem efeito sobre o
consumo de lcool, pois quando no h esposa na famlia consome-se mais as trs bebidas, j
quando no h marido presente, consome-se mais vinho e destilados, porm menos cerveja;
(iii) grupo tnico pessoa de referncia na famlia ser negra tem um impacto positivo no
consumo de cerveja e destilados, e negativo para vinho; (iv) educao no encontram
relao de educao com o consumo de lcool; (v) sademulher grvida no domiclio tem
efeito negativo sobre o consumo das trs bebidas; (vi) fatores sazonais o autor no usa
controles sazonais nos modelos.
Cramer et al. (1996) utilizam dados da mesma pesquisa domiciliar realizada nos EUA, porm
para um perodo mais recente (1987-1988). Seu sistema de demanda contm as mesmas
bebidas do trabalho de Heien e Pompelli (1989). Neste estudo, os autores concluem que
apesar de significantes, aspectos demogrficos tm impactos tipicamente baixos. Os
resultados encontrados so os seguintes: (i) localizao geogrficaos autores concluem que
14 Alguma varivel acerca da religio poderia ser importante na determinao da demanda por bebida alcolica.
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famlias residentes em centros urbanos consomem mais vinho e as que vivem no sul do pas
tendem a demandar mais destilado; (ii) composio familiar a cerveja mais consumida
quanto mais homens com idade entre 19 e 34 anos esto presentes nos domiclios, enquanto
vinho consumido nos domiclios com presena de mais homens entre 50 e 64 anos e
mulheres adultas com idade entre 35 e 49 anos, alm disso, famlias cuja pessoa de referncia
homem tm maior demanda por destilados; (iii) grupo tnico domiclios com chefe de
famlia negro consomem mais destilados, porm no se encontra diferena no consumo de
vinho e cerveja em funo da caracterstica tnica do chefe da famlia; (iv) educao
apresenta resultado positivo e significativo apenas para o vinho; (v) sadeter consultado um
mdico ou nutricionista reduz a demanda por destilados, mas a presena de mulher grvida
no reduz o consumo de nenhuma bebida; (vi) fatores sazonais destilados so mais
consumidos no inverno e na primavera, o consumo de vinho maior no inverno e o de cerveja
no vero.
Angulo et al. (2001) estimam um sistema de demanda para o consumo de cerveja, vinho,
destilados, cava e outras bebidas no alcolicas na Espanha. Para isso, utilizam dados de uma
pesquisa de oramentos familiares de 1990-1991 (Encuesta de Presupuestos Familiares). Os
autores encontram os seguintes resultados relacionados s caractersticas scio-demogrficas:
(i) localizao domiclios localizados em cidades com menos de 10 mil habitantes
consomem mais vinho, enquanto a demanda pelas outras bebidas menor; (ii) composio
familiarh uma relao negativa entre nmero de pessoas e destilados, mas positiva para as
outras bebidas, alm disso, enquanto o vinho mais consumido em domiclios com mais
idosos, a cerveja preferida pelos jovens e, finalmente, maior presena de homens tem
impacto significativo apenas para vinho; (iii) grupo tnico no h varivel relacionada a
grupo tnico; (iv) educao domiclios em que o chefe da famlia tem menor nvel
educacional tm maior probabilidade de consumo de vinho, enquanto para as outras bebidas a
relao inversa, quanto maior o nvel educacional maior o consumo; (v) sadeos autores
no utilizam variveis relacionadas sade; (vi) fatores sazonaisos autores identificam um
padro sazonal, no qual o consumo de todas as bebidas se eleva em dezembro.
Atkinson et al. (1990) analisam o consumo no Reino Unido, porm estimam apenas uma
equao para o agregado das bebidas alcolicas. Para isso utilizam um pooled cross-section
com dados de 1970-1983, da pesquisa anual de oramentos familiares (Family Expenditure
Survey). Os principais resultados foram: (i) localizao Norte da Inglaterra tem o maior
consumo e Noroeste da Irlanda o menor; (ii) composio familiar nmero de homens tem
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um efeito positivo sobre o consumo de lcool e uma mulher ou uma criana adicional reduz o
consumo no domiclio, alm disso a composio etria tambm desempenha papel
importante, j que famlias cujo oramento gerenciado por pessoas de 20 anos consomem
mais lcool do que aquelas com chefes de famlia com mais de 50 anos. Os autores no
utilizam variveis para capturar as caractersticas relacionadas (iii) grupo tnico, (iv)
educao, nem (v) sade. Quanto aos (vi) fatores sazonaissegundo os autores, as dummies
trimestrais sazonais testadas no tiveram significncia estatstica.
3.3. Estudos empricos da demanda por bebidas alcolicas no Brasil
Como foi dito no incio deste captulo, poucos estudos foram encontrados para o caso
brasileiro. Em relao a pesquisas economtricas, Cysne (2001) et al. realizam um estudo de
sistemas de demanda, no qual o interesse obter estimativas economtricas para a demanda
do setor de cervejas no Brasil, ilustrando assim o potencial de estimativas dessa natureza para
discusses no mbito de polticas de defesa da concorrncia. Sua base de dados uma srie de
tempo, com freqncia bimestral, cujo perodo de 1994 a 199815. A metodologia utilizada
a oramentao em dois estgios, na qual o primeiro estgio (ou estgio superior) a deciso
do consumidor em adquirir cerveja. O segundo estgio de deciso (ou estgio inferior) est
relacionado qual marca de cerveja o consumidor escolher. As elasticidades-preo e rendapara o mercado de cerveja estimadas pelos autores no primeiro estgio variaram entre -0,68 e
-0,76 e +0,44 e +0,78, respectivamente16. Os autores tambm encontram resultados com sinais
esperados e coeficientes significativos para a varivel de temperatura medida em graus
Celsius e o gasto em publicidade.
Dado que o alcoolismo tido como um problema de sade pblica, possvel encontrar
alguma literatura a respeito do padro de consumo de bebidas alcolicas, atravs de inquritos
epidemiolgicos. Muito embora, segundo Almeida e Coutinho (1993), os estudos com
amostra da populao so escassos no Brasil. Esses autores realizaram sua pesquisa para o
municpio do Rio de Janeiro, no qual entrevistaram 1.800 indivduos com mais de 13 anos de
idade. Porm, o objetivo dos autores no era avaliar quantidade, freqncia ou durao do
consumo, mas apenas categorizar os entrevistados como alcoolistas ou no17. A pesquisa
15 Fonte de dados a agncia de pesquisas ACNielsen.16 Nota-se, que as elasticidades-preo estimadas pelos autores esto acima das estimativas mdias encontradas
por Fogarty (2010). J a elasticidade-renda encontra-se prxima s encontradas por ele.17Para isso aplicavam o teste CAGE: consiste na aplicao de um questionrio composto por quatro perguntas,que considera como caso suspeito de alcoolismo algum que responda afirmativamente a duas ou mais das
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revela que 52% dos entrevistados declararam fazer uso de bebidas alcolicas. A bebida mais
consumida por esses indivduos foi a cerveja, tendo sido referida por 88,8% daqueles que
disseram fazer uso de lcool. A prevalncia de consumidores na amostra cai a partir dos 50
anos e a proporo de abstinentes foi maior entre as mulheres, os protestantes, os vivos e
aqueles de menor renda (at trs salrios mnimos). J em relao ao alcoolismo, o estudo
revelou uma prevalncia de alcoolismo de 3% da amostra, sendo que o sexo masculino e o
grupo etrio entre 30 e 49 anos mostraram-se positivamente associados com o alcoolismo.
Uma pesquisa mais atual e abrangente foi realizada pelo Instituto Nacional de Cncer (INCA)
ligado ao Ministrio da Sade, em 2002-2003. Neste estudo, foram abordadas questes
relativas quantidade e freqncia de consumo de bebidas alcolicas. A abrangncia deste
estudo foi nacional, em que foram entrevistadas pessoas de 15 capitais mais o DistritoFederal. O foco era identificar caractersticas das pessoas que apresentavam padres de
consumo considerados de risco segundo a OMS, ou seja, mais de uma dose padronizada por
dia (meia garrafa ou uma lata de cerveja, um clice de vinho ou uma dose de bebidas
destiladas). Os principais resultados encontrados so similares aos encontrados por Almeida e
Coutinho (1993). Prevalncia de consumo entre 32,4% e 58,6% a depender da capital, que
segundo a INCA trata-se de um nvel baixo se comparado maioria dos pases europeus, que
apresentam a maior prevalncia no mundo. Por gnero tambm foram encontrados resultados
significativamente maiores para os homens do que para as mulheres, e as taxas de consumo de
risco ficaram situadas entre 4,6% e 11,1%.
seguintes questes: (1) Alguma vez o(a) senhor(a) sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida alcolica
ou parar de beber? (2) As pessoas o(a) aborrecem porque criticam o seu modo de tomar bebidas alcolicas? (3)O(a) senhor(a) se sente chateado(a) consigo mesmo(a) pela maneira como costuma tomar bebidas alcolicas? (4)Costuma tomar bebidas alcolicas pela manh para diminuir o nervosismo ou ressaca?
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4. METODOLOGIA E DADOS UTILIZADOS
4.1. O Problema do Consumidor
Os determinantes do consumo de bebidas alcolicas no Brasil sero investigados neste estudo
sob o arcabouo terico da Teoria da Escolha do Consumidor. Portanto, nesta seo ser
apresentado um breve resumo do problema do consumidor. Ele emerge porque o agente
econmico racional precisa fazer sua escolha, baseada em suas preferncias e limitado por sua
restrio oramentria. Dados os axiomas sobre as preferncias dos consumidores18, a
soluo para este problema pode ser dado, como explicado por Pereda (2008), por meio da
maximizao da funo utilidade do consumidor sujeita restrio oramentria e a
quantidades no negativas dos bens. A funo utilidade descreve as relaes de preferncias
dos indivduos, enumerando as escolhas do consumidor de acordo com suas preferncias.
Seguindo a notao exposta por Pereda (2008), o problema de maximizao do consumidor
pode ser assim definido:
(1)
Em que:
xm: quantidade consumida do bem m
U(.): funo utilidade que representa as preferncias do indivduo
pm: preo do bem m
y: dispndio total do indivduo
A soluo algbrica do problema resulta em sistemas de equao de demanda Marshalliana
ou Walarasiana, ou no-compensada.
(2)
Dados os axiomas da preferncia do consumidor, este sistema obedece a duas restries: (i)
aditividade, que garante que as alteraes no preo do m-simo bem e/ou da renda do
consumidor provocam um rearranjo nos gastos, de modo que a restrio oramentria no
violada; e (ii) a homogeneidade, que diz que uma elevao no preo de todos os bens
proporcional a uma elevao na renda (y) no altera os gastos com cada bem. Em outras
18 Os axiomas sobre as preferncias dos consumidores so: reflexividade, completitude, transitividade,continuidade, no saciedade local e convexidade estrita.
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palavras, o consumidor no sofre de iluso monetria (Menezes et al., 2006). Algebricamente,
as restries podem ser escritas da seguinte maneira:
Restrio da aditividade: (3)
Restrio da homogeneidade:
Diferenciando a restrio da aditividade com relao aos preos e renda obtm-se
propriedades cruciais para anlise da demanda, as chamadas propriedades de agregao de
Cournot e de Engel. Elas so importantes, pois medem a relao da variao da demanda
pelos bens, a partir de variaes na renda e preos, mantendo o oramento equilibrado.
(4)
Em que,
Pela primeira igualdade, dada uma variao no dispndio total, a soma das variaes dos
gastos de cada bem deve ser igual a um (propriedade de agregao de Engel), isto , distribui-
se a variao da renda em uma proporo de pk (xk / y) para cada bem k. A segunda
igualdade est relacionada a no alterao do dispndio total, dado uma mudana nos preos
(propriedade de agregao de Cournot), ou seja, os efeitos diretos e indiretos da variao de
preos de um bem m no dispndio total so nulos.
O mesmo problema do consumidor pode ser visto de outra forma (dualidade): ao invs do
consumidor maximizar sua utilidade limitada sua restrio oramentria, ele pode minimizarseus custos dado um nvel de utilidade.
m= 1
Mpm.xm( p, y)= y
xm( . y , . p)= xm(y , p) , para> 0
k pkxk
y = 1 ou k wk. ek= 1
k
pkxkpm
+ x m= 0 ou k
wk. ek+ wm= 0
xky
: Efeito Renda
xkpm
: Efeito Preo
ek: Elasticidade renda = (xk/y) .(y/xk)= ln(x k)/ln (y)
emk: Elasticidade preo = (xm/ pk) .(pk/xm)= ln(xm) /ln (pk)
wk: Participaodogasto com bemk= (pk.x k)/y
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(5)
A soluo de otimizao desta funo resulta no sistema de demandas Hicksiana, ou
compensada.
(6)
Adicionalmente aditividade e homogeneidade, a partir da demanda Hicksiana, mais duas
hipteses emergem: simetria e negatividade19, sendo que ambas esto relacionadas
existncia de preferncias consistentes, conseqncia direta dos axiomas do consumidor
racional e seu sucesso em maximizar sua utilidade (Pereda, 2008).
Por fim, vale uma breve exposio acerca da questo da separabilidade fraca da funo
utilidade. A abordagem apresentada acima engloba todos os bens disponveis na economia.
No entanto, a restrio de dados, a limitao computacional e o conselho do econometrista
pelo uso da parcimnia nos modelos levaram ao desenvolvimento da hiptese da
separabilidade fraca da funo utilidade. A idia simples, o consumidor aloca os recursos de
seu oramento por etapas, por exemplo, primeiro ele aloca seu oramento em grandes
categorias de consumo, como alimentao e bebidas, vesturio, transporte, higiene, lazer e
outros; somente depois aloca o oramento de cada categoria de consumo entre os produtos
desta categoria. Por exemplo, o oramento de alimentao e bebidas usado para o consumode gros, carnes, outros alimentos, bebidas no-alcolicas e bebidas alcolicas e, finalmente,
o oramento de bebidas alcolicas divido entre cerveja, vinho e destilados 20. Assim, podem-
se estimar equaes de demandas sem a necessidade de incluir todos os bens da economia
nelas.
4.2. Especificaes das Equaes de Demandas
A evidncia emprica do comportamento do consumidor j atravessa mais de trs sculos
como objeto de estudo dos economistas. Os estudos de Ernst Engel sobre a relao entre
renda e consumo datam do sculo XIX, por exemplo. No sculo passado, diversos modelos
foram propostos para estimao dos sistemas de demanda. Um dos primeiros e mais usados se
baseia em funes de demanda log-lineares e foi proposto por Stone em 1954. O modelo de
19 Simetria: (hm /pj) = (hj /pm),j e m=1,...,M. Negatividade: (hm /pj) = smj uma matriz negativa semi-
definida.20 So possveis nveis ainda maiores de desagregao: o oramento de cerveja poderia ser utilizado para oconsumo das marcas A, B, C e outras.
log [h (p)]=k
wk.log(pk)
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Rotterdam (Theil, 1965) prope uma nova verso do modelo duplo-log, em primeira
diferena, que permite testar empiricamente as restries de homogeneidade e simetria
colocadas na seo anterior. Mais tarde foram propostas formas funcionais cujas
especificaes fossem condizentes com os axiomas da teoria do consumidor. Os mais
conhecidos so o modelo translog (Christensen et al., 1975) e o modelo conhecido como
Almost Ideal Demand System (AIDS) proposto por Deaton e Muellbauer (1980). Apenas este
ltimo ser abordado nesta seo em mais detalhes.
4.2.1 O Modelo AIDS
Trata-se de uma aproximao de primeira ordem de um sistema de demanda cuja forma
funcional geradora a princpio livre, relacionando a parcela de dispndio de cada bem com
seus respectivos preos e dispndio total. Suas vantagens principais so que ele atende aos
axiomas da teoria do consumidor, relaxa algumas hipteses sobre as preferncias do
consumidor, no recorre a estimaes no-lineares e ainda assim permite que sejam testadas
as restries de homogeneidade e simetria. Ele parte de uma classe de preferncias conhecida
como PIGLOG, que uma agregao dos consumidores, no qual as demandas de mercados
seriam derivadas das decises de um agente racional representativo.
(7)
Atribuindo-se valores para a(p) e b(p) de tal forma que o resultado final seja compatvel com
os axiomas das equaes de demanda:
(8)
Substituindo (8) em (7), e derivando em relao ao preo chega-se a forma funcional proposta
por Deaton e Muellbauer (1980):
(9)
Em que,
(10)
log c(u , p)= (1 u).log[a(p)]+ u.log [b(p)]
log [a (p)]= 0+k
klog (pk)+ 1/2k
j
kj* log (pk) log (pj )
log [b(p)]= log [a (p)]+0k
pkk
w i= i+j
ij .log(pj )+ i .log(y/h( p))
log [ a ( p)]= 0+k
klog( pk)+ 1/2k
j
kj log(pk) log(pj )
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Sendo que o i indica o efeito de alteraes nos gastos reais sobre a parcela do gasto com o
bem i (wi). Para bens essenciais esse coeficiente tem valor negativo e para bens de luxo,
positivo. J o ij o efeito do preo relativo sobre a parcela do gasto com o bem i. A funo
h(p) pode ser entendida como um ndice de preos.
Assumindo a hiptese de separabilidade fraca mencionada na seo anterior, possvel uma
extenso do modelo em um estgio apresentado acima, para outro modelo considerando mais
de um estgio de oramentao. Por exemplo, no estgio superior, o consumidor decide a
parcela do oramento a ser gasta nos grandes grupos de consumo, como alimentao,
transporte, servios etc. Posteriormente, ele decide a diviso do oramento de alimentos entre
bebidas, carnes, gros, laticnios etc.
A fim, de se obter linearidade nos parmetros Deaton e Muellbauer (1980) sugerem o uso dondice de preos de Stone, definido abaixo:
(11)
O modelo usando o ndice de Stone conhecido com Linear Almost Ideal Demand System
(LA-AIDS). No modelo LA-AIDS as restries mencionadas anteriormente podem ser
definidas como:
(12)
(13)
(14)
A primeira uma conseqncia do modelo e as duas ltimas podem ser testadas ou impostas
apriori. As equaes de demandas propostos sero consistentes com os axiomas da Teoria do
Consumidor, caso essas restries sejam validas. E derivando o sistema expresso em (9),
calculam-se s elasticidades-renda, preo e preo-cruzada:
(15)
onde i,y a elasticidade-renda, ij a elasticidade-preo e ij o delta de Kronecker, igual a 1
para i=j.
log [ h (p)]=k
wk.log(pk)
Restrio de Aditividade :i= 1
M
i= 1,i= 1
M
ij = 0,i = 1
M
i= 0
Restrio deHomogeneidade :j = 1
M
ij= 0
Restrio deSimetria : ij= ji
i , y = 1+iw i
e ij = ij ij w ij
wi ij
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4.2.2. O Modelo duplo-log
Apesar de no perodo mais recente ter havido uma proliferao das formas funcionais
flexveis, em que possvel impor e testar os axiomas da teoria, ainda so amplamente usados
modelos que partem de equaes simples, com especificao das variveis em duplo-log,mesmo que ele no atenda todas as restries impostas pela teoria em particular a restrio
de aditividade.
Na equao de demanda pelo bem i a seguir, na qualI a renda ou gasto total em consumo, as
elasticidades-preo compensadas e renda so respectivamente, ij ei,y:
(21)
Dadas as restries de Engel e Cournot, definidos em (4), verifica-se que em funo das
elasticidades serem constantes nos modelos duplo-log, a restrio da aditividade no pode ser
atendida21, pois, mudanas nas parcelas de dispndio para cada produto devem causar
mudanas nas elasticidades para que a aditividade se mantenha. Alm do mais, como a
elasticidade-renda no funo do nvel de renda, torna-se possvel um cenrio em que a
demanda por um bem de luxo, com elasticidade acima de um, cresa indefinidamente com a
renda, acabando por exaurir o oramento do consumidor (Coelho, 2006). Entretanto, pode-se
impor a homogeneidade atravs de:
(22)
Segundo Alston (2002) et al., esta restrio pode ser imposta diretamente, como uma restrio
paramtrica, ou deflacionando todas as variveis monetrias por um dos N preos ou pela
renda. Porm, quando N representa uma entre as vrias cestas de consumo, possvel
deflacionar as variveis monetrias por um ndice agregado de preos, sem que invalide ainterpretao dos coeficientes como elasticidades-preo e renda. O ndice de preo pode ser
definido como um agregado de todos os outros bens da economia, que no entraro
individualmente como regressores separados22.
21 A no ser no caso extremo, em que todas as elasticidades sejam iguais a um.22 Porm, Alston (2002) alerta para o seguinte fato: More often, the CPI will be an inappropriate deflator, since
it is not an index of the price of a relevant subset of goods - it includes the prices of goods that are alreadyincluded separately in the model, and it may include prices of goods that do not belong in the model,
if a separable group is being modeled. (p.1178)
ln(xi)= i + + j= 1
N
ij ln (p ij) + i , y I
(j= 1
N
ij + i , y) = 0
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Como Alston (2002) et al. destaca, em alguns contextos, os benefcios de estimaes mais
simples e a fcil interpretao dos parmetros como elasticidades compensam os custos de se
usar este modelo que no completamente consistente com a teoria individual do
consumidor. Ademais, quando se est interessado em um grupo de bens que corresponde a
uma pequena parcela do oramento total de consumo23, o problema de que a aditividade no
vale menor. Alm disso, no modelo duplo-log, se a renda dividida por um ndice de
preos, as elasticidades-preo estimadas correspondem ao efeito substituio, logo no h
nenhum problema em incluir apenas os bens substitutos na estimao do produto analisado.
4.3. Microdados e o problema do consumo zero
Em pesquisas oramentrias familiares, usualmente os questionrios permanecem com as
famlias por apenas uma semana. Conforme ser detalhado na prxima seo, a POF
2008/2009 tambm segue esse padro, por esse motivo espera-se um grande nmero de
famlias com consumo zero para diversos itens da cesta de consumo. Em geral, h trs
motivos principais para que um consumidor no tenha consumido um determinado produto
naquela semana especfica: (i) o perodo da pesquisa muito curto para que o consumidor
reporte algum consumo, sendo este problema conhecido como baixa freqncia de aquisies;
(ii) a abstinncia, ou seja, existncia de consumidores que no desejam adquirir estedeterminado produto; e (iii) os consumidores no compram este produto em face aos preos
correntes e o seu nvel de renda atual, ou seja, uma tpica soluo de canto para o problema de
maximizao de utilidade do consumidor.
Em termos economtricos, isso significa que as estimaes das equaes devem ser abordadas
em um contexto de variveis dependentes censuradas ou truncadas. Neste caso, sabe-se que o
uso de Mnimos Quadrados Ordinrios poder produzir estimativas inconsistentes e viesadas.
Os modelos Tobit, propostos por Tobin (1956) e os estimadores em dois estgios de Heckman
(1978), tambm conhecidos como modelos Heckit, so duas solues possveis para contornar
esse problema. O primeiro adequado para lidar com o problema de consumo zero caso ele
esteja relacionado apenas a uma soluo de canto na escolha do consumidor, dada a
maximizao de sua utilidade. J o modelo Heckit se prope a corrigir o problema de vis de
seleo da amostra, sendo usado, em geral, em casos em que a varivel dependente no
observada para um grande nmero de observaes e, portanto, elas so perdidas. Assim
23 Como o caso de bebidas alcolicas no Brasil.
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sendo, pode-se dizer que o modelo Heckit seria adequado para o caso de todas as observaes
com consumo zero serem decorrentes de baixa freqncia de aquisio, pois nesses casos a
deciso de consumo frente aos preos e renda no efetivamente observada.
H tambm um modelo economtrico, conhecido como double-hurdle model, que procuralevar em considerao, simultaneamente, os trs principais motivos citados anteriormente
para que um consumidor no compre um determinado produto numa certa semana. Esse
modelo, porm, deve ser estimado por mxima verossimilhana e sua operacionalizao e
convergncia no de simples alcance. Alm disso, Gould (1992) ao realizar uma
comparao entre o modelo double-hurdle e o Tobit para estimar a demanda por queijo nos
EUA, conclui que no h diferenas relevantes entre os coeficientes estimados pelos dois
modelos e questiona os benefcios do double-hurdle, uma vez que a maximizao de suafuno de mxima verossimilhana mais complexa que a do Tobit.
Pelos motivos acima citados, neste trabalho foi feita a opo de no usar o modelo double-
hurdle. Dado que a POF 2008/2009 investiga a compra de bebidas apenas na semana da
entrevista, parece razovel supor que a maioria das observaes com consumo zero so
decorrentes de baixa freqncia de aquisio, sendo, portanto, situaes que poderiam ser
tratadas como casos em que a demanda no observada.
4.3.1 O modelo Tobit
Nesta aplicao do Tobit, y uma escolha observvel e descreve um consumidor com a
seguinte caracterstica: y assume o valor 0 com probabilidade positiva mas uma varivel
contnua e aleatria acima de valores estritamente positivos. Na pratica, trata-se de um agente
resolvendo seu problema de maximizao da utilidade, na qual a escolha tima pode ser uma
soluo de canto, isto y=024. Neste caso, o uso de MQO pode ser problemtico. A equao
estrutural do modelo Tobit pode ser descrita como25:
(23)
24 Wooldrige (2002) assinala que o uso do Tobit para este tipo de aplicao deveria ser conhecido como cornersolution model ao invs de censored regression model. Para ele, dado censurado um defeito da amostra, seuexemplo o do top-code, isto , em uma regresso em que todos os nveis de renda deveriam ser inclusos, mas
por alguma razo pessoas com alta renda so marcadas na amostra como acima de $10.000. Caso no
houvesse censura, os dados poderiam ser uma amostra representativa da populao de interesse.25 Esta formulao conhecida como standard censored Tobit model ou typeITobit Model, (Wooldridge,2002)
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Em que, i~ N(0, 2),y* uma varivel latente que observada para valores maiores do que
e censurada, caso contrrio.
Pode-se assumir que =o.
E a funo de log-verossimilhana a ser maximizada considerando =0 :
(24)
sendo que, sua primeira parte corresponde regresso clssica para os dados observados e a
segunda s probabilidades que uma observao possa ser censurada.
4.3.2. O modelo Heckit
Neste modelo o consumidor define sua compra em um processo de escolha em duas etapas:
primeiro a famlia decide se vai ou no comprar determinado produto naquela semana, depois
decide a quantidade que ir consumir. No primeiro estgio, tambm conhecido como equao
de seleo, utiliza-se o modelo Probit para estimar a probabilidade de uma dada famlia ter
consumido determinado produto. Os parmetros encontrados so usados para o clculo da
inversa de Mills para cada famlia, que ser a varivel de instrumento na regresso do
segundo estgio, responsvel por eliminar o vis de seleo.
A equao de seleo pode ser definida como:
(25)
Abaixo, o segundo estgio,
(26)
y i =
{
y*
se y*
>
y
se y*
yi ={y*
se y*
> 00 se y
* 0
lnL = i = 1
N
[di
( ln + ln
(
y i Xi
))+ (1 di) ln
(1
(
Xi
))]
di* = Zi i + i
di ={1 se di*
> 0
0 se di*
0
yi = di . yi*
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Em que, d*i a varivel latente que representa a diferena na utilidade do consumidor entre
comprar ou no o i-simo produto; di uma varivel binria observada, representando se o
consumidor comprou (d=1) ou no (d=0) o i-simo produto; Zi o vetor de variveis
exgenas que impacta a deciso do consumidor na equao de seleo; Y*i a varivel latente
representando a quantidade consumida; Yi a quantidade consumida observada; Xi so as
variveis exgenas que impacta Yi; i ei so os parmetros a serem estimados; finalmente i
e i so os erros aleatrios das equaes. Deve-se assumir que (i,i) so independentes deXi e
Zi e com mdia 0; i ~ Normal(0,1) e E(i|i) = ii.
A partir das definies e hipteses acima, pode-se derivar a expectativa condicional deyi
(27)
Em que, (Zii) e (Zii) so respectivamente a funo de densidade de probabilidade e a
funo acumulada de probabilidade. [(Zii) / (Zii)] a inversa de Mills.
Para que haja identificao, pelo menos uma das variveis explicativas na equao do
primeiro estgio deve ser diferente das variveis includas na segunda equao.
4.4. Estratgia de modelagem
Tipicamente sistemas de demanda, como o caso deste estudo, vm sendo estimados a partir
de modelos cujas funes permitam confrontar os resultados obtidos com os axiomas da
Teoria do Consumidor. Como j foi dito no captulo referente reviso dos trabalhos
empricos existentes na literatura, os modelos Rotterdam e AIDS tm sido as escolhas mais
populares entre os economistas.
Entretanto, a escolha de trabalhar com microdados traz consigo a dificuldade em se estimar
equaes com dados censurados. A Tabela 1 apresenta os dados da proporo de domicliosentrevistados que reportaram aquisio de bebidas alcolicas na semana da entrevista, para
cada bebida estudada neste trabalho. Para todas elas, a proporo dos domiclios que
apresentaram consumo muito baixa. Conforme j foi colocado anteriormente,
provavelmente a maior parte do consumo zero deve estar relacionada ao problema da baixa
freqncia de consumo26.
26
Mesmo para produtos em que a freqncia de consumo parece ser maior do que bebidas alcolicas, comomargarina e leite evidente o problema de consumo zero. As propores de consumo encontradas na POF2002/2003 para esses produtos foram de 20,7% e 47,1%, respectivamente (Coelho, 2006).
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Tabela 1. Freqncia de aquisio das bebidas alcolicas selecionadas, Brasil, 2008/2009
Se, por um lado, os modelos Tobit e Heckit so usados quase sem restries para estimaesde equaes simples com dados censurados, por outro, no parece haver ainda um consenso
sobre o mtodo ideal para resolver este problema quando se trata de sistemas de demanda,
apesar de haver uma vasta literatura a respeito, seja para a adaptao dos modelos Tobit27,
seja para adaptao dos modelos Heckit28.
A aplicao dos modelos Tobit em sistemas de demanda esbarram na dificuldade em se
maximizar funes de
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