Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado...

24
Lıbvrna Revista Internacional de Humanidades Esta publicación no puede ser reproducida, ni total ni parcialmente, ni registrada en, o transmitida por, un sistema de recuperación de información, en ninguna forma ni por ningún medio, ya sea fotomecánico, fotoquímico, electrónico, por fotocopia o por cualquier otro, sin el permiso previo de la editorial SERVICIO DE PUBLICACIONES Universidad Católica de Valencia San Vicente Mártir. Servicio de Publicaciones Plaza San Agustín, 3, esc. B-1, pta. C. 46002 Valencia. España Teléfono: +34 96 363 74 12. Fax: +34 96 315 36 55 www.ucv.es [email protected] SERVICIO DE INTERCAMBIO Biblioteca de la Universidad Católica de Valencia San Vicente Mártir Calle Guillem de Castro, 94. 46001 Valencia. España Teléfono: +34 96 363 74 12. Fax: + 34 96 315 36 55 [email protected] INDEXACIÓN DE DATOS CIRC-EC3metrics (Universidad de Granada) Dialnet (Universidad de La Rioja) ISOC (CSIC) Latindex (México) WorldCat EDITA Vicerrectorado de Investigación Universidad Católica de Valencia San Vicente Mártir Servicio de Publicaciones Calle Quevedo, 2. 46001 Valencia. España Tel. +34 96 363 74 12 Fax +34 96 315 36 55 [email protected] www.ucv.es DISEÑO DE LA PORTADA: Vicente Ortuño FOTOGRAFÍA DE LA PORTADA: Otoñal Mora de Rubielos (Fotografía: Ceslav) IMPRESIÓN: Grafo Impresores Depósito legal: V-4667-2008 ISSN: 1889-1128 PUBLICACIÓN SEMESTRAL

Transcript of Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado...

Page 1: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

LıbvrnaRevista Internacional de Humanidades

Esta publicacioacuten no puede ser reproducida ni total ni parcialmente ni registrada en o transmitida por un sistema de recuperacioacuten de informacioacuten

en ninguna forma ni por ninguacuten medio ya sea fotomecaacutenico fotoquiacutemico electroacutenico por fotocopia o por cualquier otro sin el permiso previo de la editorial

Servicio de PublicacioneS

Universidad Catoacutelica de Valencia San Vicente Maacutertir Servicio de PublicacionesPlaza San Agustiacuten 3 esc B-1 pta C 46002 Valencia Espantildea

Teleacutefono +34 96 363 74 12 Fax +34 96 315 36 55 wwwucves

publicacionesucves

Servicio de intercambio Biblioteca de la Universidad Catoacutelica de Valencia San Vicente Maacutertir

Calle Guillem de Castro 94 46001 Valencia EspantildeaTeleacutefono +34 96 363 74 12 Fax + 34 96 315 36 55

intercambiopubucves

indexacioacuten de datoS

CIRC-EC3metrics (Universidad de Granada)Dialnet (Universidad de La Rioja)

ISOC (CSIC)Latindex (Meacutexico)

WorldCat

edita

Vicerrectorado de InvestigacioacutenUniversidad Catoacutelica de Valencia San Vicente Maacutertir

Servicio de PublicacionesCalle Quevedo 2 46001 Valencia Espantildea

Tel +34 96 363 74 12 Fax +34 96 315 36 55publicacionesucves wwwucves

diSentildeo de la Portada Vicente OrtuntildeoFotograFiacutea de la Portada Otontildeal Mora de Rubielos (Fotografiacutea Ceslav)

imPreSioacuten Grafo Impresores

Depoacutesito legal V-4667-2008ISSN 1889-1128

Publicacioacuten SemeStral

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

apOstilas epigraacuteficas ndash 8epigraphical NOtes ndash 8

Joseacute drsquoenCarnaccedilatildeo

Reflectendashse sobre quatro monumentos epigraacuteficos romanos jaacute publicados um altar dedicado por vicani a I O M uma estela decorada do Nordeste transmontano o sedutor grafito achado no ano de 2013 em Olisipo e a estela esculturada CIL II 5255 Vejandashse tambeacutem a siacutentese apresentada no final do textoPalavrasndashchave vicani Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo grafitos escultura romana

Complementary reflexions on four epigraphic Roman monuments from the western Hispania a Lusitanian altar dedicated by vicani to I O M a stele with low reliefs from the Northeastern Portugal the graffito found at Olisipo in 2013 and CIL II 5255 See also second abstract at the end of this paperKeywords vicani Iuppiter Optimus Maximus Roman grafitti Roman sculp-ture

1 Vicani e Juacutepiter

Paulatinamente tecircm sido descobertas novas aras dedicadas por vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo

Confirmandashse desta sorte a ideia comummente aceite de que os indiacutegenas procuravam mostrar a sua adesatildeo ao novo conceito poliacute-

Recibido 1652018Aceptado 872018

Universidade de CoimbraCorrespondencia Centro de Estudos de Arqueologia Artes e Ciecircncias do Patrimoacute-nio Universidade de Coimbra Rua Eccedila de Queiroacutes 89 ndash Pampilheira Pndash2750ndash662 Cascais Portugale-mail jdeflucpt

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

28

ticondashreligioso trazido pelos Romanos a veneraccedilatildeo ao deus maior do panteatildeo alheio fonte de progresso e veiacuteculo de poder Mostravandashse por outro lado uma clara vontade de afirmaccedilatildeo local era a mais pe-quena organizaccedilatildeo social ainda que identificada agrave maneira latina a populaccedilatildeo do vicus que fazia questatildeo em perpetuar a sua identidade

Essa dupla e aparentemente contraditoacuteria manifestaccedilatildeo ― de submis-satildeo e de autonomia ― natildeo tinha duacutevida em adoptar o modelo romano consubstanciado na forma (altar) e na expressatildeo (o latim nas palavras e nas foacutermulas)

Compreenderndashsendashaacute quatildeo relevantes satildeo esses documentos epigraacuteficos para o estudo do momento primordial da aculturaccedilatildeo haacute nos antro-poacutenimos a latinizaccedilatildeo do nome autoacutectone haacute nos etnoacutenimos natu-ralmente desajeitada latinizaccedilatildeo da nomenclatura preacutendashexistente Re-levantes sim difiacuteceis no entanto de entender na sua plenitude uma vez que na maior parte dos casos apenas um documento subsiste e tudo se desconhece afinal acerca da organizaccedilatildeo poliacuteticondashsocial que os Romanos vieram encontrar e respeitaram

Paradigmaacutetico como jaacute se sublinhou o caso dos Cobelcos O acha-mento em Almofala por Helena Frade e Joseacute Carlos Caetano do altar fundacional praticamente no seu local de erecccedilatildeo possibilitou a iden-tificaccedilatildeo do siacutetio como sendo a civitas do seu habitat (FE 266) e ex-plicou por seu turno a duacutevida que ateacute aiacute subsistira sobre o verdadeiro significado do antropoacutenimo Cobelcus o de Marialva filho de Flaccus (FE 46) o Modestus Ambati f(ilius) Cobel(cus) de Figueira de Castelo Rodrigo (CIL ii 433) e o Martialis Oclati f(ilius) Cobelcus identificado em Meacuterida (HEp 3 1993 95)

Discutirndashsendashiam desde logo questotildees de linguagem iquestque se deveria entender aqui por civitas iquestEstariacuteamos afinal perante mero sinoacuteni-mo de vicus

Tambeacutem por aiacute creio se logrou chegar a um consenso interpretativo havia uma realidade orgacircnica que as mais diversas razotildees (poliacuteticas econoacutemicas religiosas sociaishellip) haviam contribuiacutedo na sua totali-dade para fomentar e consolidar Impocircsndashse a adopccedilatildeo de um nome

29Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gerador ele proacuteprio de um cimentar de comunidade Escolheundashse um ou outro civitas ou vicus sem que lhes houvesse sido atribuiacutedo um estatuto especiacutefico

Assisti haacute dias a um espectaacuteculo musical caracterizado por sonorida-des inteiramente novas e os criacuteticos de imediato as quiseram classifi-car tendondashse apontado o termo laquoneondashclaacutessicoraquo (e natildeo lsquoneoclaacutessicorsquo para evitar confusotildees com a terminologia consagrada para designar o movimento esteacutetico do seacuteculo xviii e xix) porque ― argumentavandashse ― a raiz claacutessica estava laacute as sonoridades eacute que eram outras Pode ser que o termo seja aceite Assim poderaacute ter acontecido no momento do encontro entre romanos e populaccedilotildees preacutendashexistentes jaacute organizadas escolheundashse um nome soou bem aceitoundashse mesmo sem se ter uma ideia clara acerca do verdadeiro conteuacutedo que inclusive soacute mais tarde viraacute a ser clarificado e eventualmente aceite

Esta seacuterie laquoApostilas epigraacuteficasraquo visa como o nome indica apresentar algum complemento ao estudo jaacute feito de monumentos com algum significado sem a intenccedilatildeo no entanto de ser lsquomais umarsquo interpreta-ccedilatildeo e sim a de contribuir modestamente para o seu esclarecimento e relevacircncia histoacuterica As consideraccedilotildees atraacutes exaradas prendemndashse com um desses casos de que ora me vou ocupar o altar encontrado por Francisco Sande Lemos (era entatildeo Director do Serviccedilo Regional de Arqueologia da Zona Norte) dentro da igreja matriz de Carrazeda de Ansiatildees disseramndashlhe poreacutem que em data que natildeo lhe souberam precisar o monumento tinha sido encontrado no povoado romano sito em Moacutes freguesia de Pombal desse concelho de Carrazeda de An-siatildees distrito de Braganccedila

Corrijandashse desde jaacute RAP 340 onde se daacute proveniecircncia errada que as-sim passou para HEp 4 1994 1016 e tambeacutem para EDCSndash21700638

Essa constitui de facto a primeira referecircncia escrita a essa ara de gra-nito com a seguinte leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI CABR(icenses)

Joseacute Manuel Garciacutea indica que estatildeo em nexo as letras CANI e para ele eacute de identificaccedilatildeo duvidosa a letra inicial do etnoacutenimo confes-

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

30

sando laquoApesar de ela estar bastante afectada natildeo vislumbramos outra hipoacutetese para interpretar os traccedilos existentesraquo (p 403)

Em HEp 4 1016 jaacute soacute se indica que o nexo eacute de ANI

Tambeacutem Jorge Alarcatildeo foi informado verbalmente da descoberta desta epiacutegrafe A ela se refere por conseguinte em 296 (p 44 do fasciacuteculo 1 do volume II do seu Roman Portugal) Explicita que a ara surgiu por ocasiatildeo da laquorealizaccedilatildeo de obras no interior da igreja matrizraquo daacute como leitura IOVIO MVICALABR e acrescenta laquoAparentemente temos aqui testemunho de um ldquovicusrdquo que oficialmente consagrou uma ara a ldquoIuppiter Optimus Maximusrdquoraquo Anotendashse que a informaccedilatildeo relativa agraves obras no templo sugeriu que a pedra estivesse incorporada nalguma das paredes o que como atraacutes se disse natildeo corresponde agrave realidade

Do adro da igreja de S Salvador de Ansiatildees (intrandashmuros da vila amura-lhada de Ansiatildees) onde foi fotogra-fada (eacute a fotografia excelente que ora se reproduz [Fig 1] a partir de Hispania Epigraphica) a ara viria a integrar a exposiccedilatildeo feita no castelo de Ansiatildees aquando da visita pre-sidencial de Maacuterio Soares a 22 de Fevereiro de 1987 estaacute actualmen-te no CICA ― Centro Interpretati-vo do Castelo de Ansiatildees segundo amavelmente me informou o Dr Orlando Sousa

A razatildeo de a incluir neste estudo prendendashse natildeo apenas com as cor-recccedilotildees atraacutes apresentadas mas tam-beacutem porque eacute possiacutevel ter outra leitura e importa relacionar este do-cumento epigraacutefico com a ocupaccedilatildeo romana da regiatildeo

Fig 1 ndash Ara de uns vicani a Juacutepiter Foto de Francisco

Sande Lemos

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 2: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

apOstilas epigraacuteficas ndash 8epigraphical NOtes ndash 8

Joseacute drsquoenCarnaccedilatildeo

Reflectendashse sobre quatro monumentos epigraacuteficos romanos jaacute publicados um altar dedicado por vicani a I O M uma estela decorada do Nordeste transmontano o sedutor grafito achado no ano de 2013 em Olisipo e a estela esculturada CIL II 5255 Vejandashse tambeacutem a siacutentese apresentada no final do textoPalavrasndashchave vicani Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo grafitos escultura romana

Complementary reflexions on four epigraphic Roman monuments from the western Hispania a Lusitanian altar dedicated by vicani to I O M a stele with low reliefs from the Northeastern Portugal the graffito found at Olisipo in 2013 and CIL II 5255 See also second abstract at the end of this paperKeywords vicani Iuppiter Optimus Maximus Roman grafitti Roman sculp-ture

1 Vicani e Juacutepiter

Paulatinamente tecircm sido descobertas novas aras dedicadas por vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo

Confirmandashse desta sorte a ideia comummente aceite de que os indiacutegenas procuravam mostrar a sua adesatildeo ao novo conceito poliacute-

Recibido 1652018Aceptado 872018

Universidade de CoimbraCorrespondencia Centro de Estudos de Arqueologia Artes e Ciecircncias do Patrimoacute-nio Universidade de Coimbra Rua Eccedila de Queiroacutes 89 ndash Pampilheira Pndash2750ndash662 Cascais Portugale-mail jdeflucpt

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

28

ticondashreligioso trazido pelos Romanos a veneraccedilatildeo ao deus maior do panteatildeo alheio fonte de progresso e veiacuteculo de poder Mostravandashse por outro lado uma clara vontade de afirmaccedilatildeo local era a mais pe-quena organizaccedilatildeo social ainda que identificada agrave maneira latina a populaccedilatildeo do vicus que fazia questatildeo em perpetuar a sua identidade

Essa dupla e aparentemente contraditoacuteria manifestaccedilatildeo ― de submis-satildeo e de autonomia ― natildeo tinha duacutevida em adoptar o modelo romano consubstanciado na forma (altar) e na expressatildeo (o latim nas palavras e nas foacutermulas)

Compreenderndashsendashaacute quatildeo relevantes satildeo esses documentos epigraacuteficos para o estudo do momento primordial da aculturaccedilatildeo haacute nos antro-poacutenimos a latinizaccedilatildeo do nome autoacutectone haacute nos etnoacutenimos natu-ralmente desajeitada latinizaccedilatildeo da nomenclatura preacutendashexistente Re-levantes sim difiacuteceis no entanto de entender na sua plenitude uma vez que na maior parte dos casos apenas um documento subsiste e tudo se desconhece afinal acerca da organizaccedilatildeo poliacuteticondashsocial que os Romanos vieram encontrar e respeitaram

Paradigmaacutetico como jaacute se sublinhou o caso dos Cobelcos O acha-mento em Almofala por Helena Frade e Joseacute Carlos Caetano do altar fundacional praticamente no seu local de erecccedilatildeo possibilitou a iden-tificaccedilatildeo do siacutetio como sendo a civitas do seu habitat (FE 266) e ex-plicou por seu turno a duacutevida que ateacute aiacute subsistira sobre o verdadeiro significado do antropoacutenimo Cobelcus o de Marialva filho de Flaccus (FE 46) o Modestus Ambati f(ilius) Cobel(cus) de Figueira de Castelo Rodrigo (CIL ii 433) e o Martialis Oclati f(ilius) Cobelcus identificado em Meacuterida (HEp 3 1993 95)

Discutirndashsendashiam desde logo questotildees de linguagem iquestque se deveria entender aqui por civitas iquestEstariacuteamos afinal perante mero sinoacuteni-mo de vicus

Tambeacutem por aiacute creio se logrou chegar a um consenso interpretativo havia uma realidade orgacircnica que as mais diversas razotildees (poliacuteticas econoacutemicas religiosas sociaishellip) haviam contribuiacutedo na sua totali-dade para fomentar e consolidar Impocircsndashse a adopccedilatildeo de um nome

29Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gerador ele proacuteprio de um cimentar de comunidade Escolheundashse um ou outro civitas ou vicus sem que lhes houvesse sido atribuiacutedo um estatuto especiacutefico

Assisti haacute dias a um espectaacuteculo musical caracterizado por sonorida-des inteiramente novas e os criacuteticos de imediato as quiseram classifi-car tendondashse apontado o termo laquoneondashclaacutessicoraquo (e natildeo lsquoneoclaacutessicorsquo para evitar confusotildees com a terminologia consagrada para designar o movimento esteacutetico do seacuteculo xviii e xix) porque ― argumentavandashse ― a raiz claacutessica estava laacute as sonoridades eacute que eram outras Pode ser que o termo seja aceite Assim poderaacute ter acontecido no momento do encontro entre romanos e populaccedilotildees preacutendashexistentes jaacute organizadas escolheundashse um nome soou bem aceitoundashse mesmo sem se ter uma ideia clara acerca do verdadeiro conteuacutedo que inclusive soacute mais tarde viraacute a ser clarificado e eventualmente aceite

Esta seacuterie laquoApostilas epigraacuteficasraquo visa como o nome indica apresentar algum complemento ao estudo jaacute feito de monumentos com algum significado sem a intenccedilatildeo no entanto de ser lsquomais umarsquo interpreta-ccedilatildeo e sim a de contribuir modestamente para o seu esclarecimento e relevacircncia histoacuterica As consideraccedilotildees atraacutes exaradas prendemndashse com um desses casos de que ora me vou ocupar o altar encontrado por Francisco Sande Lemos (era entatildeo Director do Serviccedilo Regional de Arqueologia da Zona Norte) dentro da igreja matriz de Carrazeda de Ansiatildees disseramndashlhe poreacutem que em data que natildeo lhe souberam precisar o monumento tinha sido encontrado no povoado romano sito em Moacutes freguesia de Pombal desse concelho de Carrazeda de An-siatildees distrito de Braganccedila

Corrijandashse desde jaacute RAP 340 onde se daacute proveniecircncia errada que as-sim passou para HEp 4 1994 1016 e tambeacutem para EDCSndash21700638

Essa constitui de facto a primeira referecircncia escrita a essa ara de gra-nito com a seguinte leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI CABR(icenses)

Joseacute Manuel Garciacutea indica que estatildeo em nexo as letras CANI e para ele eacute de identificaccedilatildeo duvidosa a letra inicial do etnoacutenimo confes-

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

30

sando laquoApesar de ela estar bastante afectada natildeo vislumbramos outra hipoacutetese para interpretar os traccedilos existentesraquo (p 403)

Em HEp 4 1016 jaacute soacute se indica que o nexo eacute de ANI

Tambeacutem Jorge Alarcatildeo foi informado verbalmente da descoberta desta epiacutegrafe A ela se refere por conseguinte em 296 (p 44 do fasciacuteculo 1 do volume II do seu Roman Portugal) Explicita que a ara surgiu por ocasiatildeo da laquorealizaccedilatildeo de obras no interior da igreja matrizraquo daacute como leitura IOVIO MVICALABR e acrescenta laquoAparentemente temos aqui testemunho de um ldquovicusrdquo que oficialmente consagrou uma ara a ldquoIuppiter Optimus Maximusrdquoraquo Anotendashse que a informaccedilatildeo relativa agraves obras no templo sugeriu que a pedra estivesse incorporada nalguma das paredes o que como atraacutes se disse natildeo corresponde agrave realidade

Do adro da igreja de S Salvador de Ansiatildees (intrandashmuros da vila amura-lhada de Ansiatildees) onde foi fotogra-fada (eacute a fotografia excelente que ora se reproduz [Fig 1] a partir de Hispania Epigraphica) a ara viria a integrar a exposiccedilatildeo feita no castelo de Ansiatildees aquando da visita pre-sidencial de Maacuterio Soares a 22 de Fevereiro de 1987 estaacute actualmen-te no CICA ― Centro Interpretati-vo do Castelo de Ansiatildees segundo amavelmente me informou o Dr Orlando Sousa

A razatildeo de a incluir neste estudo prendendashse natildeo apenas com as cor-recccedilotildees atraacutes apresentadas mas tam-beacutem porque eacute possiacutevel ter outra leitura e importa relacionar este do-cumento epigraacutefico com a ocupaccedilatildeo romana da regiatildeo

Fig 1 ndash Ara de uns vicani a Juacutepiter Foto de Francisco

Sande Lemos

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 3: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

28

ticondashreligioso trazido pelos Romanos a veneraccedilatildeo ao deus maior do panteatildeo alheio fonte de progresso e veiacuteculo de poder Mostravandashse por outro lado uma clara vontade de afirmaccedilatildeo local era a mais pe-quena organizaccedilatildeo social ainda que identificada agrave maneira latina a populaccedilatildeo do vicus que fazia questatildeo em perpetuar a sua identidade

Essa dupla e aparentemente contraditoacuteria manifestaccedilatildeo ― de submis-satildeo e de autonomia ― natildeo tinha duacutevida em adoptar o modelo romano consubstanciado na forma (altar) e na expressatildeo (o latim nas palavras e nas foacutermulas)

Compreenderndashsendashaacute quatildeo relevantes satildeo esses documentos epigraacuteficos para o estudo do momento primordial da aculturaccedilatildeo haacute nos antro-poacutenimos a latinizaccedilatildeo do nome autoacutectone haacute nos etnoacutenimos natu-ralmente desajeitada latinizaccedilatildeo da nomenclatura preacutendashexistente Re-levantes sim difiacuteceis no entanto de entender na sua plenitude uma vez que na maior parte dos casos apenas um documento subsiste e tudo se desconhece afinal acerca da organizaccedilatildeo poliacuteticondashsocial que os Romanos vieram encontrar e respeitaram

Paradigmaacutetico como jaacute se sublinhou o caso dos Cobelcos O acha-mento em Almofala por Helena Frade e Joseacute Carlos Caetano do altar fundacional praticamente no seu local de erecccedilatildeo possibilitou a iden-tificaccedilatildeo do siacutetio como sendo a civitas do seu habitat (FE 266) e ex-plicou por seu turno a duacutevida que ateacute aiacute subsistira sobre o verdadeiro significado do antropoacutenimo Cobelcus o de Marialva filho de Flaccus (FE 46) o Modestus Ambati f(ilius) Cobel(cus) de Figueira de Castelo Rodrigo (CIL ii 433) e o Martialis Oclati f(ilius) Cobelcus identificado em Meacuterida (HEp 3 1993 95)

Discutirndashsendashiam desde logo questotildees de linguagem iquestque se deveria entender aqui por civitas iquestEstariacuteamos afinal perante mero sinoacuteni-mo de vicus

Tambeacutem por aiacute creio se logrou chegar a um consenso interpretativo havia uma realidade orgacircnica que as mais diversas razotildees (poliacuteticas econoacutemicas religiosas sociaishellip) haviam contribuiacutedo na sua totali-dade para fomentar e consolidar Impocircsndashse a adopccedilatildeo de um nome

29Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gerador ele proacuteprio de um cimentar de comunidade Escolheundashse um ou outro civitas ou vicus sem que lhes houvesse sido atribuiacutedo um estatuto especiacutefico

Assisti haacute dias a um espectaacuteculo musical caracterizado por sonorida-des inteiramente novas e os criacuteticos de imediato as quiseram classifi-car tendondashse apontado o termo laquoneondashclaacutessicoraquo (e natildeo lsquoneoclaacutessicorsquo para evitar confusotildees com a terminologia consagrada para designar o movimento esteacutetico do seacuteculo xviii e xix) porque ― argumentavandashse ― a raiz claacutessica estava laacute as sonoridades eacute que eram outras Pode ser que o termo seja aceite Assim poderaacute ter acontecido no momento do encontro entre romanos e populaccedilotildees preacutendashexistentes jaacute organizadas escolheundashse um nome soou bem aceitoundashse mesmo sem se ter uma ideia clara acerca do verdadeiro conteuacutedo que inclusive soacute mais tarde viraacute a ser clarificado e eventualmente aceite

Esta seacuterie laquoApostilas epigraacuteficasraquo visa como o nome indica apresentar algum complemento ao estudo jaacute feito de monumentos com algum significado sem a intenccedilatildeo no entanto de ser lsquomais umarsquo interpreta-ccedilatildeo e sim a de contribuir modestamente para o seu esclarecimento e relevacircncia histoacuterica As consideraccedilotildees atraacutes exaradas prendemndashse com um desses casos de que ora me vou ocupar o altar encontrado por Francisco Sande Lemos (era entatildeo Director do Serviccedilo Regional de Arqueologia da Zona Norte) dentro da igreja matriz de Carrazeda de Ansiatildees disseramndashlhe poreacutem que em data que natildeo lhe souberam precisar o monumento tinha sido encontrado no povoado romano sito em Moacutes freguesia de Pombal desse concelho de Carrazeda de An-siatildees distrito de Braganccedila

Corrijandashse desde jaacute RAP 340 onde se daacute proveniecircncia errada que as-sim passou para HEp 4 1994 1016 e tambeacutem para EDCSndash21700638

Essa constitui de facto a primeira referecircncia escrita a essa ara de gra-nito com a seguinte leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI CABR(icenses)

Joseacute Manuel Garciacutea indica que estatildeo em nexo as letras CANI e para ele eacute de identificaccedilatildeo duvidosa a letra inicial do etnoacutenimo confes-

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

30

sando laquoApesar de ela estar bastante afectada natildeo vislumbramos outra hipoacutetese para interpretar os traccedilos existentesraquo (p 403)

Em HEp 4 1016 jaacute soacute se indica que o nexo eacute de ANI

Tambeacutem Jorge Alarcatildeo foi informado verbalmente da descoberta desta epiacutegrafe A ela se refere por conseguinte em 296 (p 44 do fasciacuteculo 1 do volume II do seu Roman Portugal) Explicita que a ara surgiu por ocasiatildeo da laquorealizaccedilatildeo de obras no interior da igreja matrizraquo daacute como leitura IOVIO MVICALABR e acrescenta laquoAparentemente temos aqui testemunho de um ldquovicusrdquo que oficialmente consagrou uma ara a ldquoIuppiter Optimus Maximusrdquoraquo Anotendashse que a informaccedilatildeo relativa agraves obras no templo sugeriu que a pedra estivesse incorporada nalguma das paredes o que como atraacutes se disse natildeo corresponde agrave realidade

Do adro da igreja de S Salvador de Ansiatildees (intrandashmuros da vila amura-lhada de Ansiatildees) onde foi fotogra-fada (eacute a fotografia excelente que ora se reproduz [Fig 1] a partir de Hispania Epigraphica) a ara viria a integrar a exposiccedilatildeo feita no castelo de Ansiatildees aquando da visita pre-sidencial de Maacuterio Soares a 22 de Fevereiro de 1987 estaacute actualmen-te no CICA ― Centro Interpretati-vo do Castelo de Ansiatildees segundo amavelmente me informou o Dr Orlando Sousa

A razatildeo de a incluir neste estudo prendendashse natildeo apenas com as cor-recccedilotildees atraacutes apresentadas mas tam-beacutem porque eacute possiacutevel ter outra leitura e importa relacionar este do-cumento epigraacutefico com a ocupaccedilatildeo romana da regiatildeo

Fig 1 ndash Ara de uns vicani a Juacutepiter Foto de Francisco

Sande Lemos

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 4: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

29Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gerador ele proacuteprio de um cimentar de comunidade Escolheundashse um ou outro civitas ou vicus sem que lhes houvesse sido atribuiacutedo um estatuto especiacutefico

Assisti haacute dias a um espectaacuteculo musical caracterizado por sonorida-des inteiramente novas e os criacuteticos de imediato as quiseram classifi-car tendondashse apontado o termo laquoneondashclaacutessicoraquo (e natildeo lsquoneoclaacutessicorsquo para evitar confusotildees com a terminologia consagrada para designar o movimento esteacutetico do seacuteculo xviii e xix) porque ― argumentavandashse ― a raiz claacutessica estava laacute as sonoridades eacute que eram outras Pode ser que o termo seja aceite Assim poderaacute ter acontecido no momento do encontro entre romanos e populaccedilotildees preacutendashexistentes jaacute organizadas escolheundashse um nome soou bem aceitoundashse mesmo sem se ter uma ideia clara acerca do verdadeiro conteuacutedo que inclusive soacute mais tarde viraacute a ser clarificado e eventualmente aceite

Esta seacuterie laquoApostilas epigraacuteficasraquo visa como o nome indica apresentar algum complemento ao estudo jaacute feito de monumentos com algum significado sem a intenccedilatildeo no entanto de ser lsquomais umarsquo interpreta-ccedilatildeo e sim a de contribuir modestamente para o seu esclarecimento e relevacircncia histoacuterica As consideraccedilotildees atraacutes exaradas prendemndashse com um desses casos de que ora me vou ocupar o altar encontrado por Francisco Sande Lemos (era entatildeo Director do Serviccedilo Regional de Arqueologia da Zona Norte) dentro da igreja matriz de Carrazeda de Ansiatildees disseramndashlhe poreacutem que em data que natildeo lhe souberam precisar o monumento tinha sido encontrado no povoado romano sito em Moacutes freguesia de Pombal desse concelho de Carrazeda de An-siatildees distrito de Braganccedila

Corrijandashse desde jaacute RAP 340 onde se daacute proveniecircncia errada que as-sim passou para HEp 4 1994 1016 e tambeacutem para EDCSndash21700638

Essa constitui de facto a primeira referecircncia escrita a essa ara de gra-nito com a seguinte leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI CABR(icenses)

Joseacute Manuel Garciacutea indica que estatildeo em nexo as letras CANI e para ele eacute de identificaccedilatildeo duvidosa a letra inicial do etnoacutenimo confes-

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

30

sando laquoApesar de ela estar bastante afectada natildeo vislumbramos outra hipoacutetese para interpretar os traccedilos existentesraquo (p 403)

Em HEp 4 1016 jaacute soacute se indica que o nexo eacute de ANI

Tambeacutem Jorge Alarcatildeo foi informado verbalmente da descoberta desta epiacutegrafe A ela se refere por conseguinte em 296 (p 44 do fasciacuteculo 1 do volume II do seu Roman Portugal) Explicita que a ara surgiu por ocasiatildeo da laquorealizaccedilatildeo de obras no interior da igreja matrizraquo daacute como leitura IOVIO MVICALABR e acrescenta laquoAparentemente temos aqui testemunho de um ldquovicusrdquo que oficialmente consagrou uma ara a ldquoIuppiter Optimus Maximusrdquoraquo Anotendashse que a informaccedilatildeo relativa agraves obras no templo sugeriu que a pedra estivesse incorporada nalguma das paredes o que como atraacutes se disse natildeo corresponde agrave realidade

Do adro da igreja de S Salvador de Ansiatildees (intrandashmuros da vila amura-lhada de Ansiatildees) onde foi fotogra-fada (eacute a fotografia excelente que ora se reproduz [Fig 1] a partir de Hispania Epigraphica) a ara viria a integrar a exposiccedilatildeo feita no castelo de Ansiatildees aquando da visita pre-sidencial de Maacuterio Soares a 22 de Fevereiro de 1987 estaacute actualmen-te no CICA ― Centro Interpretati-vo do Castelo de Ansiatildees segundo amavelmente me informou o Dr Orlando Sousa

A razatildeo de a incluir neste estudo prendendashse natildeo apenas com as cor-recccedilotildees atraacutes apresentadas mas tam-beacutem porque eacute possiacutevel ter outra leitura e importa relacionar este do-cumento epigraacutefico com a ocupaccedilatildeo romana da regiatildeo

Fig 1 ndash Ara de uns vicani a Juacutepiter Foto de Francisco

Sande Lemos

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 5: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

30

sando laquoApesar de ela estar bastante afectada natildeo vislumbramos outra hipoacutetese para interpretar os traccedilos existentesraquo (p 403)

Em HEp 4 1016 jaacute soacute se indica que o nexo eacute de ANI

Tambeacutem Jorge Alarcatildeo foi informado verbalmente da descoberta desta epiacutegrafe A ela se refere por conseguinte em 296 (p 44 do fasciacuteculo 1 do volume II do seu Roman Portugal) Explicita que a ara surgiu por ocasiatildeo da laquorealizaccedilatildeo de obras no interior da igreja matrizraquo daacute como leitura IOVIO MVICALABR e acrescenta laquoAparentemente temos aqui testemunho de um ldquovicusrdquo que oficialmente consagrou uma ara a ldquoIuppiter Optimus Maximusrdquoraquo Anotendashse que a informaccedilatildeo relativa agraves obras no templo sugeriu que a pedra estivesse incorporada nalguma das paredes o que como atraacutes se disse natildeo corresponde agrave realidade

Do adro da igreja de S Salvador de Ansiatildees (intrandashmuros da vila amura-lhada de Ansiatildees) onde foi fotogra-fada (eacute a fotografia excelente que ora se reproduz [Fig 1] a partir de Hispania Epigraphica) a ara viria a integrar a exposiccedilatildeo feita no castelo de Ansiatildees aquando da visita pre-sidencial de Maacuterio Soares a 22 de Fevereiro de 1987 estaacute actualmen-te no CICA ― Centro Interpretati-vo do Castelo de Ansiatildees segundo amavelmente me informou o Dr Orlando Sousa

A razatildeo de a incluir neste estudo prendendashse natildeo apenas com as cor-recccedilotildees atraacutes apresentadas mas tam-beacutem porque eacute possiacutevel ter outra leitura e importa relacionar este do-cumento epigraacutefico com a ocupaccedilatildeo romana da regiatildeo

Fig 1 ndash Ara de uns vicani a Juacutepiter Foto de Francisco

Sande Lemos

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 6: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

31Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

Em primeiro lugar a leitura

IOVI O(ptimo) M(aximo) VICANI ZABR[hellip]

A Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo ― os vicanos Zabr

Creio poder afirmar que se vecirc o I no final da linha 3 pelo que o nexo eacute apenas o vulgar NA Quanto agrave letra inicial do etnoacutenimo compreen-dendashse que se haja hesitado na leitura Z dada a raridade com que este fonema aparece e a sua habitual correlaccedilatildeo com ambientes em que o grego seja a liacutengua dominante Natildeo se encontra palavra que comece por zabndash pelo que a explicaccedilatildeo possiacutevel eacute que a populaccedilatildeo tivesse mes-mo dificuldade em tornar expliacutecito o seu nome atraveacutes dos caracteres latinos afigurandashsendashme que poderia haver mesmo um Z ali grafado com o corte mediano obliacutequo cursivo Natildeo sendo esta forma regista-da por Battle (p 17 fig 25) tornandashse aliciante pensar que perante a duacutevida suscitada quiccedilaacute pela insoacutelita pronuacutencia difiacutecil de transpor para a nomenclatura latina o lapicida tenha optado por gravar algo de in-soacutelito tambeacutem

Caso natildeo venha a encontrarndashse outro documento elucidativo man-terndashnosndashemos portanto na ignoracircncia da identificaccedilatildeo especiacutefica des-tes vicani Em todo o caso haacute todavia uma reflexatildeo a fazer tendo em conta a registada proximidade de outros etnoacutenimos Assim como Francisco Sande Lemos teve ensejo de me referir em 4 de Marccedilo de 2005 laquoa relevacircncia do assunto eacute tanto maior quanto temos um outro possiacutevel vicus (Tiria ou Liria) na Senhora da Ribeira tambeacutem do termo de Carrazeda de Ansiatildees e muito proacuteximo a inscriccedilatildeo de Vila Maior no concelho de Torre de Moncorvoraquo Tambeacutem em ambos os casos haacute duacutevidas quanto agrave identificaccedilatildeo dos topoacutenimos ou etnoacuteni-mos no primeiro caso (HEpOL nordm 7641) temndashse lido Tutelae Liriensi [vel Tiriensi] no segundo a uma primeira leitura dubitativa ILEX[hellip] [Fig 2] seguiundashse de certo modo para correlacionar com a citada Tutela LIR[hellip] Liriensis o que permitiu supor aiacute a localizaccedilatildeo de um vicus Liriensis (HEp 17 2008 nordm 219) O editor de AE 2001 1209 que data o monumento da 1ordf metade do seacuteculo I d C escreve

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 7: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

32

laquoNo final parece preferiacutevel ler LI EX em vez de ILEX atendendo agrave fotografia (o X quase natildeo figura nos antigos topoacutenimos da regiatildeo) natildeo teriacuteamos aiacute o nome dos habitantes mas somente a foacutermula final como por vezes acontece quando a dedicatoacuteria se concretiza no proacute-prio vicus cujo nome eacute de todos conhecido por exemplo li(bentes) ex [uot(o) p(osuerunt)]raquo

Mesmo sem ter em conta os epiacutetetos das divindades indiacutegenas desig-nadamente de Banda ou de Cosus dirndashsendashaacute que se torna sintomaacutetico verificar que em Fiatildees do vizinho concelho de Valpaccedilos a I O M os vicani Vagornicenses [] consagram uma ara (HEpOL 6708) em Ama-rante (jaacute no distrito do Porto) vemos idecircntica atitude por parte duns vicani Atucause[nses] (HEpOL 12 604) em Coriscada (Meda) no bem chegado distrito da Guarda os vicani [hellip]goaboaic(enses) veneram o deus maior romano (HEpOL 18 512)hellip

Sistemaacuteticas duacutevidas em relaccedilatildeo agrave grafia dos adjectivos identificativos confirmam que o grau de alfabeti-zaccedilatildeo digamos assim da populaccedilatildeo indiacutegena natildeo se pautava ainda pelos miacutenimos da latinidade O facto de ― como aqui ― a palavra natildeo es-tar completa significa que todos a compreendem como o editor de AE assinala na sua totalidade

Compreendendashse que seja perturba-dor noacutes desconhecermos hoje es-ses nomes e tal nos alicie a procurar ver quer atraveacutes dos vestigios ar-queoloacutegicos quer pela semelhanccedila com a toponiacutemia actual onde po-deriam localizarndashse Reconhecendashse aliaacutes que Jorge Alarcatildeo aten-dendo ao tom geral interrogativo das suas observaccedilotildees sobre os vici do Alto Douro (2008 p 107ndash109)

Fig 2 ndash Ara de Torre de Mon-corvo Foto de Susana Bailarim

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 8: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

33Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

partilha no fundo dessa opiniatildeo laquoEstas consideraccedilotildees linguiacutesticas satildeo provavelmente ociosasraquo escreve Estamos de acordo

Ao estudar a panoracircmica entatildeo conhecida das referecircncias a vici e a pagi na Hispacircnia Leonard Curchin conclui (1985 p 343) que laquoin ter-ms of activity the vici are most often attested making religious dedi-cations to indigenous godsraquo opiniatildeo que jaacute natildeo manteraacute atendendo agraves dedicatoacuterias a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo mas tambeacutem estas confirmam que os nossos conhecimentos acerca da existecircncia de vici repousa fun-damentalmente nos exndashvotos que erigiram Depois de verificar que haacute preponderacircncia de vici laquoin the Celtic areas of the Peninsularaquo o que em seu entender laquoundoubtedly accounts for the partial resemblance to their northern cousinsraquo ou seja da Gaacutelia salienta Curchin que laquothe rural vici probably perpetuate prendashRoman villagesraquo Eu retiraria o laquoprobablyraquo essas dedicatoacuterias documentam na verdade a existecircncia de aglomerados populacionais preacutendashromanos Acrescento a sua relativa abundacircncia ― e focarndashmendashia expressamente na aacuterea em apreccedilo ― atesta quanto teraacute sido difiacutecil para os Romanos gerir todas essas auto-nomias locais Este eacute a meu ver um aspecto a ter na devida conta Se ateacute os respectivos nomes eram difiacuteceis de pronunciar e de escrever

2 Iullio

E vamos manterndashnos nessa regiatildeo do Nordeste transmontano porque me dei conta de que embora referida ainda mais se poderia acres-centar a propoacutesito da pequena estela que com o nordm de inventaacuterio 2005971 se guarda no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa

Em Janeiro de 2006 o Doutor Fernando Coimbra facultoundashme a fo-tografia [Fig 3] ― porque se encontrava a preparar a tese de douto-ramento sobre a suaacutestica que viria a defender em Salamanca no ano seguinte e essa estela apresenta no topo um laquotriacutescele ou uma suaacutestica flamejanteraquo ― e perguntavandashme se eu saberia a sua procedecircncia por-que estava oficialmente indicada como de laquoproveniecircncia desconheci-daraquo Incluiundasha naturalmente no seu cataacutelogo sob o nordm 148 (p 435) com proveniecircncia dubitativa de Miranda do Douro atendendo ao nuacute-mero de estelas com essa decoraccedilatildeo daiacute procedentes e inseriu na p 115 do II volume (p 115) a fotografia que me facultara

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 9: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

34

laquoPequena laacutepide de maacutermore com cabeceira semicircular onde se observa um possiacutevel triacutesceles dextrorso inserido num ciacuterculo Mais abaixo existem duas cartelas [hellip] sendo a mais estreita anepiacutegrafa e contendo a mais larga a seguinte inscriccedilatildeo

D(iis) M(anibus) VAL O raquo

Fig 3 ndash Pequena estela de Iullius Foto de Fernando Coimbra

Acrescenta na nota 137 que sendo laquouma peccedila de dimensotildees muito mais pequenas que o habitualraquo esse facto laquojuntamente com a inexis-tecircncia de indicaccedilatildeo da idade do defunto estando a inscriccedilatildeo completa levandashnos a colocar a hipoacutetese de se tratar do epitaacutefio de um bebeacuteraquo

Pedi a colaboraccedilatildeo de duas das teacutecnicas superiores do Museu Nacional de Arqueologia ― as dras Ana Isabel Palma Santos e Luiacutesa Guerrei-

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 10: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

35Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

ro ― que prontamente me facultaram os dados que sobre o monu-mento existiam em arquivo o que mui penhoradamente agradeccedilo

Figuram na Matriz as seguintes dimensotildees (em centiacutemetros) altura 36 largura 17 espessura 7 Assinalandashse laquoum restauro antigo na aacuterea superior ocupando parte do topo ateacute ao iniacutecioraquo

A leitura de Fernando Coimbra foi influenciada por mim porque a foto me sugerira de facto o nexo VAL uma vez que agrave primeira vis-ta poderia haver inclusive um E mais pequeno no final da linha A fotografia de pormenor que Luiacutesa Guerreiro teve a gentileza de fazer [Fig 4] confirmou claramente a leitura que de seguida se daacute na ficha de inventaacuterio

D(iis) M(anibus) IVLLIO

laquoAos deuses Manes A Juacutelio

Altura das letras l 1 25 l 2 2225 (I = 21) l 3 2

Gravaccedilatildeo com goiva Pontos circulares fundos M largo V bastante aberto travessotildees do L levemente obliquado para baixo o segundo I mais pequeno com o veacutertice inferior acima do travessatildeo do L para aproveitar espaccedilo O natildeo perfeitamente circular dada a dificuldade da gravaccedilatildeo

A grafia com dois LL a que pode aliarndashse a circunstacircncia de ao de-funto ter sido dado nome que eacute um gentiliacutecio denota incipiente do-miacutenio da linguagem epigraacutefica e denuncia manifesta predilecccedilatildeo por um antropoacutenimo que por ser o da famiacutelia imperial estaria de moda e exerceria natural fasciacutenio junto da populaccedilatildeo indiacutegena

Natildeo eacute excepcional a adopccedilatildeo de Iulius como nomen para nome uacuteni-co vejandashse o mapa 158 do Atlas Antroponiacutemico da Lusitacircnia Romana Tambeacutem outros exemplos haacute na Hispacircnia da grafia deste vocaacutebulo com dois LL Iullia Modesta num exndashvoto agrave divindade Endoveacutelico (HEpOL 23 794) o cidadatildeo romano M Iullius Crescens de Torres Ve-dras (HEpOL 21 374) Iullius Gracilis de Puebla de Trives na Galiacutecia (HEpOL 8352) ou Iullius Auctillus de Valeras (HEpOL 6733)hellip

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 11: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

36

Fig 4 ndash Pormenor da epiacutegrafe da Fig 3 Foto de Luiacutesa Guerreiro

Natildeo deixa de ser sedutora a hipoacutetese de Fernando Coimbra de estar-mos perante o epitaacutefio de uma crianccedila mas nada se poderaacute adiantar a esse respeito inclusive porque de um modo geral quando haacute epitaacutefios de crianccedilas os pais natildeo escondem a sua tristeza mediante a especifi-caccedilatildeo por exemplo da tenra idade em que o filho faleceu Dado na verdade o singular diminuto tamanho da epiacutegrafe natildeo seraacute essa uma hipoacutetese descabida mormente se atentarmos no facto de o nome vir em dativo como que a simbolizar a homenagem que desta maneira se faz e a sublinhar que mais ningueacutem seraacute sepultado ali

Restandashnos por conseguinte esclarecer o que pode dar alguma pista acerca da proveniecircncia do monumento que (dubitativamente) Fer-nando Coimbra integrou no conjunto achado no concelho de Miranda do Douro atendendo agraves afinidades esteacuteticas

Passou o Abade de Baccedilal Padre Francisco Manuel Alves para publi-caccedilatildeo nrsquoO Archeologo Portuguez os apontamentos de acircmbito arqueoloacute-

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 12: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

37Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

gico que o major Celestino Beccedila deixara Ora em relaccedilatildeo a Bemposta freguesia do concelho de Mogadouro escrevendashse que no castro de Oleiros se identificou laquouma ne-croacutepole aonde se encontraram 11 laacutepides funeraacuterias uma estaacute na va-randa do abade Buraco dos Mou-rosraquo (p 102) Curioso eacute verificar que na paacutegina seguinte (103) se lecirc laquoLaacutepide em casa do abade da Bemposta colocada ao lado direi-to da escada da varanda Apareceu no Castelo de Oleiros com mais dez Vestiacutegio de casas com telhas de rebordoraquo Creio ser bem possiacute-vel interpretar esta repeticcedilatildeo como sendo a legenda do desenho [Fig 5] que constava do manuscrito reproduzido na p 102 e que re-presenta a epiacutegrafe em questatildeo a uacutenica a que Celestino Beccedila tivera acesso Por conseguinte teraacute sido daiacute do castro de Oleiros (Bempos-ta Mogadouro) que o epitaacutefio de Iullius proveio

3 Pauper

Publicaram Jorge Parreira e Marta Macedo da empresa ERA ― Ar-queologia o relatoacuterio dos laquotrabalhos arqueoloacutegicos realizados no acircm-bito do empreendimento do Parque de Estacionamento da Praccedila D Luiacutes I em Lisboaraquo entre Janeiro e Marccedilo de 2013 no canto noroeste da referida praccedila onde se identificara laquoum contexto romano directa-mente sob a grande mareacute do seacuteculo XVII aqui descoberta tratandondashse provavelmente de uma aacuterea de fundeadouroraquo

Referem os autores como sendo laquoum dos achados mais relevantesraquo o laquofragmento de bojo provavelmente de um potinho no qual foi

Fig 5 ndash Desenho da autoria de Celestino Beccedila (inserto nrsquoO AP)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 13: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

38

desenhado um longo grafitoraquo Leram na l 1 PAVPIIRI equivalente a PAVPERI (como muito bem assinalaram) adiantando natildeo ser possiacutevel laquouma leitura segura da segunda linharaquo (p 749) Eacute apresentado desenho ― laquoACH 9 (p 754)raquo ― e foindashme facultada a fotografia que com a devida veacutenia aqui se reproduzem [Fig 6 e 6a]

Leitura PAVPIIRI[hellip]S VIRIIS AVT PO[hellip]

Gravadas com goiva apoacutes a cozedura as duas linhas que restam do grafito apresentamndashse muito bem delineadas sendo possiacutevel ateacute apercebermondashnos da preacutendashexistecircncia de teacutenues linhas auxiliares O P ― aberto ― eacute de fino recorte A tambeacutem aberto de hastes que natildeo chegam a tocarndashse no veacutertice V de moacutedulo mais pequeno E grafado com dois II opccedilatildeo normal em grafitos R feito a partir do P elegante Na l 2 creio possiacutevel ver a parte superior de um S e depois IR em nexo de novo E grafado com dois II o S muito oblongo a barra do T pode ter coincidido com a linha auxiliar

Fig 6 ndash Desenho do fragmen-to com parte de um grafito

De ERA ― Arqueologia

Fig 6a ndash Fotografia do potinho com o grafito De ERA ―

Arqueologia

Concordo eacute achado relevante porque na verdade tambeacutem se me afi-gura que a uacutenica leitura plausiacutevel da l 1 eacute a da palavra pauperi Se o S inicial da l 2 constitui o final dessa palavra teriacuteamos nesse caso o plural pauperibus ou menos provavelmente o genitivo pauperis Apa-rentemente natildeo padece duacutevida o significado do vocaacutebulo tratandashse de pauper laquopobreraquo substantivo comum ou adjectivo Eacute raro como se

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 14: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

39Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

compreende o seu uso como antropoacutenimo embora decirc a impressatildeo que poderaacute ter sido lsquomodarsquo na Regio X itaacutelica onde encontraacutemos por exemplo um C Petronius Pauper (CIL V 1333 ― Aquileia) e um L Iunius Pauper (CIL V 3290 ― Verona)

Na documentaccedilatildeo epigraacutefica romana o vocaacutebulo surge habitualmen-te num contexto de benemerecircncia de louvor a quem durante a vida teve atenccedilatildeo para com os pobres o que se torna mais comum em am-biente cristatildeo Do jovem Aper se diz num epitaacutefio meacutetrico de Tarra-gona que viveu pobre e foi soliacutecito para com os amigos laquopauper vixisti fuisti pronus amicisraquo (HEpOL Regordm nordm 19 623) A frase constante do grafito de Olisipo pode agrave partida comeccedilando por laquoao pobreraquo ou laquoaos pobresraquo ter duas conotaccedilotildees uma humoriacutestica em que se brinque com a condiccedilatildeo de pobre outra sentenciosa em que se ponha como quem diz laquoo dedo na feridaraquo ao sublinhar a tristeza dessa condiccedilatildeo A eventual junccedilatildeo da palavra vires laquoforccedilasraquo a pauperis ou pauperibus seguida de aut (laquoouraquo) sugeriria que a bebida ou o conteuacutedo do poti-nho ateacute ao(s) pobre(s) poderia trazer forccedilas ou outro recurso vital para quem o saboreassehellip

Porventura uma observaccedilatildeo mais atenta do que resta do grafito e de modo especial da possiacutevel comparaccedilatildeo com algum texto literaacuterio que consigne essas ideias poderaacute vir a trazer nova luz a este bem singular grafito Em todo o caso confirmandashse sem lugar para duacutevidas eacute um laquoachado relevanteraquo a documentar qualquer que seja a interpretaccedilatildeo que vier a darndashsendashlhe um grau de cultura natildeo despiciendo

4 CIL II 5255

De excelente apresentaccedilatildeo graacutefica o livro da autoria do saudoso Joatildeo L Inecircs Vaz sobre a cidade e o territoacuterio da actual Lamego na eacutepoca ro-mana deteacutem relevacircncia que sempre cumpre dar a uma obra de siacutentese sobretudo se realizada por quem de haacute muito calcorreou o territoacuterio em demanda dos traccedilos da Antiguidade

Depois de se referir a laquoalguns povos da Lusitacircniaraquo a atenccedilatildeo vai para os Coilarnos que localiza em Lamego cidade de que se analisa o nome o urbanismo e os vestiacutegios romanos com especial destaque para as esculturas (p 39ndash46)

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 15: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

40

Foram todavia as epiacutegrafes (5 de Balsematildeo 11 de Lamego e mais 3 do termo lamecense) que mais o interessaram dada a sua formaccedilatildeo cumprida na escola de Coimbra

Natildeo lhe foi possiacutevel rever pausadamente esse texto mormente se ti-vermos em conta as dificuldades que algumas das inscriccedilotildees realmente apresentam Eacute o caso da estela de Penude (p 96ndash97) que tem no Museu de Lamego o nordm de inventaacuterio 585 Embora conhecida de haacute muito merece em meu entender mais pormenorizada referecircncia

41 Panoracircmica dos estudos feitos

Emiacutelio Huumlbner (CIL II 5255) [Fig 7] obteve informaccedilatildeo do monu-mento por intermeacutedio de Martins Sarmento a quem o director do Museu de Lamego enviara o respectivo decalque Daacute conta de que fora

Fig 7 ndash Coacutepia da ficha de CIL II 5255

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 16: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

41Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

encontrado na Quintela de Penude ou seja a 7 km de Lamego para sudoeste lsquoservindo de padieira num casebre do proacuteprio indiviacuteduo que a achara muito proacuteximo dalirsquo Borges de Figueiredo (1888 p 172) admitiraacute erradamente que estava nas muralhas do castelo de Lame-go Acrescenta que as letras ― laquoboasraquo ― lhe parecem ser do seacuteculo I (laquosaeculi ut videntur primiraquo)

Declara que o texto se lecirc bem e adianta a seguinte hipoacutetese de inter-pretaccedilatildeo (laquofortasse significatraquo) dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io) fi(lio) Ton(getamo) a(nnorum) XVI Em sua opiniatildeo eacute minus probabiliter a sugestatildeo interpretativa de Figueiredo F(lavii) Par(ati) fi(lii) Ton(getami)

O monumento [Fig 8] natildeo passou desperce-bido a Leite de Vasconcelos que lhe alude no vol III das Religiotildees da Lusitacircnia na secccedilatildeo III (culto dos mortos) e no capiacutetulo das laquoins-culpturas symbolicasraquo Por isso a sua atenccedilatildeo vai para a decoraccedilatildeo patente na fig 239 reti-rada de Borges de Figueiredo que estilizada-mente mostra a estela laquoNa fig 239ordf haacute trecircs pessoas de peacute ― uma central nua ou de tuacutenica e duas laterais de amplas roupagens interpreto aquela como representaccedilatildeo do de-funto que contava 16 anos de idade e estas como representaccedilatildeo dos paisraquo (p 455ndash457)

Teve Joatildeo Vaz particular carinho diriacuteamos por este monumento pois o escolheu para ilustrar a capa do Breve Cataacutelogo das Inscri-ccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo que publicara em 1982 na revis-ta Beira Alta e que pocircde servir desta sorte como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria pa-tente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

Fig 8 ndash Estela com baixondashrelevo Foto gentilmente cedi-da pelo director do Museu de Lamego

copy MC ndash DRCN ndash Mu-seu de Lamego Foto-grafia de Joseacute Pessoa

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 17: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

42

Eacute o nordm VI desse cataacutelogo (p 12) Joatildeo Vaz retoma em parte o que Bor-ges de Figueiredo preconizara mas daacute uma versatildeo diferente Assim para ele F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) teraacute mandado lavrar o monumento para um filho Tocircngio ou para uma filha de nome Tocircngia ou Tongeta

Assinala a presenccedila no laquofrontatildeo triangularraquo do baixondashrelevo a repre-sentar laquoa luaraquo laquosiacutembolo astralraquo Pergunta se deveraacute aceitarndashse a hipoacute-tese de interpretaccedilatildeo das figuras adiantada por Leite de Vasconcelos e conclui laquoHaacute um uso grande de abreviaturas pelo que se torna difiacutecil uma interpretaccedilatildeo completa No entanto a que indicamos parecendashnos a mais loacutegicaraquo

Esta sua interpretaccedilatildeo seraacute incluiacuteda em AE 1983 480 cujo editor co-menta

laquoPrefeririacuteamos regressar a uma versatildeo proacutexima mas natildeo idecircntica da proposta pelo CIL Dibus M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(iissimo ou io) fi(lio) Ton(cio) a(nnorum) XVI Retemos Toncio em vez de Ton-getamo indicado por Huumlbnerraquo

No livro de 2007 a que comeccedilaacutemos por nos referir Joatildeo Vaz trata do monumento nas p 96ndash97 Retoma (tendo deixado escapar duas gralhas) a leitura anterior e faz comentaacuterios sobre a distribuiccedilatildeo dos nomes com o radical Flavndash nada diz sobre a eventual presenccedila do cognomen Paratus

Em HEpOL nordm 22 048 a leitura eacute Dibus() M(anibus) f(ecerunt) par(entes) p(io ndashiissimo) fi(lio) Ton[ndash ndash ndash] a(nnorum) XVI Em EDCSndash05600554 a versatildeo eacute idecircntica uma vez que soacute eacute posta a hipoacute-tese p(iissimo)

Sob o nordm 205 (p 416) e o tiacutetulo laquoestela de Tongetaraquo Luiacutes Jorge Gon-ccedilalves faz uma ficha pormenorizada da peccedila na bibliografia refere por distracccedilatildeo Huumlbner 1869 quando eacute soacute no suplemento do CIL II datado de 1892 como vimos que a epiacutegrafe eacute mencionada e segue a interpretaccedilatildeo de Vaz 1982 p 12 (ou seja segue a paginaccedilatildeo do cataacutelo-go mas atribuindashlhe data errada)

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 18: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

43Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

DIBVS M(anibus) F(lavius) PAR(atus) P(arati) (filius) F(ilio) vel F(iliae) TON(gio) vel TO(giae) [sic] vel TON(getae) A(nno-rum) XVI (sedecim)

Descreve pormenorizadamente o modo como as figuras estatildeo esculpi-das em baixondashrelevo (p 416) concorda com a interpretaccedilatildeo de Leite de Vasconcelos ― o defunto na figura central ladeado pelos pais e tece na p 417 consideraccedilotildees especificamente escultoacutericas que por isso nos interessam Satildeo em seu entender laquorepresentaccedilotildees estaacuteticasraquo que evidenciam laquouma plaacutestica tosca ao niacutevel da figuraccedilatildeoraquo Se assim se patenteia o amor dos pais pelo filho haacute um pormenor sugestivo laquoos pais escondidos a observar o filho a andar o que confere dinacircmica agrave cenaraquo Se o artista revela laquoum perfeito domiacutenio do espaccedilo da estelaraquo e sabe trabalhar o granito o certo eacute que as figuras assumem um laquoestilo infantilraquo satildeo captadas na sua essecircncia simbolicamente

Verifiquendashse que apesar do tiacutetulo ― laquoestela de Tongetaraquo ― Luiacutes Jorge Gonccedilalves fala sempre de lsquofilhorsquo no masculino

42 Propostas de reflexatildeo

No que respeita agrave decoraccedilatildeo a primeira ideia que me ocorre eacute o pa-ralelo passiacutevel de encontrarndashse na Roma republicana nos epitaacutefios de libertos em que estatildeo representados pai e matildee a olharem de certo modo embevecidos para o filho Salienta Georges Fabre ― que estu-dou pormenorizadamente o meio dos libertos nessa eacutepoca (1981) ― como desta forma se manifesta a ternura dos progenitores para com o filho que vai poder ser cidadatildeo (ibidem p 204ndash206 e fig 46) Natildeo se duvida que igual ternura estaraacute patente no monumento de Penude O filho ― tratandashse sem duacutevida duma representaccedilatildeo masculina e o facto de estar sem roupa foi o estratagema usado pelo canteiro para melhor conseguir essa frustre representaccedilatildeo ― ainda que ligeiramente inclina-do e aparentemente de braccedilos apoiados nas ancas tem cabeccedila maior que a dos pais para se assinalar que eacute ele a personagem principal Do pai foi representada a cabeccedila agrave esquerda do filho e imaginandashse o cor-po na superfiacutecie que natildeo foi desbastada A cabeccedila da matildee agrave direita eacute maior porque se pretendeu mostrar o penteado mas tambeacutem lhe foram rasgados os olhos e quase imperceptivelmente a boca teraacute a

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 19: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

44

maior amplitude da superfiacutecie por trabalhar a intenccedilatildeo de simular a sua ampla veste natildeo sendo de todo inverosiacutemil que a espeacutecie de lsquojanelarsquo que nela se abre pretenda mostrar parte da perna Apesar da imperiacutecia natildeo pode negarndashse que eacute cena plena de ingenuidade Natildeo creio toda-via que houvesse por parte do lsquoescultorrsquo a preocupaccedilatildeo em esconder os pais ou sequer de os deixar em segundo plano porque ― numa circunstacircncia destas ― o importante eacute mesmo mostrar a famiacutelia toda

Por cima dessa cartela no frontatildeo um crescente tambeacutem em relevo de pontas para cima todo ele da mesma largura sem preocupaccedilotildees portanto de qualquer realismo Desde Cumont que se aceita a ideia de que a Lua foi pelos Antigos considerada a laquomorada dos mortosraquo daiacute a sua frequente representaccedilatildeo nos monumentos sepulcrais

Em meu entender cumpre reflectir sobre o mais verosiacutemil significado da epiacutegrafe dentro do referido contexto figurativo Assim PAR natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de PAR(entes) sendo absolutamente de excluir um cognomen Paratus que tem um sentido demasiadamente erudito para o ambiente indiacutegena em que nos movemos Paratus signi-fica laquopreparadoraquo e no conjunto do CIL natildeo chega a 50 o nuacutemero dos testemunhos (Kajanto p 260) e em ambiente urbano segundo pude aperceberndashme ao compulsar os registos de EDCS

A forma Dibus por D(iis) esta seguramente mais erudita natildeo eacute estra-nha sendo comum de modo especiacutefico na expressatildeo Dibus Deabus-que quando se pretende abarcar a totalidade dos nuacutemenes protectores dum local

O que mais tem perturbado a interpretaccedilatildeo da epiacutegrafe eacute a 3ordf linha onde FI natildeo pode ser senatildeo a abreviatura de FI(lio) e TON a identifi-caccedilatildeo do defunto

Natildeo me repugna antes compreendo ― atendendo agrave dor dos progeni-tores ― a repeticcedilatildeo da palavra filho como quem acentua laquoEacute o meu filho que repousa aqui eacute ele mesmoraquo

Quanto ao nome porventura teremos de encarar doravante as inscri-ccedilotildees mais como eco da vida real do que como eco de foacutermulas este-reotipadas Haacute foacutermulas estereotipadas natildeo se nega mas aleacutem dessas

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 20: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

45Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

disponiacuteveis e disponibilizadas nas oficinas epigraacuteficas haacute as que saem do cotio e brotam ia a escrever laquodo coraccedilatildeoraquo ou seja da emoccedilatildeo sen-tida Recordaria um epitaacutefio dos nossos dias o de Sandra Isabel fale-cida com 3 anos incompletos (1974ndash1977) a frase saiacuteda laquodo coraccedilatildeoraquo ― laquoAnjo adorado Deus te guarde no Seu seio como noacutes te guardamos no nosso coraccedilatildeoraquo ― vem completada com a estereotipia proposta pelo canteiro laquoInfinitas laacutegrimas de seus pais e irmatilderaquo Inclusive uma com o tratamento por laquoturaquo (te guardamos) e outra impessoal na 3ordf pessoa (seus pais) Natildeo creio que andarei pois longe da verdade ao aceitar a repeticcedilatildeo aparentemente escusada da palavra laquofilhoraquo eacute uma redundacircn-cia necessaacuteria para acentuar o sofrimento

E a razatildeo deste raciociacutenio prendendashse com o que atraacutes realcei a neces-sidade de se encararem doravante as inscriccedilotildees tambeacutem como eco da vida real ― que ao tempo dos Romanos natildeo seria bem no sabemos muito diferente da dos nossos dias no acircmbito familiar e afectivo As-sim pergunto iquestque nome se daraacute a um jovem de dezasseis anos iquestNatildeo eacute normal em nossas casas o uso do diminutivo iquestPorque natildeo o teraacute sido entatildeo na eacutepoca romana De facto natildeo creio que se esteja a ter em conta esse facto e daiacute que a minha interpretaccedilatildeo das letras TON desta epiacutegrafe seja a de que se trata precisamente do diminutivo por que o defunto era conhecido Natildeo adianta discutir se seraacute Tongus Ton-gius Tongetamus Erahellip Ton

Explicaccedilatildeo laquoengenhosaraquo dirndashsendashaacute Eacutendasho concedo muito me agradaria contudo que o raciociacutenio a ela subjacente pudesse vir a ser futura-mente ponderado em casos semelhantes

Nessa loacutegica a minha interpretaccedilatildeo eacute a seguinte

DIBVS middot M(anibus) F(ilio) middot PAR(entes) middot P(osuerunt) FI(lio) middot TON middot A(nnorum) middot XVI (sedecim)

Aos deuses Manes Os pais puseram ao filho Ao filho Ton de 16 anos

5 Siacutentese

No final de mais este grupo de apostilas permitandashsendashme que realce o que em meu entender de mais significativo se logrou despretensio-samente apurar

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 21: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

46

51 Quanto agrave ara dedicada por uns vicani a Juacutepiter Oacuteptimo Maacuteximo acentuaramndashse trecircs aspectos

a) a escolha da divindade maior dos Romanos prendendashse com a von-tade de as comunidades indiacutegenas demonstrarem desta forma o seu compromisso perante a autoridade oficial do imperador segundo os paracircmetros oficiais ― os tipoloacutegicos (altar) e os formais (em la-tim)

b) a menccedilatildeo do nome e da sua categoria de vicani acentua por outro lado a vontade de claramente mostrar a sua identidade que se pre-tende manter

c) do ponto de vista epigraacutefico natildeo vale a pena insistir em tentar des-cobrir etimologias ou paralelismos linguiacutesticos porque eacute evidente serem as designaccedilotildees dos vici deveras rebarbativas e incompreen-siacuteveis para o lapicida que as deveria inscrever na pedra ― como o satildeo hoje para noacutes e quiccedilaacute tambeacutem por isso amiuacutede se optou pelas abreviaturas quer porque se sabia o seu significado quer porque se desconhecia a forma correcta de as escrever

52 No que se prende com a pequena estela do Nordeste transmon-tano aleacutem de ser mais um testemunho do tipo de decoraccedilatildeo daquela aacuterea epigraacutefica jaacute bem conhecido natildeo se desdenha a hipoacutetese de o seu exiacuteguo formato poder estar relacionado com a tenra idade do defunto aspecto que embora natildeo passiacutevel de ser generalizado pode de quando em vez ser procedente

A atribuiccedilatildeo de um nomen latino ― corrente na eacutepoca pois estare-mos decerto perante monumento dos primoacuterdios do seacuteculo I da nossa era ― como nome uacutenico quando seria de esperar o recurso a um antropoacutenimo de significado concreto natildeo sai do que eacute normal na His-pacircnia

A grafia Iullio errada para noacutes explicandashse pelo incipiente grau de alfa-betizaccedilatildeo pela vontade de ser mais fiel a um tipo de pronuacutencia em que o L mais se arrastasse ou ainda por mera distracccedilatildeo do lapicida que estando a desenhar as letras uma a uma antes de as gravar se esqueceu de que jaacute desenhara o L

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 22: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

47Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

53 O grafito de Olisipo ― independentemente do que se lograr vir a decifrar mais ― justifica mais uma vez a atenccedilatildeo que se estaacute a dar aos grafitos porque ecos de uma espontaneidade fugaz retratam um estado de alma ou satildeo anotaccedilatildeo concreta a ter em conta no quotidiano de entatildeo Pouco a pouco se descobrem tambeacutem grafitos que vatildeo mais aleacutem sintomas de uma cultura que natildeo alcanccedila ― ou pode alcan-ccedilar ― os eruditos requintes da literatura Um grafito como este que comeccedila por laquoao pobreraquo excita a imaginaccedilatildeo iquestpuacuteblica recriminaccedilatildeo ou mui sedutora ironia

54 Aventureindashme na revisatildeo de CIL II 5255 e os resultados trouxeram novidades Em primeiro lugar por assim ter sido possiacutevel corrigir al-guns lapsos e contradiccedilotildees Depois na interpretaccedilatildeo das figuras uma vez que natildeo eacute nada frequente na epigrafia da Lusitacircnia ocidental a representaccedilatildeo do filho e dos pais que choram o seu prematuro fale-cimento e estamos perante uma estela que natildeo foi analisada apenas do ponto de vista epigraacutefico mas integrou o corpus da escultura da Lusitacircnia Em terceiro lugar porque foi possiacutevel apontar dois aspectos que se revelaram fora do comum e que poderatildeo pautar de futuro a explicaccedilatildeo de textos semelhantes Refirondashme agrave repeticcedilatildeo de palavras (neste caso filius) com a finalidade de acentuar um sentimento (a dor dos pais) e de modo especial agrave possibilidade de tambeacutem em tempo de Romanos o diminutivo poder figurar nas epiacutegrafes

Enfim teratildeo cumprido as apostilas o objectivo para que as pensei

BiBliOgrafia

AE = LrsquoAnneacutee Epigraphique Paris [Indicandashse o ano e o nordm da inscri-ccedilatildeo]

ALARCAtildeO (J de) Roman Portugal 2 vol Warminster 1988

ALARCAtildeO (Jorge de) laquoNotas de arqueologia epigrafia e toponiacutemia ― Vraquo Revista Portuguesa de Arqueologia vol 11 nordm 1 2008 p 103ndash121

BATTLE HUGUET (Pedro) Epigrafiacutea Latina Barcelona 1946 2ordf edi-ccedilatildeo 1963

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 23: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

48

BECcedilA (Celestino) laquoEstudos arqueoloacutegicos do major Celestino Beccedilaraquo O Archeologo Portuguez 20 1915 p 74ndash106 Fig6 [Compilaccedilatildeo de F M Alves]

CIL II = HUumlBNER E Corpus Inscriptionum Latinarum ndash II suppl Berlim 1892

COIMBRA (Fernando) A Suaacutestica em Portugal e na Galiza desde a Idade do Bronze ao Fim do Periacuteodo Romano Problemaacutetica da Origem e da Interpretaccedilatildeo Universidade de Salamanca 2007

CUMONT (Franz) Recherches sur le Symbolisme Funeacuteraire des Ro-mains Paris 1942 [reimp 1966]

CURCHIN (Leonard A) laquoVici and pagi in roman Spainraquo Revue des Eacutetudes Anciennes 87 1985 p 327ndash343

EDCS = Epigraphik Datenndashbank Claus Slaby acessiacutevel em httpwww manfredclaussdegb

FE = Ficheiro Epigraacutefico Instituto de Arqueologia Coimbra

FIGUEIREDO (A C Borges de) laquoInscriccedilotildees de Lamego e de Quin-tela de Penuderaquo Revista Archeologica e Historica 2 1888 p 170ndash172

GONCcedilALVES (Luiacutes Jorge Rodrigues) Escultura Romana em Portugal Uma Arte do Quotidiano Seacuterie Studia Lusitana nordm 2 Museu Nacional de Arte Romano Meacuterida 2007 p 416 nordm 205

HEp = Hispania Epigraphica revista editada pela Universidade Com-plutense de Madrid Indicandashse o nuacutemero a data da publicaccedilatildeo e o nuacute-mero da inscriccedilatildeo Existe uma versatildeo on line HEpOL httpedandashbeaes

KAJANTO Iiro The Latin Cognomina Roma 1982 (reimp)

NAVARRO CABALLERO (Milagros) e RAMIacuteREZ SAacuteDABA (Joseacute Luiacutes) [coord] Atlas Antroponiacutemico de la Lusitania Romana Meacuterida (Fundacioacuten de Estudios Romanos) ― Bordeacuteus (Ausonius Eacuteditions) 2003

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007

Page 24: Revista Internacional de Humanidades epigráficas - 8.pdfTambém Jorge Alarcão foi informado verbalmente da descoberta desta epígrafe. A ela se refere, por conseguinte, em 2/96 (p.

49Lıburna 13 [Noviembre 2018] 27ndash49 ISSN 1889-1128

Apostilas Epigraacuteficas ndash 8

PARREIRA (Jorge) e MACEDO (Marta) laquoO fundeadouro romano da Praccedila D Luiacutes Iraquo in ARNAUD (Joseacute Morais) MARTINS (Andrea) e NEVES (Ceacutesar) [coord] Arqueologia em Portugal ― 150 Anos Asso-ciaccedilatildeo dos Arqueoacutelogos Portugueses Lisboa 2013 p 747ndash754

RAP = garCia (Joseacute Manuel) Religiotildees Antigas de Portugal Adita-mentos e Observaccedilotildees agraves laquoReligiotildees da Lusitacircniaraquo de J Leite de Vasconce-los Fontes Epigraacuteficas Lisboa 1991

VASCONCELOS (Joseacute Leite de) Religiotildees da Lusitacircnia ― III Lisboa 1913

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Breve Cataacutelogo das Inscriccedilotildees Romanas de Lamego separata autoacutenoma do artigo de Beira Alta XLI 1982 p 497ndash526 pu-blicada como cataacutelogo da exposiccedilatildeo temporaacuteria patente no Museu de Lamego em OutubrondashDezembro de 1983

VAZ (Joatildeo L Inecircs) Lamego na eacutepoca romana capital dos Coilarnos As-sociaccedilatildeo para a Valorizaccedilatildeo e Defesa do Patrimoacutenio do Vale do Douro Lamego 2007