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Michael Schudson
Descobrindo a notícia
Uma história social dos jornais nos Estados Unidos
Tradução de Denise Jardim Duarte
(ti EDITORA
VOZES
P e t r ó p o l i s
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Coleção Clássicos da Comunicação Social
- O pi ni ão públ i ca
W alter Lippmann
- A const r ução da not íci a
Miquel Rodrigo Alsina
- A Teor i a da A genda - A mídia
e a op i ni ão públ i ca
Maxwell McCombs
- D escobr i n do a not íci a - Uma h ist ór ia soci a l dos j o rna i s nos Est ados U n idos
Michael Schudson
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Schudson, MichaelDescobrindo a notícia : uma história social dos
jornais nos Estados Unidos /Michael Schudson ;
tradução de Denise Jardim Duarte. - Petrópolis,R J : Vozes, 2 010 . - (Coleção Clássicos daComunicação Social)
Título original: Discovering the news :a social history of American newspapers
Bibliografia
ISBN 97 8-85-326 -3972-1
1. Jornalism o 2. Jornalismo - Estados Unidos -História 3. Jornalism o - Objetividade 4. Notícias
jornalísticas I. Título .
10-00089 CDD-071.3
índices para catálogo sistemático:
1. Estados Unidos : Jornalismo : História
social 071.32. Jornalismo norte-americano : História
social 071.3
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A objetividade torna-se ideologia
N. * O jornalismo depois da I Guerra Mundial
Nada, até agora, explica a paixão do século X X pela “objetividade”.O surgimento de uma sociedade democrática de mercado contribuiu
para extinguir a crença nas autoridades tradicionais, mas este fato por si
só não garantiu uma nova autoridade. Numa democracia, quem gover
nava era o povo, não a “gente superior”, e um voto era tão bom quanto o
outro. N o m ercado, as coisas não continham valor em si mesmas; o valor
era o resultado aritmético de um conjunto de fornecedores e consumidores em busca de seus próprios interesses. E, numa sociedade urbana e
instável, um senso de comunidade ou de público não tinha qualquer sig
nificado transcendente - de fato, uns respondiam aos outros com o se se
tratassem de objetos, em vez de semelhantes, e confiavam em procedi
mentos impessoais e nas instituições - a publicidade, as lojas de departa
mento, a escola formal, os hospitais, os bens produzidos em massa e aseleições em geral - em vez de se fiar nas relações pessoais. Tu do isso cen
trava a atenção sobre os “fatos”. Tudo contribuía para o que Alvin
Gouldner chamara de “cultura utilitarista”, na qual a ordem normativa
passava de uma série de mandamentos para se executar o que é correto a
uma série de advertências prudentes para se adaptar realisticamente ao
que existe. Precisamente quando Freud estava a diagnosticar as patologi
as do superego dominador, o superego e a exortação moral mostra
ram-se em recuo diante do ego e da dimensão cognitiva da experiência.
O realismo, e não a religião, tornou-se a luz-guia. Ainda assim, apesar do
que parece ser a lógica relativista de uma sociedade democrática de m er
cado e uma cultura utilitarista, não foram muitos os que se deixaram le
var pela desconfiança da objetividade ou realidade de seus próprios va
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lores. A Era Progressista, poderíamos dizer, desejava abraçar a ciência,
mas não sabia como fazê-lo1.
As últimas décadas do século X IX e os primeiros anos do século X Xassistiram ao surgimento da universidade norte-americana, à proliferação
das associações profissionais e ao início da “administração científica” na
indústria e no governo municipal, mas isso não eqüivalia a uma crença na
objetividade - e tampouco a originou. Nem após a I Guerra Mundial,
quando o valor da sociedade democrática de mercado fora por si só radi
calmente questionado e a sua lógica interna, exposta, tinham os líderes,no jornalismo e em outras áreas, como as ciências sociais, experimentado
plenamente a dúvida e o ceticismo que a democracia e o mercado estimu
lavam. Só então é que o ideal da objetividade, entendido como declara
ções consensualmente validadas sobre o mundo, com base numa separa
ção radical entre fatos e valores, passa a se estabelecer. Contudo, ele surge
não tanto com o uma extensão do empirismo ingênuo e da crença nos fatos, mas como uma reação contra o ceticismo; não se tratava de uma ex
trapolação linear, mas de uma resposta dialética à cultura da sociedade de
mocrática de mercado. Não representava, enfim, a expressão final de uma
crença nos fatos, mas a imposição de um método projetado para um mun
do no qual nem mesmo os fatos poderiam ser confiáveis.
Perdendo a confiança na sociedade democrática de mercado
O editor James A. Wechsler recorda o início da década de 1930
como o tempo do “desespero democrático” e do “pessimismo ranzinza
sobre o futuro democrático”. Ele se lembra de ter sido abordado, como
calouro na Universidade de Columbia, em 1931, pelo Presidente Nicho-las Murray Butler. Butler dissera que havia apenas dois métodos para se
1.Cf. GOULDNER, A.W. (The Corning Crisis of Western Socio/ogy. Nova York: Avon Books,
1970), para um a discussão sobre a "cu ltura ut i l i tar ista". Para observações s obre a mud ança do
que p od eríamo s ch amar de cul tura do superego em uma cul tura do ego , cf . Chr is topher Lasch
{Haven in a Heart /ess Worid. No va York: Basic Books , 1977, p. 23) e A llen Wh eelis {The Qu est fo r
fdent i ty . No va lork: W. W. No rton , 1958). Um a obra que inf luenciou fo rtem ente a orientação des-te capítulo acerca da história intelectual das d écadas de 19 20e 1930 foi The Crisis o f Dem oc rat ic
Theory, d e Edw ard Purcell {Lexington: University Press of Kentucky, 1973).
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leção de líderes no século X X : eleição e ditadura. Entre esses sistemas,
prosseguia Butler, a ditadura “parece conced er autoridade e poder a ho
mens muito mais inteligentes, de caráter muito mais forte e muito maiscorajosos, em comparação ao sistema de eleição”2.
Esse pensamento não era apenas o cinismo de um antidemocrata
isolado. Mussolini era uma figura popular nos Estados Unidos na década
de 1920 e início da década de 1930, e seu “pragmatismo” atraía tanto
conservadores como liberais desiludidos com a dem ocracia e o capitalis
mo3. Tam bém não representava simplesmente o desespero de um tempode crise. Mesmo no auge da prosperidade da década de 1920 ou, parti
cularmente, entre intelectuais liberais, reinava um profundo pessimismo
acerca da democracia política. Walter Lippmann, em Public Opinion
(Opinião Pública, de 1922), tinha começado a despachar o “público” da
posição que a retórica da democracia havia traçado para ele. Em The
Phantom Public (“O Público Fantasma”, de 1925), Lippmann mostra-seainda mais severo e crítico acerca dos ideais democráticos. “O cidadão
de hoje”, escreveu ele na frase de abertura do livro, “tem se sentido um
pouco como um espectador surdo na fileira de trás, que deve conservar a
mente no mistério lá longe, mas não consegue se sair muito bem no que
diz respeito a se manter estimulado”. Questões públicas não são as ques
tões do cidadão privado: “Elas são, em sua maior parte, invisíveis. Sãotodas controladas, se é que chegam a ser controladas, em centros distan
tes, nos bastidores, por poderes anônimos”. O que não abre um preâm
bulo para uma convocação às armas ou um apelo à política progressista.
Lippmann observa que os estudiosos costumavam escrever livros sobre
votação, mas “Agora estão começando a escrever livros sobre o não
voto .” N ão era culpa do cidadão, nem mesmo a falta de um sistema político decente, concebido com justiça. A culpa, em vez disso, argumenta
Lippman, vem do “ideal inatingível” de cidadania. Não há sabedoria es
pecial na vontade da maioria. Ao contrário, é mais provável encontrar a
sabedoria entre os iniciados, especialistas na prática de governar. Votar é
2. Ap ud WECHSLER, J. The Ag e o f Suspic ion. Nova York: Random House, 1953, p. 16.3. Sobre a popularidade de Mussolini nos Estados Unidos, na década de 1920, cf. DIGGINS, J.
Mus sol in i and Fasc ism: The Vie w fro m A m erica. Princeton: Princeton Univers ity Press, 1972.
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um procedimento excepcional que autoriza o público a agir apenas
quando surge um problema. Problemas surgem somente se alguém con
testa a política atual - enqu anto existir um acordo geral, o público não tem interesse em política, e nem deveria ter. O povo não governa e nem
deveria governar; no máximo, ele apoia ou se opõe aos indivíduos que
governam. Votar, escreveu Lippmann, é:
[ ...] u m ato de alistamento, um alinham ento a favo r ou co n-
tra, uma mobilização. Estas são metáforas militares e, com
razão, penso eu, para uma eleição baseada no princípio da
regra da maioria, é histórica e praticamente uma sublimada
e desnaturada guerra civil, uma mobilização de papel, sem
violência física4.
The Phanton Public dirigiu sua retórica contra “os reformadores da
democracia”, que colocaram esperança demais no público - um grupo,
Lippmann argumenta, que eles nunca definiram ou compreenderam ade
quadamente. De modo secundário, o livro atacava os cínicos que apontavam muito facilmente para “o que uma democracia confusa estava fazen
do de suas pretensões para o governo”. De acordo com Lippmann, esses
críticos concluem que o público é ignorante e intrometido, provavelmen
te por natureza; não conseguem ver que a principal diferença entre os go
vernantes e os governados é aquela entre iniciados e leigos, que a educa
ção para a cidadania e a educação para o ofício público deve, e deveria ser,diferente. Dessa forma, Lippmann tenta reservar um lugar em sua análise
para a opinião pública; ele tenta traçar um caminho pragmático entre uma
fantasia democrática e uma desesperança democrática. Isso exprimia al
guma esperança para o futuro. Mesmo assim, na esteira de um século de
otimismo em relação à democracia, a concepção de Lippmann sobre a
questão do público era rígida; ele havia ajustado sua própria confiança,ao reduzi-la a um tamanho que não suscitaria paixão ou promessa.
Isso é tão mais notável quando se compara os escritos de Lippmann
dos anos 20 com o seu pré-guerra Drift and M astery (1914). Ali, como
muitos outros nas décadas seguintes, ele diagnosticou o problema da
vida moderna como a perda da autoridade. O mundo estava à deriva,
4. Cf. LIPPMA NN, W . The Phantom Publ ic . Nova York: Harcourt, Brace, 1925, p. 58.
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sem ninguém no comando. Porém, havia uma solução. Num certo senti
do, é a mesma solução que Lippmann ofereceria mais tarde - a ciência, mas
com uma diferença. Em Drift and Mastery, o pensamento científico é “o irmão gêmeo” da democracia na política. “Enquanto o absolutismo cai”, es
creveu Lippmann, “a ciência se ergue. Isso é o governo autônomo”. Lipp
mann concluiu o livro em um tom quase milenar: “O espírito científico é a
disciplina da democracia, a libertação de uma corrente, a perspectiva de um
homem livre”5. De fato, em Drift and Mastery, Lippmann expressa a sua
crença na possibilidade de os cidadãos comuns operarem grandes mudanças: o consumidor tornava-se um centro de poder na política; o movimento
sindical e o movimento das mulheres começavam a efetuar uma transvalo-
ração dos valores. Nada poderia estar mais distante do Lippmann de Public
Opinion e The Phantom Public. Quand o o autor recorreu à ideia da ciên
cia, nos anos de 1920, ele a tomava como a regente ou aceleradora da
vontade popular, mas não o próprio motor democrático.A desesperança a respeito da democracia aprofundou-se nos anos de
1930, com a força crescente das ditaduras na Alemanha e Itália e a evi
dente im potência do governo dos Estados Unidos no in ício da década de
1930 em lidar com a depressão. “Epitáfios para a democracia são a
moda do dia”, escreveu Felix Frankfurter em 1930, embora ele próprio
se mostrasse mais esperançoso6. “A democracia representativa parece teracabado em um beco sem saída”, disse Harold Laski aos leitores da Ame-
rican Political Science Review em 1 9 3 2 ; o complacente otimismo de ape
nas 50 anos antes havia sido eclipsado por um “mal-estar instituc ional”7.
Estava-se muito longe da era progressista quando, em 1937, os editores
da The New Republic apresentaram uma série de artigos sobre “o futuro
da democracia” com as seguintes palavras: “Em nenhum momento desde o surgimento da democracia política foram os seus princípios tão seria
mente desafiados como hoje”8. Os velhos progressistas encontravam-se
5. LIPPMANN, W. Dr i f t and Mastery . Nova York: Mitchell Kennerly, 1914, p. 275276.
6. FRANKFURTER, F. "Democracy and the Expert". A t lan t ic Mo n th ly , 146, nov,/1930, p. 649.
7. LASKI, H.J. "The Present Posit ion of Representative Democracy". A m er ic an Po li t ical Scien ce Review, 26, 07/04/1937.
8. The New Republ ic , 90, abr./1937.
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perplexos com a complexidade dos problemas políticos e econômicos
dos anos de 19 30. W illiam Allen W hite admitiu, em 19 38 : “Eu não sei o
que é certo [...]. Não sou tão inteligente quanto costumava pensar queera”. E Ray Stannard Baker, em 1936, disse: “Disso eu tenho certeza.
Não posso resolver [...] os enormes problemas que agora assolam o
mundo. Na m aioria das vezes eu não consigo entendê-los. Os fatores são
complexos demais”9.
O pessimismo sobre as instituições da democracia e do capitalismo
nos anos de 1930 tinha raízes nas dúvidas da década de 1920 a respeitoda coletividade e da natureza humana, dos valores tradicionais e os co
nhecimentos adquiridos. O espírito das corporações nos anos de 1920
flutuava, e havia um sentimento de libertação na ciência social, nas artes
e na vida social da boêmia urbana. Mas a libertação para uma nova cul
tura acompanhou uma rápida desintegração da antiga, e muitos pensa
dores sérios começaram a temer que as novas estruturas das artes e dasciências estivessem sendo erguidas sem fundações10. Roscoe Pound, de
cano dos filósofos do Direito norte-americano, sentia o mal-estar que
afetava o pensamento social e a vida social quando se dirigiu à classe de
graduação de Wellesley, em 1929. Da Reforma até o século XX, disse
ele, a nota dominante na cultura ocidental era a “confiança” . M as a falta
de confiança tinha dominado o século XX. A psicologia levou-nos a desconfiar da razão; a desconfiança da razão levou-nos a duvidar de nossas
instituições políticas. A ciência, outrora o esteio da confiança , “tem ensi
nado a desconfiança de si mesma”. Os estudantes de hoje, Pound obser
va, falam com orgulho de sua desilusão. Nenhuma ilusão os engana e
9. Wh lte e Baker são citados resp ect iv amen te nas p. 98 e 179 de GRA HA M JR. A n En core f o r Re
forrrr. Th e Old Progressives and th e New Deal. Nova York: Oxford University Press, 1967.
10. Sobr e ot im ism o c orrente no s anos de 1920, cf . SCHLESINGER JR., A.M. Theolo gy and Poli
t ics from the Social Gospel to the Cold War: The Impact of Reinhold Niebuhr (In: STROUT, C.
(org.). In te l lec tua lHis tory in Am er ica. Vol. 2. Nov a York: Har p era n d Row , 1968, p. 158171), qu e
tom a o Evangelho Social e o pragm at ismo d e Dewey nos anos de 1920 com o um a impo rtante
fonte de ot imismo. Um art igo muito importante é "Shi f t ing Perspect ives on the 1920's" , de
Henry F. May (Mississippi Vaf/ey Histórica/ Review, 43, dez./1956, p. 405427). May distingue
t rês v isões contem porân eas dos anos de 1920: a do mu ndo d os negócios, que era muito o t imis-
ta, a dos cient istas sociais, tam bém ot im ista, e a dos intelectuais l i terários, que viam a década d e
1920 co m o um período de decl ín io. May conclui qu e, de um mo do ou de outro, "a desintegra-
ção" do s ant igos valores e estruturas era o tema com um da época.
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“franqueza” é uma de suas palavras favoritas. A física, a biologia e a eco
nomia se depararam com a complexidade e a aleatoridade, em vez da
simplicidade e a ordem que algum dia acreditaram estar presentes nomundo. A história já não acreditava em fatos, mas apenas nos julgamen
tos subjetivos dos historiadores. O mais devastador de tudo era a des
confiança da razão que a psicologia havia estabelecido:
Em lugar de razão, temos desejos subconscientes, desejos
reprimidos, tendências comportamentais enraizadas, pre-
disposições habituais, que são diferentes para cada unidade
econômica individual. Em lugar de esclarecimento, nós te-
mos bem , talvez glândulas11.
A resposta de Pound para a crescente consciência do irracional era a
precaução contra a idolatria: “O irracional é um fato, não um ideal. De
vemos contar com ele, mas não somos obrigados a exaltá-lo”. Todavia,
sua própria afirmação era modesta. Ele preservava a confiança, num
mundo que de um modo geral carecia disso, porque, dissera ele, havia
sido educado no século XIX, antes de a razão ter sido posta em dúvida.
Nenhuma exp licação de sua própria posição poderia melhor indicar que
Pound escrevera em tempos de desilusão, e que ele próprio fora profun
damente afetado pelo hábito co rrente de se reduzir ideias às biografias.
A desconfiança da razão de que Pound falava assumia diferentes for
mas. Politicamente, significava uma desconfiança da sociedade e uma
dúvida de que instituições representativas poderiam alguma vez agir
com prudência. Já vimos isso, de forma moderada, em Lippmann. Lipp
mann falara para uma corrente de pensamento mais ampla e profunda
que teve início no final do século X IX , com uma erupção de escritos sobre
as “massas” e o comportamento das massas. Muitas dessas obras eram an-
tiliberais, atacando as ordens inferiores e mesmo atacando a classe média,
sob um ponto de vista aristocrático: em parte da literatura europeia, as
massas eleitorais, os júris e os parlamentos estavam ligados às multidões e
motins como exemplos de sujeição das massas a preconceitos e instintos
primitivos. Leon Bramson, em seu estudo relativo ao contexto político
do pensamento sociológico, argumenta que as obras norte-americanas
11. POUND, R. " The Cult f the Irration al". Wef/es/ey A /um nae Magazine, 13, ago./1929, p. 368.
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sobre as massas não eram antiliberais. Sociólogos norte-americanos inter
pretaram as massas como um viveiro de novas instituições, atendendo às
necessidades que uma ordem social anterior não havia conhecido12.Em bora isso possa ser verdade para a sociologia acadêm ica, visto que se
desenvolveu nos Estados Unidos, os antiliberais europeus influenciaram
diretamente o pensamento norte-americano para além da sociologia. A
obra The Behavior o f Crowds (19 21 ), de Everett Dean Martin - que ficou
de fora do estudo de Bramson por não ter sido escrita por um sociólogo
profissional - era antiliberal, fo i extensivamente lida e citada com aprovação por Lippmann em Public Opinion (1922). Lippmann observa que
Gustave LeBon, um dos principais escritores franceses antiliberais, era
tido com o um “profeta” por aqueles que, nos Estados Unidos, se mostra
vam mais céticos em relação à atuação racional da vontade popular.
Edward L. Bernays, uma das principais figuras no desenvolvimento das
relações públicas na década de 1 920 , foi influenciado pelo livro de M ar tin, por LeBon e, naturalmente, pelo próprio Lippmann13.
Embora Bramson esteja certo em apontar as diferentes ênfases do
pensamento norte-americano e europeu - os europeus concentrando-se
nas “massas” e os norte-am ericanos no “público” - ,o que parece mais
importante aqui é que tanto na Europa como nos Estados Unidos o sig
nificado de “público” e “opinião pública” mudava na mesma direção , noinício do século X X . A opinião pública, como W .H . M ackinnon a defi
niu em 1828, era “aquele posicionamento relativo a qualquer assunto
que é reconhecido pelas pessoas melhor informadas, mais inteligentes e
virtuosas da comunidade, e que é gradualmente estendido e adotado por
quase todos os indivíduos com alguma educação, ou de bons sentimen
tos, em um estado civilizado”14. Na Inglaterra, essa “opinião pública”serviu com o uma arma da classe média levantando-se contra a aristocra
12. BRAMSON, L. The Pol i tical Co ntext o f Socio/ogy. Princeton: Princeton University Press,
1961, p. 62.
13. BERNAYS, E.L. Biography o f an ldea\ Memoirs of Public Relat ions Counsel Edward L. Ber-
nays. Nova York: Simon and Schuster, 1965, p. 290291.
14. Ap ud PEEL, J.D.Y. Herbert Spencer. Nova York: Basic Books, 1971, p. 70. Cf. Emden (The Peop/e
and the Consti tu tion. Oxford: Clarendon Press, 1933, p. 312315), para uma explicação sobre a
mudança de acepção de "o povo" .
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Descobrindo a notícia 151
cia”15. Algo semelhante ocorria nos Estados Unidos, onde “o povo”, no
início do século XIX, era um termo usado para se referir à classe mé
dia16. Se, todavia, a opinião pública era a voz da classe média contra aaristocracia no início do século X IX , a partir do princípio do século X X
ela era considerada pela classe média como a voz de um outro grupo, a
larga massa de pessoas sem nenhum direito ao privilégio da educação e à
virtude da racionalidade da classe média. A opinião pública já não era o
leitor ao qual James Gordon Ben nett, H orace Greeley ou Samuel Bowles
se dirigiam em letras miúdas e compactas, e editoriais prolixos; o público agora eram as massas urbanas que gostavam de grandes manchetes,
ilustrações enormes e fotografias, e uma escrita moderna e picante. Na
verdade, o jornalismo mais antigo nem tinha sido tão digno e fundamen
tado como alguns gostavam de lembrar, e a própria classe média instruí
da gostava de manchetes e um toque picante mais do que se gostaria de
admitir. Mas, ao mesmo tempo, ela sentia uma grande necessidade de sedistinguir do restante do público leitor, pois já não reconhecia na “opini
ão pública” o que poderia admitir como sendo a sua própria voz, a voz
da razão. As classes profissionais agora inerpretam a opinião pública
como sendo irracional e, portanto, algo a ser estudado, dirigido, mani
pulado e contro lado. As profissões desenvolveram uma atitude proprie
tária em relação à “razão” e uma atitude paternalista para com o público.A desconfiança, não tanto da razão como da capacidade do público
em fazer uso dela, tinha a ver com a sensação da classe média de estar
cercada pelas massas urbanas e com a inquietação do homem branco an
glo-saxão na descoberta de que sua voz já não era tão claramente a mais
alta do mundo. Em uma notável monografia sobre a história do conceito
de “atitude”, Donald Flem ing observa que o atual uso da palavra é relativamente novo. Ele argumenta que “atitude” passou a ser um termo de
uso geral, bem como de uso cien tífico, no final do século X IX e início do
século X X , quando as sociedades eram confrontadas com a tarefa de re
15. PEEL. Herber t Spencer . Op. cit., p. 70.
16. WILLIAMSON, C. A m er ic an Su ffrag e fro m Prop erty to Dem o cracy , 1760-1860. Princeton:
Princeton University Press, 1960, p. 185. Will iamson cita o uso pelo Connect icut Courant , em
1817, de um a dist inção entre "o p ovo " (the p eo píe ) num a referência à classe média e "o po-
pu lacho" ( the pop ulace).
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152 Coleção Clássicos da Comunicação Social
definir a condição humana, para incluir bebês, crianças, adolescentes,
indivíduos com transtornos mentais, povos primitivos, camponeses, imi
grantes, negros, moradores de favelas, massas urbanas, o proletariado e,acima de tudo, as mulheres. Uma vez que a sociedade política se expan
dia para incluir mais do que o homem branco nativo, as elites passaram a
modificar sua percepção sobre o que seria a natureza humana. A maioria
das novas categorias de pessoas que as elites tiveram que considerar ti
nham sido “com frequ ência concebidas com o seres passionais, incapazes
de sustentar a racionalidade”. Em vez de lhes atribuir racionalidade, oscientistas sociais e outros estudiosos começaram a reconceber a natureza
humana em geral, substituindo um termo como “convicção”, que acen
tuava a racionalidade humana, por outros como “atitude” e “opinião”,
que indicavam que o pensamento e a expressão humanos mesclavam a
razão e a paixão17.
Essa foi uma resposta ao mundo social heterog êneo das cidades. Durante a urbanização, escreveram os historiadores H.J. Dyos e Michael
Wolff, “uma cultura dominante é sempre confrontada por novos grupos
de pessoas previamente cogitadas como indignas de consideração”. Ao
falar sobre as cidades na Inglaterra vitoriana, eles demonstram que hou
ve um mútuo reconhecimento e distanciamento entre a classe média e a
classe trabalhadora. Isso era algo distintamente m oderno, “a capacidadede percepção sustentada” de outras culturas:
O que a cidade vitoriana começava a fazer [...] era permitir
que essa percepção permanente das diferenças nas condi-
ções sociais tivesse lugar. Aqu i, quase que pela prim eira vez,
havia uma perspectiva visível do avanço de classes inteiras,
mas, mais do que isso, uma ativa consciência entre as clas-
ses m ais baixas da sociedade sob re as diferenças elimináve is na qualidade da vida humana. Foi a cidade que permit iu
que tais co isas foss em co ns ideradas18.
17. FLEMING, D. " At it tude: The His tory o f a Concept". Perspect ives in Am er ican History , 1,1967,
p. 287365.
18. DYOS , H.J. & WOL FF, M. 'T h e W ay W e Live Now " . In: DYOS, H.J. & WOL FF, W. The Victorian
City. Vol. 2. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1973, p. 396.
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Descobrindo a notícia 153
Naturalmente, a situação nos Estados Unidos não era idêntica, mas
a cidade norte-americana possibilitava que tais coisas fossem vistas tam
bém. A classe média do país, no final do século X IX e cada vez mais de-s J
pois disso, começou a se mudar das cidades para os subúrbios, criando
uma segregação residencial por classes que as áreas metropolitanas nun
ca tinham conhecido. Os esforços dos mais abastados para se isolar mol
daram a geografia política do país em novas formas na década de 1 92 0.
Em 1916 , havia leis de zoneamento em apenas dezesseis municípios nor
te-americanos; até o final dos anos de 1920, oitocentos se encontravamzoneados e 60% da população urbana do país vivia sob as regras de zo
neamento19. O juiz David C. Westenhaver não achou nenhuma ambigüi
dade nos objetivos das ordenanças de zoneamento quando se decidiu
contra o zoneamento (sua decisão foi anulada) no caso histórico de Vil
lage ofEu clid versus Am blerRealty: “Em última análise, o resultado a ser
alcançado é classificar a população e segregá-la de acordo com seus rendimentos e situação de vida”20. No mesmo período, o Congresso apro
vava restrições à imigração. Embora os representantes do Sul, do Oeste e
de áreas rurais do país tivessem encabeçado a luta para restringir a imi
gração, eles também encontraram apoio de centros do poder em cidades
do Leste. Em 1916, o The New Republic sugeriu que a democracia mo
derna “não pode permitir [...] que os males sociais sejam agravados pelaimigração”. O New York Times, assim como o Saturday Evening Post,
elogiaram em editoriais o influente folheto racista de Madison Grant,
Pa ssingofthe Great Race. Faculdades e universidades, incluindo Colum
bia e Harvard, instituíram ou ajustaram quotas sobre judeus21.
A confiança na democracia foi perdendo terreno para os receios da
irracionalidade - e do presumivelmente irracional, as massas urbanas, osimigrantes, os judeus. Naturalmente, havia uma nova esperança, a de
controlar com eficiência a irracionalidade. Mas se alguns reformadores
19. TOL L, S.\.Zon ed Am er ican . No va York: Gros sm an, 1969, p. 193.
20. Apu d TOL L Zoned Am er ican . Op. cit., p. 224.
21. Cf. HIGHAM, J, Strangers in the Land. Nova York : A th eneu m , 1963, p. 271, 278, 302. Cf. tb.
GREENBAUM, W. " Am erica in Search o f a New Ideal: A n Essay on th e Rise of Plural ism". Har
vard Educ at iona! Review, 44, ago ,/1974, p. 411440.
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154 Coleção Clássicos da Comunicação Social
acreditavam que modelar o governo e as organizações sociais em co nfor
midade com a eficiente empresa comercial era uma solução, outros com e
çavam a considerar isso com o parte do problem a. “A invasão da com unidade pelas novas, relativamente impessoais e mecânicas formas de com
portam ento humano com binado”, escreveu Jo hn Dewey, “é o fato mar
cante da vida moderna”. Organizações impessoais, no lugar das relações
cara a cara, dominavam a época, observou Dewey em The Public and its
Problems (O Público e seus Problemas). Os indivíduos contavam com
menos; as organizações impessoais, com mais. A própria expansão e intensificação da interação social que havia criado um “público” também
levou aos controles impessoais que tornaram impossível ao público o
exercício de suas próprias razões22. A democracia ainda crescia formal
mente; o Movimento Progressista havia introduzido a iniciativa, o refe
rendo, o recall, a eleição direta de senadores e as primárias populares. A
décima nona emenda à Constituição finalmente deu às mulheres o direito ao voto, em 19 20 . M as de alguma forma o controle popular do gover
no parecia mais distante do que nunca.
Na econom ia, bem como na vida política, o público parecia mais ex
cluído da tomada de decisões exatamente num momento em que, formal
mente, estava mais envolvido. Em The Mod em Corporation and Private
Property (A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada, de193 2), Adolf A. Berle e Gardiner C. M eans observaram que a transferên
cia da riqueza industrial da nação, da propriedade individual à proprieda
de por grandes corporações, significava o divórcio entre a propriedade
empresarial e o controle dos negócios. Com informações sobre 144 das
200 maiores corporações em 1930, Berle e Means descobriram que três
contavam com um total acima de 200 mil acionistas; 71 tinham 20 mil oumais, e 124, 5 mil ou mais. Na maioria dos casos, as ações detidas pela ad
ministração chegavam a apenas uma pequena porcentagem do total. A
obra The Modem Corporation and Private Property é um réquiem para o
pequeno capitalista independente, cuja propriedade dos bens envolvia um
contro le ativo, e que obtinha “valores espirituais” da propriedade. Berle e
22. DEWEY, J. The Publ ic an d Its Problem s. Nova York: Henry Holt, 1927.
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Descobrindo a notícia 155
Means retratavam o antigo capitalista que amplia a sua personalidade por
meio da posse. Q uando a riqueza estava na terra, o proprietário podia uti
lizá-la diretamente e ela assumiria um valor subjetivo que não poderia terna forma de ações. Na propriedade de ações, o investidor poderia fazer
uso de seus bens apenas por meio de vendas no mercado. O controle efeti
vo do patrimônio havia sido transferido dos proprietários para os “auto
cratas econômicos” que dominaram as corporações23.
Em termos formais, os ideais tradicionais estavam sendo decreta
dos: cada vez mais pessoas entravam para o mercado como pequenos
“capitalistas” independentes, assim como mais e mais pessoas estavam
formalmente aptas a tomar parte na política, pelas urnas. O mercado,
como a democracia, estava crescendo. Entretanto, enquanto a participa
ção formal se expandia, o controle substancial evaporava, e a voz do pe
queno investidor não podia mais ser ouvida além do barulho dos adminis
tradores corporativos, e menos ainda os murmúrios do cidadão eleitor
podiam ser ouvidos diante do ruído do imperialismo administrativo - o
prefeito ou administrador da cidade tomando o poder do vereador, o
presidente assumindo o controle do Congresso.
Co m o na política e na vida social e, portanto, nos assuntos econôm i
cos, as instituições e indivíduos em posições de influência reconsidera
ram e reconceberam o “público”. Nos negócios, as corporações passa
ram a reconhecer um público pela primeira vez: as empresas passavam da
atitude de ignorar o público, ou amaldiçoá-lo, no século XIX, a aconse-
lhá-lo e acomodá-lo por meio das relações públicas, no século XX. O
“público” que surgia era tanto de investidores como consumidores. Na
primeira década do século X X , a indústria leve, os com erciantes de vare jo retalhistas e outros negócios, cada vez mais escolhiam oferecer emis
sões de ações públicas para atender às suas necessidades de capital. Ao
mesmo tempo, a poupança crescia e a conseqüente disponibilidade de
fundos para investimento estimulava um interesse geral na com pra de tí
tulos. O s bancos de investimento cortejavam pessoas com apenas alguns
23. BERLE, A .A. & ME A NS, G.C. The Mo de m Corporat ion and Pr ivate Property [A mod erna socie-
dade anônima e a propriedade privada]. Nova York: Harcourt/Brace/World, 1968, p. 6465,116.
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milhares de dólares ou mais para investir. A companhia Lee, Higginson
contratou o primeiro vendedor de títulos em 190 6 , e rapidamente trans
feriu a maior parte de seus negócios de títulos de estradas de ferro parautilitários e indústrias, cujas taxas de juros mais elevadas atraíam o pe
queno investimento em busca de um rápido retorno. A I G uerra Mundi
al novamente estimulara o pequeno investimento, quando as pessoas se
acostumaram a comprar títulos da Liberty. Algumas firmas inicialmente
estruturadas para vender títulos de guerra, a exem plo da Federal Securi
ties Corporation , em Chicago, deram continuidade às suas técnicas de
vendas de guerra para com ercializar outros títulos após o conflito. A F e -
deral Securities prosseguiu em sua prática com serviços especiais para
mulheres e investidores estrangeiros24.
Não havia somente um público crescente de investidores, mas um
vasto público de consumidores. As corporações nacionais, no final do
século X IX , usavam os jornais e as revistas para anunciar diretamente
aos consumidores. Na década de 1920, a compra a prazo, particular
mente de automóveis, tornou-se uma característica importante dos gas
tos familiares, levando John Dewey a observar que a compra tinha se
tornado tanto um dever na sociedade empresarial do século X X quanto
a econom ia o tinha sido na sociedade individualista do século X IX 25. Ascompanhias de finanças pessoais se multiplicavam. Os elementos famili
ares do mundo foram redefinidos em termos de consumo. As crianças,
por exemplo, outrora consideradas um modesto recurso econômico,
passaram a ser vistas como a fon te das principais despesas26. O crescente
reconhecimento, por muita gente, de que os Estados Unidos estavam se
24. CA ROSS O, V.P. Inves t iment Bank ing in A mer ica: A History. Cambridge: Harvard University
Press, 1970, p. 237. Sobre a democratização da propriedade das ações, cf. KIRKLAND, E.C. A
His tory o f Am er ican Economic L i fe. Nova York: F.S. Crofts, 1941r p. 656657. ■ Mc DONA LD, F.
Insu/ i. Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 185, 203205.
25. DEWEY, J. ind iv idua/ ism Oid and New [Velho e novo individualismo]. Nova York: Min
to n/Bal ch , 1930, p. 44.
26. LYND, R.S. & HA NSON , A.C. "Th e People as Con su mers " . In: President 's Research Comm it -
tee on Soc ial Trends [Pesquisa do Com itê sob re Tendênc ias Sociais do Presidente). Nova York:
Mc Graw HilI, 1933, p. 862864.
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Descobrindo a notícia 157
tornando uma “sociedade de consumo”27 levou alguns pensadores libe
rais a exortar a reconstrução da política norte-americana sobre as bases
de um movimento dos consumidores28. Eles eram muito otimistas, mas
acertaram o alvo ao reconhecer a crescente importância da economia do
consumo e seu manejo. Mesmo a ascensão do pequeno investidor pode
não ter indicado o alargamento do domínio da propriedade ativa tanto
quanto a consumerização da posse, o acordo da propriedade.
As relações públicas se desenvolveram no início do século X X como
uma profissão que respondia ao público, recém-definido como irracio
nal, e não analítico; espectador, e não participante; consumidor, e não
produtivo, e que ajudava a moldá-lo. Ela produziu um impacto de longo
alcance sobre a ideologia e as relações sociais cotidianas do jornalismo
norte-americano.
O declínio dos “fatos” no jornalismo
Existe uma tal aversão nos círculos intelectuais pelo próprio concei
to de relações públicas que é difícil acreditar que as relações públicas de
Ivy Lee, Edward L. Bernays e outros pioneiros nas primeiras três décadas
do século X X tivessem sido, sob muitos aspectos, progressistas. Um inci
dente que simbolizou as novas relações públicas ocorreu em 1906, logo
após Ivy Lee ter sido contratado com o consultor de relações públicas da
Pennsylvania Railroad . Acontecera um acidente na principal linha fér
rea, próximo a Gap, Pensilvânia. As estradas de ferro tradicionalmente
27. As impl icações fenom enológicas de v iver em u ma "so ciedade de consum o" não mereceram
muita atenção acadêm ica. Peter d'A. Jones escreveu u ma história eco nô mic a dos Estados Uni-
dos int i tulada The Consu mer Society. Harmondsworth: Penguin Books, 1965. Ele percebe que
os Estados Unidos vêm se tornando uma sociedade plenamente "consumidora" a part i r dos
anos d e 1920, mas se recusa a dizer muita cois a sob re o que isso signif ica para além d e um au-
m ento na renda pess oal dispo nível. Mais sugest ivo é BELL, D. The Cultu ral Contradict ions o fCa-
pita/ ism. Nova York: Basic Books, 1976, p. 6572. O interesse de Bell em relação às compras a
prazo r etom a o tema de Dewey . Tam bém , ainda, de grand e interesse, é a obra de RIESMAN, D.,
GLAZER, N. & DENNEY, R. The Lonely Crow ed. New Haven: Yale University Press, 1961.
28. Esses inclu íam os edito res da New Repub /i c ; Walter Lippmann e Walter Weyl. Cf. FORCEY,
C. The Crossroads o f Libera/ ism. Londres: Oxford University Press, 1961, p. 82, 165.
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158 Coleção Clássicos da Comunicação Social
tentavam abafar as notícias de acidentes29. Lee, ao contrário, chamou os
repórteres ao local do desastre à custa da ferrovia. Um acidente na cen
tral de Nova York logo depois foi encoberto, como de costume. Mas, àluz da nova política da Pensilvânia, os repórteres se irritaram e deram
uma cobertura desfavorável para o caso da central nova-iorquina30. Esse
foi o começo de uma nova relação entre as estradas de ferro, então as
maiores e mais poderosas corporações do país, e a imprensa e o público
leitor. A insistência de Lee na “franqueza absoluta” em relação à Pennsyl
vania Railroad forçou as outras ferrovias a seguirem o exemplo.Ivy Lee era filho de um pastor metodista. Ele crescera no Sul, estudara
em Princeton e, em 18 99 , com eçara a trabalhar com o repórter em Nova
York, primeiro para o Journal, depois para o Times e, finalmente, o
World. Mudou, então, de área, passando a trabalhar com publicidade e es
tabelecendo a firma Parker and Lee. “Precisão, Autenticidade, Interesse”
era o lema que os sócios, aparentemente, levaram a sério. A Editor and Pu-blisher, geralmente hostil às relações públicas, admitia que a Parker and
Lee nunca tentava enganar, mas enviava cópias para a imprensa “com a
declaração franca de que aquilo é do interesse do cliente e que nenhum di
nheiro será pago por sua inserção nas colunas de nenhum jornal”31.
Lee, de modo geral considerado o “prim eiro” agente de relações pú
blicas, foi certam ente um dos mais conscientes. Era um publicista determinado para as relações públicas em si. Entre 1924 e 1925, expressou
seu ponto de vista em pronunciamentos para a American Association o f
Teachers o f Journalism (Associação Americana de Professores de Jorna
lismo) e também para o Advertising Club o fN ew York (Clube de Publici
dade de Nova York). Ele argumentava que a propaganda, que definia
simplesmente como “o esforço para propagar ideias”, era aceitável desde que o público soubesse quem era o responsável por ela. Lee baseou
essa postura relativamente espontânea em relação à propaganda numa
29 .Prat ica! Journa l ism, de Edwin L. Shuman (Nova York: D. Appleton, 1903, p. 36), dá um
exem plo disso em sua descr ição sobre a form ação " t íp ica" d e um repórter .
30. HIEBERT, R.E. Cour t ier to the Crowd : Th e Story of Ivy Lee and the Dev elop m ent of Public Re lations. Ames: Iwoa State University Press, 1966, p. 57.
31. A pu d HIEBERT. Court ier to the Crow d. Op. cit, p. 50.
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atitude distintamente moderna e desiludida no que diz respeito aos “fa
tos”. Ninguém, disse ele citando Walter Lippmann com aprovação,
pode apresentar a totalidade dos fatos sobre qualquer assunto. A próprianoção de “fato”, ele considerava suspeita: “O esforço para estabelecer um
fato absoluto é simplesmente uma tentativa de alcançar o que é humana
mente impossível; tudo o que posso fazer é lhe dar a minha interpretação
dos fatos”32. Lee negava implicitamente que o desinteresse fosse possível,
para um indivíduo ou instituição. “Todos nós”, disse ele, “estamos incli
nados à tentativa de pensar que o que serve aos nossos próprios interessesseja também do interesse geral. Estamos muito propensos a enxergar tudo
através de óculos coloridos conform e nossos próprios interesses e precon
ceitos”33. Enquanto essa percepção, ao cair em certas mãos, era tratada
como uma sociologia do conhecimento usada como crítica, para Lee era
uma epistemologia cínica utilizada para defender a prática da atividade
das relações públicas. Uma vez que todas as opiniões são suspeitas, todastêm igual direito a um lugar no fórum democrático.
Edward L. Bernays, que, juntamente com Lee, era o publicitário
mais proeminente das relações públicas, adotou uma linha similar.
Como Lee, ele negava que houvesse algo errado com a propaganda. “A
propaganda”, escreveu ele em 19 23 , “é um esforço dirigido e proposital
para superar a censura - a censura da mentalidade coletiva e da reaçãoem massa”34. Bernays, sobrinho de Sigmund Freud e homem sensível às
fontes irracionais do pensamento hum ano, baseou-se na obra de Everett
Dean Martin e William Trotter, em seu Crystallizing Public Opinion ,
para argumentar que os juízos políticos, econôm icos e m orais são “mais
frequentem ente expressões da psicologia das massas, da reação em mas
sa, do que o resultado do exercício calmo dos julgamentos”35. QuandoLee salientava que a opinião era interesseira, Bernays argumentava que
32. LEE, I.Pub/ ic i ty . No va York: Industries Publish ing , 1925, p. 21. Cf. o edi torial crít ico " Lee and
Publicity" {Jour nalism Bullet in, 2, jun ./1925, p. 16), e tam bém a, de m od o geral favo rável, análise
" The Case for Publicity", de John Cun lif fe, direto r da Columb ia School o f Jou rnalism , em Jour
nal ism B ul let in, 2, nov./1925, p. 2326.
33. LEE. Publicity. Op. cit., p. 38.34. BERNAYS, E.L. Crystal l izing Pub lic Opinion . Nova York: Horace Liveright, 1923, p. 122.
35. Ibid, p. 214.
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160 Coleção Clássicos da Comunicação Social
era irracional. De qualquer maneira, a opinião não era autêntica ou fide
digna. Essa ideia guiou Bernays, assim com o Lee , em direção a uma lógi
ca libertária para as relações públicas:
Na luta entre as ideias, o ún ico critério é o qu e o jurista Hol
mes, da Suprem a Corte, apon tou: o pod er do p ensamento
para se fazer aceito na concorr ência aberta do m erc ado 36.
As relações públicas careciam muito de uma base lógica. As revistas
especializadas em mídia com frequência atacavam as relações públicas
durante os anos de 1 92 0 e na década de 19 30 . O Editor and Publisher te mia que os agentes de relações públicas ajudassem as empresas a promo
ver como notícia o que de outro modo teria sido comprado com o publi
cidade. O veículo denunciou os agentes de publicidade em geral como
“apropriadores de espaço” e, em particular, Bernays, como uma “amea
ça”37. Bernays cunhou o termo “conselheiro de relações públicas”, no
início da década de 1920, para insistir que ele representava um novoprofissional, num novo papel, e não o velho agente de publicidade do sé
culo XIX. “Isso não era uma mera diferença de nomenclatura, não era
nenhuma m odificação eufemística”, recorda Bernays em sua autobiogra
fia, mas eufemismo era exatamente o que os outros enxergavam nisso.
American Language, de Mencken (1936), rechaçou o termo como eufe
mismo, enquanto Stanley Walker, editor de cidade do New York H erald Tribune, irreverentemente o agregou, com uma mescla de outros ter
mos, em um ensaio de 1932, publicado na Harpe fs :
[...] conselheiros de relações públicas, anunciantes de publi-
c idade, advo gados no tribunal da opinião pú bl ica, embaix a-
dores da boa vontade, moldadores da opinião de massa,
vanguardistas, portavozes, trapaceiros, vadios e assisten-
tes especiais do presidente38.
O ensaio de Walker captura a receosa resposta dos editores e repór
teres em respeito às relações públicas. A resposta dos gerentes de negócios
dos jornais era inequívoca: eles se opunham às relações públicas. A equi
36. Ibid., p. 215.
37. BERNAYS. Biography o fan t dea . Op. cit., p. 288.
38. WALKER, S. "Playing the Deep Bassoons". Harper 's , 164, fev./1932, p. 365.
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Descobrindo a notícia 161
pe editorial era mais ambivalente. O ensaio de Walker está cheio de um
hum or jovial que desliza sobre uma estranha mistura de antipatia, repug
nância, rivalidade e um austero afeto dirigido ao agente de relações pú
blicas. W alker observou, com dissimulado desânimo, que os 5 m il agen
tes de relações públicas de Nova York excediam em número os jornalis
tas, que as escolas de jornalismo produziam mais relações públicas do
que jornalistas e que metade ou mais das notícias na imprensa diária ti
nham origem n o trabalho dos relações públicas. M as a zombaria teve fim
quando W alker concluiu que o agente de publicidade e o jorn al são inevitáveis inimigos, e que será sempre assim, apesar do anseio de alguns
agentes de relações públicas por um código de ética e um status profis
sional, “qualquer coisa que os leve para fora do distrito da luz vermelha
das relações humanas”39.
A própria imprensa fora parcialmente responsável pelo crescim ento
da publicidade, ou propaganda. (Hoje, a publicidade ou as relações públicas seriam chamadas de “propaganda” apenas como um epíteto, mas,
nos anos de 1920, tanto “publicidade” como “propaganda” eram ter
mos um tanto novos; ambos tinham cono tações desagradáveis - apesar
de no caso de “propaganda” isso ser ainda mais acentuado - e eram utili
zados, até certo ponto, de forma compatível.) Nelson Crawford, em seu
bem-considerado texto The Ethics o f Journalism, de 1924, sustentavaque a imprecisão dos jornais e o hábito dos repórteres de dar mais espa
ço àqueles que lhes forneciam “cópias datilografadas de declarações, en
trevistas pré-produzidas e material similar” encorajava o emprego das
relações públicas por particulares e organizações40. Todavia, os jornalis
tas desdenhavam as “notas para a imprensa” que utilizavam e se ressentiam
dos agentes de publicidade com quem trabalhavam. “Por que é, então,que este amável cavalheiro”, perguntou um repórter do New York World
sobre Ivy Lee , “que fornece tantos bons artigos, é, em geral, tão malvisto
39. Ibid. p. 370.
40. CRAWFORD, N.A. The Ethics of Journ al ism . Nova York: Alfred A. Knopf, 1924, p. 160. O
muckrak ing tamb ém est imulara nos negócios uma preocup ação com a pu bl ic idade e inspirou
esforços para o desenvolvimento das relações públicas. Cf. BENT, S. Bal lyhoo. Nova York:
Boni/Liveright, 1927, p. 134.
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162 Coleção Clássicos da Comunicação Social
pelos jornalistas?”41 A resposta não é difícil de imaginar. As relações pú
blicas ameaçavam a própria ideia da reportagem. A notícia parecia estar
se tornando menos um relato dos acontecimentos mundiais do que a ree-
dição daqueles fatos no universo de fatos que atraíam o interesse espe
cial de quem poderia se dar ao luxo de contratar assessores de relações
públicas. Era justamente como Ivy Lee dissera: não existem fatos, tudo é
interpretação. Repórteres reflexivos não gostavam de contar com os
agentes de publicidade, mas a facilidade com que os agentes eram capa
zes de usar os jornais para os seus próprios propósitos surpreendia até
mesmo os próprios agentes. Depois de uma campanha publicitária que
ganhou um espaço de jornal considerável em razão de uma doação de
Rockefeller para a Johns Hopkins University, Ivy Lee escreveu o seguin
te, para seu mais famoso e fiel empregador, John D. Rockefeller:
Em vis ta do fato de que essa não era realmente uma notícia,
embora tenha recebido tanta atenção por parte dos jornais, é de se presumir que isso se deva inteiramente à maneira
como o material foi "embalado" para o consumo do jornal.
Essa evidência parece sugerir possibilidades muito impor-
tantes ao longo dessa linha42.
O consultor de relações públicas, alardeava Bernays, “não é mera
mente um provedor de notícias; ele é, mais logicamente, o criador da
notícia”43. Isso era exatamente o que os jornalistas temiam.
Havia outra razão para os jornalistas não gostarem das relações pú
blicas: elas minavam as relações sociais tradicionais da confraria do jor
nal. Repórteres que se deliciavam em ir aos bastidores em busca da notí
cia estavam agora parados na entrada do palco. Mas os profissionais de
relações públicas pareciam estar em toda parte. “O problema da propa
ganda”, disse Nelson Crawford a estudantes de jornalismo, “é sério”.
Ele estimava que um grande jornal recebia 150 mil palavras diárias pro
venientes de material de relações públicas44. Frank Cobb, do New York
World, observou, em 1919, que havia cerca de 1.200 agentes de publici
41. PRINGLE, H., apud HIEBERT. Courtier to the Crowd. Op. cit., p. 302.
42. Ap ud HIEBERT. Courtier to the Crowd. Op. cit., p. 114.
43. BERNAYS. Cristailizing Publi c Opinio n. Op. cit., p. 195.
44. CRAWFORD. Ethics of J ournal ism . Op. cit., p. 162.
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Descobrindo a notícia 163
dade empregados em Nova York antes da Guerra, mas esse número ha
via rapidamente aumentado desde então:
Quantos existem agora eu não tenho a pretensão de saber,
mas o que eu sei é que muitos dos canais diretos para notícias
foram fechados e a inform ação para o púb lico é filtrada pri-
meiro através dos agentes de publicidade. As grandes cor-
porações os cont ratam, assim como os bancos, as ferrovias,
todas as organizações empresariais e de ativ idades sociais e
políticas, e eles são o meio pelo qual as notícias chegam.
Mesmo os estadistas contam com eles45.
Era exatamente assim. Agências governamentais e funcionários pú
blicos, bem como empresas, cada vez mais faziam uso das relações públi
cas. Como uma atividade consciente do governo, esse era um empreen
dimento novo e assustador o suficiente para provocar alguma controvér
sia. O Congresso insistiu, em 1908, em alterar a Lei de Diretrizes Orça
mentárias Agrícolas para registrar que “nenhuma parte dessa verba deverá ser paga [...] para f...] a produção de qualquer jornal ou artigo de re
vista”. Em 1910, o Congresso questionou, mas não agiu contra a manu
tenção de um “gabinete de imprensa” do Census Bureau (o gabinete de
recenseamento). Em 1913, após uma nova investigação no Congresso
sobre o trabalho de publicidade das agências federais, foi aprovada uma
lei negando o uso de qualquer verba para o pagamento de “especialistas
em publicidade”, a menos que especificamente designados pelo Con
gresso. Mas a lei foi uma letra morta, e as relações públicas governamen
tais proliferaram durante e após a I Guerra Mundial46.
Theodore Roosevelt foi o primeiro presidente a estabelecer uma
sala para a imprensa na Casa Branca; W oodrow Wilson deu início à con
ferência de imprensa regular; Warren Harding originou o uso do termo
“Porta-voz da Casa Branca” para se referir a declarações que fizera em
conferências de imprensa. Os repórteres ganhavam, assim, uma relação
mais confiante, no tocante às notícias da Casa Branca, embora mais for
mal do que antes, e mais facilmente organizada e manipulada pelo presi
dente ou seus secretários. A confraria do jornal transformou-se num cor
45. Apud LIPPMANN, W. Public Opinion. Nova York: Macmillan, 1922, p. 218.
46. MARBUT, F.B. News From the Capital. Carbondale: Sou thern Illinois Univers ity Press, 1971,
p. 192196.
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164 Coleção Clássicos da Comunicação Social
po de jornalistas. O que havia sido a principal base para a competição
entre os jornalistas - a reportagem exclusiva, a narrativa confidencial, a
inform ação privilegiada, o furo - fora varrido para longe pelas notas econferências de imprensa. O s jornais que outrora haviam combatido “os
interesses” agora dependiam deles para as notas de imprensa. Assim co
mo as relações públicas, em geral, eram “progressistas” em racionalizar as
relações entre as empresas e o público, os comunicados de imprensa
eram progressistas em racionalizar a reportagem da notícia47. Os agentes
de publicidade não tinham favoritismos, protegiam seus empregadoresdo contato direto com os repórteres, e transformaram a notícia numa
política, em vez de um evento; num curso d’água de fluxo inalterável,
em lugar de turbilhões, corredeiras e redemoinhos.
Havia, talvez, outra razão para os repórteres desprezarem os agen
tes de relações públicas: estes duvidavam de seu próprio valor. Eles ti
nham muito do que se orgulhar: Eric Goldm an, que escreveu uma brevehistória das relações públicas, sugere que a atividade passou, no século
X IX , de uma atitude do tipo “o público que se dane” ou “o público que
seja enganado”, para um posicionamento, na virada do século, do tipo
“que o público seja informado” e, em seguida, para a postura “que o pú
blico seja compreendido”, após a I Guerra Mundial, quando o consultor
de relações públicas passou a interpretar e a ajustar seus clientes e o pú
blico uns aos outros. O consultor de relações públicas, equipado com a
compreensão da moderna psicologia das raízes irracionais da opinião
humana, tentava entender o público como “um expert com o equipa
mento técnico, a ética, e a visão social análogos aos do advogado, o mé
dico ou o professor”48. Mas isso não impediu Ivy Lee, ao menos, de
questionar o valor de seu trabalho. Ele escreveu, em 1929:
A lguns anos at rás , eu in iciei o trabalho que es tou fazen do
agora, sentindo que havia nele um campo real de uti l idade.
Agora eu sei que há m uito de úti l a ser f ei to . Mas é c laro que
mu ita gente acha que o que eu faço é im pró prio , e que não é
47. Leo C. Rosten {The Washingto n Correspondents. No va York: Harco urt, Brace, 1937, p. 6777}
noto u o grand e aumen to na ut i l ização, em Washin gto n, das notas para a imp rensa, e obs ervou
que os repórteres se queixavam sobre elas e que o t inham fei to pelo m enos desde 1923, mas
concluiu que, no seu con junto, e las apr im oravam o jornalismo.
48. GOLDMAN, E. Two -Way Street . Boston: Bellman Publishing, 1948, p. 19.
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Descobrindo a notícia 165
digno de grande esforço intelectual. Há muito a ser dito de
ambos os lados49.
Ainda mais incerto e cismado, Lee dissera a um(amigo:
As vezes , nas horas ruins, eu cheguei a p en sarem jogar tudo
fora e buscar um trabalho menor, como editor de jornal.
Mesmo assim, eu me pergunto se eu não continuaria a ser
encarado com desconfiança; se não aconteceu de eu ter f i-
cado tão completamente estragado como propagandísta
que as pessoas não foss em sem pre sus peitar de que pud es-
se haver um ser sob renatural na redação a me dizer o qu e fa-lar e o que pensar50.
O agente de publicidade, escreveu John Dewey em 19 29 , “é talvez o
símbolo mais significativo da vida social de nossos tempos”51. As rela
ções públicas falaram - criaram - a linguagem dos negócios e da política
do século X X . Simbolizaram e incentivaram o con hecim ento de interes
se pessoal em direção a uma nuance social e uma psicologia manipulado-ra de opinião características da era da sociedade organizada. Conduzi
ram ou manipularam o povo em nome do serviço público. No entanto,
nunca se estabeleceram como a “profissão” que esperavam exercer, e
seus líderes, ao menos em momentos de reflexão ocasionais, não conse
guiam chegar a um acordo em relação à sua atividade52.
49. Apud HIEBERT. Court ier to the Crow d. Op. cit., p. 307.
50. Ibid., p. 307.
51. DEWEY. fnd iv iduai ism O/d and New . Op. cit., p. 43.
52. As dú vid as pessoais de Lee for am reforç adas pela crít ica pública gen eralizada. O Senado r La
Fol lette se refer iu a seu t rabalho c om o um " mo nu men to da vergonha" e apresentou um projeto
de lei que o ter ia tornad o i legal, para tentar inf luenciar a Comissão Interestadual de Comércio
por meio d e car tas, ar tigos ou q ualquer outra form a d e comu nicação, num a tentat iva de impedir
as at ividades de Lee. A p ub licidade de Lee para os Rockefel lers, após o mass acre de Ludlow ,
logo o torn ou um alvo de crít icas e lhe rendeu, p or m eio de Upton Sinclair, o apelido de "Poison
Ivy" [algo co m ol vy Venenoso). Mais devas tador que tudo; no início dos anos 30, Lee, jun tam en-
te com um a série de outros im portantes agentes de relações públicas, foi inv est igado pelo Hou-
se Un -Am er ican Act iv i t ies Comm it tee (Com itê de Invest igação de At ivid ades Ant iamericanas),
por assessorar a indústria alemã e aconselhar o governo nazista. Cf. Hiebert, Court ier to the
Crowd, para uma discussão mais aprofundada.
A l iter at ura c on tem po rânea nas c iên cias sociai s e em per iódicos popu lar es , e em rev istas es pe-
cial izadas em jorn alism o, sobre as relações pú blicas e a prop aganda, é eno rm e. Fontes bibl io -
gráf icas úteis inciu em Harold D. Lassweli ("Propagand a". Encyc/opedia o f th e Soc ia l Sc iences
[Enciclopédia de Ciências Sociais] . Nova York: Macm il lan, 1 934,12, p. 521528), que conta com um a extensa biblio grafia, e tam bém Linda Wei ne r Hausm an ("Crit icism of the Press in U.S. Perio
dicals, 19001939: A nn otated Bibl iography" . Journa / i sm Monographs , 4, ago./1967). Há uma
excelente bib l iograf ia em " The Publ ic Relations M ov em ent in Am er ica" , de Lei la A. Sussmann
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166 Coleção Clássicos da Comunicação Social
As relações públicas foram um dos dois principais desenvolvimentos
que fizeram os jornalistas suspeitar dos fatos e os tornaram prontos a du
vidar do empirismo ingênuo dos anos de 1890. O outro foi a propagan
da no período da guerra. “Foi o sucesso surpreendente da propaganda
durante a guerra”, registrou Edward Bernays, tCque abriu os olhos de uns
poucos inteligentes em todos os setores da vida para as possibilidades de
arregimentação da opinião pública”53. Muitos jornalistas estiveram dire
tamente envolvidos na propaganda na I Guerra Mundial. Por um lado,
os jornalistas norte-americanos se descobriram vítimas da censura militar, como correspondentes de guerra na Europa. Por outro, eles própriosserviram como agentes da máquina de propaganda norte-americana, no
país e no exterior. James Keeley, editor executivo do Chicago Tribune e
proprietário do Chicago Heraldj representou os Estados Unidos na Co
missão Inter aliados para Propaganda; Walter Lippmann serviu durante
um tempo como capitão da inteligência militar e dirigiu o setor editorial
de propaganda norte-americana em Paris; Charles Merz, que mais tarde
viria a editar a página editorial do New York Times, foi primeiro-tenente
oficial de inteligência, juntamente com Lippmann54. Na cena doméstica,
o presidente Wilson criou o Comitê de Informação Pública, em 1917, e
nomeou George Creel, um editor muckracking*. O Comitê, que empre
gou muitos jornalistas, escreveu, coletou e distribuiu informações favo
ráveis ao esforço de guerra norte-americano. Ele produziu 6 mil notas deimprensa, recrutou 75 mil “Four Minute M en w** para proferir discur
(Cbicago: University of Chicago, 1947 [Dissertação de m estrado ). Há tam bém um a série de arti-
gos úteis em "Pressure Groups and Propaganda", de Harwood L. Childs (org.) {Annals ofthe
Am er ican Acad em y o f Poli t icai and So cial Science, 179, mai./1935). Public Opinion Quarterly,
uma revista acadêmica dedicada ao estudo da opinião pública, surgiu em 1937, e é uma fonte
útil. Revistas especializadas em jo rnali sm o, em particular a Editor andPub l isher, estão repletas
de discussões sobre as relações públicas nesse período.53. BERNAYS, E.L. Propaganda. Nova York: Horace Liveright, 1928, p. 27.
54. LUSKIN, J. Lippmann, Liberty , and the Press. University, Ala: University of Alabama Press,
1972, p. 3839. • STOCKSTILL, M. "Walter Lippmann and His Rise to Fame. 18891945". [s.!.]:
Mississipi State University, 1970, p. 152, 178 [Dissertação de mestrado].
* Muck racker é o term o usado p ara definir os jornalistas e escritores norteamericanos do início
do século X X que mantin ham um foco na investigação e exposição pública das irregularidades
e má administração do governo, de grandes empresas e de instituições sociais [N.T.].
* * Four Minute Men é a deno min ação que recebera um expressivo g rupo d e voluntários autor i-
zados p elo presidente dos Estados Unidos Wo od ro w Wilson, du rante a I Guerra Mund ial, a pro-feri r breves discursos, sob a orientação do Comitê de Infor maç ão Pública, em cinemas e outros
locais públicos de tod o o país. O ob jetivo , ao se criar uma p on te entre o govern o e os cidadãos,
era gerar apoio à guerra [N.T.].
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Descobrindo a notícia 167
sos de curta duração em cinemas e outros locais públicos, e até mesmo
alistou escoteiros para entregar cópias de pronunciamentos de Wilson
de porta em porta55.
O New York Times descreveu o conflito europeu como “a primeira
guerra dos agentes de publicidade”, e o historiador Jack Roth denomi
nou a guerra “a primeira tentativa moderna de manipulação nacional
sistemática das paixões coletivas”56. Nada poderia ter sido mais persua-
sivo do que a experiência de guerra em convencer os jornalistas nor
te-americanos de que os fatos em si não deveriam merecer a confiança.
Os repórteres há muito se orgulhavam de seu próprio cinismo, mas isso
se manifestava num pra2er em estar próximo e familiarizado com a “his
tória dos bastidores” da vida política e econômica. Seu cinismo zombava
das ilusões populares, enquanto apreciava os fatos concretos, persisten
tes, secretos. Porém, durante e após a guerra, os jornalistas passaram a
considerar qualquer coisa como ilusão, já que, tão evidentemente, tudo
era produto de artistas da ilusão conscientes de si.
A propanda de guerra influenciou diretamente um maior crescimen
to das relações públicas na década de 1920. A guerra estimulou as popu
larmente aprovadas campanhas de relações públicas para os bônus de
guerra, a Cruz Vermelha, o Exército da Salvação, e a Y.M.C.A (Young
Men Christian Association). As organizações beneficentes conhecidascomo Community Chests desenvolveram campanhas publicitárias base
adas em modelos do tempo de guerra. Até 1920, de acordo com o crítico
de jornal contemporâneo Will Irwin, havia cerca de mil “agências de
propaganda” em Washington, moldadas a partir da experiência desen
volvida durante a guerra57. No mundo dos negócios, o caso de Samuel
Insull é especialmente instrutivo. Barão da energia elétrica em Chicago,
55. Cf. CREEL, G. How we Adver t isedAm érica. Nova York: Harper and Row, 1920. • MOCK, J.R.
& LARSON, C. Words That Won the War. Princeton: Princeton University Press, 1939. •
OUKROP, C. " The Four Min ute Men Became National Network During Wo rld War I". Journa/ism
Quarterly , 52, inverno de 1975, p. 632637.
56. O Times é citado: HIEBERT. Courtier to the Crowd . Op. cit., p. 243. • ROTH, J J . World W ar ! :
A Turníng Poin t in Modern Histo ry . Nova York: A lfred A. Knop f, 1967, p. 109.
57. BENT. Ballyhoo, p. 134. • CUTLIP, S.M. Fun d Raising in the Un ited States : Its Role in Ameri-c a^ Philan thropy. New Brunsw ick, N.J.: Rutgers Univ ersi ty Press, 1965. • LYND, R.S. & LYND,
HM.Midd fe town . Nov a York: Harcour t/Brac e, 1929, p. 458470. • IRWIN, W. "If You See It in the
Paper, lt's ? Colliers, 72,18/08/192 3, p. 27.
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168 Coleção Clássicos da Comunicação Social
Insull havia iniciado o aconselhamento da filial norte-americana do es
critório de propaganda britânico em 1914. Ele teve um papel fundamen
tal em encorajar os britânicos a permitir entrevistas para jornais com mi
nistros do gabinete, algo inédito antes da guerra. Isso aumentou o inte
resse dos jornais norte-americanos na causa britânica. Insull contribuiu
com um quarto de milhão de dólares de seu próprio bolso para ajudar a
distribuir informações de guerra altamente tendenciosas aos jornais nor
te-americanos que não tinham associação com agências de notícias.
Após os Estados Unidos terem entrado em guerra, Insull tornou-se chefedo Conselho Estadual de Defesa, em Illinois. Partiu desse comitê a ideia
de “radiodifusão sem rádio” - os Four Minute Men. Depois da guerra,
em 1919, Insull organizou o Comitê de Informação de Utilidade Pública
de Illinois, tomando emprestada a máquina de propaganda que havia
utilizado durante o conflito. O biógrafo de Insull registra que, até 1923,
os serviços públicos em muitos outros estados seguiam-lhe o exemplo e“estavam despejando um fluxo de publicidade que quase igualou o volu
me de propaganda patriótica durante a guerra [...]”58.
As relações públicas dos serviços de utilidade pública da década de
1920 representaram a mais importante campanha de toda a indústria.
Essa situação levou a uma minuciosa investigação, pela Comissão Fede
ral de Comércio, dos serviços públicos, e a um volume cuidadosamente
documentado e furioso, de autoria de Ernest Gruening, em 1931, The Public Pays. Gruening descreveu a campanha como “a mais ambiciosa,
mais elaborada e mais mutável campanha de propaganda na história dos
tempos de paz dos Estados Unidos”59. Mas, embora a campanha de utili
dade pública possa ter sido a maior prática das relações públicas, ela não
era, de forma alguma, singular, e, em torno da vida norte-americana, ha
via um crescente interesse, além de uma ansiedade, pela propaganda e asrelações públicas60. Um repórter belga, em 1921, referiu-se a uma “ob
58. McDONALD, f. Insull. Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 185.
59. GRUENING, E. The Publi c Pays. Nova York: The Vanguard Press, 1931, p. 235.
60. Lasswell, em seu artigo s obre " Propaganda" na Enciclopédia de Ciências Sociais, lista uma sé-
rie de instituições de propaganda e escreve, "Talvez as 500 instituições de propaganda mais im-
por tantes estejam organizadas em nível nacional, no rm almen te com escritórios em Washingto n,D.C. e Nova York". Algu mas instituições com presença nacional tinh am patrocínio de ou tros paí-
ses. Diggin s [Mussoflini and Fascism . Op. cit., p. 4950), discute o estabelec imento na Itália de um
serviço de imprensa norteamericano para combater as histórias antifascistas, em 1927.
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Descobrindo a notícia 169
sessão norte-americana” pela propaganda61. Harold Lasswell, emPropa ganda Tecbnique in the World War , de 1 927, notou o grande interesse na
propaganda e em meios de controle da opinião pública, e escreveu que
isso “testemunha o colapso das espécies tradicionais de romantismo de
mocrático e o surgimento de uma tendência mental autoritária”62.
Estava claro que isso representava um problema incomum para o re
pórter de jornal. A propaganda e as relações públicas minaram a antiga
confiança nos fatos. Lippmann colocou isso de forma muito apropriada
em Public Opinion:
O desenvolvimento do profissional de publicidade é um si-
nal claro de que os fatos da vida moderna não assumem es-
pontaneamente uma forma na qual possam ser reconheci-
dos. Alguém deve lhes dar uma forma e, uma vez que em
sua rotina diária os repórteres não podem moldar os fatos, e
uma vez que há pouca organização de inteligência objetiva,
a necessidade de alguma formulação está sendo cumprida
pelas partes interessadas63.
Silas Bent concluiu que ao menos 147 de 255 artigos no New York
Times de 29 de dezembro de 1926 eram originários do trabalho de agen
tes de publicidade, assim como 75 dos 162 artigos no New York Sun de
14 de janeiro de 1 92664. John Jessup, por longo tempo um editor das re
vistas Fortune e Life, lembra-se de que quando trabalhava para a agência J . Walter Thompson, no início dos anos de 1930, ficou chocado ao ser
informado de que cerca de 60% dos artigos publicados pelo New York Times eram inspirados pelos agentes de pulicidade65. Em 1930, o cientis
ta político Peter Odegard estimava que 50% das notícias tinham origem
no trabalho de relações públicas, e concluiu o que alguns dos próprios
jornalistas temiam: “Muitos repórteres hoje são pouco mais que mendi
61. ARCHAMB AUL T, O.H., apud HUEBNER, L.W. "The Discovery of Propaganda: Changing Attí
tudes Tow ard Public Commun ication in America, 19001930". Harvard: Harvard University Press,
1968, p. IV [Dissertação de mestrado].
62. LASSWELL, H.D. Propaganda Technique in the World War. Nova York: Altred A. Knopf,
1927, p. 4.
63. LIPPMANN. Public Opinion. Op. cit., p. 218.
64. BENT. Baflyhoo. Op. cit., p. 123.
65. Entrevista pessoal, 17/09/1977.
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170 Coleção Clássicos da Comunicação Social
gos intelectuais, que vão de um agente de publicidade ou escritório de
imprensa a outro, em busca de releases para a imprensa”66.
Subjetividade e objetividade na imprensa
A imprensa reagiu à subjetivação aparente dos fatos de várias manei
ras. Uma resposta foi o aberto reconhecimento da subjetividade como um
elemento da reportagem. A notícia assinada começou a aparecer com
mais frequência. Uma olhada nas primeiras páginas do New York Times
indica que, no início dos anos de 1920, as bylines eram publicadas com
parcimônia. Em geral, elas surgiam apenas nos casos de correspondência
estrangeira e, mesmo assim, só eram consistentes quando o corresponden
te escrevia na primeira pessoa. Até os anos de 1930, as bylines eram usa
das livremente tanto para a correspondência doméstica quanto para a in
ternacional67. As primeiras bylines da Associated Press surgiram em 1925.
Isso foi explicado à parte como um caso especial, mas dentro de poucos
anos as bylines se tornavam comuns nos artigos da AP6!í.
A especialização foi a outra resposta. Se as bylines concederam uma
autoridade maior ao repórter, em relação ao copy desk> a especialização
poderia proporcionar ao repórter um progresso na capacidade de se tor
nar um crítico de suas fontes. “Sinceramente, a era da especialização está
66. ODERGARD, P. The Am erican Public Mind . Nova York: Columbia Univers ity Press, 1930, p. 132.
67. Examinei a primeira página do Ne w York Times para a primeira semana de janeiro a cada
quatro anos, de 1920 a 1944. Os resultad os são os seg uin tes: núm ero d e by-Unes {Linhas de im
pressos que acompanham uma notícia ou artigo , indicando o nome de seu autor): 1920, 6;
1924,2; 1928,16; 1932,8; 1936, 20; 1940, 25; 1944,37; 1964,62. Em 1920 e 1924, nenhuma das
by-Unes se encontrava em reportagens nacionais. Em 1928, o correspo ndente do Alb any apre-sentava artigos con tendo by-Unes e, em 1932, tanto o correspo nden te de Alb any com o o articu-
lista de ciências produziram artigos marcados por by-lines. Tur ner Catledge notou que o cres-
cente status dos repórteres em relação aos copy desk (os revisores) tivera início nos anos de
1930, o que se mostrava evid ent e pela proliferação das by-lines na época. Minh a breve amostra
conf irm a essa afirm ativa. Cf. CATLEDGE, T.M y Life an d The Times. Nova York: Harp erand Row,
1971, p. 165.
68. COOPER, K. Kent Cooper and the As sociated Press: An Au tobio graphy . Nova York: Random
House, 1959, p. 104,110. Uma anotação contemporânea sobre o crescente uso de by-lines fo i
feita por Elmo Scot tWatso n em " The Return to Personal Journalism" , um pron unc iamento feito para a University Press Club o f Mich igan, em 21/11/1931, reimpres so em MOTT, F.L. 8 CASEY,
R.D. fnterpretations o f Jou rnalism . Nova York: F.S.Crofts, 1937. Cf. tb. ROSEWATER, V. "Sees
Wire Services Freed of Routine". Editor an d Pub/isher, 66, 20/01/1934, p. 7.
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Descobrindo a notícia 171
em nossas mãos”, escreveu o Journalism Bulletin, em 1924. Isso era pre
maturo, mas havia ao menos um início de especialização na década de
1920. O Bulletin tomou conhecimento das propostas para repórteres es-S. <
pecializados em medicina, cirurgia, saneamento e saúde, e de “uma de
manda por críticos de automóvel que atirariam na lixeira as notícias dos
agentes de publicidade sobre os últimos modelos, e escreveriam artigos
críticos sobre as novas máquinas tão logo surgissem”69.
Especialistas na reportagem sobre trabalho, ciência e agricultura
surgiram por volta do final dos anos de 192070.
Uma mudança importante foi o desenvolvimento da “reportagem
interpretativa”. Duas obras dos anos de 1930 traçaram o seu crescimen
to. Em The Changing American Newspaper , Herbert Brucker apontou
com aprovação uma série de inovações em jornais de todo o país, que ele
acreditava que mudariam a face do jornalismo norte-americano. Um
tipo de mudança que Herbert pressentia que seria significante foi a in
trodução dos sumários de notícias nos fim de semana. O The New York Sun deu início a uma publicação editada aos sábados com as resenhas das
notícias, em 1931; o Richmond News Leader substituiu sua página edito
rial de sábado por uma síntese interpretativa das notícias; o New York
Times, em 1935, começou a editar seu resumo de notícias aos domingos
assim como o fizera, com uma veia mais interpretativa, o Washington Post; e a Associated Press passou a distribuir uma página única, nos finais
de semana, com resenhas de notícias. Esses projetos, de acordo com
Brucker, incrementaram a função intepretativa do jornal; eram respos
tas à “crecente complexidade do mundo”, frente à qual os leitores cla
mavam por mais “aprofundamento” e mais “interpretação”. Brucker
69 .Journal ism Bul let in, 1, 1924, p. 16.
70. EMERY, E. The press and A m erica. Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall, 1972, p. 563565.
Sobre especialização, cf. tb. " Williams Says Day o f Specialization in News Writin g Here", relato
de uma expo sição de Dean Walter William s, direto r da Escola de Jornalis mo da Univers idade do
Missouri, em Quill, 13, mar./1925, p. 20. Qu/ll, 14, set ./1926, p. 1415 edito riali zou sobre a qu es-
tão da especialização. Curtis MacDougall, em Interpretative Reporting (Nova York: Macmillam,
1938, p. 65), escreve: "A tendência das redações é, defin itivam ente, caminhar em direção à re-
portagem especializada".
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172 Coleção Clássicos da Comunicação Social
sentia que o “preconceito tradicional” dos jornalistas contra a interpre
tação surgira num mundo mais simples:
Tippecanoe and Tylertoo conseguiu a nomeação? Chicago
pegou fogo? 0 f i lho do banqueiro seduziu uma donzela da
aldeia? Relatar essas coisas significava simplesmente enu-
m erar os fatos. Qualquer um pod eria co m preend êlas sem a
ajuda de Walter Lippmann.
Em contrapartida, Brucker afirmava, “a vida agora é mais comple
xa, com um grau maior de integração com outras vidas distantes e atémesmo desconhecidas, como nunca antes”, e essa era uma visão ampla
mente compartilhada71.
O melhor documento da mudança rumo à reportagem interpretati-
va foi o bem-sucedido compêndio de jornalismo (suas recentes edições
ainda estão em uso) de C urtis M acDougall. Publicado pela primeira vez
em 1932 como Reporting fo r Beginners (“Reportagem para iniciantes”),quando revisado e reeditado, em 1938, passou a se chamar Interpretati
ve Reporting. Na “nota para professores” da edição de 1938, MacDou
gall explicava as mudanças que havia feito:
A principal d iferen ça en tre Repor t ing fo r Begginers e fnter
pretat iv e Report in g está no p on to de vista em relação à tare-
fa que os apuradores de notícias de u m futuro imediato se-
rão solicitados a executar. Uma pista para a atual atitude
deste autor está no título do presente volu m e; ele represen-
ta a sua crença de que a mud ança nas con diç ões sociais, so -
bre as quais os estudantes das principais mídias de opinião
pública têm se tornado cada vez mais conscientes durante
os últ imos seis anos, tem feito com que os responsáveis
pela apu ração d e notícias e as agências de div ulgação m u-
dem seus m étodos de reportagem e de interpretação do no-
t iciário. A tendência é inequívoca no sentido de combinar a
função de intérprete com a de repórter, depois de cerca de
m eio século du rante o qual a ética jor nalística exigira a estri-
ta diferenc iação en tre narrado r e co m entaris ta" 72.
71. BRUCKER, H. The Changing Am er ican New spap er . Nova York: Colum bia Univ ersity Press,
1937, p. 1112.
72. MacDOUGALL. Interp retat ive Report ing . Op. cit., p. v.
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Descobrindo a notícia 173
N o próprio texto , M acDougall declarou sua posição em um capítu
lo sobre “dar consistência" à notícia. Ele argumentava que os Estados
Unidos estiveram despreparados para compreender I Gu erra Mundial,
porque as agências de notícias e os jornais haviam relatado apenas o que
acontecia, não uma interpretação do porquê de isso estar acontecendo.
Em 1929, o início da depressão também encontrou um jornalismo des
preparado e redatores “totalmente desqualificados para lidar com a no
tícia de um evento importante de um modo que fosse além do factual”. A
reportagem interpretativa, defendeu ele, representou uma grande mu
dança no jornalismo norte-americano, mas ela não era de todo incom pa
tível com o intuito daquilo que, em meados dos anos de 1930, fora cha
mado “objetividade” :
[...] os mais bemsucedid os jornalistas de amb os os sexos
do futuro serão aqueles com ampla formação acadêmica,
com o conhecimento de um especialista em uma ou mais
áreas, a capacidade de evitar em oc ion alismo s e perm anecer
objetivo(a), um estilo descritivo, o poder de observação, e,
acima de tudo, uma habil idade para compreender o signif i-
cado das no tícias imediatas em relação a tendências sociais,
econ ôm icas e políticas mais am plas73.
O desafio da reportagem interpretativa para o jornalismo conven
cional poderia ser estabelecido com mais ousadia, e foi, sobretudo pe
los correspondentes estrangeiros, que sentiram com mais profundida
de a necessidade de buscar esse caminho e tiveram autonomia profis
sional para experim entá-lo. Raym on G ram Swing, corresponden te es
trangeiro do Chicago D aily New s por 20 anos, disse à Sociedade Nor
te-americana de Editores de Jornais (American S ociety o f N ewspaper
Editors) , em 1935:
Se é para se compreender a notícia europeia sob qualquer
circunstância, ela tem que ser expl icada. E se ela é expli ca-
da, isto tem qu e ser feito s ub jetivamen te. Não há persuasão
nisso; na Europa, o indivíduo mais valioso para o seu jornal
é aquele que manifesta opiniões em seus escritos. Isto vai
73. Ibid., p. 251.
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174 Coleção Clássicos da Comunicação Social
contra a ética da profissão, mas é absolutamente essencial
en ten der essa dinâm ica74.
Esse pensamento podia ir contra a ética profissional, mas a Sociedade
Norte-americana de Editores de Jornais já havia, em 1933, apoiado a re
portagem interpretativa, em princípio, ao aprovar a seguinte resolução:
Consid erandose que a procissão de eventos nacionais e in-
ternacionais signif icativos, complexos e pitorescos está ca-
minhando mais rapidamente do que em qualquer outro pe-
ríodo na história mundial recente; e
Consid erandose que há novas evidências de que hom ens e
m ulh eres, em tod as as esferas da vida, vêm desenv olven do
um interesse mais profundo pelos assuntos públicos,
FICA DECIDIDO QUE seja um con senso desta sociedade q ue
os editor es devo tem uma m aior quantid ade de atenção e es-
paço às notícias explicativas e interpretativas e apresentem
um histórico de informação que permit irá ao leitor médio co m preen der mais adequadam ente o mecanismo e o signi-
ficado dos eventos75.
Os editores de jornal defendiam a interpretação e, posteriormente,
observadores explicam a sua eminência, como uma resposta a um mun
do m uito com plexo, que crescera rapidamente. A ideia é a de que a guer
ra, a depressão e o New D eal tornaram as questões políticas, econôm icase sociais tão complicadas que forçaram o jornalism o a enfatizar “o signi
ficado” da notícia e o contexto dos eventos. Essa explicação presume
que as pessoas irão naturalmente reconhecer acontecimentos com plexos
com o algo difícil de entender. Pode ser uma aproxim ação inicial mais se
gura dizer que as pessoas geralmente vão interpretar os acontecimentos
complexos como eventos simples. Uma explicação para o desenvolvi
74. Raym on d Gram Sw ing , co m entário no painel sobre "The Big News in Europe, Wh at It Means
and Ho w to Get It" ("As grand es notícias na Europa, o que elas representam e com o ob têlas"),
du ran te a 13a Con veção da A m er ic an So c iety o f New sp ap er Ed itors , de 18 a 20 de abril d e 1935,
em Problems o f Journa lism. Am erican Society of News pap er Editors, 1935, p. 92.
75. A MERICA N SOCIETY OF NEWSPAPER EDITORS (org.). Problems o f Journa l ism, 1933, p. 74.
A A sso c iated Press também caminhou em direção à interpretação. Cf. COOPER, K. "Report of
the General Manager". A sso c iated Pres s - 32nd Ann ual Report of the Board o f Directors to the
Members, 1932, p. 6.
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Descobrindo a notícia 175
mento da reportagem interpretativa terá que se concentrar em como os
repórteres vieram a acreditar que o mundo era complicado.
É moda nas ciências sociais, e assim tem sido. desde a década de
1930, reconhecer a sociedade, ou mesmo o universo das nações, como
que constituindo um “sistema” em que as várias partes estão relaciona
das funcionalmente, de modo que um evento em determinado lugar ou
palco terá conseqüências em todos os outros. No entanto, por mais útil
que isso seja, heuristicamente, ainda se pode distinguir algumas épocas
mais “sistêmicas” ou mais integradas do que outras. Até a I Guerra Mundial e, em certa medida, até a II Guerra Mundial, era possível aos nor
te-americanos acreditar que suas questões fossem distintas das dos euro
peus e da política mundial, e era possível até mesmo que estivessem rela
tivamente desinteressados na política nacional, pois o governo federal
mantinha apenas uma conexão remota com o cotidiano da maioria dos
cidadãos. O repórter W alter Tro han recorda que, em 1920 , Washingtonnão era a meca para o jornalismo que muito em breve passaria a ser, a
partir dali:
Naqueles dias, Washington não era a meta dos repórteres
que se tornou hoje. Nem Washington havia, como hoje, se
tornado o ponto de encontro de todo o mun do. Lembrome
de hom ens sendo eleitos para o Congresso , princip almente
como uma recompensa por sua f idelidade ao part ido. Eles
seriam agraciados com um banqu ete de despedida e depois
cairiam no esquecimento76.
Mas, assim como os Estados Unidos se tornaram integrados a um
sistema mundial, particularmente por meio da guerra, e assim como a
depressão concentrava a atenção nacional sobre os políticos em Was
hington, o mundo se mostrava não apenas mais “complexo”, mas maisvisivelmente complexo, porque centralizado em Washington77.
76. TROHA N, W. Pol i t ical An imais. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1975, p. 30. Trohan serviu
muitos anos com o correspon dente em Washing ton para o Chicago Tribune.
77. O Ne w Deal ("Novo A cord o" ), naturalmente, concentrou a iniciativa polít ica em Washington,
com o nunca dantes, mas mesm o antes que Roo sevelt chegasse ao p od er, a centralização d o po -der em Washington estava clara. Cf. WHITE, L.D. Public Administration. In: "President's Research
Co m m itteeo n Social Trends". /?ece/?f Soc ial Trends, Nov a York: Macm ill an, 1933, p. 1.3931.397.
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176 Coleção Clássicos da Comunicação Social
Todavia, a percepção da complexidade não conduz necessariamen
te a um interesse no jornalismo interpretativo, a menos que haja uma hi
pótese à mão de que a complexidade seja mais do que um acúmulo de fatos. Essa hipótese, naturalmente, era crescente no jornalismo. Os jornalis
tas já não podiam acreditar que fatos falam por si mesmos. A nova visão
dos fatos foi institucionalizada de forma ex trem a na revista Time, fundada
em 1923 por Henry Luce e Briton Hadden. A retórica atrevida da Time
inscrevia em cada frase uma atitude desenvolta em relação aos fatos. Luce
foi decisivo ao defender uma mistura de fato e opinião em uma revista de
notícias. “Mostre-m e alguém que pensa que é objetivo”, disse Luce, “e eu
mostro a você alguém que está enganando a si mesmo”. Luce recomendou
que os jornais abandonassem sua divisão entre a página editorial e as notí
cias e pusessem na primeira página uma “crítica inteligente, uma repre
sentação e avaliação dos homens que ocupam cargos de confiança públi
ca”78. A Time não agradou a todos, mas tornou-se uma influência signifi
cativa para os jornais; M acDo ugall a reconheceu com o “um valioso con corrente da imprensa diária” e viu nela um indicador de que o público já
não estava satisfeito com a notícia pura e simples79.
O que foi provavelmente o sinal mais importante da adaptação do
jornalism o à percepção da subjetividade dos fatos e à centralização de
um mundo complexo em Washington mostrou ser a invenção das colu
nas políticas sindicadas. As colunas assinadas surgiram já nos anos de1890, em jornais de Chicago, mas elas tendiam a se concentrar em hu
mor, literatura ou reportagem de cor local. Mesmo já em meados da dé
cada de 1920 , guias gerais para escrever uma coluna de jornal, com o The
GentleArt ofColum ning , de C.L. Edson (1920) e The Column , de Hal-
lam W . Davis, (1 926), tratavam exclusivamente da escrita hum orística80.
78. Ap ud Luce and His Em pire. No va York : Charles Scrib ner's , 1972, p. 142143. Cf. tb. ELSON,
R.T. Time Inc. Nova York: Atheneum, 1968.
79. MacDOUGALL Reportagem Interpretat iva. Op. cit., p. 18. Em 1904, Robert Park colaborou
com John Dewey e Frankl in Ford em Thought News , um a publ icação que eles pretendiam q ue
fosse u m jornal, na qual o jorn alism o seria orientado p ela f i losof ia. Park escreveu, num m o m en -
to posterior em sua carreira, que a Time encarnou o ideal de Thought News . Cf. MATTHEWS,
F.H. Quest For Am er ican Soc io /ogy : Robert E. Park and th e Chicago Scho ol. Mon treal: McGil l
Queen's University Press, 1947, p. 28.80. EDSON, C.L. The Gent ie A r t o f Coiumning. Nova York: Brentano's, 1920. • DAVIS, H.W. The
Column. Nova York: Al f red A. Kn opf Borzoi Handbooks of Journ al ism, 1926.
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Descobrindo a notícia 177
Colunas essencialmente dedicadas a avaliar questões políticas e econô
micas não haviam surgido até a década de 1920, com o trabalho de Da-
vid Lawrence, Mark Sullivan e Frank Kent81. A coluna de HeywoodHale Broun, no World, teve início em 1921, enquanto a de Lippmann,
“Today and Tomorrow”, foi publicada pela primeira vez no H erald Tri
bune, em 1931. Quando, em 1934, Raymond Clapper, que chefiara a
sucursal de Washington para a United Press e passara a trabalhar para o
Washington Post, foi convidado a escrever uma coluna diária para o
Post, sua esposa se opôs à mudança. Ela escreveu mais tarde:Eu me opus a isso porque, em 1934, a posição do colunista
no jorn alismo era incerta. Pareciame que o co m entário edi-
torial era mais convincente da boca para fora dos editores;
eu duvidava do apelo de Ray ao leitor que buscasse uma
personalidade glamourosa82.
Mas Clapper assumiu o emprego e, descobriu-se, a coluna política
foi a sensação do jornal nos anos de 1930. Até 1937, a coluna sindicada
de Walter Lippmann era publicada em 155 jornais, a de Arthur Brisbane,
em 180, a de David Lawrence, em 150, a de Frank Kent, em 12583. Quando
os sociólogos Robert e Helen Lynd retornaram a “Middletown” (Mun-
cie, Indiana), em 1935, dez anos depois de seu estudo original, a gran
de mudança nos jornais ficava clara: “A inovação mais evidente nos jornais de Middletown é o aumento na quota de colunas sindicadas as
sinadas em Washington e Nova York, nas colunas de notícias”84. Em
1 9 2 5 , som ente Brisbane e Lawrence haviam surgido; em 19 35 , o jornal
matutino contava com 5 colunistas políticos sindicados, e o vespertino,
com outros quatro. The New Republic observou, em 1937, que “muito
do prestígio outrora vinculado à página editorial havia sido transferido
81. EMERY. Press an d Am er ica [História da imprensa nos Estados Unidos]. Op. cit., p. 491.
82. Sra. Raymond Clapper, esboço biográfico de seu falecido marido. CLAPPER, R. (org.). Wat-
ch ing the Wor ld . Londres: Whitt lesey House, 1944, p. 21.
83. " The Press and th e Public", seção especial d o The New Republ ic 90,17 /03/19 37, p. 185.84. LYND, R.S. & LYND, H.M. M id d le t o w n i n T r an s i ti o n . Nova York: Harcourt , Brace, 1937,
p. 377378.
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178 Coleção Clássicos da Comunicação Social
para os colunistas”85. A coluna política era, entre outras coisas, o reco
nhecimento mais importante do jornalismo institucional de que não ha
via mais fatos, somente interpretações construídas individualmente.
Nem todos os jornalistas poderiam ser colunistas; tampouco todos
eram livres para escrever interpretativamente. Os repórteres diários ain
da precisavam acreditar no valor de seu melhor trabalho na busca e apre
sentação dos fatos. Eles necessitavam de uma estrutura dentro da qual
poderiam levar o próprio trabalho a sério e convencer seus leitores e crí
ticos a levá-los a sério também. Isso era o que a noção de “objetividade”,
como fora elaborada nas décadas de 1920 e 1930, tentava oferecer.
Walter Lippmann foi o mais sábio e enérgico porta-voz do ideal da
objetividade. Em Public O pinion , ele explicou o impulso emocional por
trás da busca pela objetividade: “Conform e a nossa mente se torna mais
profundamente consciente de sua própria subjetividade, encontramos
uma satisfação no método objetivo que não está senão ali”86. Lippmann
estava preocupado com a subjetividade dos fatos e, ao mesmo tempo, es
perançoso em relação à profissionalização do jornalismo já em 1919.
Em um ensaio para o Atlantic M ontbly , mais tarde reeditado sob o título
Liberty and the New s (1 9 20 ), L ippmann avisava que “a atual crise da de
mocrac ia ocidental é uma crise no jorna lismo” . Poderia a dem ocracia so
breviver num mundo onde “a fabricação do consenso é uma empresa
privada não regulamentada?” A questão da imprensa atingia o coração
do governo democrático:
85. " The Press and the Public" . The NewRep ub / ic , 90,17/03/1937 , 188. A prop agação das colunas
sindicadas de Washing ton não foi u niversalmente aplaudida. Os Lynds estavam cautelosos ém
relação a sua inf luência sobre o pensam ento local ind ependen te em Midd letow n. Cf. Midd le town in Transit ion. Op. cit., 377378. Raymond Clapper, em uma coluna escrita em 1936, reconheceu
qu e as colunas sindicadas eram " um a bênção confu sa para o editor " , po tencializando a inclinação
dos escritores da página editorial de deixar o julgamento para os comentaristas. Cf. CLAPPER.
Watching the World. Op. cit., p. 3637. Na 16a convenção da A m er ican So c iet y o f Ne w sp ap er Ed i-
tors, em 1938, a seguin te resoluç ão foi propo sta e debatid a, apesar de, por f im , acabar sendo d er-
rotada: "Esta sociedade vê no crescente uso pela imprensa das colunas sindicadas de opinião e
interpretação pelas quais os jornais não assum em nenh um a respons abil idade uma am eaça ao
pensam ento in depend ente do leitor. Temiase que a opinião prédigerida, adoçada com retórica e
enfeitada com pro nu nciamento s olímpicos, pudesse vir a ser aceita por muitos leitores com o um
sub stituto fácil para a realidad e do s fatos e o p ens amen to in divid ual". Cf. AM ERICAN SOCIETY OF
NEWSPAPER EDITORS. Problems of Journa lism, 1938, p. 157162.
86. LIPPMANN. Publ ic Opin io n . Op. cit., p. 256.
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Descobrindo a notícia 179
[ ...] h om ens q ue perd eram o contro le sobre os fatos relevan-
tes de seu am bient e são as vítimas inevitáveis da agitação e
da propaganda. O impostor, o charlatão, o chauvinista e o
terror ista só p od em f lorescer onde o pp bl ico se encontra pr i-
vado de um acesso independente à informação. Mas onde
todas as notícias vêm de segunda mão, on de todo testem u-
nho é incerto, os hom ens d eixam de r espo nd er às verdades
e respondem simplesmente a opiniões. O ambiente em que
atuam não é a realidade em si, mas o pseudoambiente dos
relatos, dos ru m ores e das suposições. A referência de todo
o pensamento passa a ser o que alguém afirma, não o que realmente é87.
Lippmann acreditava que a “ciência” podia ter uma solução: “Há
apenas um tipo de unidade possível num mundo tão diverso como o nos
so. É a unidade do método, em vez da meta; a unidade do experimento
disciplinado”88. Em term os práticos, Lippmann sugeria que isso pudesse
significar uma legislação para coibir a falsa documentação, a identificação das fontes das notícias nas reportagens, a criação de institutos de
pesquisa não partidários, o estabelecimento de uma agência internacio
nal de notícias apartidária e a profissionalização do jornalism o - de algu
ma maneira, seria necessário elevar a dignidade da profissão e planejar
um treinamento para jornalistas “no qual o ideal do depoimento objeti
vo seja primordial”89.A ânsia pela profissionalização no jornalismo não começou com
Lippmann. Por várias décadas, os jornalistas haviam buscado meios para
tornar a sua profissão mais respeitável. Joseph Pulitzer, por exemplo, fun
dou a Escola de Jornalismo de Colúmbia (Columbia School o f Joum a
lism), em 1 90 4 (embora ela não tenha aberto suas portas até 1 91 3). Críti
cos dentro da profissão atacaram com a afirmação de que uma faculdadede jornalismo estabeleceria uma distinção de classes no mundo dos jornais.
Pulitzer respondeu que era isso exatamente o que ela deveria fazer - esta
belecer uma distinção entre o adequado e o inadequado: “Precisamos de
87. LIPPMA NN, W . L iber ty and t he New s . N ova York : Harc ou rt , Brace, and Ho ne, 1920, p. 5,
5455.
88. Ibid., p. 67.
89. Ibid., p. 82.
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180 Coleção Clássicos da Comunicação Social
um sentimento de classe entre os jornalistas - baseado não no d inheiro,
mas na moral, na educação e no caráter”. Os jornalistas devem imitar os
advogados e médicos e encontrar, na solidariedade da profissão, indepen
dência dos interesses dos endinheirados. Se há um tom razoavelmente an-
tipopular na acepção de uma profissão, em Pulitzer ele é, além disso, deci
sivamente anticomercial. A escola de jornalismo, escreveu ele, “deve ser,
em minha concepção , não apenas não comercial, mas também anticomer
cial”. O jornalismo deve ter todos os louros do profissionalismo:
Gostaria de dar início a um movimento que elevará o jorna-
lismo ao nível de uma profissão erudita, crescendo na apro -
vação da com un idade com o outras profissões, muito m enos
im po rtan tes para o interesse púb lico , têm cresc ido 90.
O que era original em Lippmann, então, não era o interesse na pro
fissionalização, mas as razões para defendê-la. Alguns críticos, especial
mente Upton Sinclair, em TheBrass Check (1 91 9), ainda viam uma ameaça direta ao jornalismo honesto nos interesses pessoais dos editores c o
merciais e anunciantes. O problema que Lippman identificara era, tal
vez, mais grave. Para L ippmann, o jornalism o não tinha que ser resgata
do dos capitalistas, mas de si mesmo. Com Charles Merz, um editor as
sociado do New York World , Lippmann escreveu uma celebrada crítica
sobre a cobertura que o N ew York Times dera à Revolução Russa. Depoisde revelar o viés antibolchevista da cobertura do Times, Lippmann e
M erz concluíram:
A notícia como um todo é dom inada pelas expec tat ivas dos
profissionais que compuseram a organização jornalística [...].
No geral, as notícias sob re a Rússia são um exem pl o d o q ue
signi fica enxerg ar não aqu ilo q ue era real, mas o que as pes-
soas queriam ver [...] . O principal censo r e o principal d efen -sor eram as expectativas e os temo res na cabeça dos repó r-
teres e editores91.
90. PULITZER, J. " The College of Jou rnalism " . Nor th Am er ican Rev iew, 178, mai./1904, p. 657.
Cf. tb. o memorando original de Pulitzer, de ago./1902, BAKER, R.T. His tory o f the Graduate
Schoo i o f Journal ism. Nova York: Columbia University Press, 1954, p. 2325.
91. LIPPMANN, W. & MERZ, C. "A Test of the News", suplemento da The Ne w Repub l ic , 23,
04/08/1920, p. 3.
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Descobrindo a notícia 181
Lippmann e Merz sugeriam que os repórteres fossem preparados
com uma educação mais séria e um conhecim ento mais especializado. A
razão para a defesa de um novo profissionalismo foi o fato de terem conhecimento da subjetividade da reportagem - e de suas conseqüências92.
Lippmann e Merz explicitaram o fundamento filosófico de sua críti
ca em uma resposta aos críticos. E les comentaram que haviam sido criti
cados simplesmente por ter mostrado que a natureza humana é frágil e
que repórteres e editores de jornais, como todo mundo, cometem equí
vocos. E responderam:
Mesm o adm itind o toda a acusação contra a natureza hum a-
na, qual é a moral? Que tudo caminha para melhor, no me-
lhor dos mundos possíveis, ou que a fragilidade da natureza
hum ana requ er honesta e persistente atenção? Uma vez que
o ser hum ano é um a pob re testemunh a, que faci lmente per-
de as pistas, é facilmente iludido pela inclinação pessoal e
profundamente inf luenciado por seu ambiente social, não
parece que uma constante avaliação da notícia, e uma cres-
cente autocon sciência so bre as principais fon tes de erro, se-
jam uma par te necessár ia da filosofia dem ocrát ica? 93
Concluíram, então, que, “quanto m aior a acusação contra a confia
bilidade do testemunho humano, tanto mais urgente é a avaliação cons
tante, tão objetiva quanto possível, destes resultados. Q uand o você considera o quão profundamente dependente da notícia é o mundo moder
no, a fragilidade da natureza humana se torna um argumento não para a
complacência e a apologia, mas para a vigilância eterna”94.
92. Ibid ., p. 4142. Cf. tb . MENCK EN, H.L. Jor nali sm in Am eric a, 1927. In: CA IRNS, H. (org.). The
A m er ic an Scen e. (Nova York: Al f red A. Knopf , 1965). Mencken argumentou: "A maior ia dos
males que con t inuam a a torm entar o jo rna l ism o nor teamer icano ho je na verdade não são de-
v idos à malandragem dos propr ietár ios e nem m esmo ao est i lo b om bást ico k iwaniano dos ad-
minist radores, mas única e exclu s ivam ente à estupid ez, à covardia e ao f i l is teísm o d o t rabalho
dos jornal is tas" . Não havia unanim idade s obre este ponto. A v isão d e Lip pm ann foi cr i t icada
em MA CY, J. Jo urn alism . In: STEA RNS, H. (org .). Civi i izat ion in Un i ted States. Nova York: Har
cou rt , Brace, 1922, p. 3551. Macy , um ed ito r l i terário do Boston Hera/d , a rgum entava que os
empregadores, e não os repórteres, eram os responsáveis pela s i tuação do jornal ismo nor-
teamer icano. "Paradoxalmente" , escreveu ele, "o jornal is ta é o único que pode fazer pouco
ou nada para melh orar o jornal ismo ".
93. LIPPMANN, W. & MERZ, C. "A Test o f the News : Som e Crit ic isms" . The N ew Republ ic 24,
08/09/1920, p. 32.
94. Ibid., p. 33.
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182 Coleção Clássicos da Comunicação Social
A receita de Lippm ann para os males do jorna lismo era a ciência. Ele
acreditava que a busca do método científico no jornalismo tornaria a im
prensa não só mais profissional, mas mais liberal e heróica. O liberalismo significava uma abertura, ele escreveu - permanecendo livre na m en
te e na ação diante das transformações circunstanciais, sem se deixar pa
ralisar pelo ceticismo. A pessoa que assume o espírito liberal faz um es
forço “para se manter desembaraçada e livre de seus pré-julgamentos ir
racionais, irrefletidos e inadm itidos”95. Para Lippmann, isso era um tipo
de heroísmo. Heróis, convencionalmente, imprimem suas personalidades no mundo; o heroísmo dos ídolos de Lippmann reside na recusa de
seus heróis em agir assim. Em um diálogo escrito em 1928, Lippmann
usou um dizer socrático:
A lgum a vez você já parou para pen sar o que ac ontec e quan-
do um ho m em adquire o espírito científico, o que isso signifi-
ca? Significa que está pronto para deixar as coisas serem o
que d evem ser, independ entemente de ele querer ou não que
sejam assim. Significa que conquistou seu desejo de que o
m un do desculp e seus preconceitos. Significa qu e aprend eu a
viver sem o apoio de qualquer crença [...]. Não existem mui-
tos ho mens dessa espécie em nenhu ma época96.
Os “ácidos da modernidade” têm desgastado a fortaleza da religião,
escreveu Lippmann em A Preface to Morais (1929). Mas a ciência puraera a encarnação moderna dos principais ensinamentos da religião supe
rior. A virtude, como Lippmann a definiu, é a capacidade de responder a
situações de maior complexidade e trechos mais longos de tempo, inde
pendentemente de prazeres ou desprazeres imediatos; é a recusa em
acreditar nos próprios gostos e desejos como a base para a compreensão
do mundo. Desap ego, altruísmo, m aturidade: estas são as marcas da m o
ralidade, e elas são melhor exemplificadas no “hábito do realismo o bjeti
vo” do cientista97.
95. LIPPMANN, W. "The Press and the Public Opinion". Po/it icaf Science Quarterly, 46, jun./
1931, p. 170.
96. LIPPMANN, W . A m er ic an In q u is ito rs . Nova York: Macmillan, 1928, p. 46.
97. LIPPMANN , W. A Pref ac e to Mo rais . Nova York: Macmillan, 1929, p. 222224 [reimpressão:
[s.l.]: Time Incorporated, 1964.
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Descobrindo a notícia 183
Os escritos de Lippmann fornecem a mais sofisticada base lógica
para a objetividade como um ideal no jornalismo. Não se pode deduzir
de sua obra que os repórteres diários, mesmo se eles expressam lealdadeV >
ao ideal da objetividade, atribuem a ela o mesmo significado atribuído
por Lippmann. É bastante provável que muitas vezes o seu conceito de
“objetividade” fosse simplesmente a aplicação de um novo rótulo para o
empirismo ingênuo a que os repórteres da década de 1890 chamaram
“realismo”. Ainda assim, mesmo entre jornalistas menos filosóficos do
que Lippmann, ocorreu uma mudança importante. Nos anos de 1890,os repórteres raramente duvidavam da possibilidade de escrever realisti-
cam ente; na década de 19 30 , mesmo os jornalistas comprometidos com
a objetividade reconheceram que a reportagem objetiva era, em última
análise, uma meta inatingível - os perigos da subjetividade foram bem
reconhecidos. Quando Leo C. Rosten entrevistou correspondentes de
Washington para uma tese de doutorado no período entre 19 35 e 1 93 6,interpretou a “objetividade” como um termo familiar e usou-o em sua
lista de questões. Por exemplo, ele pediu aos repórteres que replicassem
a seguinte afirmação:
É quase im possível ser objetivo . Você lê seu jornal, observa
os editoriais, é elogiado po r algum as repo rtagens e crit icado
por outras. Voc ê " co m preend e a polít ica" do jo rnal e é psico-
logicamente direcionado a predispor os seus art igos de
acordo com ela.
Quarenta e dois repórteres concordaram com essa declaração, 24
discordaram e 4 ficaram em dúvida98. Tanto a questão de Rosten quanto
as respostas são interessantes. A questão indica que a objetividade era
tida como um ideal con trário à realidade da própria subjetividade do re
pórter, embora aqui essa subjetividade seja entendida como algo mais in
fluenciado pela sugestão editorial, e não pela predisposição pessoal. A
resposta é a prova de que, ao menos entre a elite jornalística de Washing
ton, havia um grande ceticismo sobre se o ideal da objetividade seria, ou
talvez até pudesse ser, alcançado. O próprio Rosten argumentava que “A
98. ROSTEN, L.C. The Washington Correspondents. Nova York: Harcourt, Brace, 1937, p. 351.
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184 Coleção Clássicos da Comunicação Social
‘objetividade’ no jornalism o não é mais viável do que a objetividade nos
sonhos”. Ele escreveu:
Visto que a objetividade absoluta no jornalismo é uma im-possibilidade, a herança social, os "reflexos profissionais", o
temperamento individual, e o status econômico dos repór-
teres assu mem uma im po rtância fun dam ental99.
Até a metade da década de 1930, o termo “objetividade”, desconhe
cido no jornalismo antes da I Guerra Mundial, parece ter sido a lingua
gem comum. Foi um termo lançado para lá e para cá nos debates daequipe da Time e da Fortune, nos anos de 1930100. Ele teve uma partici
pação significativa perante a Suprema Corte dos Estados Unidos em
1937, quando Morris Ernst representou a American Newspaper Guild
como testemunha do tribunal no caso Associa ted Press versus National
L abo r Relations Board (Conselho N acional de Relações Trabalhistas). O
N ational Labo r Relations Board estabeleceu que a Associated Press haviademitido um repórter por sua lealdade à N ewspaper Guild, enquanto a
AP alegou tê-lo dispensado por escrever notícias tendenciosas pró-traba-
lhistas. Ernest comentou:
[ ...] a Cons tituiç ão não garan te a ob jetivid ade da imp rensa,
nem a ob jet iv idad e é alcançável num m und o sub jet ivo; e a
questão [...] realmente levantada não é se a notícia será im-
parcial, mas antes que t ipo de parcial idade irá distorcer a notícia101.
A Guild havia sido organizada, em 1933 , com o uma associação para
a equipe editorial dos jornais e outras publicações. Quando, em 1937, a
Guild aprovou uma série de resoluções políticas, encontrou uma diver
gência substancial entre seus próprios associados, e Walter Lippmann,
membro da associação, resignou-se sobre a questão. Mas foi a existênciada Guild como uma associação militante, e não sua posição política, o
que impeliu os editores a combatê-la e a usar o grito de “objetividade”
99. Ibid., p. 149150.
100. ELSON, R.T. Tim e Inc. Nov a York: Ath eneu m , 1968, p. 319.
101. Apud HARRIS, H. A m er ic an Lab or. New Haven: Yale University Press, 1938, p. 185. A Su-
prem a Corte sustentou a posiç ão do Cons elho Nacional de Relações Trabalhistas {Nat ional La
b or Relat ions Bo ard). Cf. A ss o c iated Pr es s versus Nat io nal Labo r Relat ions Bo ard, 301, 1937,
U.S. 1147.
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Descobrindo a notícia ........................................................................................................................................ 185
como arma. Em 1937, a American Newspaper Publishers Association, a
American Society ofN ew spapers Editors (Sociedade Americana de Edi
tores de Jornais) e outros nove grupos de editores se reuniram para “discutir o fechamento do escritório como uma questão de princípio jorna
lístico e público, e não como uma questão econômica”. No entanto, sua
preocupação pareceu claramente se opor ao poder do sindicato:
Este serviço essencial da imprensa ("uma apresentação im-
parcial da notícia") para o público só pode ser realizado
apropriadamente quando os responsáveis pela publicação
são livres para escolher as pessoas que julgam ser melhor
qu alifi cadas para relatar e edi tar as no tícias102.
A posição política da Guild dava mais munição aos editores. Eles de
clararam que não entregariam as notícias a “nenhum grupo já compro
metido como organização sobre questões públicas altamente controver
sas”. Afirmavam falar em honra dos mais altos ideais do jornalismo:
Não negamos que as causas requerem defensores e que
um progresso se or igina do talento dos que advogam.
Igu almente im po rtante para a soc iedade, po rém, são aque-
les que relatam a cena co ntro versa. É trab alho do jornalista
fazer isso, não com o u m p art idár io, mas co m o u m ob serva-
dor o b je ti vo 103.
Em bora os editores tenham usado o ideal da objetividade em críticasà Guild, não há razão para crê-los responsáveis pelo seu desenvolvimen
to. Eles recorreram a um padrão cuja autoridade independente já havia
sido estabelecida.
Embora a objetividade, na década de 1930, fosse um articulado va
lor profissional no jornalismo, esta era uma concepção que parecia se
desintegrar tão logo fosse formulada. A objetividade tornou-se um idealno jornalismo, não obstante, precisamente quando a impossibilidade de
superar a subjetividade na apresentação da notícia passou a ser ampla
mente aceita e, como afirmei, precisamente porque a subjetividade pas
sara a ser considerada com o inevitável. Desde o início, en tão, a crítica do
“mito” da objetividade tem acompanhado a sua enunciação. A objetivi
102. E d i t o r a n d P u b U s h e r , 70, 03/07/1937, p. 3.
103. Ibid., p. 4.
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186 Coleção Clássicos da Comunicação Social
dade no jornalismo parece ter sido destinada a se tornar tanto um bode
expiatório como uma crença, e mais uma defesa inábil do que uma afir
mação direta. A crença na objetividade é menos central para o jornalis
mo norte-americano do que a base em que se enraizou. Essa base, na
qual tanto os defensores como os opositores da “objetividade” no jorna
lismo se erguem, é o relativismo, uma crença 11a arbitrariedade dos valo
res, a sensação do “profundo silêncio” da modernidade, para o qual o
ideal da objetividade foi a única resposta.
Se tomamos como uma hipótese de trabalho a proposição de que a
história das ideias é uma história de conceitos, identificando as condi
ções sociais que se tornaram problemáticas, então podemos ver as cor
rentes culturais das décadas de 1920 e 1930 como uma resposta à crise
da sociedade de mercado democrática. Enquanto a democracia e o mer
cado continuavam a se expandir formalmente, a extensão dos privilégios
e da propriedade do capital, paradoxalmente, mais do que nunca parecia
separar as pessoas do poder. A crença na democracia e no mercado esta
va estremecida. Ao lado do questionamento dessas instituições centrais,
havia também o questionamento da visão implícita de que indivíduos in
dependentes, votando numa democracia, tomariam a decisão certa, e in
divíduos independentes, descobrindo os fatos de uma forma casual, re
velariam a verdade. A visão se desvaneceu. Os sistemas não funciona
ram. Os indivíduos independentes, que supostamente deveriam ser os
componentes do sistema, não existiam. As corporações, e não indivíduos,
controlavam a oferta e a procura; as máquinas, não os eleitores, contro
lavam as eleições; as editoras poderosas e as necessidades do entreteni
mento de massa, não a busca da verdade, governavam a imprensa.
Essa, ao menos, era a percepção inicial, o ponto de vista da Era Pro
gressista. Por volta dos anos de 1920, o desencanto era mais profundo.
O poder corporativo havia substituído a empresa na economia; na ver
dade, até mesmo vestígios de uma visão do capitalismo do século XIX
eram difíceis de encontrar. Os proprietários não controlavam seus negó
cios - especialistas administravam as empresas, enquanto os cidadãos to
mavam parte na economia como consumidores a ser manipulados. Na
política, em que as máquinas estavam superadas, elas eram substituídas
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Descobrindo a notícia
por organizações políticas mais abstratas, formais e remotas. Além disso,
na política e nos negócios, pensadores liberais estavam chegando à con
clusão de que esse era a único jeito de que as coisas pudessem, talvez, V. )
funcionar. Democratas liberais tornaram-se elitistas liberais. Era neces
sário destruir a democracia e o mercado, talvez - ou assistir à sua auto-
destruição -, para salvá-los.
A percepção progressista da sociedade norte-americana era crítica e
problemática, mas esperançosa; a visão do pós-guerra era menos críticae mais acomodada, por ser, também, muito menos otimista. Aqueles que
outrora haviam acreditado no progresso passaram a duvidar dele. Expe
rimentava-se uma profunda perda da confiança. No entanto, até mesmo
isso deu origem a novas visões e planos. O ideal da objetividade no jor
nalismo, como os ideais associados no direito e nas ciências sociais ao
mesmo tempo, havia sido fundado na convicção de que a perda da cren
ça era irrecuperável. Esta era uma peculiar e instável dialética, para a
qual Karl Marx pode ter encontrado a metáfora apropriada em A ideolo-
gia alem ã :
Se em toda ideologia os homens e suas relações surgem de
cabeça para baixo, co mo em uma câmara escura, esse fen ô-
meno decorre, então, tanto de seu processo histórico de
vida quanto a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida físico.
Os jornalistas passaram a acreditar na objetividade, na dimensão em
que o fizeram, porque queriam, precisavam, foram forçados pela aspira
ção humana comum a buscar uma fuga de suas próprias convicções pro
fundas acerca de dúvida e direção. A nossa época, escreveu Thomas
Mann, é um tempo que não oferece nenhuma resposta satisfatória àquestão do “Por quê?” ou “Para quê?” Esse não é um pronunciamento
que se possa olhar fixamente por muito tempo sem piscar. Certamente, a
objetividade como um ideal tem sido usada, e ainda é usada, mesmo de
forma dissimulada, como uma camuflagem para o poder. Mas a sua ori
gem está num nível mais profundo, em uma necessidade de encobrir não
a autoridade nem os privilégios, mas a decepção no olhar moderno.
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Objetividade, tratamento da notícia
e crítica da cultura
Nos anos 1960, a “objetividade” tornou-se um termo de abusos. Nadécada de 1930, os críticos que haviam atacado a objetividade honraram a
reportagem interpretativa como uma maneira de manter a posição profis
sional num mundo que havia superado a brusca abordagem da “mera apu
ração dos fatos”. Mas, nos anos 1960 , a finalidade do profissionalismo em
si havia se tornado suspeita. Os críticos afirmavam que o planejamento ur
bano criava favelas, que as escolas formavam pessoas estúpidas, que a medicina provocava enfermidades, que a psiquiatria inventava a doença
mental e que os tribunais promoviam a injustiça. Intelectuais, até pouco
tempo vistos como a fonte do conselho imparcial, foram apelidados de
“novos mandarins”, enquanto os responsáveis pelas políticas de governo
eram chamados “os melhores e mais brilhantes”, num tom da mais indeli
cada ironia. E a objetividade no jornalismo, considerada como um antídoto para a parcialidade, passou a ser encarada como a parcialidade mais in-
sidiosa, dentre todas. Porque a reportagem “objetiva” reproduzia uma vi
são da realidade social que se recusava a examinar as estruturas básicas do
poder e do privilégio. Ela não era apenas incompleta, como sustentavam
os críticos dos anos 1930, mas distorcida. Representava uma conivência
com instituições cuja legitimidade fora contestada. E havia uma intensa
urgência moral nesta visão. Ao final dos anos 1960, muitos consideravam
presunçosa demais a garantia habitual de Walter Cronkite de que “as coi
sas são assim mesmo” e, a ela, preferiam o desafio do “conte as coisas do
jeito que elas são” - como se a realidade a ser relatada fosse muito selva
gem para ser domada pela gramática.
“A objetividade é um mito”, declarou a repórter Kerry Gruson, do
Raleigb Observer , e muitos jovens jornalistas compartilharam a sua vi
são. Sydney Gruson, pai de Kerry e assistente de edição no New York Ti-
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Descobrindo a notícia 189
mes, alegou, em oposição: “Talvez eu seja antiquado, mas reconheço
muito nitidamente a autenticidade das colunas de notícia. A objetividade
pura pode não existir, mas você tem que lutar por ela de qualquer maneira”. Os comentários dos Grusons foram reunidos por Stanford Sesser
no Wall Street Journal, no outono de 196 9. Sydney Gruson havia rejeita
do o pedido, solicitado por 308 empregados do Times, de uso do auditó
rio da companhia para uma discussão durante a moratória de 15 de ou
tubro contra a Guerra do Vietnã. Kerry Gruson acreditava que a decisão
do pai estava equivocada. Ela própria vestiu uma faixa negra no braçodurante a cobertura jornalística do 15 de outubro1.
O artigo do Journal foi uma peça determinante para o conflito de
gerações da forma como ele acontecia no jornalismo norte-americano
no final dos anos 1 960 - um conflito entre os velhos que defendiam a
objetividade e os jovens que a atacavam; entre aqueles que haviam luta
do na II Guerra Mundial e os nascidos na afluência e ansiedade da guerrafria; entre os relutantes em abandonar o apoio à política norte-ame
ricana no Vietnã e aqueles fartos dela; entre as responsabilidades institu
cionais dos jornais poderosos e a bravata individual de jovens repórteres.
Não menos importante, o artigo do Journal era ele próprio uma parte do
jogo: nos anos 1960, como nunca antes, a própria redação da notícia era
um tópico para a cobertura jornalística.
Vimos um conflito de gerações no jornalismo, anteriormente. Os
editores da década de 1890 treinaram repórteres para deixar suas opi
niões de fora em suas reportagens, e os jovens repórteres se rebelaram
contra essa disciplina. Editores e repórteres, de maneira persistente, têm
diferentes tarefas na mão, diferentes interesses a defender e diferentes
ambições a satisfazer; os jornalistas mais jovens e os mais velhos estão
em diferentes etapas em suas carreiras e têm preocupações diferentes.
Não é surpreendente que essas diferenças tendam a produzir atitudes
correspondentemente diferentes ao se relatar a notícia.
Mas, no passado, o ressentimento de jovens repórteres contra edito
res era ocasionado apenas por um conflito de interesses no trabalho. Ele
1. SESSER, S. "Journalists: Objectivity and Activism". Wall Street Jou rnal , 21/10/1969. Reim
presso na íntegra em Quill, 57, dez./1969, p. 67.
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190 Coleção Clássicos da Comunicação Social
não estava conectad o a correntes políticas mais amplas, nem se expressava
em uma linguagem política. Na década de 1 960 , no entanto, a rebelião ge-
racional era parte de uma crise cultural generalizada. Jovens repórteresainda desejavam expressar sua paixão e estilo pessoal na imprensa, mas a
sua insubordinação às práticas relativas à “notícia convencional” emergiu
mais como um sério desafio político do que como um estágio adolescente
na passagem para o profissionalismo. Os jovens repórteres não apenas
exigiram um jornalismo mais ativo, um jornalismo “participante” e cético
a respeito dos relatos oficiais dos assuntos públicos; eles também alegaramincisivamente que o jornalismo tinha sido há muito tempo participante
demais. A “notícia factual” não era apenas monótona e restritiva - ela era,
em si, uma forma de participação, uma cumplicidade com as fontes oficiais
cuja característica mais alarmante era alegar com tanta hipocrisia estar aci
ma de considerações partidárias ou políticas.
Na década de 19 60 , poder-se-ia, ainda, criticar um jornal por seguira tendência de seu editor ou a deliberada predisposição de sua equipe
editorial. E muito dessa crítica era merecida. Mas a crítica mais original
dessa década acentuara, em vez disso, que os jornalistas eram “políti
cos”, involuntariamente ou mesmo a contragosto. Seu impacto político
não estava naquilo que abertamente defendiam, mas nos pressupostos
inexplorados nos quais baseavam sua prática profissional e, acima de
tudo, em sua conformidade em relação às convenções da reportagem
objetiva. Sob esse ponto de vista, a objetividade era não um ideal, mas
uma mistificação. A obliquidade do jornalismo não estava no viés exp lí
cito, mas na estrutura social da coleta de notícias, que reforçava as pers
pectivas oficiais da realidade social. D e modo corresp ond ente, os jornais
dessa década - especialmente aqueles de maior prestígio, mais pod ero
sos e com mais recursos para se dedicar à coleta de notícias - buscaramautonomia em relação à visão oficial e promoveram o que M ax Frankel,
do New York Times, qualificara como “um conceito diferenciado do que
é notícia”2. Há mais reportagem interpretativa ou “análise da notícia”,
mais jornalismo investigativo ou “empreendedor” e mais tolerância em
relação a novas variedades de recurso de escrita. M as por que nessa épo
2. Apud SIGAL, L.V. Repo rters an d Off icia/s. Lexington, Mass.: D.C. Heath, 1973, p. 68.
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Descobrindo a notícia
ca a crítica sobre a forma convencional da coleta de notícias era tão agu
çada e por que novas ideias e novas instituições no jornalismo teriam en
contrado tanto apoio quanto o que obtiveram?Sugerirei, neste capítulo, que duas condições tornaram a nova crítica do
jornalismo possível e popular e, assim, fizeram as mudanças no conteúdo
dos jornais parecerem desejáveis. Primeiro, houve uma ampliação da
administração da notícia pelo governo, e uma crescente conscientização a
respeito disso. Já foi dito muitas vezes, e sem hesitação, que todos os go
vernos mentem e que todos os presidentes desde George Washington tentaram enganar a imprensa e iludir o público3. O mínimo de verdade em
tais afirmações obscurece o fato de que a gestão da informação foi uma
função organizada e financiada pelo governo, com quadro de pessoal do
governo, por apenas 60 anos. Entretanto, somente a partir da II Guerra
Mundial, a importância e o relativo isolamento de um estabelecimento de
segurança nacional e de uma “presidência imperial” tornaram a política
de notícias do governo, especialmente em matéria de política externa, o
centro simbólico da relação entre o governo e a imprensa.
A segunda base para novos progressos no jornalismo foi o surgimen
to, na década de 1960, de uma “cultura de oposição”. Essa cultura ad
versária, ou crítica, negava ao governo o nível de confiança que ele espe
rava e garantia um público para um jornalismo mais agressivo e mais cé
tico. A colisão, no final dos anos 1960 , entre a administração da notícia ea cultura adversária durante a Guerra do Vietnã, mudou o jornalismo de
um jeito significante e, penso eu, duradouro, e é sobre isso o que a seção
final deste capítulo irá refletir.
O governo e a imprensa: “Tratamento da notícia”
A Conferência de Paz de Paris, em 1919, simbolizou a relação mo
derna entre governo e imprensa. Ela minou a autoimagem da imprensa
3. A qu i eu d iscordo igu al m en te de um a af irm aç ão com o a de Joe McGinn iss (“ A política, num
certo sent ido , sem pre foi um j og o d e i lusão") e a de Richard J. Barnet ("A tradição da administra*
ção da notícia nos Estados Unido s vem desd e os dias de George Washin gto n" ). Cf. Mc GINN IStf Ji
The SeHing o fth e President 1968. No va York: Trid ent Press, 1969 [Pocket Books, 1970], p, 19i •
BARNET, RJ. The Roots o f War. Balt imore: Penguin Books, 1972, p. 271.
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192 Coleção Clássicos da Comu nicação Social
como um ator principal na tomada de decisões, no exato momento em
que a imprensa estava mais encantada com seus próprios poderes. As
guerras são boas para os jornalistas, como para os generais. Depois daguerra, contudo, editores e repórteres se descobrirarm não com o parcei
ros do governo, mas instrum entos do governo . Eles eram valorizados - e
temidos - não por sua capacidade de representar a opinião pública, mas
pelo seu poder de controlá-la.
Ray Stannard Baker, um exmuckraker que fora assistente de Woo
drow Wilson em Paris dirigindo o American Press Bureau, o gabinete de
imprensa norte-americana, expressou as grandes expectativas do quarto poder:
Um fato se destaca na Conferência de Paz de Paris como
algo dist int ivo e determinante: o de que os povos do mun-
do, os cidadãos, estavam ali representados e organizados
co m o n unca antes em q ualq uer conferência de paz. Em co n-
gressos mais antigos, os diplomatas ocupavam o palco
tod o, n egociando , arranjando e secretamente fechand o acor-dos; mas, na democracia parisiense, como o deus cego na
peça de Dunsany, o próprio público vem pesada e brusca-
mente, p odero samente, ocu par o palco4.
Quando Baker falava em “cidadãos” e “democracia”, ele se referia
aos repórteres de jornais e agências de notícias. Era típico do pensam en
to liberal da década de 1920 que a imprensa fosse vista como a própriaencarnação do governo democrático. A cobertura de imprensa da Con
ferência de Paz, na visão de Baker, estava por inaugurar uma nova era na
diplomacia mundial. Daquele momento em diante, a política nacional
teria que ser formulada na presença da opinião pública, e tendo em vista
a necessidade de aprovação do público.
O próprio Baker ficara decepcionado , então, com o fato de as negociações em Paris acabarem envoltas em segredo. Ele sabia que a promes
sa de Wilson de “inaugurar acordos de paz obtidos de form a aberta” sig
nificava apenas, como Wilson explicara, “que nenhum acordo secreto
deveria ser estabelecido”, e não que “não deveria haver discussões priva
4. BAKER, R.S. Woo drow Wi lson and W or ld Set t /ement . 2 vols. Londres: Wil l ian Heíneman,
1923, 1, 116.
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Descobrindo a notícia 193
das sobre questões difíceis”5. Baker não se opunha a que os governos
mantivessem alguns de seus encontros confidenciais em relação ao pú
blico leitor de notícias, mas criticou Wilson por mantê-los secretos paraa imprensa. “Já foi provado diversas vezes”, afirmou ele, “que nenhum
grupo pode ser mais totalmente confiável para guardar uma confidência
ou usá-la sabiamente do que a classe dos correspondentes de jornal ex
perientes - se são informados de modo honesto e se se acredita neles, em
primeiro lugar”6.
Paris não assinalou uma nova era na abertura diplomática tão decisivamente quanto Baker esperara, mas anunciou uma nova relação entre a
imprensa e o governo de uma forma que ele não havia antecipado, por
que fez da própria publicidade uma questão política central. Pela primei
ra vez na história da política externa norte-americana, o debate político
local afetava não apenas o mérito das decisões do governo, como tam
bém o modo como o governo tomava as decisões. A política externa começou a se aclimatar; a legitimidade do processo, assim como a eficácia
dos resultados, tornaram-se uma questão. Na primeira semana da Con
ferência de Paz, correspondentes norte-americanos escreveram em pro
testo contra Wilson, em relação às regras de sigilo que os comissários de
paz tinham adotado, e Joseph Tumulty, em Washington, advertiu o pre
sidente sobre a desconfiança que sua adesão ao sigilo produziria. Cincomeses mais tarde, havia conflito sobre a liberação pública do projeto do
tratado, e o Senado aprovou uma resolução solicitando a Wilson que
transmitisse a proposta ao Senado. Do começo ao fim, a publicidade era
uma questão política de primeira importância7.
Esse recurso pacífico para a gestão da notícia foi um marco nas rela
ções entre governo e imprensa. Apenas alguns anos antes, em 1913, oCongresso havia proibido as agências do governo de contratar pessoal
5. Ap ud BAKER. Woodrow Wi lson. Op. cit., p. 137.
6. Ibid., p. 150.
7. Cf. Baker (Woodrow Wilson. Op. cit., p. 139ss.) para um a discussão so br e a qu estão da pu bli-
cidade na abertura da con ferência. Para a con trovérsia sob re a l iberação do projeto d o tratado,
cf. PAXSON, F.L. A m er ic an Dem o c rac y an d th e World War Postwar Years: Norm alcy,
19181923. Nova York: Cooper Square Publishers, 1966, p. 108 [Berkeley: University of Califór-
nia Press, 1948].
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194 Coleção Clássicos da Comun icação Social
de relações públicas. Mesmo o investimento governamental em publici
dade com a Comissão de Informação Pública era visto como excepcio
nal, uma emergência de guerra, e a Com issão foi desmantelada quando ocombate terminou. Mas, na Conferência de Paz de Paris, o governo
“controlou” a notícia de um modo organizado e autoconsciente. Isso
produzia a impressão exagerada, como nada o teria feito antes, de que a
gestão da notícia pelo governo seria uma condição perm anente da socie
dade moderna.
Conforme as relações públicas do governo se expandiam nas déca
das de 1920 e 1930, os críticos de Roosevelt e do New D eal atacavam o
crescente envolvimento do governo na publicidade. Handout, um livro
publicado sob pseudônimo em 1935, por dois jornalistas de Washing
ton, atacaram o “sistema de censura e propaganda” de Roosevelt*. As
acusações eram exageradas e com pouco fundamento, mas Elmer Davis,
em uma crítica no New York Times, ainda assim escreveu:O único po nto válido é este: qu e a admin istração Roosevelt,
imitando as grandes empresas nos anos de expansão eco-
nômica, implantou em cada departamento um gabinete de
im prensa po r meio d o qual a notícia é canalizada, em v ez de
perm it ir aos jornal istas q ue falem diretamente com os fun -
cion ários sub ord inados [...] . Isso não era to talm ente ig no ra-
do em Was hin gto n antes de 1933; mas a atual adminis tração tem estendid o a prática de fo rm a substancial, o que, sem d ú-
vida, tornou mais difícil aos jornalistas chegar à verdade9.
A evidente insatisfação de Davis com as relações de imprensa de Roo
sevelt era moeda corrente no mundo do jornalismo - uma aceitação relu
tante da publicidade do governo. Mas era uma aceitação. Os editores se
opunham a Roosevelt, mas os repórteres sentiam-se bem tratados porele, e o corpo de imprensa de Washington mostrava-se favoravelmente
disposto tanto ao presidente como às suas políticas. Coube a um crítico
de Roosevelt, Henry Luce, o proprietário da Time>Life e da Fortune^ su
8. MICHAEL, G. Handou t . Nova York: G.P. PutnarrTs, 1935, p. 233.
9. DA VIS, E. " The N ew Deal's Use of Publicity ' ' [New York Times, 19/05/1936), crít ica de Geo rg e
Michael [Handout. Nov a York: G.P. PutnanrVs, 1935). Cf. tb. KROCK, A. "Press vs. G o v er n m e n t A
Warning" . Publ ic Opinion Quarter ly , 1, abr./1937, p. 4549.
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gerir que a nova relação entre governo e imprensa levantava questões de
extrem a importância para a liberdade de imprensa. Em 1942 , Luce suge
riu a Robert M. Hutchins, reitor da Universidade dê' Chicago, que em
preendesse um estudo sobre liberdade de imprensa. Quando a Comissão
sobre a Liberdade de Imprensa (Comm ission on Freedom o f the Press)
foi estabelecida, em 1944, Luce disse à Editor & Publisher que o signifi
cado de “liberdade de imprensa” já não era óbvio. A principal preocupa
ção de Luce era que “o grande governo” controlava a notícia por meio
de suas atividades de publicidade, não tan to pela censura à noticia quan
to por inundar a imprensa com informações. Poderia uma imprensa do
minada pelos esforços de relações públicas do grande governo ainda ser
considerada uma imprensa livre? Luce esperava que a Comissão explo
rasse a questão10.
Mas a Comissão não agiu assim. Sua declaração geral, A Free and
Responsible Press (“Uma Imprensa Livre e Responsável”), não tratou da
questão, absolutamente. Seu Government and Mass Communications
(“Governo e Comunicação de Massa”), um estudo de dois volumes es
crito por Zechariah Chafee, dedicou setecentas páginas ao uso de pode
res do governo para reprimir a com unicação ou incentivá-la, mas menos
de setenta páginas para o tóp ico do próprio governo com o um m embro
das comunicações. Mesmo aqui, Chafee se concentrou tantas vezes na
comunicação direta do governo com os cidadãos, especialmente por
meio de filmes, quanto na comunicação com o povo, por meio da im
prensa. Em momento algum a Comissão discutiu os modos pelos quais,
dia a dia, a realidade social representada no jornal é construída e recons
truída através da interação entre jornalistas e funcionários públicos.
O caso bizarro do Senador Joseph McCarthy fez das relações entre
repórteres e funcionários um centro de atenção no jornalismo. De acor
do com muitos críticos do senador, naquele tempo e posteriormente,
M cC arthy fez sua breve e espalhafatosa carreira política com base numa
astuta manipulação da confiança dos repórteres nos funcionários públi
cos em relação às notícias, e das normas da objetividade como um guia
10. Editor & Pub lish er, 11, 08/04/19 44, p. 7, 56.
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para a redação jornalística. Douglass Cater, por exemplo, criticou os
“padrões congelados” da cobertura de imprensa relativa a McCarthy,que dera a ele mais atenção do que merecia. Um desses “padrões conge
lados” era a distinção entre a reportagem convencional e a reportagem
interpretativa. Enquanto o repórter interpretativo procura um pano de
fundo para a reportagem, descobre motivos para as ações e localiza
questões paralelas, o repórter convencional aceita passivamente o teste
munho público. A notícia factual era o estoque de mercadorias das agências de notícias e da maioria dos repórteres; a reportagem interpretativa
era o trabalho de “uns poucos privilegiados”. Cater observou que havia
reportagem interpretativa de qualidade sobre McCarthy, porém ela ra
ramente era adquirida e reimpressa, uma vez que não era considerada
notícia baseada em fatos, mas uma “propriedade privada do escritor”.
Os repórteres convencionais abasteciam a maior parte do país com suasnotícias sobre McCarthy, escrevendo sobre suas mentiras e acusações
sem comentar se suas denúncias eram verdadeiras ou não. O repórter
factual, concluiu Cater, é um “repórter com camisa de força”11.
A maioria dos observadores concordava com essa avaliação. Ri-
chard Rovere, que fizera uma cobertura sobre McCarthy para o New
Yorker , mais tarde escreveu sobre o controle da publicidade por parte deMcCarthy, de sua habilidade em manipular os repórteres “como cães de
Pavlov”. Os repórteres se irritavam com o fato de as suas normas de tra
balho exigirem que publicassem “notícias” que se sabiam falsas. Mas não
abandonaram as convenções e, de fato, Rovere concluiu que a imprensa
havia feito bem em sustentar a sua tradição:
[...] Suspeito que não haja nenhuma direção mais infalível
para uma imprensa corrupta e sem valor do que autorizar os
repórteres a dizer aos leitores quais "fatos" são realmente
"fatos" e quais não são. Certamente naqueles países onde
esta é a prática, a imprensa serve ao público menos bem do
que a nossa12.
11. CATER, D. "The Captive Press". The Repórter, 2, 06/06/1950, p. 18.
12. ROVERE, R. Senador Joe McCarthy . Nova York: Harco ur t/Brace, 1959, p. 166. Cf. tb . MA Y, R.
"Is the Press Un fair to McCarthy?" The New Republic 127, 20/04/1953.
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O fenômeno McCarthy causou um estremecimento na imprensa,
mas não abalou os modelos de reportagem estabelecidos. Realmente, a
grande e crescente preocupação nas décadas de 1950 e 1960 não dizia
respeito ao legado de um senador demagogo, mas à cada vez mais cen
tralizada administração de notícias pelo Poder Executivo. Embora não
houvesse, aqui, uma questão de demagogia, ainda havia um sentimento
de ameaça no rápido surgimento, após 1945, do “estado de segurança
nacional”. O estado de segurança nacional, conforme Daniel Yergin o
definiu, é “um modelo unificado de atitudes, políticas e instituições”,
projetado para preparar a nação para um conflito internacional perma
nente, a guerra fria13. Yergin se concentra no estado de segurança nacio
nal como uma “Ideia de Comando” - mais uma doutrina do que um con
junto de instituições. Mas ele é, naturalmente, ambas as coisas. Ao longo
dos últimos trinta anos, a doutrina de preparação contra uma ameaça
comunista externa (e, às vezes, interna) promoveu e foi, por sua vez, re
forçada por várias instituições poderosas. Estas incluem os militares e os
clientes industriais e científicos, cada vez mais dependentes delas; as
agências de inteligência, sem precedentes antes da II Guerra Mundial, e
tão importantes na promulgação da política exterior como na prestação
de informações para os decisores políticos; e a própria presidência, uma
força que nunca se mostrara tão esmagadora, tão autônoma em relaçãoao Congresso, ou tão “imperial” em alcance e ambição.
A política externa não só parecia mais centralizadamente organiza
da do que nunca no ramo executivo do governo, como também no to
cante aos assuntos nacionais. Os Estados Unidos eram finalmente, de
forma plena e entusiasmada, o primeiro poder do mundo. Havia pouca
tolerância para o isolacionismo do pós-guerra; as relações exteriores haviam assumido uma projeção que a aparência de paz não poderia desviar.
13. YERGIN, D. ShatteredPeace. Boston: Houghton Mifflin, 1977, p. 5. Cf. tb. ROURKE, F.E. The
United States. In: GALNOOR, I. (org.). Governm ent Secrecy in Democracies. Nova York: Harper
Colophon, 1977, p. 113128. • SCHLESINGER J r.f A. The Im per ial Presidency . Nova York: Popu-
lar Library, 1974. • WISE, D. The Po/itics of Lying. Nova York: Random House, 1973. • HODGSON, G. Am er ican in Ou r Time. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1976. • BOROSAGE, R.
The Making of the National Security State. In: RODBERG, L.S. & SHEARER, D. The Pentagon
Watchers. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970, p. 363.
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Assim, no exato momento em que o público e a imprensa tinham cada
vez mais razões para se interessar pela política externa, as novas institui
ções de segurança nacional frustravam os esforços para compreendê-la.
O governo norte-am ericano, há muito reconhecido por sua abertura em
comparação aos governos da Europa, deslocou o controle da política ex
terna para as agências mais afastadas da observação pública. Havia um
acordo, no bom sentido do termo. A imprensa, como o Congresso, sim
patizava com a ideologia da guerra fria e raramente questionava os pres
supostos de uma doutrina de segurança nacional. Mas, novamente, as
sim como o Congresso, a imprensa queria entrar no jogo e não estava
contente em permanecer à margem do poder.
Em 1955, James Reston, testemunhando perante um comitê do
Congresso a respeito de informação do governo, cunhou o termo “ad
ministração da notícia”14. Muitos consideraram a expressão adequada
para o manejo da imprensa pela administração Eisenhower. Quando Ei-
senhower estava num hospital de Denver recuperando-se de uma trom
bose coronariana, membros de seu gabinete voavam ostensivamente
para Denver a fim de consultá-lo. Na verdade, eles estavam em Denver
apenas para expor ao público a informação errônea de que o presidente
ainda era capaz de desempenhar as funções do cargo. A imprensa sabia
da fraude, mas não a revelou. Russel Baker observou:Porque a tradição do jornal norteamericano o obriga a co-
m un icar com expressão séria o que quer que seja dito po r al-
guém posicionado em um alto cargo, ele foi incapaz de su-
14. Reston usou a expressão " administ rar a not íc ia" em depo imen to p erante um com itê do Con-
gresso: " A maior ia dos meus colegas aqui" , d isse ele, " tem falado p r inc ipalmente sob re a re-
pressão à notícia. Eu go staria de direcio nar o com itê, se me p erm item, a um aspecto igualm ente
imp ortante deste pro blem a que eu consid ero ser a crescente tend ência para a adm inistraç ão da
notícia" [Avai /ab i/i t y o f In form at ion f rom Federa l Depar tments and Agenc ies , pt. 1) {" Dispo nib ili-
dade de Informação d e Departamentos e Agências Federais" ), Audiências diante de um subco
mitê do Comitê sobre Operações do Gov erno {Com m it tee on Gov ernment Operat ions) , Câmara
dos Deputados, 07/11/1955 (Washingto n: Go vern m ent Print ing Off ice, 1956, p. 25). Reston leva
crédito, em um a entrevista de 28 de janeiro de 1965, por ter cunhado a frase crédito qu e outras
auto rid ades p arecem pen sar qu e ele merece. Para a entrevis ta, cf. BERDES, G.H. Fr iend ly A dver-
saries : The Press and Go vernm ent. Milw aukee: Center for th e Study of the Americ an Press/Mar
qu ette University Co llege of Jou rnalism , 1969, p. 92. Cf. tb. "U.S. Suppr ession of News Char ged" (Ne w York Times, 08/11/1955), que cita a visão do editor d o Washington Post , J. Russell
Wiggins, de que o s ig i lo do Departamen to de Defesa e do Con selho de Seguranç a Nacional era
"ameaçador" .
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gerir quaiqu er elem ento de farsa no desfi le dos ministros d o
gabinete a Denver. E, assim, num certo sentido, a imprensa
foi seduzida por sua própria m oralid ade15.O
O mestre da administração de notícias no governo de Eisenhower
era o Secretário de Imprensa James Hagerty. Num perfil para a Esquire,
em 1959, Joseph Kraft escreveu sobre “o perigoso precedente de James
Hagerty”. Kraft descrevia o saco de truques de Hagerty para conseguir
que a administração fosse retratada sob a luz mais favorável, tais como
anunciar testes de mísseis bem-sucedidos na Casa Branca e falhas no
campo de prova. Kraft parecia julgar isso ameaçador, mas não podia di
zer exatam ente o po rqu ê16. Hagerty “administrava” a notícia - e Kraft
utilizava o termo ainda novo entre aspas -, mas Kraft, embora conside
rasse a expressão desagradável, não tinha uma outra linguagem em que
pronunciar o equívoco. Havia ressentimento aqui, mas não revolta.
Outro acréscimo ao léxico do jornalismo veio em 1961, quando o
historiador Daniel Boorstin sugeriu o termo “pseudoevento” para se re
ferir aos acontecimentos planejados “com o propósito imediato de se
rem relatados ou reproduzidos”. Deste modo, um acidente de trem é um
evento real, mas uma entrevista é um pseudoevento. Um pseudoevento,
explicou Boorstin, poderia ser destinado a convencer, mas sua lógica era
completamente diferente do raciocínio da propaganda:
Os pseudoeventos recorrem ao nosso dever de ser instruí-
dos; a propagand a recorre ao nosso desejo de ser estimula-
dos. Enquanto a propaganda substitui op iniões por fatos, os
pseudoeventos são fatos sintéticos que in stigam as pessoas
ind iretamente, ao criar a base " factual" so bre a qual se presu -
me que elas tom em suas decisões. A propaganda as incita de
for ma direta, ao, expli cit amente, tirar con clusões por elas17.
Nos Estados Unidos, como vimos, pseudoeventos podem ser ras-
treados ao final do século X IX e do “jornalismo de açã o” de Hearst e Pu
litzer. Mas, para Boorstin, o trabalho de relações públicas de Edward
15. BAKER, R. A n A m er ican in Wash ing ton . Nova York: Knopf, 1961, p. 8183.
16. KRAFT, J. " The Dangerous Pr eced ent of James Hagerty". Esquire, 51, ju n ./1959, p. 94. Cf. tb.
BAKER. A n A m er ican in Was hington. Op. cit., p. 7584.
17. BOO RSTIN, D. The lmage . Nova York: H arper and Row, 1961 [Har per Colo ph on , 1964, p. 34].
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Bernays foi o arquétipo dos pseudoeventos. Ele sugere que é somente a
partir do início do século X X que “uma proporção cada vez maior danossa experiência, daquilo que lemos, vemos e ouvimos, passou a cons
tar como pseudoeventos”18.
Os jornalistas reclamavam, mas não contestavam as rotinas de admi
nistração de notícia do governo e a criação de pseudoeventos. A preocu
pação sobre estas questões era episódica, não cumulativa, e não produ
ziu respostas institucionalizadas. Nos anos 1960, porém, alguma coisamudara, não tudo de uma vez e nem, absolutamente, de um modo gene
ralizado. Mas alguns jornalistas estavam chocados com as mentiras do
governo acerca dos voos de um U-2 sobre a União Soviética, em 1960;
alguns permaneciam incomodados com a atormentada aquiescência do
New York Times em relação à administração Kennedy, ao amenizar a co
bertura da iminente invasão da Baía dos Porcos, em 1961, e muitos repórteres e editores se mostravam assustados com as declarações de
Arthur Sylvester, porta-voz do Pentágono durante o governo Kennedy
(e, mais tarde, Johnson), que defendera a administração do noticiário na
crise dos mísseis cubanos, em 1962. Em uma coletiva de imprensa em 30
de outubro de 1962, Sylvester argumentou que “no tipo de mundo em
que vivemos, a geração de notícias sobre ações tomadas pelo governo
torna-se uma arma numa situação de tensão. Os resultados justificam os
métodos que usamos”19. Um mês mais tarde, falando na filial de Nova
York da Sigma Delta Chi , a fraternidade honorária do jornalismo, ele co
locou a questão de modo ainda mais incisivo: “Acho que o direito ine
rente ao governo de mentir - mentir para salvar a si mesmo, quando
confrontado com o desastre nuclear - é básico, básico”10.
18. Ibid., p. 12.
19. Citado em Editor & Publisher, 10/11//19 62 ,12. Cf. tb. "Use of Press As Weapon in Blo ckadels
Debated". Editor and Publ isher, 03/11/1962, p. 11, 59.
20. A declaração de Sylv ester surgiu em uma série de variantes, numa amp la variedade de publi -
cações. Para uma avaliação da forma como a citação tem sido usada e abusada na imprensa, cf.
GERSHEN, M. " The 'Rígh t to Lie" '. Co/umbia Journalism Heview, 5, invern o, 19661967, p. 1416.
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O quarto poder ficou indignado21. Mas por quê? A própria impren
sa fora usada para - se não mentir - ao menos cooperar em não dizer averdade, para servir ao interesse nacional. Em 1,956, os jornais nor
te-americanos recusaram um convite do governo chinês para enviar cor
respondentes à China porque, como recorda o editor do New York TT
mes , Clifton Daniel, “nós não queríamos constranger nosso governo”22.
Editores e repórteres do Washington Post e outros jornais sabiam a res
peito da espionagem aérea sobre a União Soviética bem antes do incidente do U-2, mas, em favor dos interesses da segurança nacional, como
entendiam isso, preferiram não escrever nada23. O Times se ocupou du
rante semanas de uma reportagem sobre o “Projeto Argus”, um progra
ma do governo envolvendo a detonação de artefatos nucleares no espa
ço sideral, antes dos testes realmente começarem. Afinal, o Times publi
cou-a somente quando os testes foram concluídos, mas parecia que aNewsweek iria publicá-la primeiro24.
Em 1961, editores do Miami Herald pediram ao repórter David
Kraslow para eliminar sua reportagem sobre o treinamento de forças do
exílio cubano na Flórida, com o chefe da CIA, Allen Dulles. A reporta
gem de Kraslow nunca foi publicada25. A colaboração do New York Ti-
mes com a administração Kennedy, ao abrandar o relato da emergenteinvasão da Baía dos Porcos, é bem conhecida26. Por que, então, deveria a
declaração de Sylvester sobre o direito de mentir do governo ter soado
tão ofensiva, se a imprensa fora usada para agir, por conta própria e em
cooperação com funcionários do governo, para abafar ou ocultar parci
almente as notícias?
21. Cf.; p. ex., as freqüentes referênc ias a Sylvester no Nieman Reports 16 (dez./1962), e o sim-
pósio Administração da Notícia no Nieman Reports , 17 (mar./1963). Por outro lado, quando
Sylvester terminara de respo nder às perguntas acerca de seu discurso sobr e o " direito de men -
tir" , a platéia de jornalistas se levanto u e o aplaudiu. Cf. Editor and Pubiisher, 15/12/1962, p. 54.
22. DANIEL, C. "Responsability of the Repó rter and Editor" . Nieman Reports, 15, jan./1961, p. 14.
23. ROBERTS, C.M. First Rough Draft. Nova York: Praeger, 1973, p. 171.
24. RIVERS, W.L. The Opinionm akers. Boston: Beacon Press, 1965, p. 8485.
25. " TheCIA's 3Decade Effor tto Mo ld th e World 's VÍews" ./Vew/orA :7'/mes, 25/12/1977, p. 12.
26. Cf., p. ex., TALESE, G. O Reino e o Poder [The Kingdom an d the Pow er]. Nova York: World
Publishing, 1969, p. 56, 8, 28 [Bantam Books, 1970].
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202 Coleção Clássicos da Comunicação Social
Em parte, a resposta é, simplesmente, que a declaração de Sylvester
ameaçava o papel da imprensa como o “quarto braço do governo”27. A
gestão da notícia em si não era inquietante - a administração da notícia,
afinal, é a atividade diária da imprensa e os repórteres há muito têm pu
blicado bem menos do que sabem sobre a política e a vida pública28. A
gestão da informação pelo governo é o que a imprensa combatia. Para a
imprensa, cooperar com o governo em manter a notícia longe do públi
co era uma coisa; para o governo, manter a inform ação longe do alcance
da imprensa era outra bem diversa.
O que tornou o com entário de Sylvester ainda mais preocupante foi
o fato de ter cruzado uma tênue linha moral que a imprensa sentia obri
gação de patrulhar. Talvez fosse ruim para o governo guardar a inform a
ção a salvo da imprensa, ao se esquivar; era, com certeza , ruim para o go
verno mentir abertamente, mas ainda pior para o governo anunciar seu
“direito” de mentir. Havia ao menos essa virtude sobre a hipocrisia,
quando o governo mentia enquanto afirmava estar dizendo a verdade:
se a imprensa descobrisse a mentira, isso poderia humilhar o governo. A
declaração de Sylvester colocava o governo acima do constrangimento.
No meio e no final dos anos 1960, os repórteres começaram a sus
peitar de que a filosofia crua de Sylvester houvesse realmente se tornado
uma prática cotidiana do governo. Acima de tudo, a Guerra do Vietnã
foi o que drenou a reserva de confiança entre o governo e a imprensa.
“Os frutos do sylvesterismo no Vietnã são de conhecimento público”,
escreveram Staughton Lynd e Tom Hayden29. E assim foi. Até mesmo
um homem que servira como oficial de informação pública para a Mis
são Norte-Americana em Saigon entre 1962 e 1963, John Mecklin, re
conheceu em Mission in Torment (1965) que, embora não acreditasseque nenhum agente norte-am ericano responsável em Saigon alguma vez
tivesse dito “uma mentira muito grande” a um jornalista, era, não obs
27. CATER, D. The Four th Branch o f Government . Boston: Houghton Mif f l in, 1959.
28. Uma primeira declaração está em STEALEY, 0.0. Twen ty Years in th e Press Gai/ery [Nova
York: Publishers Print ing, 1906, p. 4] , on de Stealey escreve que os co rrespon dentes de Was -
hington sabem mais do que eles pub l icam, mas mantêm segredo.
29. LYND, S. & HAYDEN, T. The Oth er Side. Nova York: New A m erican Library, 1966, p.11.
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tante, verdade que “havia um sem fim de mentirinhas sendo contadas”30.
Mecklin considerava que a Missão Norte-Americana estava numa posi
ção particularmente difícil para negociar com a imprensa. Por um lado,os próprios oficiais norte-am ericanos eram enganados; eles depositavam
muita confiança no governo Diem e espalhavam a informação precária
que obtinham de Diem. Além disso, a posição dos Estados Unidos era
excepcionalmente delicada, porque o apoio norte-americano para o Viet
nã nunca havia sido popular, uma vez que a intervenção dos Estados Uni
dos no país em 1961 claramente violava o Acordo de Genebra de 1954, eporque - especialmente depois da Baía dos Porcos - havia um receio em
alimentar a propaganda anti-imperialista e antiamericana. Afinal, obser
vou Mecklin, os esforços norte-am ericanos em lidar com a imprensa eram
prejudicados pela atitude do regime de Diem, que “reagia aos jornalistas
como se fossem uma substância estranha na corrente sanguínea, em in-
controláveis convulsões”31. Tudo isso tornara os oficiais norte-ameri
canos desconfiados em relação aos repórteres, na melhor das hipóteses, e,
algumas vezes, abertamente hostis, bem antes que houvesse qualquer opi
nião na imprensa contra o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã. O
que se mostrava distinto, num primeiro momento, não era o desempe
nho da imprensa, mas a atitude do governo32. Nesse cenário, os repórte
res que simplesmente davam seguimento às suas funções convencionais
foram obrigados a entrar em conflito com o governo.
Uma circunstância que atraiu grande atenção foi a visita do corres
pondente do New York Times , Harrison Salisbury, a Hanói, em dezem
bro de 1966. Para Salisbury, ir a Hanói significava uma outra “primeira
vez”: ele havia sido o primeiro jornalista norte-americano a visitar a Si
béria e a Ásia Central pós-Stalin e o primeiro a visitar a Albânia após a II
Guerra Mundial. Mas não era apenas mais uma “primeira vez”. Por um
30. MECKLIN, J. Mission in Torment . Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965, p. 113. Mais tarde,
ho uve grand es mentiras, tam bém . Por exem plo , a ideia de que a ret irada n orteamericana preci-
pitaria um " banho de sangue" era uma h istória de horr or plantada na imp rensa pela CIA e " con
ju rad a fora do ar " , de ac ordo com Fran k Snep p , ex anal is ta da CIA , c itad o p or Seym ou r Hersh
em "ExAnalista diz que CIA em Saigon Transmit iu Informações Falsas aos Jornalistas" (New
York Times, 21/11/1977).
31. MECKLIN. Missão em tormento. Op. cit., p. 107.
32. GEYELIN, P. "Vietnam and th e Press: Limited War and an Op en Society". In: LAKE, A. The Vietnam
Legacy. Nova York: New York University Press, 1976, p. 172.
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204 Coleção Clássicos da Comunicação Social
lado, os únicos ou tros visitantes notáveis dos Estados Unidos em H anoi,
em meados dos anos de 1960, eram ativistas antiguerra. Herbert Apthe-
ker, Thomas Hayden e Staughton Lynd estiveram em H anói, por exem plo, em uma bem-divulgada visita um ano antes de Salisbury. Mas, por
outro lado, os relatos de Salisbury em Hanói, ao contrário de seus regis
tros da Sibéria ou Albânia, não eram apenas a respeito de Hanói, mas
também sobre os Estados Unidos; não foram entregues a um público ig
norante , mas a um público que vinha sendo regularmente inform ado so
bre o Vietnã do Norte pelo governo norte-americano. E as narrativas deSalisbury, no mínimo, puseram em dúvida a veracidade das declarações
do governo. O Departamento de Defesa insistia repetidas vezes que o
bombardeio do Vietnã do Norte envolvia alvos militares. Salisbury escre
veu que alvos civis haviam sido gravemente feridos pelos bombardeios:
Seja qual for a explicação, podese ver que os aviões dos
Estados Unidos estão lançando uma carga eno rm e de exp lo-
sivos co ntra alvos pu ramente civis. O que qu er que possa ou
pud esse ter havido em Nam din h: são os civis que estão sen-
do punidos.
Se isso não estava suficientemente claro, Salisbury foi mais longe:
O procedimento anunciado pelo Presidente Johnson, em
que os alvos norteamericanos no Vietnã do Norte são de
aço e co nc reto, em vez de vidas hu manas, parece ter pou ca
co nexão com a realidade dos ataques desferidos po r aviões
dos Estados Unidos33.
Os relatos de Salisbury foram contestados pelo governo e, de fato,
Salisbury não escapou à censura do Washington Post e Washington Star
como instrumento da propaganda de Hanói. Ainda assim, sua narrativa
alterou o que ele chamou de “o padrão de aceitação” daquilo que podia
ser legitimamente considerado como notícia. Dentro de um ano, asagências de notícias podiam citar “fontes de inteligência” que afirmavam
que o bombardeio do Norte danificara estruturas civis34.
33. N ew York Times, 27/12/1966. Para o relato de Salisb ury s ob re suas viagens, cf. SAL ISBURY,
H.E. Behin d the L ines-Hanoi . Nova York: Harp erand Row, 1967.
34. B OYLAN, J. "A Salisbury Chronicle" . Columbia Journ alism Review, 5 , in verno de 19661967, p.
1014. Cf. tb. ARONSON, J. The Press and The Cofd War. Indianápolis: BobbsMerrill, 1970, p.
254261.
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Descobrindo a notícia 205
Nos anos 1960, todo desempenho jornalístico que escapasse ao ma
nejo da notícia chamava a atenção para a gestão da notícia. Mais do que
nunca, a continuação da história da imprensa era a história da própria im
prensa em seus esforços para buscar a notícia. O poder da narrativa de Sa-
lisbury estava tanto em sua revelação das mentiras do governo nor
te-americano como em sua descrição dos sofrimentos do povo vietnamita.
O conteúdo dos jornais do Pentágono era chocante o suficiente, mas os es
forços da administração de Nixon para suprimir a sua publicação mostra
ram-se muito devastadores. Os eventos que levaram à invasão da sede do
Comitê Nacional Democrata, em Watergate, foram terríveis, mas a tentati
va de “mascará-los” se revelou ainda mais assustadora.
Quando W alter Lippmann escreveu Public Opinion , em 1922, argu
mentou que a função da notícia é “sinalizar um evento”, enquanto a fun
ção da verdade é “trazer à luz fatos ocultos e relacioná-los uns com os
outros”35. Somente quando as condições sociais assumem forma identifi
cável e mensurável, escreveu ele, a verdade e a notícia coincidem. Lipp
mann reconhecia que os jornais não tinham especial acesso à verdade -
sua responsabilidade era publicar a notícia, e eles só estariam aptos a pu-
licar notícias superiores se o governo e as agências independentes de in
formação pudessem lhes fornecer dados mais confiáveis. Mas, a partir
dos anos de 1 920 , tornou-se cada vez mais claro que essa era uma visão
estreita demais sobre o que deveria ser a notícia, especialmente se a “cre
dibilidade” do governo e das “agências independentes” estivesse em dú
vida. Se os eventos são espontâneos, ocorrências fortuitas; se são uma
amostragem relativamente imparcial dos “fatos ocultos”, então um jor
nal podia se satisfazer em relatar as notícias e sentir que havia feito um
trabalho importante, de forma responsável. Mas se os próprios eventossão construídos, e construídos por indivíduos e instituições com a maior
riqueza e poder da sociedade, então reportar a notícia não é apenas fazer
uma abordagem incompleta da verdade, mas também distorcida. C om a
ascensão das relações públicas na década de 1920, com a crescente per
cepção do governo de que ele pode trabalhar melhor ao gerenciar a no tí
35. LIPPMANN, W. Publ ic Opinion. Nova York: Macmillan, 1922, p. 226 [Free Press, brochura,
1965].
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20 6 Coleção Clássicos da Comunicação Social
cia, e com a conscientização cada vez maior da imprensa de que ela tem
que lidar com a manipulação das notícias em grande escala, ficou mais di
fícil para o jornalista consciente se satisfazer com a simples busca da notí
cia. C om a capital do país e a política externa cada vez mais atuando com o
o centro simbólico das questões públicas, Washington e a correspondên
cia internacional ofereciam os postos de trabalho de maior prestígio no
jornalismo, e as frustrações na reportagem da política externa se desloca
ram para o âmago da acepção que o jornalismo fazia de si mesmo.
O nascimento de uma cultura crítica
O termo “cultura adversária” foi usado por Lionel Trilling em 1965,
para descrever “a intenção subversiva” que distingue a escrita moderna.
Do final do século XVIII em diante, de acordo com Trilling, a literatura
no Ocidente teve o “claro propósito de separar o leitor dos hábitos de
pensamento e atitude que a cultura mais ampla impõe, de lhe oferecer
uma base e uma posição de vantagem a partir das quais se possa julgar e
condenar, e, talvez revisar, a cultura que o produziu”56. Esse impulso na li
teratura atingiu o seu auge no início do século XX. A evolução, desde en
tão, tem sido em escala: desde os anos 1930, um grande número de pessoas
passaram a aceitar a ideia da cultura adversária como realidade.
Esse argumento da cultura de oposição se sustenta na efervescência
política e cultural dos anos de 196 0. A ênfase de Trilling nos núm eros é
importante: depois da II Guerra Mundial, as matrículas no ensino supe
rior cresceram formidavelmente; no final dos anos de 1 950, após o cho
que do Sputnik, a excelência educacional tornou-se uma meta social de
alta prioridade; pelo início dos anos de 1960, o professor universitário
havia atingido um status e um salário desconhecidos pelas gerações ante
riores de acadêmicos. Quando a geração do baby boom do pós-guerra
ingressava na faculdade, em meados dos anos de 1960, a mais pessoas, e
de modo inédito, estavam sendo oferecidas “uma base e uma posição de
vantagem a partir das quais se possa julgar e condenar e, talvez, revisar”.
36. TRILLING, L. Beyon d Cu/ture. Nova York: Viking, 1965, p. xiixil i.
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Descobrindo a notícia 20 7
A aceitação dessa posição de vantagem foi possível graças a uma re
velação de importância central: a intensidade da guerra fria declinou
após a crise dos mísseis cubanos37. A assinatura do tratado de proibiçãodos testes nucleares, no verão de 1963 , permitiu respirar àqueles que an
davam prendendo a respiração por vinte anos. O enfraquecimento da
guerra fria criou espaço para a crítica se estabelecer e encontrar um pú
blico e o tempo para a criação de instituições próprias. A comoção na
cional pelos assassinatos de John Kennedy, Martin Luther King Jr . e Ro-
bert Kennedy fez com que a crítica parecesse não apenas possível, masessencial. Um mundo perceptível estava se desfazendo naquilo que “apa
rentava ser” - não se podia confiar nas aparências. O s assassinatos não
faziam sentido. Símbolos de segurança contra a ameaça comunista - a
CIA e o FBI. - cada vez mais pareciam uma ameaça em si. Eram uma fon
te de ansiedade e insegurança, não só para estudantes radicais, como
para legisladores moderados. Até o Presidente Lyndon Johnson estavaconvencido de que a CIA. tinha envolvimento no assassinato de John
Kennedy. Mesmo a bandeira norte-americana mudara seu significado,
tornando-se um símbolo mais partidário que nacional.
As pessoas mais jovens, cuja antipatia ao comunismo havia sido her
dada, não adquirida, podiam questionar seus pontos de vista ou se desvi
ar deles. E eles descobriram, à medida que começaram a criticar o governo e, especialmente, as instituições da política externa, que tinham um
público receptivo. Era um público erudito. Um público universitário. A
primeira dissidência amplamente observada referente à guerra do Vietnã
veio à tona em sem inários patrocinados por estudantes e docentes de fa
culdades e universidades. Mas a desconfiança no governo não se limita,
absolutamente, aos jovens e instruídos. A desconfiança cresceu dramaticamente em todos os grupos durante os anos 1 96 0. Em 195 8 , 24 % da
população acreditava que “você não pode confiar que o governo faça o
que é certo”, enquanto 57 % tinham o mesmo pensamento em 1 97 3; em
1958 , 18 % consideravam que o governo era conduzido para o benefício
de poucos, enquanto que 67% comungavam da mesma opinião em
37. David Halbers tam p rova seu po nto d e vista em " Press and Pré\uá\ce". Esqu ire, 81,abr. /1974,
p. 114.
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197338. Ao mesmo tempo que os eleitores se tornavam mais atentos aos
políticos, engajavam-se com mais frequência em campanhas políticas e
desenvolviam pontos de vista mais consistentes sobre questões de natureza política, houve um declínio acentuado na identificação com os par
tidos políticos. Isso se mostrava especialmente verdadeiro entre os elei
tores mais jovens. Como o cientista político Norman Nie e seus colabo
radores haviam assinalado, os novos votantes que se juntaram ao eleito
rado nos anos 196 0 estavam menos vinculados aos partidos que os neoeleito-
res de qualquer período an terior: 5 3% dos eleitores de 21 a 25 anos, em1 9 7 3 , autodenominavam-se “independentes”, em comparação com ape
nas 25 % do grupo com parável, em 1 95 2 39. E as questões-chave de or
dem política da década de 1 96 0 , em vez de incentivar esses novos eleito
res a se identificar com partidos, enfraqueceram seu compromisso com
os partidos e a política convencionais. Na visão de Nie, conflito racial,
Vietnã e Watergate levaram o público a se afastar dos partidos, contribuindo para que se tornasse antagônico ao sistema político40.
Assim, enquanto a cultura da crítica encontrava mais líderes e mais
seguidores no ensino superior, nos anos 1960, havia também uma ten
dência, aparentemente de longo prazo, em direção a uma maior sofisti
cação p olítica e análise crítica do governo por parte de uma parcela subs
tancial da população. A educação superior por si só não promove dissidência - certamente ela não o fez nos anos de 195 0 . Por que, então, a
desconfiança no governo cresceu nos anos 1960? Os estudiosos das pes
quisas de opinião pública não estão certos. Eles têm certeza apenas de
que a desconfiança era m aior entre os jovens, e estão inclinados a acredi
38. NIE, N.H. & VERBA , S. & PETROCIK, J.R. The Changing Am erican Voter. Cambrid ge: Harvard
University Press, 1976, p. 278.
39. Ibid., p. 60.
40. Ibid., p. 350. Outras con sideraçõ es relevantes sobre a mu danç a no eleitorado no rteam erica-
no incluem: CONVERSE, P.E. Change in the American Electorate. In: CAMPBELL, A. &
CONVERSE, P.E. The Hum an M eanin g o f Soc ia l Change. No va York: Russell Sage Found ation,
1972, p. 263337. • MILLER, A.H. "Polit ical Issues andTrust in Government: 19641970". A m er i
can Po/ i ticaf Science Review , 68, set ./1974, p. 951972. • CITRIN, J. "C om m ent: The Polit ical Re
levance of Trust in Government" . A m er ic an Po li t ical Sc ien ce R ev iew , 68, set ./1974, p. 97398 8. •
A res posta de A rthu r H. Mil ler {Am er ican Pol i t ical Science Review , 68, s et./1974, p. 9891001).
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Descobrindo a notícia 209
tar que a principal causa do declínio da confiança no governo era o fato
de o próprio governo mostrar-se menos merecedor de crédito.
É um equívoco, portanto, definir a cultura “advçrsária” do final dosanos 1960 como uma atitude essencialmente hostil em relação ao gover
no ou identificá-la com um pequeno e voluntarioso grupo de estudantes
e esquerdistas. Daniel Patrick Moynihan com eteu ambos os erros em um
ensaio na Commentary , em 1971, em que argumentava que a tradição
muckraking no jornalismo norte-americano havia sido poderosamente
reforçada pela “cultura adversária” dos jovens das classes média e alta,que estavam cada vez mais sendo recrutados para o jornalismo. O resul
tado dessa elevação do status social do jornalismo, continuava Moyni
han, foi “que a imprensa avança cada vez mais influenciada por atitudes
genuinamente hostis à sociedade e ao governo dos Estados Unidos”41.
Mas “hostil” não deve ser confundido com “crítico” ou mesmo “contra
ditório”. Além disso, se as classes altas estavam se tornando cada vezmais críticas em relação ao governo, assim também as classes mais baixas
se comportavam. A cultura adversária não é uma cultura antinomiana,
em bora, sem dúvida, tenha proporcionad o um terreno fértil para a irres
ponsabilidade e o irracionalismo. Também não é exclusivamente uma
cultura de elite, embora gozasse de alto índice de aceitação nos anos de
1960, entre os grupos de elite, e ali seja mantida pela arte modernista e aliteratura de que falava Trilling.
A cultura crítica afetou profundamente o jornalismo. Houve um
efeito direto: os jornalistas eram cidadãos, também, suscetíveis às mes
mas correntes culturais, como qualquer outro grupo. Os mais jovens,
com o as pessoas mais jovens em geral, com menos m em ória e menos in
vestimento nos pressupostos culturais da guerra fria, foram mais atingidos. E os jornalistas, especialmente os que cobriam a política nacional,
foram afetados de forma mais profunda do que a maioria dos cidadãos,
porque confiavam e se interessavam mais pelo governo. Enquanto a tra
dição muckraking tem sido há muito honrada na imprensa, o muckra-
king atual sempre foi singular, e mesmo os muckrakers têm se concentra
41. MOYNIHAN, D.P. "The President and the Press". Commentary , 51, mar./1971, p. 43.
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do, de form a característica, nas hipocrisias e corrupções do governo, em
lugar de pressupostos subjacentes ou estruturas de poder. Os jornalistas
geralmente tendem a se sentir politicamente envolvidos e influentes -
menos, e não mais alienados que a população em geral42. A divisão na
cultura política norte-americana tocara profundam ente, com força espe
cial, todo cidadão exceto os jornalistas. Para eles, aquilo era como um
trauma no coração e, ao mesmo tempo, uma erupção constantemente ir
ritante na pele de sua vida profissional.
A cultura crítica também tocou os jornalistas de forma indireta. Por
um lado, os jovens recrutados para o serviço público nos anos 19 60 tam-
bém desconfiavam do governo. Os jornalistas não “impunham” uma
cultura adversária em sua reportagem política - eles reagiam a uma pos
tura crítica que encontravam em suas fontes. Na verdade, Richard Har-
wood, editor nacional do Washington Post, argumentou que a imprensa
não se tornou notavelmente mais “adversária” na última década, masque, ao contrário, um “Novo Estabelecimento” assumiu o poder e to
mou uma posição adversária por si mesmo4í. Assim, havia um jornalis
mo adversário dentro dos salões do próprio governo. Um grupo de em
pregados no Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano,
por exem plo, publicou um boletim cham ado Quest, que acusava os fun
cionários do departamento de racismo, incentivava os protestos anti-guerra e exortava os empregados a votar contra N ixon em 19 72. Publi
cações similares em outros departamentos do governo, em corporações
empresariais, e as universidades, as profissões e os militares atestavam o
42. Para um a visão crít ica da imp rensa, pelo fato de esta não se mo strar suf icien temente crí t ica,
cf.: BETHELL, T. "The Mith of an Adversary Press". Harper 's , 254, jan./1977, p. 3340. • HOFFMAN, N. "Dining Out in Medialand". M o r e , fev ./1978, p. 2425. Para dados so bre os jo rn a-
l istas estarem mais conf iantes no g ov erno do q ue o pú blico em geral, cf. PHILLIPS, E.B. Jou rna
listic Versus Social Science Perspectives on Objectivity. In: HIRSTCH, P.; MILLER, P.V. & KLINE,
F.G. (orgs.). Methodolog ica l S t ra teg ies for Communicat ions Research, vol. 6 Beverly Hills:
Sage, 1978. • PHILLIPS, E.B. "The Artists of Everyday Life: Journalists, Their Craft, and Their
Consciousness". [s.!.]: Syracuse University, 1975 [Tese de doutorado]. Para a posição de que a
imp rensa há mu ito vem c onf iando no g overno e que isso tem s ido um a força, e não um a falha,
na tradição jornalíst ica norteamericana, cf . : WEAVER, P. "The New Journalism and the Old
Thoug hts Af ter Viatergate" . Publ ic Interest , 35, pr im aver a de 1974, p. 6874. • K RISTOL, I. "Is the
Press Misusing I ts Growing Power?" M o r e , jan./1975, p. 26, 28.
43. HARWOOD, R. The Fourth Estate. In: BABB, L.L. (org.). The Washingto n Post Guide to Was
h ing ton . Nova York: McGrawHilI, 1976, p. 85.
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apelo generalizado de uma cultura crítica44. Para a imprensa, que há
muito tempo se retratava como uma oposição leal ao governo, a ênfase
sobre o “leal” fora silenciada, enquanto a ênfase na “oposição” foraabastecida e, por sua vez, ajudara a abastecer a cultura crítica que surgia
no próprio governo. A extensão da promoção, de forma independente,
de uma cultura de oposição pela imprensa, tem sido exagerada, enquan
to que o alcance da vasta e crescente influência da cultura adversária so
bre a cultura da imprensa talvez não tenha sido suficientem ente enfatiza
do. Não só os repórteres achavam suas fontes no governo cada vez maiscríticas, com o também as evidências mais visíveis de uma cultura de opo
sição tornaram-se tópicos de notícias às quais, com frequência, os repór
teres mais jovens se dedicavam, e pelas quais eram afetados. Vários jor
nalistas que entrevistei em 1977 lembraram que os jovens repórteres re
crutados para o jornalismo na década de 19 60 frequentemente cobriam
os movimentos dos direitos civis e o movimento antiguerra. Os jovens,mais propensos a se encaixar na cultura juvenil dos costumes e lingua
gem informal, da sexualidade livre e do ro ck ’n roll, cobriam o campus e
os movimentos sociais e eram influenciados por eles. Muitas vezes se
sentiam desconfortáveis em seus papéis de repórter, quase como se fos
sem agentes da sociedade “honesta” espionando uma cultura subversiva.
Descobriram-se simpáticos às ideias e valores daqueles sobre os quais escreviam e cada vez mais céticos, incomodados ou indignados com a alte
ração que suas reportagens sofriam no caminho entre o copy desk e a pá
gina impressa45.
A rebeldia dos jovens repórteres nos anos 1 960 , então, não era mera
repetição do conflito de gerações perene no jornalismo; foi a manifesta
ção de um movimento social e cultural. O m ovimento afetou os jornalistas mais jovens primeiro, e mais profundamente, mas isso, por sua vez,
influenciou os jornalistas mais velhos e mais influentes. Editores e pro
prietários de jornais nos anos 1960 tinham uma boa razão para se mos
trar receptivos às expectativas de seus colegas mais jovens por reporta
44. Sobre Quest, cf. Wall St reet Jou rnal , 29/10/1971. Cf. tb. LUBLIN, J.S. "Underground Papers
in Corp orati on s Tell It Like It Is Or Perhaps Like It lsn't". Wall St reet Jou rnal , 03/11/1971.
45. Este po nto foi levantado por vários jornalistas que entrevistei em Nova York , Chicago e Was -
hington em 1977.
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212 Coleção Clássicos da Comunicação Social
gens mais interpretativas e investigativas: os jornais estavam conscientes
da com petição da televisão. O s telejornais, que tinham sido de pouca im
portânc ia e menor qualidade na década de 1 9 50 , passaram a se dedicar aexplorar suas possibilidades de cobertura viva e imediata da notícia.
Tornaram -se menos um rádio com imagens e mais um meio distinto. Em
1963, mesmo ano em que o noticiário noturno em rede passava de 15
minutos para um form ato de meia hora, a pesquisa de Roper sobre as ati
tudes do público em relação à televisão concluiu pela primeira vez que
mais pessoas listavam a televisão como a principal fonte de notícias, emvez dos jornais. Até 1 97 4 , 6 5 % dos entrevistados mencionaram a televi
são como uma de suas principais fontes de notícias, enquanto apenas
4 7 % citaram os jornais. Naquele ano, pela primeira vez, mais entrevista
dos de nível superior mencionaram a televisão mais do que os jornais46.
O correpondente Jules W itcover defendia a ideia compartilhada de
que os jornais haviam se voltado para a reportagem investigativa e interpretativa no final dos anos 1960 para competir com a supremacia da te
levisão na cobertura das notícias locais. Mas dentro de um ano, escre
vendo novamente na Colum bia Journalism R eview , ele protestou que o
argumento da “concorrência com a televisão” era mais moderno do que
verdadeiro e que, de fato, “um levantamento informal de dirigentes da
notícia em Washington indica que a maioria dá pouca importância à
‘ameaça’ da televisão. Eles parecem mais preocupados com a alteraçãono âmbito da notícia em si e em como estão lidando com isso”. W itcover
acrescentou que o New York Times sentia mais pressão do Washington
Post e do Wall Street Jou rn al do que da televisão47.
46. Sobre o caráter mutante das notícias de televisão e um provocat ivo argumento acerca do
" desp atr iante" efeito polí t ico dos telejornais, cf. ROBINSON, M.J. Am erican Poli t ical Legit im acy
in an Era of Electron ic Jou rnali sm : Refletions on The Evening New s. In: CATER, D. & ADLER, R.
Televísion as a Soc iaf Force. Nova York: Praeger, 1975. Para os d ado s da pesq uisa, cf. ROPER,
B.W. Trends in Public Att i tu des Tow ard Te/evision an d Oth er Mas s Media, 1959-1974. Nova
York: Televisio n Information O ff ice, 1975. A pesquisa de Roper superest ima a conf iança da po-
pu lação na televisão em relação à notícia, de acordo co m os pesquis adores da Universid ade da
Carolina do Norte Robert L. Stevenson e Kathryn White. Cf. WELLES, C. "At Issue". Co/umbia
Journ a l ism Rev iew, 16, jan.fev./1978, p. 1213.
47. WITCOVER, J. " The Press and Chicago : The Truth Hurt" . Columbia Journa l ism Rev iew , 7,
outono de 1968, p. 6. • WITCOVER, J. "Washington: The News Explosion". Columbia Journa
l ism Rev iew, 8, primavera de 1969, p. 25.
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Descobrindo a notícia 213
Mesmo isso, porém - a concorrência entre os principais jornais em
diferentes cidades, uns com os outros, com as agências de notícias e com
as revistas informativas pode ser um subproduto, da televisão. Se o es
tado de segurança nacional e a centralização da política econômica em
nível federal fizeram de Washington um foco para a comunicação de
massa, a própria cobertura dos telejornais acentuou a proeminência da
capital. A televisão reporta a notícia de forma desproporcional em Was
hington porque as redes de notícias dependem de uma audiência nacio
nal e precisam contar com equipamentos de câmera caros e pesados. Issotem encorajado os jornais a ver a sua correspondência em Washington
como o mais significante e competitivo campo de trabalho.
O argumento de que a conco rrência com a televisão levara os jornais
a se distanciar da reportagem objetiva repete um outro argumento da dé
cada de 1930 de que a vantagem do rádio na apresentação das notícias
locais forçara os jornais a se tornar mais interpretativos. Pode ser quetanto nos anos 1930 como nos 1960 os proprietários de jornais acredi-
tassem que tinham que mudar a política de notícias para concorrer com
a nova mídia, e essa crença tenha aberto o caminho para que os jornalis
tas experimentassem um trabalho mais interpretativo. Por outro lado,
tanto no rádio com o na televisão, sobretudo na televisão, havia também
um forte interesse em ir além das convenções da objetividade. No finaldos anos 196 0, a própria televisão se distanciou da notícia convencional.
Os “editoriais” apareciam em programas de notícias locais, e os “com en
tários” (especialmente o trabalho de Eric Sevareid para a CBS) torna
ram-se uma característica regular da rede de notícias. A introdução, em
1968, do programa de notícias “60 Minutos”, da CBS, e seu extraordi
nário sucesso em estilo jornalismo de revista para a televisão sugere quea “explosão” do significado da notícia era mais do que uma estratégia
com petitiva - a televisão também respondeu a uma mudança cultural
que saudava a perspectivas críticas do jornalismo48.
48. Sob re o " 60 Minutes" , cf . MOORE, D. "60 Minuto s" . Ro/l ing Sto ne, 12/01/1978, p. 4346. So-
bre a po pul aridade de doc um entários c ontro versos, prog ramas de sát ira polít ica e "relevantes"
comédias de situação na televisão, na década de 1960, cf. BARNOUW, E. Tube o f Plenty. Lon-
dres: Oxford University Press, 1977.
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214 Coleção Clássicos da Comunicação Social
A crítica do jornalismo convencional e suas conseqüências
Uma cultura de oposição deve ser oponente a algo. Mas os líderesdas principais instituições da sociedade pareciam negar qualquer signifi
cado à sua própria cultura: os problemas do governo eram apontados
como técnicos, e não políticos; a ciência social era um guia para a política
“livre de valores”; profissionais e administradores, alcançando a notorie
dade na estrutura profissional e na estrutura de poder da sociedade, eram
“neutros”, ou “independentes”, ou “objetivos”, em suas decisões. Para os
críticos cada vez mais numerosos e vociferantes, a retórica da objetividade
parecia hipócrita e enganosa, ou, no caso do Vietnã, criminosa. O ataque
da cultura de oposição à objetividade evocava uma cultura das elites go
vernantes mais unificada e unívoca do que de fato existiu. Ainda assim,
havia uma ideologia da técnica e da neutralidade, e ela realmente ocul
tou outros valores que, a cultura crítica exigia, deveriam ser abertos ao
questionamento.
No jornalismo, essa crítica da objetividade assumiu muitas formas
institucionais e intelectuais. É a soma destas, e não a inovação representa
da por qualquer uma delas, o mais importante e original. Ainda assim, po-
de-se distinguir três tipos de crítica que atacavam a noção de objetividade.
Em primeiro lugar, há a posição de que o conteúdo de uma notícia baseiase num conjunto de pressupostos políticos substantivos , pressu
postos cuja validade nunca é questionada. Os jornalistas adquirem estes
pressupostos de sua própria educação, de colegas jornalistas que cons
tantemente checam e disciplinam seus “julgamentos da notícia” e dos
oficiais sobre quem regularmente reportam. Esses pressupostos são a
mensagem oculta da “objetividade”. Jack Newfiled articulou este ponto
de vista:
Como consta, os homens e mulheres que controlam os gi-
gantes tecnológicos dos meios de comunicação de massa
não são computadores neutros e imparciais. Eles têm uma
inclinação. Têm estilos de vida e valores políticos definidos,
ocultos sob a retórica da objetiv idade. Mas aqueles valores
são organicamente institucionalizados pelo Times, pe\aAP,
CBS f...], em suas burocracias corporativas. Entre esses va-
lores, tácitos mas orgânicos, estão a crença no capitalismo
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de bemestar, em Deus, no Ocidente, no puritanismo, na lei,
na família, na propriedade, no sistema bipartidário e, talvez
mais cruc ialm ente, na noção de que a vio lênc ia só é just if icá-
vel quan do em pr egad a pelo Estado. (Não con sigo pensar em
nenh um co rrespo nd ente da Casa Branca ou analista de rede
de televisão que n ão com partil he desses valores. E, ao mes -
mo t em po , que não sustente ser to talm ente ob jetivo49.
Essa primeira visão, portanto, sustenta que a forma oculta o conteú
do da notícia. Uma segunda posição é a de que a forma compõe o conteúdo,
que a form a da notícia incorpora as suas próprias tendências. Isso é ilustrado em um ensaio de Paul Weaver em The Politics o f a News Story.
Weaver argumenta que a típica notícia é politicamente tendenciosa -
mas não voltada para a direita, esquerda ou centro . Ao co ntrário, a ten
dência recai sobre a confirmação dos fatos, que são observáveis e inequí
vocos; sobre um vocabulário limitado e categórico - “dizer”, em vez de
“gritar” ou “insistir”; sobre um estilo de narrativa impessoal e a organização da “pirâmide invertida”, que obrigam a uma apresentação dos fa
tos com “tão pouca evocação de seu contexto do mundo real” quanto
possível”; sobre conflitos, em vez de acontecim entos m enos dramáticos;
sobre “eventos”, em vez de processos. Weaver alega que isso faz da notí
cia uma narrativa sobre conflitos do ponto de vista das diferentes partes
ativamente envolvidas nela - e somente essas partes50.Outros críticos afirmam que o formato da notícia que Weaver deli
neia reforça as estruturas de poder estabelecidas. Ele favorece as insti
tuições mais voltadas para “eventos” e com melhores condições de
con trolá-los, ou para a organização de pseudoeventos. Instituições po
derosas, particularmente o govern o, estão sintonizadas com a “orienta
ção para eventos” dos repórteres, e assim podem manipulá-los, enquanto os movimentos sociais e reformadores que exploram “uma ori
entação para as questões” tendem a ser ignorados pelos jornalistas,
49. NEWFIELD, J. "Jo urn alism : O ld, N ew and Corp orate" . In: WEBER, R. (org.). The Rep ór ter as
A r t is t : A Look at the New J ourn alism. Nova York: Hast ings House, 1974, p. 56 [Originalmente
em STERN, S. (org.). The Dutton Review. Nova York: E.P. Dutton, 1970.
50. WEAVER, P. The Politics of a News Story. In: CLOR, H.M. (org.). The Mass Media and Mod em
Democracy. Chicago: Rand McNally, 1974, p. 85112.
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pelo menos até que eles também possam ganhar poder para organizar
ou participar dos “eventos”51.
Uma terceira crítica, intimamente relacionada, percebe a forma da
notícia, não como uma forma literária, mas uma forma social intensa
mente condicionada pelas rotinas da captação de notícias. Aqui, o argu
mento é que o processo d a coleta de notícias, em si, constrói uma imagem
da realidade que reforça o ponto de vista oficial. Um analista após o outro
demonstraram que a tradição da objetividade no jornalismo tem favore
cido a visão oficial, fazendo dos jornalistas meros taquígrafos na transcrição autorizada da realidade social. Aqui, novamente, a ênfase não está
na influência intencional, mas nas conseqüências, intencionais ou não,
da forma e dos processos sociais. De acordo com essa perspectiva, a “ob
jetividade” não é uma forte convicção dos jornalistas. Não é nem mes
mo, conform e já retratei em relação aos anos de 192 0 e 1930, uma cren
ça precária num processo em que não se pode esperar o acordo sobre arealidade substancial dos fatos e valores. No lugar disso, é uma prática,
ao invés de uma crença. É um “ritual estratégico”, como a socióloga
Gaye Tuchman a define, que os jornalistas usam para se defender dos er
ros e críticas. Sob esse ponto de vista, a objetividade é um conjunto de
convenções concretas que persistem, porque reduzem o grau em que os
próprios repórteres podem ser responsabilizados pelas palavras que escrevem. Assim, pode-se citar locutores em posições de reconhecida au
toridade, mas não se pode avaliar de forma independente o que eles di
zem, a não ser citando outra autoridade reconhecida. A adesão a estas
rotinas, escreve Tuchman, é “compulsiva”. Como no artigo de Douglass
Cater nos anos 1950 sobre a cobertura acerca de McCarthy, Tuchman
vê os jornalistas com o que am arrados numa camisa de força. E ela oferece uma explicação plausível sobre o porquê de os jornalistas estarem dis
51. TUCHMAN, G. The Except ion Proves the Rule: The Study of Rout ine News Pract ices. In:
HIRSCH, P.; MILLER, P.V. & KLINE, F.G. (orgs.). Methodo log ica l S t ra teg ies for Communicat ions
Research. Vol. 6. Beverly Hil ls: Sage, 1978. Um estudo que tão bem dem ons tra um po nto d e vis-
ta estreitamente conectado é o de MOLOTCH, H. & LESTER, M. Accidents, Scandals, and Routi
nes: Resources for Insurgent Methodology. In: TUCHMAN, G. (org.). The TV Estab/ ishmen t.
Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall, 1974, p. 5365. Este apareceu pela primeira vez em The
Insu rgent Soc io log is t, 3, 1973, p. 111.
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Descobrindo a notícia 217
postos a vestir uma camisa de força: eles querem se proteger dos feri
mentos autoinfligidos. Não desejam cometer erros que ameaçariam seus
empregos ou carreiras52. Talvez mais importante, ao, que me parece, é que
editores e proprietários de periódicos não querem que seus subordinados
cometam erros que ponham em perigo as suas carreiras e instituições.
Na década passada, os críticos da objetividade jornalística com fre
quência viam a si mesmos com o solitários expoentes de um ponto de vis
ta sem sustentação nas tradições do jornalismo. Na verdade, porém, os
críticos foram capazes de entender e de captar o que Bernard C. Cohen
chamara as funções bootleg (ilícitas) no jornalismo. Co hen descobriu em
entrevistas com correspondentes no exterior, entre 1953 e 1954 e em
1960, que os jornalistas mantinham duas concepções de seu papel, uma
como observador neutro e outra como participante. Curiosamente, a
ideologia aberta dos repórteres pregava somente a neutralidade. O jor
nalismo participante, “como uma bebida ilícita [...] é encontrado emtoda parte”, mas raramente é reconhecido53.
Isso levanta dois pontos importantes. Primeiro, sugere que se uma
mudança nos ideais do jornalismo ocorre, ele terá tradições submersas a
apoiá-lo. Forças dentro e em torno do jornalismo jogam contra o ideal da
objetividade e suas convenções e assim têm feito mesmo quando a ob jeti
vidade parecia ter influenciado a profissão da forma mais definitiva. Se
gundo, indica que alguns rituais e rotinas da prática profissional serão de
fendidos em uma ideologia global, enquanto outros podem não estar rela
cionados a nenhuma visão de mundo compreensiva ou compreensível.
52. TUC HM A N, G." Object ivity as Strategic Ritual: An Examinat ion o f Newsm en's Not ion s of Object ivity". A m er ic an J o u rn al o f So c io /o gy , 77, jan./1972, p. 660679. Há agora uma vasta lite-
ratura qu e, sob diversas formas, pro va qu e o conteú do da notícia é uma funç ão da estrutura so-
cial da coleta de n otícias e das org anizações jornalísticas. A m aior p arte dessa literatura observa
qu e o processo de "p rod ução d a notícia" favo rece os pon tos de vista of iciais. Cf., entre outros,
os art igos em: TUCH MA N, G. (org.). The TVEstabl ishment [s.n.t.j. • EPSTEIN, E.J. News From
Nowhere . Nov a York: Rando m Hous e, 1973. • PHILLIPS, E.B. The Artis ts of Everyd ay Life: Jo ur
nalists, Th eir Craft, Th eir Conscio usn ess. [s.l.]: Syracu se Univers ity, 1975 [Tese de dou torad o]. •
SIGAL, L. Reporters an d Off icia/s. Lexington, Mass.: D.C. Heath, 1973. • ROSHCO, B. Newsma-
king. Chicago: University of Chicago Press, 1975. • ALTHEIDE, D.L. Creat ing Reality. Beverly
Hills: Sage, 1976. • CANNON, L. Repor t ing : An Inside View. Sacramento: Cali fórnia Journal
Press, 1977.
53. COHEN, B.C. The Press and For eig n Polit icy. Princeton : Prin ceton Univers ity Press, 1963, p. 20.
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218 Coleção Clássicos da Comunicação Social
Seja qual for a razão para isso, esse ponto sugere ao menos que há um pro
blema a ser investigado: se os conteúdos sociais não encontram, automati
camente, expressão ou justificação em formas culturais, então temos que
considerar como e por que eles conseguem isso, quando conseguem54.
Duas tradições submersas no jornalismo que se posicionam contra a
objetividade encontraram apoio renovado nos anos de 1960 - a tradição
literária e a tradição muckraking . A tradição literária tem raízes profun
das no jornalismo. Ela honra o desejo de escrever um bom artigo, não
um artigo inócuo ou objetivo, mas uma narrativa finamente trabalhada e
poderosa em seu impacto emocional. Nat Hentoff descreveu o “novo
jornalism o” em 1968 como uma atividade “movida tanto pelo sentimen
to quanto pelo intelecto”, o tipo de jornalismo que “pode ajudar a rom
per a vidraça entre o leitor e o mundo em que ele vive”55. Nos anos
1960, a tradição da escrita elegante navegava sob a bandeira do “novo
jornalismo”. Adquiriu expressão principalmente em revistas, em vez de
jornais, incluindo uma série de revistas novas como a Rolling Stone, que
apostou num público plenamente favorável às manisfestações de uma
cultura de oposição. O “novo jornalismo” também abriu caminho na
forma de livros, mais notavelmente na narrativa de Norman Mailer so
bre a marcha rumo ao Pentágono de 1 967, Armies o f the Night. Indepen
dentemente do que os “novos jornalistas” registravam, eles estavamsempre escrevendo, de modo implícito, sobre a reportagem em si. No
jornalismo tradicional, a forma é apenas um veículo para a reportagem,
mas no novo jornalismo, ou “metajornalismo”, como Davíd Eason o de
54. Para uma discussão pro veitosa sob re como as instituições sociais são e devem ser go -vernadas por um c onjunto de norm as conflitantes e não por um conjunto único e coerente, cf.
MERTON, R. Socio/ogical Am biv a/ence and Other Essays [Ambivalência sociológica e outros
ensaios]. Nova York: Free Press, 1976). Merton não oferece nenhuma informação, no entanto,
sobre o porquê de um conjunto de normas, em detrimento de outro, ser dominante.
55. HENTOFF, N. Behold the New Jou rnalis m lt's Corning A fter You! In: WEBER. " Repór ter as
A r i\s \" .Ever green Review , ju l./1968, p. 52. Que essa tradiç ão de valorizar narrativas b em escritas
e co m impacto emo cional seja algo significante, isso está sugerid o no fato de os acadêmicos da
Fundação Niem an de Harvard , em 19451946, solicitados a selecionar uma notícia para ilustrar
seu ideal de m elhor repo rtagem , terem escolhido um ensaio altamente subjetivo, pessoal e to-cante do Ne w York Herald Tribune, de autoria de Vincent Sheean, sobre o tratamento dos réus
negros pelos tribunais do Sul. Cf. Nieman Reports, 1 (abr ./1947, p. 1617) e a co rrespond ência
na edição seguinte: Nieman Reports, 1, j u l ./l 947, p. 2930.
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fine, “a forma em si é parte do tema do relato,,S6. Nos anos 1930 tam
bém ocorrera uma percepção nascente de que a própria atividade da re
portagem era problemática, e de que a experiência da reportagem deveria ser incluída no relato - Let Us Now Praise "Pamous Men, de James
Agee, é o principal exemplo disso57. Mas, nos anos 1960, essa consciên
cia foi mais ricamente elaborada e mais amplamente endossada. Ela res
pondia ao público da cultura crítica - um público que ajudara a criar.
Embora o “novo jornalismo” não tenha tido muito impacto direto
sobre a redação da notícia nos jornais diários, ele apresentou efeitos indiretos. Alimentou a imaginação dos repórteres dos diários - a Rolling Stone, por exemplo, veio a ser lida nas redações de todo o país58. Mais
recentemente, os jornais têm se voltado com uma frequência maior para
as reportagens de cunho interpretativo ou para o estilo de redação das
revistas. O New York Times, o Chicago Tribune e outros jornais agora
publicam seções especiais em estilo revista, em diferentes dias da semana.Ocorreu uma mudança correspondente no caráter do trabalho jornalístico
desde que os jornais passaram a contar mais com escritores freelance do
que membros da equipe regular, para os textos das revistas. Isso recompen
sa o talento, a personalidade, o estilo e a percepção e educa o gosto de
jornalistas e seus leitores para a reportagem não objetiva.
A segunda tradição a se expandir na década de 1960, a tradiçãomuckraking, teve maior impacto sobre as “hard news” (“notícias quen
tes”) dos jornais. O muckraking ou “reportagem investigativa” ou “jor
nalismo empreendedor” chamou a atenção do público de forma mais
destacada com a investigação do Washington Post no caso Watergate e o
romance que se cultivou em torno disso, por meio do livro e do filme
“Todos os Homens do Presidente” (Ali the Presidentas Men). No relatode sua própria reportagem, Bob Woodward e Carl Bernstein insistiram
56. EASON, D.L. Metajournal ism : The Problem o f Reporting in the Nonfi ctio n Nov el, [s.!.]: Sou t-
hern Illinois University, 1977 [Tese de doutorado]. Cf. tb. HOLLOWELL, J. Fact and Fiction. Cha-pei Hífl: University of North Carolina Press, 1977.
57. AGEE, J. & EVANS, W. Let Us No w Praise Famous M en. Nova York: Ballantine Books, 1966
[Boston: Houg hton Mifflin, 1941]. Cf. o prim oroso c om entário sob re o livro em SCOTT, W .Docu-
m entary Expression an d Thirt ies Am erica. Nova York: Oxford University Press, 1973.
58. CANNON. Reporting. Op. cit., p. 54.
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não ter feito nada de excepcional. Negaram que seu estilo de reporta
gem fosse distinto; para eles, “reportagem investigativa” não passa de
simples reportagem. Estavam, em suma, apenas fazendo o seu trabalho59. Se Todos os Homens do Presidente é lido como um conjunto de
instruções, um manual para aspirantes ao jornalismo (e, inquestionavel
mente, está sendo lido dessa maneira), isso prevê um conselho de pru
dência. Nas ocasiões em que Woodw ard e Bernstein tomaram liberdades
com a lei ou as normas de confirmação da informação recebida, eles se
desculpam. Q uando seguiram as normas - com o a diretriz que estabeleceram de confirmar toda acusação importante com o testemunho de
pelo m enos dois informantes - eles se orgulham. Produzem um caso de
jornalismo fiel a um ideal de objetividade e infiel às falsas convenções
justificadas em nome dele. N ão é um jornalismo pessoal e nem um jo rna
lismo de defesa; se existe um elemento pessoal nisso, não é a opinião ou
a convicção, mas a energia. Enquanto o jornalismo literário contrapõe apaixão à objetividade “fria”, a tradição investigativa distingue sua agres
sividade da passividade da reportagem objetiva.
Nos anos 19 60 , o jornalismo investigativo estabeleceu importantes
cabeças de ponte institucionais nos meios de comunicação. Revistas de
jornalism o ofereciam um fórum para crít ica e autocrítica jornalística. A
com eçar pela Chicago Journa lism Review, em 1968, mais de duas dezenas de revistas surgiram no espaço de poucos anos. Com exceção da
More, em Nova York, fundada em 1971 , as revistas não sobreviveram ao
declínio da atividade política radical no início dos anos 1970. Mas a
M ore é bastante lida. Uma nova revista, Washington Journa lism Review ,
começou a ser publicada em 1977, e alguns dos semanários “subversi
vos” inaugurados nos anos 1960 e que se tornaram bem-estabelecidos e
59. WO OD W A RD , B. & BERNESTEIN, C .A Hth e P res iden t 'sMen [Todos os homens do presiden-
te]. Nov a York: Simo n and Schus ter, 1974 [Warn er Books, 1975). Cf. tb. o discur so de Carl Bernstein
aceitando o grau de do uto r em d ireito na Universid ade de Boston (abr. /1975), in: LUBARS, W. &
WICKLEIN, J. (orgs.). Invest igat ive Report ing : The Lessons of Watergate. Boston: Boston Uni-
vers ity Schoo l of Public Comm un icat io n, 1975, p. 913. Para um a discussão sob re os hábitos de
t rabalho e as ideias jornalís t icas d e Wo od w ard, Bernstein e outros pro eminentes repórteres in
vest igat ivo s con temp orân eos, cf . DOW NIE, L. The NewMuc k rakers . Washington: NewRepu bl ic
Books, 1976. AH t he Pr es iden t 's M en e The New Muckrakers são rev isados po r Michael Schu d
son em " A M at ter of Sty le" . Work ing Papers fo r a New Soc iety , 4, verão de 1976, p. 9093.
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Descobrindo a notícia 221
prósperos nos anos 1970, regularmente publicam críticas dos jornais e
televisão locais60.
Outra mudança institucional foi o desenvolvijnento de equipes derepórteres investigativos em muitos dos principais diários metropolita
nos do país, vários anos antes da investigação do Watergate. Em feverei
ro de 1967, o Newsday estabeleceu uma equipe de três repórteres, um
editor e um secretário-investigador, exclusivamente para dar seguimen
to a trabalhos investigativos. A equipe tinha seu próprio escritório e ar
quivos. Ela produzia três grandes reportagens por ano, cada uma circulando no jornal por mais de 5 dias. O Boston Globe inaugurou, em 1 97 0,
sua equipe “de destaque”, nos moldes do grupo Newsday. A investiga
ção no New York Times, de acordo com o correspondente de Washing
ton, Robert Semple, partiu, no final dos anos 1960, de uma base “faça
como puder” para uma “proposta fulltim e”. O Cleveland PlainDealer
manteve uma equipe de 1974 até 1977, mas abandonou-a em seguidapor considerá-la muito cara. O Chicago Tribune estabeleceu sua for
ça-tarefa investigativa em 1968, que ainda tem sua identidade própria,
escritório e missão61.
Havia uma mudança correspondente mesmo na Associated Press.
Com o estabelecimento do serviço de notícias do Washington PostLos
Angeles Times no início dos anos de 19 60 , e o cresc imento do antigo serviço de notícias do New York Times , a AP sentiu-se pressionada a se dis
60. Cannon (Report ing, p. 54) testem un ha o vasto público leitor de Mor e. 0 Chicago Reader e o
Vil/age Voice (uma publicação que antecede a década de 1960 em alguns anos) estão entre as
public ações com colunas regulares de crít ica da imprens a. A Coiumbia Journa l ism Rev iew, q ue
co m eçou em 1962, é a única revista séria de crí tica da imprens a qu e não está int im amente co -
nectada à cultura de oposição d os anos 1960. Um a boa discussão sobre o cr escim ento das re-
vistas de jorn alism o no f inal da década d e 1960 está em A RONSO N, J. Deadl ine for the Media.
Indi anápolis : Bo bsMerril l, 1972, p. 93122, 299300.
61. Sob re Newsday cf. McWILLIAMS, C. "Is Muckraking Corning Back?" Columbia Journal ism
Review, 9, out./1970, p. 12. Sobre o Boston Globe, cf. a discus são de " City and State Investigati
ve Repo rting ". In: LUBARS & WICKLEIN. Invest igat ive Report ing , p. 38. Sob re o Ne w York Times,
cf. SEMPLE JR., R.B. The Necessity of Convenc ional Journ alism: A Blend of the Old and the
New. In: FLIPPEN, C.C. Liberating the Med ia : The N ew Journal ism. Washing ton: Acropo l is Bo
oks, 1974, p. 8990. Sobre o Cleveland Plain-Dealer e para uma discu ssão geral sobre o tópico
das equipes invest igat ivas, cf . CONSOLI, J. " Invest igat ive Reporters Deb ate Use of Teamw ork " .
Edi tor and Publ isher , 25/06/1977, p. 5, 13. Tb. informação sobre o Chicago Tr ibune a partir de
entrevis ta com u m edi tor do Tribune, jan ./1978.
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222 Coleção Clássicos da Comunicação Social
tanciar da reportagem convencional. Em 1967, a agência criou uma
“equipe de designação especial”, para relatar “a dimensão oculta” das
atividades do governo. Em 1968, o grupo produziu 268 artigos, incluindo o fracasso do desenvolvimento do rifle M -1 6 e a revelação de um re
latório secreto sobre a corrupção do governo em Saigon62. Não só as or
ganizações jornalísticas investiram tempo e talento no trabalho investi-
gativo, mas os repórteres investigativos começaram a ver a si mesmos
como um grupo de interesse por direito próprio. Em 1975, uma série de
repórteres investigativos fundou a Investigative Reporters an d Editors,para compartilhar inform ações e proteger a reportagem investigativa de
se tornar um “m odism o” e “atrair repórteres em busca de notoriedade”.
A IRE em meio a críticas consideráveis, chegou até mesmo a empreender
sua própria investigação colaborativa sobre a morte de um de seus mem
bros, o repórter do Arizona Don Bolles6í.
Outra instituição de jornalismo não convencional é o Fundo para Jornalism o Investigativo (Fund f o r Investigative Journa lism ), criado em
1969 “com o propósito de aumentar o conhecimento público sobre os
ocultos, obscuros ou complexos aspectos dos assuntos que afetam signi
ficativamente o público”. O Fundo se comprometeu a ajudar redatores
que “sondassem abusos de autoridade ou avaria de instituições e siste
mas que prejudiquem o público”. Suas doações são pequenas - 5 0 0 dólares é a quantia típica. Embora a maioria das reportagens que o Fundo
apoia apareçam em revistas, a instituição ajudou Seymour Hersh em sua
62. WITCOVER, J. " Washin gton : Th e Workh ors e Wir e Services" . Columbia Jou rnal ism Review,
8, verão de 1968, p. 13. A respeito das pressões sobre as agências de notícias para que expan-
dissem a sua cobertura de "notícias convencionais" em direção a uma reportagem mais inter
pretat iva e m esm o in vest igat iva, ver o art igo s obre as agências de notícias no Wall S t reet Jou r
na l , de 28/01/1969. Os anos 1960 geraram diversas novas p equenas agências de notícias d edi-
cadas ao jornal ism o agressivo. A State News Serv ice teve início em 1973, em Wash ing ton . Mais
tarde, no m esm o ano, nascia a Capito! HiH New s Serv ice, sub sidiada, a princípio, po r Ralph Na
der, e cons agrada à reportag em " não p assiva". Os dois grup os associaramse em m aio de 1978.
Juntos, fornecem uma cob ertura aprofun dada dos assuntos de Washing ton af inados com os in-
teresses específ icos das localidades dos 77 pequeno s e méd ios jornais aos quais prestam s ervi-
ço. Cf. ROSENBERG, J.S. "Imperiled Experiment: Capitol Hill News Service". Columbia Journa
l ism Rev iew, 16, set.ou t./1977, p. 5964. • " Sale of Small New s Servi ce in Capital to Have a Big
Effect". N ew York Times, 12/05/1978.
63. MENCHER, M. " The Arizona Project: A n A ppraisal" . Columbia Journa l ism Rev iew, 16,
n o v,dez./1977, p. 3842, 47. Cf. tb. W ENDL A ND, M.F. The A rizon a Project. Kansas City'.* Sheed
A n d rew s an d Mc Meel, 1977.
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Descobrindo a notícia
investigação do massacre de My Lai, em 1969; apoiou-o novamente em
1970, em uma investigação sobre as reivindicações conflitantes dos Esta
dos Unidos e Vietnã do Norte, quanto aos prisioneiros de guerra norte-americanos; auxiliou Jam es Polk, em 1 97 1, nüm exam e cuidadoso so
bre as contribuições de campanhas políticas que revelou as transações de
Robert Vesco e que valeu a Polk o Prêmio Pulitzer em 1974. O Fundo
não é, absolutamente, uma grande influência no jornalismo dos Estados
Unidos. No entanto, é uma organização estável e um emblema convin
cente, sugerindo que o desenvolvimento no final dos anos 1960 de um jornalismo não convencional pode ser sustentado64.
As reportagens de Watergate coroaram, em vez de inaugurar, a onda
do jornalismo investigativo, mas fizeram isso de forma tão impressionante
que Watergate pode se tornar um símbolo de importância permanente
para a atividade do jornal. O fato de que as reportagens de Woodward c
Bernstein, seu livro sobre a investigação de Watergate e o filme referenteao livro têm glamourizado a “reportagem investigativa” além de todos
os limites, e têm se mostrado um fator de atração, para um crescente nú
mero de jovens, às escolas de jornalismo, representa um fenômeno dc
curto-prazo com concebíveis conseqüências de longo alcance. No mo
mento, há um ponto comum de referência, “Watergate”, que confirma a
importância do jornalismo empreendedor. Ele empresta à colcha de retalhos das mudanças institucionais provisórias que conduzem a um dis
tanciamento das convenções da objetividade uma identidade cultural dc
força considerável. Nunca antes existiu um símbolo nacional de reporta
gem investigativa com conteúdo e alcance - e efeito - comparáveis, mes
mo remotamente.
A reportagem investigativa continua a ser um empreendim ento muito precário. É cara, mas deve sobreviver em jornais com consciência
64. Do relatório do Fund for Journ a l ism Investigative [Fundo para o Jornalismo Invest igat ivo)
[mimeo.J, 1977, sob re suas doaç ões, e do panf leto pub licitár io explic ando sob re o Fundo. Em
1976, a Fundação Sab re, organizada em 1969, estabeleceu o The Jou rnal ism Fund , para forna*
cer pequenas subvenções para os jornal is tas que invest igam abusos do governo e divulgam
seu trabalho em publicações associadas. As publicações associadas incluem The New Repu
büc, Inq uiry , Washington Mon thly , Progressive, Hum an Events, f íeaso n e Nat ion al Enterpr ise
um grupo mais ecumênico.
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crescente dos custos. Estabelece uma elite jornalística potencialmente
em conflito com a geralmente democrática sala de redação65. É um tra
balho muito duro, com resultados raramente tão fascinantes quanto umimpeachment. Muitos investigadores acabam desiludidos. Que o traba
lho investigativo tenha sido institucionalizado, em certa medida, na dé
cada an terior, não é garantia de que sobreviverá. Em bora os investigado
res possam ter um lugar na sala de redação, isso não lhes garante um pos
to igualmente permanente no jornal em si. Nesse sentido, a grande ino
vação dos anos 19 30 - o colunista - garantiu uma posição mais segurano jornalismo do que o jornalism o de investigação da década de 1 960 . O
colunista é apoiado por sua reputação entre os leitores da comunidade
local ou nacional; os repórteres investigativos raramente têm seguido
res, e seu apoio vem unicamente da atmosfera do jornalism o em si. Ape
nas isso, e a contínua potência do símbolo “Watergate”.
O que é provável acontecer nas escolas de jornalism o e nas redaçõesde todo o país, à medida que novos recrutas entrarem em campo, é que
lhes será pedido que esqueçam o romantismo da atividade do jornal e
aprendam as velhas regras básicas do quem, o quê, onde e quando da re
portagem. Serão incentivados a renovar os rituais da reportagem objeti
va. O jornalismo de investigação, como a reportagem interpretativa,
pode ter suas tradições e sua recompensa, mas não terá os seus manuais.Ele requer uma subjetividade madura, uma subjetividade temperada por
encontros com as opiniões de outros profissionais expressivos na ativi
dade, e uma consideração para com eles; e uma subjetividade amadure
cida por encontros com os fatos mundiais, e um respeito por eles. Não
existe um livro que ensine isso. M esm o o clássico de Curtis MacD ougall,
Interpretative Reporting, na verdade, dedica apenas um pequeno capítulo aos problemas de interpretação; o título do livro é uma filosofia, mas
não um programa.
O exercício do julgamento não é algo que os editores desejam confi
ar aos repórteres novatos. Mesmo jornalistas veteranos que acreditam
na necessidade da interpretação instigam os jovens repórteres a com eçar
65. Cf. CONSOLI. "Investigative Reporters". Op. cit., p. 5.
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em uma editoria de cidades ou uma agência de notícias, aprendendo a
escrever notícias convencionais, de acordo com as mais estritas normas do
jornalismo objetivo. Separar fatos de opiniões ainda é uma das primeirascoisas que os jovens repórteres aprendem e uma das únicas que podem ser
ensinadas em forma de catecismo. Não é provável que isso mude.
O que não significa que as mudanças da década passada não terão
influência duradoura no jornalismo.
Não consegu imo s crer que alguém
faça algo melho r,
escreveu Robert Lowell em “For Eugene M cC arthy”. Apesar do apaixo
nado comprometimento político do final dos anos 1960, ainda assim
não ocorria naturalmente a muitas pessoas acreditar que alguém pudesse
fazer algo melhor. Isso fez de MacCarthy um simbolo perfeito, pois era
um homem que de forma bastante óbvia tinha, ele próprio, dificuldades
de acreditar nisso. Depois que a onda dos anos de 1 96 0 passou, nós nosperguntamos mais uma vez se alguém fez algo melhor e se, de fato, algo
mais do que momentaneamente melhor ocorreu, apesar das exaltações e
aflições, da coragem e da loucura da última década.
N o jornalismo, o declínio dos movimentos sociais dos anos de 1 96 0
esgotaram os recursos psíquicos e organizacionais que sustentavam um
alto volume de crítica jornalística e reformas. Há pouco apoio agorapara o tipo de jornalismo de defesa mobilizado que floresceu nos jornais
underground. Muito da análise crítica sobre o jornalismo se extinguiu.
Esforços incipientes em “democracia na redação” desapareceram 66. Mas
o resíduo da reforma continua impressionante. Exceto por uma intensi
ficada guerra fria ou alguma outra mordaça cultural e política sobre a di
vergência, podemos esperar que a cultura crítica continue como umavoz no jornalismo e como um mercado para seus produtos. Não existe
um novo ideal no jornalismo que desafie com sucesso a objetividade,
mas há a expectativa por algo novo, uma insatisfação latente em relação
à reportagem objetiva. Não houve nenhum salto mágico além da difícil
66. DREIER, P. "Newsroom Democracy: A Case Study of an Unsuccessful Attempt at Worker
Control" [mimeo], 1977.
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compreensão de que as percepções humanas são subjetivas, e nenhuma
solução fácil para o dilema de que os eventos que se relata são pré-fa
bricados por instituições poderosas - e, todavia, há mais tolerância e incentivo em relação a uma variedade de formas de conhecimento e escrita.
O Boston Herald , antigo penny paper , escreveu, em 1847, que seu
principal propósito era “dar voz ao espírito da época”. Pretendia ser
“um historiador zeloso do período” e proclamava sua intenção de “agru-
par e retratar os eventos do momento e imprimi-los para o alcance dos
olhos do público, em linhas que não se apagam”. Hoje suspeitamos dapropensão do agrupamento e da retórica da retratação; percebemos as
mentiras na fotografia e o astigmatismo dos olhos do público. Mesmo a
promessa do Herald de um “retrato fiel e realista” da sociedade seria
questionada em nossa época de autoconsciência, em que o ceticismo em
relação aos dogmas se estende a outros dogmas que proclamam o ceticis
mo. Que prospecto se poderia escrever para um jornal hoje?Eu não sei. Só sei que é algo importante. Os jornalistas, como outros
investigadores, devem aprender a confiar em si mesmos e em seus pares
e no mundo, o suficiente para assimilar tudo, enquanto desconfiam de si
mesmos, dos outros e das aparências do mundo o suficiente para que
não sejam engolidos por tudo. Eles se recusariam, então, como alguns
deles fazem agora, seja a se render ao relativismo seja a se submeter acri-ticamente a convenções arbitrárias estabelecidas em nom e da objetivida
de. Isso requer uma tolerância, tanto pessoal como institucional, da in
certeza, e a aceitação do risco e do compromisso de cuidar da verdade.
Se tal atitude é difícil no jornalismo , não obstante torna-se mais essenci
al, uma vez que as convicções cotidianas dos jornalistas refletem e se tor