Revista Antropolitica 20 Artigo Ingold

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Antropolítica Niterói n. 20 p. 1-233 1. sem. 2006 ISSN 1414-7378 A A A NTROPOLÍTICA NTROPOLÍTICA NTROPOLÍTICA NTROPOLÍTICA NTROPOLÍTICA N o 20 1 o - semestre 2006

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Antropolítica Niterói n. 20 p. 1-233 1. sem. 2006

ISSN 1414-7378

AAAAA N T R O P O L Í T I C AN T R O P O L Í T I C AN T R O P O L Í T I C AN T R O P O L Í T I C AN T R O P O L Í T I C ANo 20 1o - semestre 2006

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© 2007 Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da UFF

Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense -Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-008 - Niterói, RJ - Brasil -Tel.: (21) 2629-5287 - Telefax: (21) 2629-5288 - http:///www.eduff.uff.br -E-mail: [email protected]

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.

Normalização: Caroline Brito de OliveiraEdição de texto: Tatiane de Andrade BragaRevisão: Maria das Graças C. L. L. de Carvalho, Icléia Freixinho e Sônia PeçanhaProjeto gráfico e capa: José Luiz Stalleiken MartinsEditoração eletrônica e diagramação: Vívian Macedo de SouzaSupervisão gráfica: Kathia M. P. MacedoCoordenação editorial: Ricardo B. Borges

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Luiz Castro Faria* (PPGACP / UFF)Luis Manuel Fernandes (PPGACP/UFF)Marcos André Melo (UFPE)Marco Antônio da S. Mello

(PPGACP/UFF)Maria Antonieta P. Leopoldi

(PPGACP/UFF)Maria Celina S. d’Araújo(PPGACP/UFF-CPDOC)Marisa Peirano (UnB)Otávio Velho (PPGAS / UFRJ)Raymundo Heraldo Maués (UFPA)Renato Boschi (UFMG)Renato Lessa (PPGACP / UFF - IUPERJ)Roberto DaMatta (PPGACP/UFF-University of Notre Dame)Roberto Kant de Lima (PPGACP / UFF)Roberto Mota (UFPE)Simoni Lahud Guedes (PPGACP / UFF)

UNIVERSIDADEFEDERAL FLUMINENSEReitorRoberto de Souza Salles

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Pró-Reitor/PROPPHumberto Fernandes Machado

Diretor da EdUFFMauro Romero Leal Passos

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COMISSÃO EDITORIAL DA ANTROPOLÍTICA

Delma Pessanha Neves (PPGACP / UFF)Eduardo R. Gomes (PPGACP / UFF)Simoni Lahud Guedes (PPGACP / UFF)Gisálio Cerqueira Filho (PPGACP / UFF)

Catalogação-na-Fonte (CIP)

A636 Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e CiênciaPolítica. — n. 1 (2. sem. 95). — Niterói : EdUFF, 1995.

v. : il. ; 23 cm.

Semestral.Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da

Universidade Federal Fluminense.

ISSN 1414-7378

1. Antropologia Social. 2. Ciência Política. I. Universidade Federal Fluminense.Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política.

CDD 300

* in memorian

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SUMÁRIO

NOTA DOS EDITORES, 7

DOSSIÊ: DA TÉCNICA, ESTUDOS SOBRE O FAZER EM SOCIEDADE

APRESENTAÇÃO: GLÁUCIA SILVA, 11

SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE EVOLUÇÃO E HISTÓRIA, 17

TIM INGOLD

A POTÊNCIA DO FOGO E A BIFURCAÇÃO DA HISTÓRIA EM DIREÇÃO

À TERMOINDÚSTRIA. DA MÁQUINA DE MARLY, DE LUÍS XIV,

À CENTRAL NUCLEAR DE HOJE, 37

ALAIN GRAS

AS DUAS FACES DA INCERTEZA: AUTOMAÇÃO E APROPRIAÇÃO DOS AVIÕES

GLASS-COCKPIT, 51

CAROLINE MORICOT

UM LABORATÓRIO-MUNDO, 69

SOPHIE POIROT-DELPECH

ARTIGOS

A POÉTICA DA EXPERIÊNCIA: NARRATIVA E MEMÓRIA

EM UM ASSENTAMENTO RURAL, 83

DIEGO SOARES

NEOCOMUNIDADES NO BRASIL: UMA APROXIMAÇÃO ETNOGRÁFICA, 109

JAVIER LIFSCHITZ

LIBERDADE E RIQUEZA: A ORIGEM FILOSÓFICA E POLÍTICA DO PENSAMENTO

ECONÔMICO, 131

ANGELA GANEM, INÊS PATRÍCIO E MARIA MALTA

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RESENHAS

LIVRO: CIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO, 159

JOSÉ LEITE LOPES

AUTORA DA RESENHA: CÁTIA INÊS SALGADO DE OLIVEIRA

LIVRO: LE TEMPS DU PUB. TERRITOIRES DU BOIRE EN ANGLATERRE, 163

JOSIANE MASSART-VINCENT

AUTORAS DA RESENHA: DELMA PESSANHA NEVES E ANGELA MARIA GARCIA

NOTÍCIAS DO PPGA

RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS NO PPGA, 173

RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS NO PPGCP, 195

REVISTA ANTROPOLÍTICA: NÚMEROS E ARTIGOS PUBLICADOS, 211

COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA (LIVROS PUBLICADOS), 227

NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS, 231

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CONTENTS

EDITORS NOTE, 7

DOSSIER: ON TECHNIQUE, STUDIES ABOUT THE ACT OF DOING IN SOCIETY

FOREWORD: GLÁUCIA SILVA, 11

ON THE DISTINCTION BETWEEN EVOLUTION AND HISTORY, 17

TIM INGOLD

COMBUSTION: THE BIFURCATION OF THE HISTORY OF ENERGY TOWARDS TODAY’S

THERMO-INDUSTRY. FROM LOUIS XIV MARLY MACHINE TO THE NUCLEAR

POWER PLANT, 37

ALAIN GRAS

THEY TWO FACES OF UNCERTAINTY: AUTOMATIZATION AND APPROPRIATION

OF “GLASS-COCKPIT” AIRPLANES, 51

CAROLINE MORICOT

A WORLD-LABORATORY, 59

SOPHIE POIROT DELPECH

ARTICLES

THE POETICAL ONE OF THE EXPERIENCE:

NARRATIVE AND MEMORY IN AN AGRICULTURAL NESTING, 83

DIEGO SOARES

NEW COMMUNITIES: ETNOGRAPHY OF MACHADINHA, 109

JAVIER LIFSCHITZ

FREEDOM AND WEALTH:

THE PHILOSOPHICAL AND POLITICAL ORIGINS OF ECONOMIC THOUGHT, 131

ANGELA GANEM, INÊS PATRÍCIO E MARIA MALTA

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REVIEWS

BOOK: KWOLEDGE AND DEVELOPMENT, 159

JOSÉ LEITE LOPES

REVIEWED BY: CÁTIA INÊS SALGADO DE OLIVEIRA.

BOOK: LE TEMPS DU PUB. TERRITOIRES DU BOIRE EN ANGLATERRE, 163

REVIEWED BY: DELMA PESSANHA NEVES E ANGELA MARIA GARCIA

PPGA NEWS

THESIS DEFENDED AT PPGA, 173

THESIS DEFENDED AT PPGCP, 195

REVISTA ANTROPOLÍTICA: NUMBERS AND PUBLISHED ARTICLES, 211

PUBLISHED BOOKS AND SERIES – COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA

(LIVROS PUBLICADOS), 227

NORMS FOR ARTICLE SUBMISSION, 231

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NOTA DOS EDITORES

Este número da revista Antropolítica tem um significado especial: é o último deuma longa e bem-sucedida parceria que se configurou em 1994 com o Progra-ma de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política (PPGACP). Nestesmais de dez de anos de colaboração entre os Departamentos de Antropologiae de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, conseguimos con-solidar nossa revista e a Coleção Antropologia e Ciência Política no campoacadêmico brasileiro. O crescimento e os desdobramentos institucionais dasnossas respectivas pós-graduações fizeram com que, desde 2004, o PPGACP setransformasse em dois outros programas: o Programa de Pós-Graduação emAntropologia (PPGA), com cursos de mestrado e doutorado, e o Programa dePós-Graduação em Ciência Política (PPGCP), também com cursos de mestradoe doutorado, além de um doutorado em Relações Internacionais.

Consideramos, assim, que é hora também de diversificar os periódicos. Dessemodo, a Antropolítica, a partir do próximo número (21), estará vinculada ex-clusivamente ao PPGA, mantendo sua identificação editorial e numeração. Paratanto, alguns ajustes editoriais serão necessários, particularmente em relaçãoao Comitê Editorial e ao Conselho Editorial, de modo a torná-los mais ade-quados à vinculação disciplinar do periódico.

Registramos, neste momento, nosso reconhecimento aos colegas do Programade Pós-Graduação em Ciência Política e ao Conselho Editorial da Antropolíticacom os quais produzimos, neste longo período, um veículo qualificado de di-vulgação e debate de temas acadêmicos. Reafirmamos nossa intenção de queesta parceria, mesmo em novos quadros institucionais, continue frutificando egerando produtos tão importantes quanto este periódico.

Comissão Editorial

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DOSSIÊ:Da técnica,

estudos sobre ofazer em sociedade

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GLÁUCIA SILVA*

APRESENTAÇÃO

Os artigos que integram este dossiê versam sobre umtema usualmente considerado central para a classifica-ção do homem como espécie e para a hierarquizaçãodas sociedades humanas entre si: a técnica. Três delessão de colegas franceses, com os quais tive o privilégiode conviver no CETCOPRA, Centro de estudos das técni-cas, dos conhecimentos e das práticas, da Universidade Pa-ris 1 Panthéon La Sorbonne, durante meu estágio pós-doutoral. Outro é do antropólogo britânico Tim Ingold,cujo texto, embora não aborde a questão da técnicacomo problema central, mantém com o tema muitaproximidade.

“Sobre a distinção entre evolução e história” foi apre-sentado por Ingold no Colóquio Horizontes da Antro-pologia e trajetórias de Maurice Godelier, realizado emhomenagem ao antropólogo, na cidade de Cerisy-la-Salle, na França, em junho de 1996. O trabalho, publi-cado no livro intitulado A produção do social – acerca deMaurice Godelier,1 faz uma crítica à visão segundo a quala história social se descolaria, em um certo momento,da história natural, como se a cultura tivesse uma na-tureza totalmente diversa daquela da própria nature-za. E se a história social se confunde, como mostraIngold, com a história da produção, de certa maneiraé a técnica que, para autores como Godelier, garanteessa equivalência. É a técnica que permite aos homensa apropriação dos espaços ditos naturais e sua trans-formação. A preocupação central de Ingold no artigomencionado é evidenciar como as visões ocidentais de“história” e de “produção” estão carregadas deantropocentrismo.

Acrescentar que não só o antropocentrismo, mas tam-bém o relativismo cultural, ao se estabelecer interna-mente à disciplina antropológica dispensando a pro-

* Departamento de Antro-pologia / PPGA – UFF.

1 La Production du Social –

Autour de Maurice Godelier.Sous la direction dePhilippe DESCOLA, Jac-ques HAMEL et PierreLEMONNIER. Publié avecle concours du CentreNational des Livres. Paris:Librairie Arthème Fayard,1999.

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cura de universais entre as sociedades humanas, fomentou a idéia se-gundo a qual a cultura é algo totalmente desvinculado da natureza.Relativismo e antropocentrismo reforçaram-se, então, mutuamente como intuito de sedimentar de forma aparentemente irremediável a oposi-ção entre natureza e cultura (SILVA, 2006). E, mesmo queantropocentrismo e relativismo cultural não caminhem necessariamentejuntos, sua associação torna ainda mais difícil a busca de superação docorte antropocêntrico entre o animal homem e os outros; ou entreo homem – biologicamente – primitivo e o homem – biologicamente –moderno (INGOLD, 1994).

Embora se tratasse de um pressuposto filosófico, a mencionada oposi-ção entre domínios coexistentes – o natural e o social – não vinha sendoencarada apenas como uma “boa” hipótese de trabalho, mas repetidacomo uma verdadeira solução para o problema que ela mesma insti-tuía. Contudo, mais do que forçar um intercâmbio com outras discipli-nas, Ingold refina a reflexão antropológica a partir da observação decomo outras sociedades – contemporâneas e passadas – classificam a sipróprias e pensam a natureza em geral. O homem, dividido pelas ciên-cias em natural e cultural, é, apesar de tudo, um só. Para se reaver aunidade perdida, não basta reunir disciplinas, deve-se reconstruir oobjeto.

A crítica mais constante de Ingold é aquela dirigida às dicotomias queestruturam o que vem sendo chamado de “pensamento ocidental”, umexemplo claro é o capítulo intitulado Tool-use, sociality and intelligence (cf.INGOLD, 1993, p. 429-446), dedicado a uma reflexão sobre a técnica:

Meu objeto é mostrar que o debate se dá a partir da dicotomia entre

as esferas das relações sociais e técnicas, e, mais fundamentalmente

entre natureza e sociedade, está apoiado no moderno pensamento

ocidental. Além disso, essa mesma tradição de pensamento, cuja ten-

dência de construir dicotomias é uma de suas principais característi-

cas, tem feito distinção entre intelecto (como propriedade da mente)

e comportamento (como execução corporal), juntamente com a idéia

de que precedendo uma ação intencional existe um ato intelectual

cognitivo, envolvendo a construção de representações, considerações

alternativas e formulação de planos. (INGOLD, 1993, p. 430-431)

Como outros autores, Ingold entende que as “tecnologias” pressupõema articulação consciente de regras e princípios; por isso, a técnica nãoestá necessariamente acompanhada da tecnologia. O autor denominatécnica toda atividade humana em que há fusão de uma prática com

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uma concepção de algo que é criado enquanto o artesão trabalha. Natécnica não existem, portanto, dois momentos consecutivos em que umesquema cognitivo seria requerido anteriormente à organização dosdados, formulando instrução para a ação. Logo, a habilidade técnica é,ao mesmo tempo, uma forma de conhecimento e uma forma de práti-ca, o que a distingue, entre outros fatores, da “tecnologia”:

Minha proposição é que a técnica está embebida na experiência par-

ticular dos sujeitos e dela é inseparável, quando moldam coisas. Nes-

se sentido, a técnica está em claro contraste com a tecnologia, que

consiste num conhecimento de princípios objetivos de funcionamen-

to mecânico, cuja validade é completamente independente tanto da

subjetividade de quem manipula quanto do contexto de sua aplica-

ção. A técnica coloca o sujeito no centro da atividade, enquanto a

tecnologia afirma a independência da produção da subjetividade

humana. (INGOLD, 1993, p. 433)

Assim, para Ingold, a forma de conhecimento ou habilidade que a téc-nica pressupõe é de um tipo diferente daquele da tecnologia. A técnicarequer um conhecimento tácito, subjetivo, dependente do contexto eadquirido mais por imitação do que por instrução verbal. Não há, por-tanto, necessidade de se articularem sistemas de regras e de símbolos.Já o conhecimento que a tecnologia requer é preferivelmente objetivo,independente do contexto antes discursivo que prático; é mais um co-nhecimento que do que um conhecimento como. Ele incorpora símbolosartificiais e é transmitido mais por explanações do que pela aplicaçãoprática (cf. INGOLD, 1993, p. 435).

Em vez de a atividade tecnológica complementar a técnica, dando a essasustentação pelo conhecimento, a primeira força uma divisão entre co-nhecimento e prática, elevando-se do prático ao discursivo, e reduzindoa última do que é criativo ao que é meramente executado. Na dicotomiaconhecimento discursivo e execução prática, não há espaço para o co-nhecimento prático – ou conhecível pela prática – do artesão. Portanto,a tecnologia abandona o fundamento da atividade técnica quando querafirmar sua validade universal, apoiada em princípios racionais e cientí-ficos, dispensando a intuição.

É importante fazer a distinção entre “técnica” e “tecnologia”, esclare-cendo-se as especificidades de ambas, para fazer a crítica da idéiaevolucionista segundo a qual a “tecnologia” seria uma complexificaçãoda “técnica”. Tal visão não hesita em relacionar artefatos diversos (in-cluídos sob o título de cultura material) como antecessores das máqui-

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nas. Distinção que permite, ainda, rejeitar a separação do domínio dastécnicas daquele das relações sociais, já presente na clássica separaçãodas forças produtivas da totalidade social, como se constituíssem algoexterno ao homem (cf. INGOLD, 1993, p. 436-438):

[...] a máquina não é simplesmente um substituto mais avançado de

uma ferramenta. Nem eram as ferramentas (manuais) as forças pro-

dutivas originais. Para haver o desenvolvimento das forças produti-

vas todo o sistema de relações entre trabalhador, ferramenta e maté-

ria bruta foi transformado, recolocando o sujeito centrado no conhe-

cimento e habilidades com princípios objetivos de funcionamento

mecânico. Em outras palavras, a evolução técnica não descreve um

processo de complexificação mas sim um processo de objetivação das

forças produtivas (assim como a escrita representa um processo de

objetivação do discurso, e não sua complexificação). [...] Resumindo,

para se achar os antecedentes da tecnologia, precisamos olhar a esfe-

ra do artifício, contido nas relações sociais, antes do que os artefatos

da cultura material. (INGOLD, 1993, p. 439)

Se a distinção tão conspícua entre técnica e tecnologia estabelecida porIngold tem como principal efeito devolver às atividades técnicas suasdimensões criativa e subjetiva, além de reclamar sua integração no seiodas relações sociais, por outro lado, ela parece endossar o próprio dis-curso dos tecnólogos, aceitando que as atividades tecnológicas possamser compreendidas como impessoais e mecânicas, crença que mereceser relativizada. Uma “antropologia da tecnologia” – e que, a meu ver,pode ser também, num sentido amplo, uma antropologia da técnica –evidencia o quanto o discurso tecnológico se distancia de sua própriaprática. Dois dos textos aqui apresentados mostram como a “subjetivi-dade” que os tecnólogos tentam debelar na operação de seus engenhosestá, a todo momento, interferindo na mesma; mostram que as gran-des receitas e princípios rígidos estão sempre recebendo um temperolocal – e muitas vezes pessoal.

Nos textos de Caroline Moricot e Sophie Poirot-Delpech, expostos aseguir, fica particularmente claro como as regras escritas, que Ingoldatribui especificamente às atividades tecnológicas, se superpõem às ta-citamente estabelecidas, por ele associadas à dimensão da técnica. Ou,ainda, como podem ser reescritas, embora extra-oficialmente, tal comoquando pilotos, tendo de lidar com a novidade do cockpit, escrevembilhetes aos colegas criando um código coletivo, ainda que heteróclitoaos olhos dos engenheiros que conceberam o projeto, trazendo a

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pessoalidade e a subjetividade para o centro do exercício de umatecnologia materializada em um tipo de avião.

O texto de Caroline Moricot discute, então, a partir de um trabalho decampo feito junto aos controladores de vôo e pilotos de linha e de teste,como o processo de automação dos aviões engendra novas formas delidar com o objeto técnico por parte de seus usuários, que assim refa-zem suas classificações e táticas relativas ao manuseio da máquina. Ocockpit é visto como um terceiro termo que se interpõe entre o piloto eo avião, e que precisa ser domesticado. Nessa domesticação, novas re-presentações e estratégias surgem, refazendo a confiança dos pilotos nasua percepção do funcionamento dos aviões.

Sophie Poirot-Delpech mostra, também por um enfoque etnográfico,como a construção de um objeto técnico é acompanhada de duas ilu-sões que alicerçam os processos tecnológicos: a primeira é a de que atecnologia é um produto especial, fruto do funcionamento de uma ra-zão universal. Assim, a filosofia da técnica – e da tecnologia – pode refe-rir-se a um homem genérico ao qual estariam destinadas as inovaçõesàs quais ele deve se adaptar. A segunda é a de que as descobertas, sendoo resultado de uma razão universal, são inexoráveis. Para que isso sejasustentado, deve-se realizar um processo no qual as múltiplas incon-gruências e ambigüidades, surgidas durante a confecção de um objetotecnológico, são apagadas, e a construção de um objeto técnico deve serfixada na memória coletiva como produto de um encadeamento de cer-tezas.

O artigo de Alain Gras é uma importante crítica à visão evolucionistaque entende o desenvolvimento das técnicas e da tecnologia como umcontinuun progressivo, indo, de certa forma, ao encontro das idéias pro-postas por Ingold. Gras, num aparente paradoxo, busca justamente namoderna teoria evolutiva da biologia uma analogia para explicar o pro-cesso social que faz das escolhas técnicas/tecnológicas, muitas vezes to-madas como irreversíveis e cumulativas, passos fortuitos. Tais escolhaspodem levar tanto a um caminho que, a posteriori, passa a ser entendidocomo progresso, como podem ocasionar o esgotamento das possibilida-des de um investimento tecnológico. Gras ilustra seu argumento con-frontando dois tipos de paradigmas tecnológicos: um, centrado na águacomo fonte energética, sem entretanto causar sua exaustão. Outro, hojepredominante, centrado na combustão como fonte energética prefe-rencial, com grande efeito poluidor.

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REFERÊNCIAS

INGOLD, Tim. Introduction. In: INGOLD, Tim (Ed.). What is ananimal? London: Routledge , 1994. (One World Archaeology)

______. “Tool-use, sociality and intelligence” e “Epilogue: technology,language, intelligence: a reconsideration of basic concepts”. In:GIBSON, Kathleen R.; INGOLD, Tim (Ed.). Tools, language and cognitionin human evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.

SILVA, Gláucia. A sociobiologia e a crítica dos antropólogos. Comciência,[S.l.], n. 80, set. 2006. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=17&id=169>.

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TIM INGOLD*

SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE EVOLUÇÃO E HISTÓRIA1

O autor se propõe, nesse artigo, a lançar um olharcrítico sobre a noção de “fabricar a história”. Concor-dando com Godelier com relação à idéia de que os sereshumanos produzem a sociedade para viver, considera,entretanto, que a produção deva ser pensada antes comoum processo de crescimento do que propriamente defabricação. Desenvolve, assim, a idéia de que a histó-ria não é tanto um movimento no qual os seres huma-nos fabricam a sociedade, mas um movimento no qualos seres humanos se fazem crescer, uns aos outros.

Palavras-chave: história; produção social; evolução.

* Departamento de Antro-pologia Social – Universi-dade de Manchester.

1 O texto foi traduzido dofrancês por Gláucia Silva(PPGA/UFF) que agradeceao professor Tim Ingoldpor ter gentilmente con-cordado com a tradução doartigo para a Antropolítica.Em junho de 1996, acon-teceu na cidade de Cerisy-la-Salle, na França, o Coló-quio intitulado “Horizon-tes da Antropologia etrajetórias de MauriceGodelier”, em homenagema esse eminente antropólo-go. O presente texto inte-gra a publicação intituladaA Produção do social – acercade Maurice Godelier, que reu-niu as principais contri-buições do evento. (LaProduction du Social – Autourde Maurice Godelier. Sous ladirection de Philippe DES-COLA, Jacques HAMEL etPierre LEMONNIER.Publié avec le concours duCentre National des Li-vres. Paris: LibrairieArthème Fayard, 1999).[N. T.]

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TRANSFORMAÇÃO E AUTOPOIESE

No prefácio de O ideal e o material, Maurice Godelier parte de um fato ede uma hipótese. O fato é o seguinte: os seres humanos são os únicos,dentre os animais, que “produzem a sociedade para sobreviver”(GODELIER, 1984, p. 84). Ele quer dizer, com isso, que os objetivos eas intenções da ação humana sobre o meio ambiente – ação que tem porresultado a procura dos meios de subsistência – encontram sua origemno domínio das relações sociais, um domínio de realidades ideais que sesituam acima da pura materialidade da natureza. Godelier afirma que,por intermédio de sua ação criadora sobre o ambiente natural, os sereshumanos provocam mudanças não somente nas suas relações com essemeio ambiente, mas também nas relações que eles têm entre eles e quesão constitutivas da sociedade. Segue-se então a hipótese: é precisamen-te porque eles transformam a natureza que os seres humanos têm umahistória. Claro, podemos afirmar que outras espécies animais e vegetaistêm igualmente um certo tipo de história, mas é uma história que é oresultado de um processo de evolução e de variação pela seleção natu-ral, e não uma história que elas teriam produzido por elas mesmas. Osseres humanos, em compensação, não são apenas fabricados pela histó-ria, eles têm também um papel na sua fabricação. É por causa disso quepodemos falar de História com “H” maiúsculo (GODELIER, 1989,p. 63).

Eu me proponho neste artigo a lançar um olhar crítico sobre essa noçãode “fabricar a história”. Estando totalmente de acordo com Godelierpara dizer que, num certo sentido, os seres humanos produzem a socie-dade para viver, creio, entretanto, que devemos parar de pensar a pro-dução como um processo de fabricação e a considerá-la, antes, comoum processo de crescimento. Em suma, gostaria de desenvolver a idéiade que a História não é tanto um movimento no qual os seres humanosfabricam a sociedade, mas um movimento no qual os seres humanos sefazem crescer, uns aos outros. Essa idéia faz parte de um projeto maisamplo. Há muitos anos, com efeito, a distinção entre a história natural(com um “h” minúsculo) da espécie humana e a História (com um “H”maiúsculo) da humanidade me incomoda. Tem-se o costume de tratar aprimeira à luz de um conceito de evolução e reservar o conceito dehistória à segunda. Por uma questão de comodidade, respeitarei essaconvenção. O problema consiste então em se representar a natureza dadiferença entre história e evolução. Da solução desse problema me pa-rece depender toda nossa compreensão da relação entre as dimensõessociais e biológicas da existência humana.

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Lembremos primeiro, em algumas linhas, a teoria ortodoxa em cursosobre a questão. A espécie humana evoluiu, como qualquer outra, pormeio de um processo de variação pela seleção natural. Assim se consti-tuíram certas disposições e atitudes que são universais, presentes emcada indivíduo da espécie, mesmo se elas se revestem de formas especí-ficas. Uma vez concretizadas tais atitudes, a história – como se diz –decola. Toda a história humana seria assim concebida como a realiza-ção, ao longo do tempo, de potenciais estabelecidos ao longo da evo-lução de nossa ascendência e que fazem parte de uma dotação inata,genotípica, presente em cada um de nós. Essa teoria implica, todavia,que, num certo ponto, sem precedente na evolução da vida sobre esseplaneta, a humanidade transpôs a barreira da natureza; a partir daí, ahistória começou com tudo o que é suposto para nos tornarmos “verda-deiramente humanos” – a linguagem, o simbolismo, a arte, a arquitetu-ra, a tecnologia, a religião etc. Como sabemos, essa idéia de uma supe-ração (do domínio da natureza em direção à cultura) ocupou os estudio-sos da Pré-História numa pesquisa frenética para determinar o pontode origem daquilo que chamamos agora de “homens modernos”: pes-soas que, digamos, se assemelhariam a nós completamente de um pon-to de vista anatômico, mas, evidentemente, difeririam de um ponto devista cultural. Esse ponto de origem marcaria nada menos que a “revo-lução humana”! (cf. MELLARS; STRINGER, 1989)

Procurar a origem da verdadeira humanidade é, na minha opinião, secolocar a serviço de uma ilusão e espero mostrar por que neste artigo.Creio que a explicação existe no caráter da própria ciência. O projetoda ciência e sua pretensão de dar conta de maneira definitiva do modode funcionamento real da natureza está fundado sobre a crença na su-premacia da razão humana. Ora, os cientistas contemporâneos, comoseus predecessores do século XVIII, estão ligados à idéia de unidadepsíquica do gênero humano. Assim, embora nem todos os seres huma-nos sejam cientistas, supõe-se que todos evoluíram com a capacidade deserem cientistas, isto é, com uma inteligência racional. O processo deevolução por meio do qual essa capacidade se estabelece, um processode encefalização, implicando um crescimento extraordinário do tama-nho relativo e da complexidade do cérebro, deveria então ser distingui-do do processo de história, no seio do qual essa capacidade produzidapela evolução progressivamente se realizou. Uma perspectiva oposta,que dominou os debates desde a publicação de A descendência do homem(DARWIN, 1871) até o começo do século XX, consistia na suposição deque os cientistas e filósofos tinham verdadeiramente cérebros mais evo-

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luídos do que os de outras pessoas, passadas e presentes, e então – deacordo com a célebre declaração de T. H. Huxley – a distância que sepa-ra o cientista do selvagem é comparável em gênero e grau àquela quesepara o selvagem dos grandes símios.

Em suma, temos duas teorias: uma teoria da evolução para explicarcomo nossos ancestrais quase-simiescos se tornaram humanos e umateoria da história para explicar como os humanos – certos humanos –se tornaram cientistas. Na interseção das duas teorias, no ponto de ori-gem no qual o eixo da história brota do eixo da evolução, se encontra afigura do “homem anatomicamente moderno”. Mas resta um parado-xo: pretendendo que a diferença entre os humanos e seus ancestraishominídeos ou pongídeos é antes de grau, e não de gênero, a ciênciabiológica pressupõe uma diferença de gênero, e não mais de grau, en-tre a história humana e a evolução. Por causa disso, não ouvimos falarde elefantes anatomicamente modernos, ou de chimpanzésanatomicamente modernos. É somente para os humanos que se achanecessário distinguir entre uma modernidade cultural e umamodernidade anatômica, e entre os respectivos processos que levam aelas. Cada homem é um cientista em potencial, mas não há cientistasentre os animais (INGOLD, 1995b, p. 208).

Por trás desse paradoxo, esconde-se o que pode ser a contradição fun-dadora do pensamento e da ciência ocidentais: eles só podem compreen-der a participação criadora dos seres humanos no mundo material se osretirarem dele. Na medida em que o ser humano está no interior domundo, é constrangido pelas determinações de uma natureza humanaevoluída para a qual não contribui. Inversamente, só há a possibilidadede moldar seus próprios destinos se estes derivarem de uma consciên-cia histórica que se constitui sem o mundo, em um domínio intersubjetivoda sociedade. Meu principal objetivo é estabelecer um sentido para his-tória que permita resolver essa contradição. A concepção de históriaproveniente de Marx, e que se encontra expressa com força nos escritosde Godelier, está fundamentada sobre a noção de transformação: supõe-se que, transformando a natureza externa ao longo do processo dedomesticação, os seres humanos transformaram sua própria naturezainterna e, desse modo, construíram, eles próprios, uma história da civi-lização. Inversamente, proponho que concebamos a história como umprocesso no qual os seres humanos não são tanto transformadores domundo, mas, principalmente, atores desempenhando um papel na trans-formação do mundo por ele mesmo. A história é, em síntese, um movi-mento de autopoiese.

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Pensar a história dessa forma é dissolver de uma só vez a dicotomiaentre sociedade e natureza, e reconhecer que os processos pelos quaisas gerações humanas moldam as condições de vida de seus sucessoresestão em continuidade com aqueles que ocorrem em todo o mundoorgânico. Assim, não há mais necessidade de se operar uma distinçãoradical entre o eixo da evolução e o eixo da história; e, da mesma for-ma, o ponto de origem imaginário formado pela interseção de ambosdesaparece. Com o intuito de desenvolver melhor minha argumenta-ção, esta será apresentada em quatro partes. Primeiramente, estudareio sentido dos termos-chave – produção e história – tais como aparecemno discurso da “teoria ortodoxa” (chamo-a assim para simplificar). Emsegundo lugar, mostrarei como a idéia de produção contida na noçãode fabricação da história remete a uma concepção muito mais antigaque considera o trabalho humano como uma maneira de revelar ou deatualizar o que já está imanente no mundo natural. Tendo consciênciadas insuficiências da teoria ortodoxa, comentarei por que a exposiçãode uma alternativa mais satisfatória exigiria, ao menos, uma revisão com-pleta da teoria biológica do organismo. Enfim, eu me remeterei a umconceito pré-moderno que considera a produção como um crescimentoe a história como uma maneira de “fazer crescer as pessoas”, e examina-rei as implicações possíveis dessa abordagem alternativa. Começo, en-tão, pelo conceito ortodoxo de produção.

É importante, ainda, salientar que o que aqui exponho retoma, em par-te, idéias que foram anteriormente publicadas (ver INGOLD, 1996a,p. 12-24; e também INGOLD, 1996b).

A PRODUÇÃO DA HISTÓRIA

Como todos os outros animais, os seres humanos necessitam do alimen-to para sobreviver. Todavia, supõe-se que, no humano, os meios de sub-sistência não passam diretamente da mão à boca, mas fazem um desviopela sociedade. Como Marx e Engels declararam há mais de um século,é o fato de fazer sua própria comida, em vez de colhê-la ou de se apro-priar dela já pronta na natureza, que distingue os humanos do resto doreino animal (MARX; ENGELS, 1977, p. 42). A noção de produção,aqui, tem uma dupla conotação – de apropriação e de transformação(ver, por exemplo, COOK, 1973, p. 25-52). A apropriação consiste emapoderar-se de uma porção de natureza viva de modo a torná-la umobjeto de relações interpessoais; a transformação consiste em modificarseu estado natural conforme um objetivo ou uma intenção saída de uma

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fonte superior situada no domínio social. Os animais não humanos po-dem literalmente se apoderar de sua presa, com seus dentes ou garras,mas eles não fazem dela, por isso, sua propriedade. Eles podem tam-bém, por meio de suas atividades, provocar transformações no meioambiente, mas eles não o fazem intencionalmente. Não têm uma con-cepção de sua tarefa. Diz-se que os seres humanos, e somente eles, pro-duzem, porque enfrentam a natureza como um domínio dematerialidade bruta exterior ao seu eu socialmente constituído. Resu-mindo, na perspectiva da dualidade sociedade/natureza, a produçãoaparece como a obra de uma capacidade social de agir, sendo exercidacontra uma resistência natural.

Além disso, esse enfrentamento reside na dinâmica da história – tal comoconcebida pela teoria ortodoxa. Assim, propõe-se comumente que osacontecimentos da história são feitos intencionalmente pelos própriosseres humanos, uma vez que os fatos da evolução acontecem por si só.“A essência da distinção entre história humana e história natural”, es-crevia Marx, fazendo referência a Giambattista Vico, “é que a primeiraé obra do homem e a segunda não é” (MARX, 1930, p. 392, nota 2). EmPrincípios de (uma) ciência nova (de 1725), Vico criticava os filósofos pordespenderem mal seus esforços: em vez de perderem seu tempo estu-dando o mundo da natureza (mundo criado por Deus e, por causa dis-so, acima da compreensão humana), eles fariam melhor em se dedicarcompletamente ao estudo do que estava ao alcance de seu entendimen-to enquanto homens e filósofos, a saber, às criações do espírito humano.

A história comporta então, ao longo do tempo, numerosas mudançasnas condições subjetivas da criação humana – estruturas de percepçãoe cognição, modelos de consciência e reação, a apreensão de si e dosoutros –, mudanças que não teriam praticamente afetado o organismoenquanto entidade objetivamente dada, biológica. No curso dessa his-tória, os humanos migraram para todas as regiões habitáveis da terra,grandes impérios foram erigidos e desmoronaram, e os progressos daciência e da tecnologia colocaram entre as mãos de certos humanosinstrumentos de controle e armas de destruição de um poder sem igual.Supõe-se que, por tudo isso, a essência da natureza humana permane-ceu muito semelhante ao que era na Idade da Pedra, a saber, o produtode uma evolução e de uma adaptação às condições de vida que eramaquelas dos caçadores coletores ancestrais em seu ambiente natural, naera do Pleistoceno, há milhares de anos, em um tempo no qual a histó-ria ainda não havia começado. Um eminente psicólogo definiu recente-mente a história como “uma série de mudanças pelas quais uma espécie

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passa, permanecendo biologicamente estável” (PREMACK, 1994, p.350).A possibilidade mesma de uma história, nesse sentido, pressupõe que aexistência tem uma dimensão que ultrapassa o puramente biológico –dimensão comumente identificada com a própria humanidade.

É um pouco paradoxal que a natureza humana deva ser considerada aomesmo tempo como imutável e fora do alcance dos efeitos da história,uma vez que os efeitos desta sobre a natureza que nos cerca, sobre onosso meio ambiente, são visíveis para todos. Resolve-se o paradoxo, atécerto ponto, atribuindo as características formais da natureza humanaa um programa interno, conhecido atualmente pelo nome de genótipo.Com efeito, segundo a lei enunciada pela primeira vez por Weismann,no final do século XIX, não se pode ter uma influência inversa a doorganismo agindo sobre sua bagagem hereditária, o que torna impossí-vel a tese, dita “lamarquista”, da herança dos caracteres adquiridos. Abarreira de Weismann, fundamental para a estrutura da teoria moder-na da evolução, isola o genótipo do impacto direto da experiência his-tórica (INGOLD, 1990, p. 212-213). Todavia, se considerarmos a trans-formação da natureza exterior pelo homem – como a organização doespaço da floresta virgem em campos cultivados, ou a elaboração deutensílios e de objetos a partir de matéria natural bruta –, a relaçãoentre a forma e a substância é invertida. Longe de fornecer a forma,sob o aspecto de um programa genético, a natureza forneceu a subs-tância à qual o homem impôs formas – antes culturais ou ideais e nãogenéticas – vindas do exterior, isto é, do domínio social. A forma doambiente artificial é, de algum modo, visível sobre sua superfície mate-rial, ela não está escondida no interior, e em conseqüência, este ambien-te artificial traz as marcas acumuladas de numerosas mudanças das sub-jetividades históricas. Estudando o mundo ao nosso redor, não vemos anatureza em seu estado virginal, nós a vemos modificada em diversosgraus pela inscrição de um desenho cultural. É porque temos uma ten-dência a falar de edificações, de utensílios, de instrumentos e deoutros objetos fabricados como objetos pertencentes antes à cultura ma-terial e não à natureza, embora a substância de que são feitos seja exata-mente idêntica àquela que é encontrada nos ambientes preservados daatividade humana.

A HISTÓRIA DA “PRODUÇÃO”

Voltemos a Godelier. Partindo da noção de produção vista como trans-formação da natureza pelo homem, Godelier se empenha em classifi-

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car os diferentes modos e graus de modificação do meio ambiente me-diante uma divisão de cinco “tipos de materialidade”. A primeira com-preende a parte da natureza que não teve nenhum contato com a ativi-dade humana; a segunda, a parte que foi modificada com o fato dapresença dos homens, mas de maneira indireta e não intencional; a ter-ceira, a parte que foi intencionalmente transformada pelos seres huma-nos e que não se pode reproduzir sem sua atenção e sua energia; aquarta compreende os materiais que foram moldados como instrumen-tos, tais como utensílios ou armas, e podemos considerar a quinta comohomóloga àquela a que se convencionou denominar de “ambienteconstruído” – casas, abrigos, monumentos etc. (GODELIER, 1984,p. 12-13). Nessa classificação, o ponto de partida crucial intervém entreo segundo e o terceiro tipo de materialidade, pois ele marca a distinçãoentre o selvagem e o doméstico. A terceira parte da natureza consisteessencialmente em plantas e animais domésticos, uma vez que os com-ponentes bióticos da primeira e da segunda estão ou em estado selva-gem, ou, no máximo, em condição de pré-domesticação. Além disso,Godelier indica que a domesticação das plantas e animais é o exemploparadigmático da ação de transformação da natureza pelo homem ou,em uma palavra, da produção. Restam, portanto, dois problemas nãoresolvidos.

O primeiro concerne ao estatuto dos caçadores e coletores que procura-ram não transformar seu meio ambiente, mas antes conservá-lo sob umaforma que, na medida do possível, não deixasse pistas da atividade hu-mana. Se, como afirma Godelier, “o homem tem uma história porqueele transforma a natureza” (GODELIER, 1984, p.10), devemos concluirque os humanos que não transformam a natureza não têm uma histó-ria? Godelier recusa, de sua parte, essa conclusão: “Não existe, a nossosolhos, nenhuma razão teórica de se considerar mais ‘naturais’ os modosde vida dos caçadores, dos coletores, dos pescadores que precederam omodo de vida dos agricultores e criadores”. (GODELIER, 1984, p. 23).As atividades dos caçadores coletores, como aquelas dos seres humanosem todas as épocas, e, diferentemente daquelas dos animais não-huma-nos, são motivadas pelas representações mentais que têm sua fonte nodomínio intersubjetivo da sociedade. Portanto, com exceção da cons-trução de utensílios e de abrigos (correspondentes à quarta e à quintamodalidades de materialidade), essas representações não são inscritasno substrato da natureza. Os caçadores coletores têm uma história, masé uma história que não é escrita nem nas páginas de documentos nemna superfície da terra. Invertendo a concepção clássica segundo a qual

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os caçadores coletores são os representantes por excelência de uma hu-manidade no estado de natureza, Godelier chega a essa conclusão mui-to paradoxal: é nessas sociedades que a fronteira entre cultura e nature-za, ideal e material, é a mais precisa. Pois quanto mais o mundo materialestá subordinado às finalidades da arte, mais ele é humano, mais a fron-teira entre natureza/cultura se dissolve (GODELIER, 1984, p. 13).

Quanto ao segundo problema, Godelier se contenta em fazer alusão aele numa nota de pé de página sem o desenvolver. Esse problema é oseguinte: para a maioria dos não-ocidentais, “a idéia de uma transfor-mação da natureza pelos homens não tem nenhum sentido”(GODELIER, 1984, p. 36, nota 1). Assim, os povos do passado queforam os primeiros a domesticar plantas e os animais tinham, é quasecerto, concepções realmente diferentes do que eles faziam. Não é aquio lugar para especular sobre o que essas concepções poderiam ter sido.Eu gostaria apenas de insistir sobre um ponto: a idéia segundo a qual aprodução consiste na transformação da natureza pelo homem, da mes-ma forma que a idéia de natureza, ela mesma, e a idéia de sociedadecomo entidade oposta à natureza têm sua própria história, situada numaépoca particular, numa parte do mundo particular. Indo às raízes dessahistória, descobriríamos talvez que essas idéias se desenvolveram a par-tir de um conjunto de concepções muito diferentes daquelas que sãofamiliares hoje, e muito mais próximas das cosmologias aparentementeexóticas concernentes a outros não-ocidentais.

Retraçar a história do pensamento ocidental sobre a humanidade e anatureza ultrapassa os objetivos deste artigo; assim, o extenso tratadode C. J. Glacken sobre essa questão permanece insuperável (cf.GLACKEN, 1967). É suficiente dizer aqui que: “o essencial do tipo depensamento que nós chamamos de ‘ocidental’ é que ele se fundamentana afirmação da supremacia da razão humana. Essa afirmação implicauma noção da fabricação compreendida como uma impressão de umdesenho conceitual preexistente sobre um substrato material bruto.A razão humana é considerada como a fornecedora da forma, enquantoa natureza fornece a substância na qual a forma é realizada. Essa idéiaera o pivô da teoria do valor de Marx, segundo a qual é o trabalho demodelagem da matéria, de modelagem de seu estado bruto a seu esta-do final que confere valor àquilo que já é “dado” na natureza. Esse tra-balho podia ser tanto aquele do artesão que fabrica bens, quanto o doagricultor que cultiva plantas ou do criador de animais. Os dois eramconcebidos como exemplos de fabricação produtiva – a transformaçãoda natureza pelo homem.

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Nessa teoria do valor, Marx invertia uma idéia mais antiga, desenvolvi-da nos escritos dos fisiocratas franceses Quesnay e Turgot, no séculoXVIII. Para esses autores, também o papel do artesão era o de impri-mir um desenho racional sobre a matéria fornecida pela natureza. Maso artesão não criava, dessa forma, um novo valor. Ao contrário, seutrabalho era percebido como um simples rearranjo do que a naturezajá tinha criado. A verdadeira fonte de riqueza, segundo os fisiocratas,era a terra, com a fertilidade que lhe é inerente. E, por essa razão, seconsiderava que as atividades daqueles que trabalhavam a terra, culti-vando e criando, eram de caráter fundamentalmente diferente das ati-vidades daqueles que fabricavam objetos.

Dentro de uma elegante análise, Gudeman (1986, p. 80-84) mostrouque as doutrinas econômicas da fisiocracia eram calcadas sobre a teoriada percepção e da cognição proposta por John Locke 70 anos antes.Para Locke, o mundo natural é uma fonte de sensações brutas que afe-tam os órgãos receptores do observador humano passivo. O espíritotrabalha então a partir dos dados sensoriais que ele recebe, separando-os e combinando-os para formar idéias complexas. Exatamente da mes-ma maneira, conforme os fisiocratas, a terra fornece a seus habitantes amatéria bruta de base à qual a razão humana dá forma e sentido. Comoescreve Gudeman, nessa economia “intelectual”, a “agricultura é para oartesanato o que a sensação era para a operação mental” (GUDEMAN,1986, p. 83). O papel do agricultor é receber o rendimento substancialda terra; o papel do artesão é materializar os desenhos formais da hu-manidade. Assim, o trabalho do agricultor é produtivo, já que dele re-sulta um aporte de riqueza para a comunidade humana, e é, ao mesmotempo, passivo, uma vez que a atividade criadora que permite fazer essariqueza é atribuída à terra e, por isso, à intervenção divina. Inversa-mente, o trabalho do artesão é não-produtivo, uma vez que não acres-centa nada à riqueza humana, e, ao mesmo tempo, ativo, já que é ani-mado pela razão humana (GUDEMAN, 1986, p. 87).

Desse ponto de vista, se bem que seja ainda correto descrever a fabrica-ção dos objetos como uma transformação da natureza pelo homem,uma tal fabricação não é equivalente, mas exatamente oposta à produ-ção, da mesma forma que o artesanato é oposto à agricultura. Posto quenessa última atividade produzir é “fazer crescer” e não fabricar. O agri-cultor ou o criador de animais não transformam a natureza em instru-mento para servir a seus próprios objetivos; antes, eles estão submeti-dos a uma dinâmica produtiva que é imanente ao próprio mundo mate-rial. Longe de “imprimir a chancela de sua vontade sobre a terra”, para

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retomar a fórmula majestosa de Engels, aqueles que trabalham a terra –roçando, revirando o solo, semeando, tirando a erva, ceifando, levandoas tropas para o pasto ou alimentando os animais no estábulo – se con-tentam em ajudar a natureza e, por meio disso, a sua própria espécie ase reproduzir.

Na Grécia clássica, também, a agricultura e o artesanato eram clara-mente opostos, pertencendo – como observa Vernant – “a dois camposde experiência diferentes que são em larga medida mutuamenteexclusivos”(VERNANT, 1983, p. 253). O sofista Antífon, no século Va.C., formulou de maneira divertida a diferença entre fazer crescer efabricar. Imaginemos, nos diz ele, uma velha cama de madeira, enter-rada no solo. Essa cama cria raízes e brotos verdes. Não é uma novacama que nasce, mas um novo galho, pois as camas são fabricadas, en-quanto a madeira cresce (VERNANT, 1983, p. 260). Uma vez que oagricultor fazia crescer as plantas e não fabricava objetos, o agricultornão era percebido como agindo sobre a natureza; o agricultor era per-cebido como aquele que transformava, em alguma medida, a naturezaem benefício dos seres humanos. Trabalhar a terra era, antes, adaptaralgo a uma ordem suprema, ao mesmo tempo natural e organizada se-gundo regras divinas; nessa ordem suprema, as próprias finalidades daexistência humana estavam englobadas. A simples idéia de transformara natureza, mesmo que tecnicamente impossível, seria tomada comoum ato de desprezo a essa ordem suprema (VERNANT, 1983, p. 254).

Se há um certo paralelo aqui com as doutrinas da fisiocracia, apesar deum imenso lapso de tempo, é que sem nenhuma dúvida os autoresgregos clássicos, assim como os fisiocratas do século XVIII, podiam seapoiar sobre um fundo de experiência prática do trabalho da terra.Com relação à agricultura, eles sabiam do que falavam. Mas, no queconcerne ao artesanato, suas respectivas noções eram completamentediferentes. Pois, de acordo com os autores gregos clássicos, as formasque o artesão realizava em seu material não vinham do espírito huma-no, elas não eram construções de uma inteligência racional: elas eraminscritas na ordem da natureza. Assim, a idéia de fabricação enquantoimposição de um desenho racional sobre uma matéria bruta teria sidointeiramente estranha ao pensamento grego. “O artesão não dispõe danatureza; ele é submetido às exigências da forma. Sua função e seumérito são [...] de obedecer” (VERNANT, 1983, p. 294). Isso, obvia-mente, é o oposto do que afirma Godelier. Segundo este último, comefeito, no cultivo das plantas e da criação de animais, na fabricação deutensílios e construção de casas – isto é, na produção do terceiro, do

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quarto e do quinto tipo de materialidade –, é a natureza que está sub-missa às exigências da forma humana. A idéia segundo a qual a produ-ção consiste em uma ação sobre a natureza, proveniente de uma fontesuperior situada no domínio social, é essencialmente uma idéia moder-na.

O ORGANISMO E A PESSOA

Com a ajuda do que foi dito anteriormente, podemos voltar à distinçãoentre evolução e história. Na medida em que essa distinção tambémrepousa sobre o dualismo da razão e da natureza, ela é igualmente umproduto da estrutura do pensamento moderno. Da mesma forma quea razão é considerada como tendo superado as barreiras da natureza,supõe-se que o fato de ser humano ultrapassa o limite de um escrutíniobiológico exaustivo da natureza e do funcionamento do organismo. Comefeito, é precisamente por esse excesso que temos a tendência de definiro quadro de nossa humanidade comum. Uma vez que um elefante ouum chimpanzé são – simplesmente –, nós apreendemos o ser humanocomo um organismo que possui algo a mais (COLLINS, 1985, p. 46-82): supõe-se que sua natureza orgânica seja coroada por algum fatoradicional – seja ele chamado de espírito ou consciência de si – que nãopoderia ser descoberto por meio da observação externa, mas somentepela consciência que temos de nós mesmos enquanto pessoas, tendo iden-tidades, sentimento, lembranças e intenções específicas. E, se conside-rarmos que as modificações que a história provoca na subjetividade hu-mana são distintas daquelas causadas pela evolução biológica sobre oorganismo, então, devemos considerar também que a pessoa excede oorganismo precisamente na mesma medida em que a história excede aevolução.

A noção de que a vida das pessoas se desenrola em um mundointersubjetivo situado acima daquele da vida dos organismos – isto é,no contexto de uma vida essencialmente social – é tão central para aAntropologia quanto para o pensamento moderno em geral, pois estesubentende a divisão entre os ramos sociais e biológicos da disciplina.Eu mesmo adotei por muito tempo esse esquema. Eu tinha certeza deque os modelos e as teorias desenvolvidos pelos biólogos evolucionistaspara dar conta das propriedades dos organismos e suas relações comseus meios ambientes deviam se aplicar não só à espécie humana quan-to a qualquer outra. Era claro, entretanto, que esses modelos não da-vam nenhum lugar àquela que parece ser a característica mais notável

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da espécie humana – o fato de ela ser intencionalmente motivada. Eusustentava que os objetivos humanos eram elaborados dentro do domí-nio social das relações entre pessoas, e que esse domínio era bem distin-to daquele das relações ecológicas que ligam os seres humanos, enquan-to organismos individuais, aos outros componentes do ambiente natu-ral. O problema era então compreender o jogo recíproco entre os doisdomínios – social e ecológico (INGOLD, 1986).

Com o tempo, todavia, essa abordagem se revelou cada vez menossatisfatória, por várias razões: devido aos dualismos que lhe são ineren-tes; ao seu apelo implícito a favor de uma noção essencialista da unida-de do homem; e, enfim, porque ela desconecta as relações sociais damatriz do conjunto das relações dos homens com o meio ambiente.Ocorreu-me, finalmente, em um momento – como se fosse uma revela-ção – que os organismos são pessoas: “O ser humano não é então duascoisas, mas uma só, não um indivíduo et uma pessoa, mas, muito sim-plesmente, um organismo” (INGOLD, 1990, p. 220). Disso, concluí quenão é possível distinguir o processo pelo qual os seres humanos se en-carregam dos atributos da pessoa ao longo de sua vida social do proces-so de desenvolvimento ontogenético do organismo humano no seu meioambiente. Uma vez que fui levado a essa conclusão, ela pareceu-me tãoevidente que me perguntei por que ela havia me escapado durante tãolongo tempo. Refletindo sobre a questão, creio que é porque eu tinhaadotado a estrutura da teoria moderna da evolução, relativamente“confiável”, ora em vigor. Dou-me conta de que defender minha con-cepção de organismo-pessoa demandará uma revisão radical do pensa-mento biológico contemporâneo. Mas, neste artigo, contentar-me-ei emesboçar as grandes linhas da forma que essa revisão poderia tomar.

Se o elefante ou o chimpanzé são “simplesmente organismos”, então, osseres humanos também o são. Entretanto, seremos induzidos ao erropor uma tendência em considerar o animal, em comparação ao serhumano, como simplesmente um organismo. A ciência biológica mo-derna nos incentiva a essa convicção fornecendo-nos uma imagem sin-gularmente pobre do organismo. Ela descreve a vida orgânica como umprocesso passivo e não ativo, no qual os organismos reagem às condi-ções dadas de seu meio ambiente, segundo um programa geneticamen-te pré-especificado. Desse ponto de vista, as faculdades pessoais – deconsciência, de ação e de intencionalidade – não podem fazer partede um organismo, conforme definido anteriormente. Elas devem, ne-cessariamente, vir em acréscimo, enquanto capacidades do espírito enão do corpo, capacidades que o pensamento moderno, como já vimos,

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reservou tradicionalmente aos seres humanos. Mesmo atualmente, quan-do surge a possibilidade de uma consciência do animal não-humano serum sujeito legítimo de especulação científica, o dualismo fundamentalde espírito e corpo permanece – pois a questão é formulada como sefosse uma questão sobre a existência do espírito nos animais (GRIFFIN,1984). A consciência é sempre compreendida como a vida do espírito,distinta daquela do organismo do qual ela faz parte.

Penso, ao contrário, que ser um organismo não é a coisa mais “simples”do mundo. Pois a vida orgânica, tal como a concebo, é ativa e não passi-va, aberta e não pré-programada: é o desdobramento criador de umcampo total de relações, no interior do qual os seres aparecem e tomamsuas formas particulares, cada um em relação aos outros. Desse pontode vista, a vida não é a atualização de formas pré-especificadas, mas opróprio processo no qual as formas são engendradas. Segue daí que aespecificação da forma de um organismo não pode ser independentedo contexto de desenvolvimento dentro do qual ela passa a existir. Ora,a possibilidade de uma tal especificação independente de um contexto éuma condição essencial para a teoria darwinista, uma vez que é essaespecificação – o genótipo – que supostamente evolui por meio dasmudanças de freqüência de seus elementos portadores de informação.Além do mais, é em termos de especificação genotípica que se repartemos organismos entre as espécies. Assim, de acordo com a teoria ortodo-xa, as espécies evoluem quando os genótipos mudam.

Se, ao contrário, como sustento com S. Oyama (cf. OYAMA, 1985), aforma orgânica é um atributo que aparece como uma propriedadeemergente dos sistemas de desenvolvimento, então, a evolução da for-ma não depende das mudanças de freqüência dos genes: ela ocorre nodesdobramento de um campo relacional total. E, nesse processo, osorganismos podem tanto desempenhar um papel de produtores quan-to de produtos de sua própria evolução, uma vez que, por meio de suasações, eles contribuem ao mesmo tempo para as condições ambientaisde seu próprio desenvolvimento e para aquelas do desenvolvimentodos outros organismos com os quais eles estão em relação. Na medidaem que é engendrado nesse processo, prolongando-o também, cadaser aparece como um núcleo indiviso de consciência e de ação inten-cional: uma concentração (em torno de algum ponto de conexão quelhe é próprio) do potencial gerador que é a própria vida. Não somosmais obrigados a pensar, para dar conta de sua implicação criadora nomundo, o espírito ou a consciência como qualquer coisa que se agregouà vida dos organismos. O que nós poderíamos chamar espírito seria

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antes o fio condutor do processo mesmo da vida, o front, sempre emmovimento, daquilo que Whitehead chamou de uma “marcha criadoraque avança na novidade” (WHITEHEAD, 1929).

FABRICAR A SOCIEDADE E FAZER CRESCER AS PESSOAS

Partindo dessa concepção, eu gostaria agora de voltar aos conceitos-chave de produção e história a fim de examinar as conseqüências dessecaminho alternativo.

Quando Engels declarava que “o máximo que um animal pode fazer écoletar, enquanto o homem produz” (ENGELS, 1934, p.308), ele escre-via com o ponto de vista de um homem que tinha a experiência dafabricação industrial: para ele, a noção de produção remeteria em pri-meiro lugar ao ato de “fabricar objetos”, ou seja, à construção de objetosartificiais por meio de um processo de transformação da matéria natu-ral bruta. Se ele tivesse vindo de um meio agrícola e não industrial, eleteria reconhecido o que há de estranho em aplicar tal noção à produ-ção destinada à alimentação. Pois, como todo agricultor sabe, não sefabricam os produtos agrícolas, o agricultor os faz crescer. Compreen-der a produção como um processo que consiste em fazer crescer é recu-perar um sentido muito antigo do termo e que, entretanto, permanecesendo usado. Produzir, no último sentido, quer dizer “fazer acontecer”.Assim, os agricultores ajudam a terra a fazer com que seus frutos acon-teçam. Quando eles roçam, plantam, tiram a erva ou cuidam dos ani-mais, seu trabalho não fabrica plantas ou animais, sendo, portanto, umtrabalho para estabelecer as condições ambientais de seu crescimento eseu desenvolvimento.

Creio que uma boa forma de distinguir diferentes regimes de gestãodas plantas e dos animais é considerar a natureza da implicação huma-na no estabelecimento de suas condições de crescimento. Para a com-preensão dessa idéia, é suficiente uma simples mudança de perspecti-va: em vez de pensar nas plantas e nos animais enquanto uma parte doambiente natural dos seres humanos, devemos pensar nos seres huma-nos e nas suas atividades como uma parte do meio ambiente das plan-tas e animais. Essa inversão tem uma conseqüência capital. Se os ho-mens, de um lado, e as plantas e animais, de outro, podem ser conside-rados alternativamente como componentes dos meios ambientes unsdos outros, não podemos pensar nos primeiros habitando um mundosocial que lhes é próprio, situado acima do mundo da natureza quecontém as vidas de todos os outros seres vivos. Tanto os homens quanto

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os animais e as plantas, dos quais aqueles dependem para sua subsistên-cia, devem antes ser considerados como companheiros, participantesdo mesmo mundo. E as formas que todas essas criaturas assumem nãosão dadas a princípio, nem impostas de cima: elas aparecem nos contex-tos relacionais da sua participação mútua. Resumindo, os seres huma-nos, por sua atividade produtiva, não transformam o mundo: eles de-sempenham um papel, ao lado de seres de outro tipo, na transformaçãodo mundo por eles mesmos. É a este processo de autotransformaçãoque me refiro com o conceito de crescimento.

No que se transformou, então, a noção de história? Aceitemos a idéia deque a obra dos seres humanos, em todo lugar, na história, consistiu emfazer crescer e não em fabricar. É claro que os homens desempenhamum papel na viabilização das condições de crescimento não somente deplantas e de animais, mas também de seus semelhantes humanos. Comefeito, poderíamos definir a história humana como o processo no qualos homens e as mulheres de cada geração, por meio de suas atividadesvitais, fornecem os contextos de desenvolvimento nos quais seus suces-sores chegam à maturidade. Apesar de definida dessa maneira, a histó-ria humana não é nada senão parte de um processo de evolução que,conforme mostrei anteriormente, se desenvolve em todo o mundoorgânico (INGOLD, 1995b, p. 203). A distinção convencional entre his-tória e evolução fica assim dissolvida.

As conseqüências dessa dissolução são impressionantes. Pois ela põe umfim à idéia de que, no curso da história concebida como um processosocial, os seres humanos permanecem biologicamente os mesmos, equipa-dos universalmente com um conjunto de estruturas e de disposiçõesocorridas no Pleistoceno por um processo de evolução e adaptação. Énecessário admitir que as diferenças humanas são biológicas quanto àsaptidões, às capacidades e às disposições particulares mobilizadas peloshomens em suas vidas, em diferentes tempos e lugares. Tais diferençasforam incorporadas no seu processo de desenvolvimento – nos aspec-tos particulares de sua neurologia, de sua musculatura e mesmo de suaanatomia – em função da diversidade das experiências adquiridas cres-cendo em determinados tipos de meio ambiente.

Não há, portanto, uma forma essencial da humanidade; não podemosdizer que se é um ser humano independentemente do contexto dasmúltiplas vias seguidas pelos seres humanos para se tornarem o que elessão (INGOLD, 1995a, p. 359). Eu gostaria de sublinhar que isso não éum argumento em favor da precedência da educação em relação à na-tureza. A maioria dos biólogos insiste com veemência no fato de que a

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oposição natureza/educação é obsoleta, todavia, essa oposição persiste,precisamente porque ela é reproduzida nas hipóteses fundadoras desua teoria (OYAMA, 1985, p. 26). Essa teoria repousa, como vimos, so-bre a noção segundo a qual o desenvolvimento de todo organismo –humano e não-humano – é garantido por uma especificação preexistente– ou seja, genotípica – da forma. Ao negar a realidade do genótipo hu-mano, não pretendo dizer que os seres humanos são preponderante-mente moldados pelas condições de seu meio ambiente. Quero dizer,simplesmente, que a metáfora da moldagem – que implica a preexistênciada forma, seja nos genes, seja no meio ambiente, como um modelo, umprograma ou um desenho preexistente à sua realização material – éimprópria para descrever o processo de crescimento no meio do qual ascaracterísticas e as capacidades das pessoas se constituem ao longo desua vida.

Isso não é menos verdade em relação àquilo que concerne aos processosde formação do meio ambiente. Mostrei de que maneira, na visão con-vencional, o meio ambiente era apresentado como a substância das for-mas históricas de cultura que, por sua vez, eram apresentadas como oconteúdo da forma a-histórica da natureza humana. Dentro de tal pers-pectiva, cada meio ambiente é alternadamente moldado e remoldadopela impressão dos esquemas de representações mentais, uns após osoutros, cada remodelagem recobrindo ou obliterando a precedente.Assim, a superfície material da natureza supostamente se apresenta comoum palimpsesto para a inscrição da forma cultural. Minha tese sugere,ao contrário, que as formas dos objetos do meio ambiente, assim comoas formas dos próprios organismos, não são impostas sobre um substratonatural, mas antes que elas aparecem num processo de crescimento epor meio dele. Ou, para dizer de outro modo, são as cristalizações deuma atividade que se desenvolve no interior de um campo relacional.Para compreender esse ponto, é suficiente pensar em toda atividadeque está em jogo, por exemplo, na construção de uma casa. Talvez te-nha havido um plano de construção, mas, como presença concreta nomeio ambiente, a casa nasce do trabalho daqueles que a constroem enão do plano. E, nesse sentido, a construção nunca é acabada, pois,durante o tempo em que a casa existir, será inevitavelmente implicadanas relações com seu entorno humano e não-humano. É interessantelembrar que toda casa humana contém muito mais habitantes não-hu-manos do que se vêem comumente – ou que nós não cuidamos de saber– e que seu impacto sobre a evolução de sua forma não pode sernegligenciável.

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Geralmente, os meios ambientes estão continuamente em formação de-vido às atividades das criaturas humanas e não-humanas, das quais elesconstituem o meio (INGOLD, 1992, p.50). É uma característica que tendea ser ocultada por uma oposição difusa, fortemente institucionalizadana sociedade ocidental, entre planificação e execução. Atribuindo a for-ma a um projeto preexistente, privilegiamos o processo intelectual e arazão em relação ao processo de nosso engajamento corporal com omeio. Negamos, assim, a potência criativa do próprio processo pelo qualas formas ganham verdadeiramente existência. Isso acontece tambémna biologia darwinista: cada organismo é considerado por ela como aencarnação de uma solução prefigurada para um problema particular –se bem que atribuamos a solução, nesse caso, antes à seleção natural doque à escolha racional. Mas o que é a seleção natural senão a imagem darazão humana reenviada ao cientista observador, uma vez que ele (ouela) olha fixamente no espelho da natureza?

CONCLUSÃO

Voltemos, para concluir, aos cinco tipos de materialidade de Godelier,distinguidas conforme o modo e a extensão da implicação do homemna sua existência. Em que a formulação de Godelier difere da nossa? Aresposta é a seguinte: para Godelier, o papel criador dos humanos resi-de na sua capacidade, com graus variados, de agir sobre, intervir em oufazer coisas num domínio de natureza que é exterior ao seu eu social-mente constituído. De acordo com a tese que apresentei, ao contrário,os seres humanos não transformam o mundo material. Em vez disso,enquanto seres humanos cuja existência mesma depende de sua situa-ção no seio do mundo, suas atividades fazem parte e são partes daautotransformação do mundo, de sua autopoiese. Desse ponto de vista,a natureza não é uma superfície de materialidade sobre a qual se inscre-ve a história humana. A história é o processo no qual os homens e seusmeios ambientes estão, ao mesmo tempo e continuamente, em forma-ção, cada um em relação ao outro. É uma maneira de interpretar aobservação bem comum e, apesar disso, bastante enigmática de Marx:“A história ela mesma faz realmente parte da história natural – da naturezaque se torna homem” (MARX, 1964, p. 143). Da mesma forma, é tam-bém o homem que se torna natureza. Ou seja, para concluir, as ações dohomem no meio ambiente não são de ordem de inscrição, mas de or-dem de incorporação, visto que elas se constroem ou se dobram nasformas da paisagem e de seus habitantes via seus próprios processos decrescimento.

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RÉSUMÉ

Cet article porte um regard critique sur cette notion de “fabriquer l’histoire”.Dans un certain sens, les êtres humains produisent de la société pour vivre,je crois que nous devons cesser de penser la production comme un processusde fabrication et la considérer plutôt comme un processus de croissance.

Monts-clés: histoire; évolution; production social.

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ALAIN GRAS*

A POTÊNCIA DO FOGO E A BIFURCAÇÃO DA HISTÓRIA

EM DIREÇÃO À TERMOINDÚSTRIA. DA MÁQUINA DE

MARLY, DE LUÍS XIV, À CENTRAL NUCLEAR DE HOJE

Um bom exemplo de máquina ecológica é a nora. Tra-ta-se de um engenho que, construído num rio, utiliza aforça da gravidade para elevar a água até um aque-duto e abastecer assim uma região, sem grandes im-pactos sobre o meio. Provavelmente a mais famosa norafoi a Máquina de Marly, construída sob os auspíciosde Luís XIV, em 1684. A primeira hipótese que esseartigo defende é que essa máquina guarda um aspectosimbólico, porque ela aponta em direção aos limites na-turais impostos até mesmo a um poderoso reinado, sefor comparada com a energia derivada de combustívelfóssil ou nuclear. Ela igualmente representa uma al-ternativa tecnológica para a utilização da energia dis-ponível, de forma natural e bastante exeqüível, comotambém exemplificam os moinhos hidráulicos inglesesda primeira revolução industrial até o fim do séculoXIX. A segunda hipótese defende a idéia de que nahistória das técnicas existe o equivalente ao que Elredgee Gould definiram em biologia evolucionista como equi-líbrios pontuados. Assim, a decisão por uma perigosatrajetória tecnológica tomada em meados do século XIX,privilegiando o uso da energia produzida pela com-bustão, tanto pode significar apenas um curto momen-to na história das sociedades contemporâneas, como asua destruição.

Palavras-chave: paradigmas da produção energética;história da técnica; máquinas sustentáveis.

* Sociólogo da UniversidadeParis 1 – La Sorbonne;Centro de Estudos das Téc-nicas, dos Conhecimentos edas Práticas (CETCOPRA);[email protected]

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INTRODUÇÃO

Evocar a imagem do fogo é logo constatar a profunda ambigüidadecom a qual apreendemos esse elemento. Celebrado como uma inovaçãodecisiva na história da humanidade, o calor do fogo não deixa de serpor isso ambíguo. Além de ser um meio de cozer os alimentos e repre-sentar uma etapa importante na hominização, seu poder é, entretanto,destruidor, podendo reduzir a vida a nada.

Instrumento de purificação ritual para a maioria das religiões, ele étambém o grande sacrificador no holocausto (de holo =todo; kaulein =queimar), termo que hoje designa especificamente o maior drama co-nhecido da humanidade histórica, uma tragédia contemporânea, da eratermoindustrial.

Encontramos, associada ao elemento fogo, a ambivalência primeira dasorigens: ele é ambíguo, mas também ambivalente.

Com efeito, uma vez que o fogo vem do céu, a associação com o sol érecorrente. Mas ele também sai das profundezas da terra e as erupçõesvulcânicas confirmam espetacularmente a sua presença sob nós. É porisso que as duas formas de fogo se encontram estilizadas no espaçoindo-europeu em duas narrativas fundamentais, a de Prometeu, naAntiguidade grega, e a do incêndio final de Ragnarök, da mitologiaescandinava, e, mais amplamente, na tradução indo-européia das qua-tro idades da humanidade.

Mesmo tendo sido domesticado pelo homem, podemos questionar seessa inovação “fogo” não teria, desde há milhares de anos, gerado con-trovérsias. O romance bastante bem-humorado do sociólogo Roy Lewis,intitulado Porque almocei meu pai (LEWIS, 1994), construído em tornode supostos debates sobre a adoção dessa inovação por nossos ancestraislongínquos, nos conta como “o industrioso Eduardo, querendo domes-ticar o fogo, queima toda a floresta”. Fico tentado a dizer que essa situa-ção verossímil há 400 mil anos pode servir de metáfora sobre a maneiracomo a máquina a vapor transformou o mundo. As narrativas sobre aorigem do fogo guardam as pistas dessa ambigüidade primeira. Nós adescobrimos nos relatos coletados pelo célebre etnólogo inglês JamesFrazer, no tomo “Mitos sobre a origem do fogo”, de sua grande obra Oramo dourado (FRAZER, 1978), vastamente utilizado por GastonBachelard em seu famoso livro A psicanálise do fogo (BACHELARD, 1984).

A consciência do aumento da temperatura no mundo começa, hoje, a sematerializar por meio de formas abstratas como o CO

2, o buraco na

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camada de ozônio, ou, numa referência mais abrangente, pelo aqueci-mento climático e o efeito estufa.

A maioria das técnicas da vida cotidiana aproveitam direta ou indireta-mente o poder de algum tipo de fogo utilizado em lugares onde ele nãoatrapalha – centrais termoelétricas ou termonucleares instaladas em ci-dades pequenas do interior, por exemplo. Os objetos que utilizamostambém provêm, em grande parte, de transformações obtidas por meiodo fogo: o metal, as resinas sintéticas, os plásticos etc. O próprio alimen-to, graças aos insumos, ao transporte, à refrigeração ou ao congelamen-to, além da embalagem, também demanda o consumo de calor.

Sabe-se, por exemplo, que são necessários dez litros de petróleo paracustear um quilo de carne bovina, estando aí incluídas as despesas como seu fornecedor e seu transporte até o consumidor.

Como chegamos a isso? Se a questão é ingênua porque as coisas sãocomo são, então não há mais nada a fazer além de observar a dinâmicadesse lento recobrimento do mundo pelos resíduos do fogo e produzirensaios sobre a continuidade da evolução tecnológica desde a noite dostempos. Os adeptos desse discurso passaram a admitir, recentemente,sem qualquer mal-estar, a existência de riscos inevitáveis. Contam, en-tretanto, com esse mesmo progresso tecnológico para fazê-los desapa-recer no futuro. Essa maneira de querer apenas curar o mal, sem preo-cupar-se com as raízes do mesmo, pode ser denominada de política daavestruz. E, levando-se em consideração o que está acontecendo noplaneta, essa política é ruim.

Para se chegar às raízes, deve-se tentar encontrar uma genealogia daonipresença desse calor mediante a hipótese de que se trata de umaruptura na evolução. Isso quer dizer que se devem procurar as raízesdesse fenômeno tanto na realidade material quanto na maneira comoelas se entranharam nos espíritos. Para Nietzche, cuja perspectiva filo-sófica Michel Foucault prolongou e atualizou à sua maneira, os sistemasde valores se inscrevem nas lutas pelo poder e a aparição de uma novaforma de pensar, portanto, nunca é fortuita, desse ponto de vista.

Ora, o objeto técnico é também uma forma de pensamento, ele é umamaneira de fazer existir o mundo à sua volta. O universo do cotidianoe o universo mais abstrato do conhecimento enquanto norma são am-bos o resultado de um conjunto de causas que não podem ser listadas,pois são indefiníveis e, sem dúvida, incontáveis. O que dá sentido àinterpretação do novo mundo, da termoindústria, é, sobretudo, a gêne-se do objeto aliada àquela de sua idéia. Porém, antes de uma aproxima-

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ção das raízes desse novo mundo da máquina térmica, é necessário umdesvio pela crítica dos fundamentos do evolucionismo tecnológico, istoé, do pressuposto de um desenvolvimento progressivo das técnicas, mui-tas vezes tomado como evidência inquestionável, sendo, entretanto, ape-nas uma grande ingenuidade.

Com efeito, é necessário afirmar que a história das técnicas é bem umaHISTÓRIA, o que significa dizer que está aberta ao inesperado, aoacontecimento, ao acaso. Freqüentemente os historiadores das técnicasse tornaram, na realidade, “filósofos” da história. Esse progressismoingênuo esquece que a técnica é um fato social e que o objeto está inse-rido em um contexto não-técnico que a ele dá sentido.

A aparição da máquina térmica como “natural” se apóia na crença deuma autonomia do desenvolvimento técnico, o qual supõe uma conti-nuidade nas mudanças de objeto desde sua existência primitiva até hoje.Na França, Maurice Daumas é o mais eminente representante destepensamento. Numa obra sobre as técnicas ao longo das eras, o leitor sedepara com a evidência do progresso humano apresentado a partir deobjetos contemporâneos cujo percurso se constrói, ao longo do tempo,de maneira abstrata e descontextualizada. Esses objetos técnicos evi-denciariam a finalidade provisória de uma história na qual o homem éapresentado como um genial “bricoleur” antes de a razão emergir e fa-zer dele um cientista ou engenheiro.

DA BIOLOGIA À ANTROPOLOGIA: OS EQUILÍBRIOS PONTUAIS EA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA TECNOLOGIA

Em geral, os manuais ensinam que é fácil seguir as pistas de um objetoe de conceber assim sua evolução. O carro, por exemplo, seria um pro-longamento da charrete de bancos ou da carroça, que se originaria, porsua vez, da carroça pesada de quatro rodas dos gauleses, que foi suces-sora da carroça de duas rodas dos hicsos, invasores do Egito por voltado ano 30 a.C. Até mesmo o telefone celular ou a internet, bem como osoutros artefatos tecnológicos modernos se apresentam como o prolon-gamento contemporâneo de uma necessidade técnica surgida anterior-mente com os sinais de fumaça ou ainda com os pombos-correio!

A visão segundo a qual se, analisarmos nossos passos, podemos saber deonde viemos, é tão verdadeira quanto aquela que nos faz retroceder aosnossos ancestrais distantes. Qual é, com efeito, a relação entre o senhorSilva, em 2005, e aquele senhor que viveu há mil anos, se essa compara-ção é feita após um labirinto formado por bifurcações sucessivas? Vale a

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pena citar uma anedota de Boris Cyrulnik a esse propósito: responden-do a um senhor denominado Fulano de Tal, descendente do rei Saint-Louis, ele se apresentaria também dessa maneira: “Sou Boris GrandeCro, descendente de Cro Magnon”. Belo exemplo da insignificância dabusca de sentido do presente como se pudéssemos voltar linearmentesobre nossos passos.

A presença de um ancestral mítico vale tanto para Saint-Louis quantopara o homo sapiens, uma vez que nenhum dos dois ajuda na compreen-são do homem contemporâneo. O mesmo acontece com o automóvel,ele, tal qual a charrete, tem quatro rodas. Todavia, tanto Saint-Louisquanto Cro Magnon tinham também duas pernas, mas o conhecimentodesse fato não ajuda na compreensão de fenômenos de outra ordem, nasua realidade mais íntima.

A despeito desse evolucionismo radical, que é também um progressismototalizante, encontrado em todo o universo midiático, existe uma outrainterpretação da dinâmica tecno-lógica que é bem mais interessante. Asteorias modernas da evolução, da qual o famoso biólogo Stephen J.Gould é um de seus representantes mais críticos e mais iconoclastas, eque ficou célebre na França com o livro Quando as galinhas tiverem dentes(cf. GOULD; BLANC, 1991), insistem também sobre essa incerteza dotempo, em particular na teoria dita dos “equilíbrios pontuais” ouponctuated equilibria.

Essa teoria repousa sobre a constatação do fato de que as tendênciasobservadas no mundo fóssil combinam períodos de estagnação na evo-lução das espécies com outros períodos de bruscas acelerações. Ela cria,então, a hipótese de que, durante períodos de tempo mais ou menoslongos, uma espécie pode dar a impressão de desaparecer, uma vez queela se protege num lugar raro, cujas características diferem daquelas doambiente dominante, ficando isolada num nicho do ecossistema. Selecio-nada favoravelmente por uma mudança no meio ambiente, uma modi-ficação climática, geológica ou de outra ordem, a espécie pode se encon-trar mais adaptada do que as concorrentes e mostrar um dinamismoevolutivo que aumenta à medida que a espécie se mostra maisresistente na fase de recessão. Pode ser assim interpretada a renovaçãoque seguiu a extinção quase total das espécies no permiano, há250 milhões de anos, e a desaparição mais conhecida dos dinossauros,há 60 milhões de anos.

A história dos seres vivos repousa então sobre uma série de descon-tinuidades (ponctuated equilibria) e não sobre mutações contínuas devidoa uma pressão seletiva constante. Reconheço que estou simplificando

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esse modelo, correndo o risco de desagradar os puristas, mas minhapreocupação é apenas utilizar algumas informações para pensar em ter-mos da Antropologia, e não da Biologia. Essa teoria renova o darwinismoretirando a noção de tempo orientado na evolução biológica, uma vezque ninguém pode saber qual mudança atingirá amanhã o status dosque estão adaptados hoje (em certos aspectos, tal teoria põe o darwinismoem perigo, conforme consideraram alguns criacionistas, mas deixo aquestão em aberto, já que não é de meu domínio).

Além disso, a noção de tendência, nesse contexto, reencontra a formaevolutiva que chamo trajetória: a evolução de um ser ou objeto se situanum tempo descontínuo, e a “evolução” orientada é pontuada, mas tam-bém pontual, isto é, limitada num tempo que tem início e fim. Ela seabre, assim, em direção a uma teoria positiva do papel das catástrofesna história.

Com esse modelo, conseqüentemente, a previsão de longa duração éimpossível. Uma espécie dominante durante um período (período esteque pode variar enormemente, se contado em anos), pode assistir aosurgimento de outra, que se torna bruscamente dominante, mas queaté então era inexpressiva. Mais tarde, o jogo pode mudar sucessiva-mente. Não há um ganhador que não seja provisório no grande jogo davida.

O exemplo poderia ser estendido para a tecnologia. Retomemos o casomais simples do automóvel. Quando o petróleo era abundante e bara-to, o motor a gasolina era bem superior ao movido a diesel. Mas, se opreço do barril fosse dissuasivo, o petróleo menos refinado, o óleo pesa-do seria mais interessante e se o “óleo mineral” faltasse, o diesel poderiaser substituído, e seus concorrentes, como o óleo vegetal – de colza,trigo, beterraba, girassol e outros –, levariam a melhor. O motor a gaso-lina não teria sido mais do que um pequeno parêntese na história dastécnicas! E em seguida ninguém irá saber quem será o próximo ganha-dor.

Da mesma maneira, porém mais amplamente, podemos nos perguntarse a tecnologia contemporânea, fundada sobre a potência do fogo obti-da pela energia fóssil (e pelo urânio), é apenas um pequeno parêntesedo qual podemos sair ou no qual podemos morrer?

Essa teoria dos equilíbrios pontuados ganha também uma outra feiçãono domínio técnico. Ela desemboca – intelectualmente, pois não há ne-nhuma filiação direta – sobre uma outra teoria crítica que é convencio-nalmente chamada de “a construção social da técnica”, amplamente de-

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senvolvida no mundo anglo-saxão, defendida na França por BrunoLatour, de um modo que lhe é próprio e amplamente aplicada à ciên-cia. Paralelamente à tese biológica, esse modelo atribui uma importân-cia muito grande ao meio, mas dessa vez o meio é humano e o nicho ésocial. Não desenvolverei as idéias desta corrente, mas gostaria de assi-nalar sua importância, porque ela chega, embora por outras vias, àmesma constatação a que chegam Gould & Elredge (1972): a bifurca-ção evolutiva mistura, no momento da escolha sobre o futuro, os sereshumanos com seus desejos, seus interesses e suas pulsões, com artefa-tos, por meio de um determinismo próprio, o qual não é, de formanenhuma, decisivo. Latour enfatiza a idéia de um “parlamento das coi-sas”; eu me contentaria em dizer que a evolução tecnológica (não con-fundir com crescimento) procede por ruptura de sentido.

É necessária uma pequena digressão para precisar meu pensamento.No Ocidente, a representação convencional de tempo e do Ser, ou dosseres, dos objetos e não somente dos humanos, se enxerta sobre ummodelo que é tão simplista quanto estéril para pensar esse tempo demaneira criativa. Tomemos um caso fora do mundo ocidental. Os hinduspensam o mundo em termos de ciclos, grandes e pequenos. Assim, umgrande ciclo Manvantara se compõe de ciclos menores, os Maha-Yuga,eles mesmos constituídos de “eras” ou Yuga (as quatro eras da humani-dade dos Anciãos). Certos especialistas em esoterismo oriental, tal comoRené Guénon, atribuem a essas eras um número de anos solares, ou-tros recusam-se a fazê-lo, o que não tem qualquer importância, pois oManvantara continuará sendo equivalente a um sopro de Brahma!1

É necessário, obviamente, ver nessa matemática poético-metafísica umaimagem de homem no tempo que nos coloca diante da nossa pequenezinfinita. Todavia, essa cena grandiosa vem acompanhada de uma inter-rogação: “para aonde vamos nesse mundo?”, e de uma resposta: “a lu-gar nenhum”, pois o mundo se recria a cada dia a partir do nada (gra-ças a Brahma), e existe sempre em algum lugar recôndito uma novida-de absoluta. O mundo, enquanto fenômeno total, cria sentido por meiode invenções radicalmente novas e que nada têm a ver com as prece-dentes.

A visão hinduísta se opõe, assim, àquela ocidental como os princípiosjurídicos do Direito Canônico católico tão bem exprimiram na IdadeMédia, antes de serem reapropriados pela ciência moderna: Post hocergo propter hoc (após, portanto, por causa de) e Ex nihilo nihil fit (nadasurge do nada). Tudo está dito nesses dois adágios. Partirei então da

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hipótese inversa àquela formulada por Andreu Sole e expressa no títulode seu livro: [somos] criadores do mundo (cf. SOLE, 2000).

A bifurcação em direção a um universo inteiramente fundado sobre opoder do calor não é uma banalidade antropológica que seria o resulta-do de uma necessidade inscrita desde a aurora da humanidade numa“natureza humana”. Ela carece de explicação, pois não se concebe oradicalmente novo que é a criação numa série de causalidade (post hoc...),mas pode-se compreendê-la a partir de uma situação dentro do nicho.Ver sua emergência como uma coalescência, uma cristalização, umaprecipitação, uma aparição, no sentido religioso do termo, de um fenô-meno que tem um sentido até então desconhecido.

NORIA, MÁQUINA DE MARLY E TURBINA. UMA BIFURCAÇÃO

IMPOSSÍVEL?

Se compararmos, na história das idéias, os diferentes tipos de relaçõesque os homens estabeleceram com os diversos elementos, notamos ime-diatamente que a diferença entre eles é grande. Enquanto a terra, o are a água foram, cedo, objeto de mensurações e experimentações, acom-panhadas de conhecimentos rudimentares de suas propriedades, o mes-mo não aconteceu com o fogo. O termo “agricultura” exprime um co-nhecimento (uma cultura) da maneira por meio da qual podemos lidarcom a terra e sua fertilidade; da mesma forma, as máquinas, que em-prestam sua força à água e ao vento, exigem uma competência teórica eprática e um savoir faire para que elas funcionem.

Em Hama, na Síria, a simplicidade com a qual o engenho denominadonora eleva, graças aos seus alcatruzes, a água até 30m (medida equiva-lente ao diâmetro da roda que impulsiona a água), utilizando apenas aforça da corrente do rio ou córrego, ou então o extraordináriovirtuosismo dos engenheiros romanos na confecção de seus aquedutos,que mantinham sua declividade calculada a partir de um caimento de1mm a cada metro, fazendo com que a água escorresse por distânciassuperiores a 100km, são exemplos de uso pacífico da energia. Esses exem-plos demonstram um conhecimento real e íntimo das forças da nature-za para recuperá-las sem destruí-las em sua essência.

Os tempos modernos vão perder essa sabedoria, e os arquitetos de LuísXIV serão incapazes de terminar o aqueduto que deveria desviar o rioEure em direção a Versailles,2 para a ostentação da corte. Esse períodoviu, aliás, surgir um delírio de grandeza no controle da água, de espe-

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cial interesse, pois testemunha ao mesmo tempo a vaidade da vontadede dominação das forças naturais e uma criatividade delirante na pes-quisa de captação dessas forças antes de acontecerem as primeiras ten-tativas baseadas na energia fóssil.

Refiro-me a um tipo de nora, denominada máquina de Marly, que ali-mentava os jatos de água do Rei Sol. Esse gigantesco engenho imagina-do por um autodidata de Liège, Renquin Sualem, fazia as águas do rioSena subirem a mais de 160m, ou seja, até a altura do ponto de partidado aqueduto que as conduzia, ao longo de 634m, até a bacia de Versailles.Para alcançar o alto da colina de Marly, quatro mudas para drenagem –cujas engrenagens eram acionadas por uma parte da água que caía –eram necessárias. Catorze grandes rodas de 12m de diâmetro erammovidas pela corrente do rio Sena. Um fabuloso sistema de bielas emanivelas transformava a rotação em um movimento alternativo e com-plexo que agia sobre as engrenagens. Na opinião dos vizinhos das pla-nícies do entorno, o barulho era insuportável, mas tratava-se da gran-deza do reino.

Sabemos que as válvulas dos jatos de água, situadas 30m abaixo do iní-cio do aqueduto, eram abertas quando o rei chegava com seus convida-dos e fechadas em seguida para que a água pudesse jorrar à medidaque o cortejo real passava. O rendimento, então, era muito fraco e deveter sido necessário, sem dúvida, um pouco de loucura e bastante inge-nuidade para Sualem ter acreditado nesse projeto. O estancamento dasbombas deixava a desejar, pois o polimento das peças não era feito commuita precisão, a madeira e o ferro trabalhavam, sob a mudança detemperatura, as peles/o couro tinham dificuldade de resistir à pressão, eas inumeráveis engrenagens sofriam panes recorrentes. Apesar de tudo,a máquina conseguiu fornecer 6 mil m3 de água por dia para a corte;com todos os problemas, ela funcionou até 1817, isto é, 133 anos, o quenão é pouco tempo para um engenho tão complicado.

Apesar de ser um projeto complicado, tinha um objetivo muito simples:recuperar a energia natural da gravitação para lutar contra essa mesmagravitação. Admirável princípio que a paixão de um rei pela grandezacolocou em aplicação em um objeto técnico com uma amplidão inauditana época. Infelizmente, a notoriedade da máquina de Marly não é sufi-ciente para dar lugar a uma reflexão sobre as possibilidades de uma taltecnologia renovada pelo saber científico nascente. Ela não abriu umanova trajetória e representa o fracasso de uma forma de pensamento enão propriamente um fracasso técnico.

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No horizonte se perfilava a bomba a vapor de Newcomen (em 1712) e,mais tarde, em 1785, a bomba de Watt fechava essa bifurcação possívelem proveito da nova potência retirada da energia fóssil. A máquina deMarly, em seu princípio energético, continua então a nora – que não éuma bomba –, mas de maneira monstruosa fecha o caminho por seuexagero, em vez de abrir uma outra bifurcação.

A idéia de usar a força hidráulica também pode ser encontrada nosmoinhos da Revolução Industrial do século XVIII e na turbina, noséculo XIX, porém, a bomba movida pela força gravitacional foi aban-donada. No século XX, a trajetória das energias renováveis permanecefechada, mesmo quando as turbinas eólicas aproveitam o vento parabombear a água em alguns lugares privilegiados de onde elas foram eserão gradualmente expulsas. Assim, na planície de Ibiza, as hélicesinertes e as estruturas enferrujadas das turbinas testemunham triste-mente um passado autônomo das fazendas, atualmente ligadas a umarede comum alimentada por uma bomba central, evidentemente tér-mica.

A máquina de Marly remete tanto ao poder do monarca quanto aopoder da tecnologia, e a vontade de poder que ela materializatecnologicamente é frustrada paradoxalmente por questões de ordemfísica e não política.

A energia fóssil destruirá limites. A expansão da potência técnica pôdeprosseguir a partir do século XIX e foi a locomotiva o que melhor evi-denciou o caminho da nova tecnologia. Hoje, essa expansão encontranovos limites: os da escassez das fontes, sobretudo de petróleo, e os efei-tos derivados do abuso do calor na nossa sociedade termoindustrial. Omundo arde ao mesmo tempo que se esquece de que há meios de agirsobre a natureza, atuando a seu favor.

O fogo, os outros elementos e as relações que eles mantêm uns com osoutros só podem ser compreendidos no interior desse mundo huma-no. Desde o começo dos tempos, os seres humanos manipulam a natu-reza, a techne é apenas uma arte como qualquer outra, e as astúcias quepermitem a metis, a habilidade, ajudam os homens a fabricarem seusartefatos para reproduzir a vida captando recursos dispersos num meioambiente que não é hostil. Nenhuma idéia de dominação existe na arteprimeira da técnica, mas sim uma colocação em relação.

Os filósofos falam a esse propósito de uma mediação simbólica, o que sepode interpretar como uma maneira de dar um lugar à natureza nouniverso do sentido. A natureza fala e nós escutamos. Não quero, com

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essa imagem, criar um quadro idílico de um tempo esquecido, querosimplesmente evidenciar que a vontade de dominar as forças naturais éum fato histórico, o que significa que é provisório; a vontade de domi-nação se revela ao longo dos séculos como uma bifurcação de grandeamplitude na qual o fogo é o meio principal, mas não único.

A transformação pelo fogo não está inscrita na ordem das coisas; o fogoé proveniente de dois tipos de calor de origens opostas. Vindo do alto,o calor do sol pode ser capturado de diversas formas; aprisionado nosfósseis, ele restitui uma parte de sua potência graças aos hidrocarbonados.O calor vindo das profundezas da Terra se capta diretamente nageotermia, ele pode, também, ser recuperado graças a uma transforma-ção muito sofisticada de um de seus produtos minerais, o urânio. Suadecomposição serve para esquentar a caldeira da central atômica. Alémdisso, os átomos dos hidrocarbonados desagregam-se para movimen-tar o motor térmico. Esses dois usos são recentes e constituem rupturascom a utilização tradicional desse elemento.

Se comparado à água, à terra e ao ar, o fogo é percebido como umelemento instável, mas que pode ser produzido por uma ação humana.Assim, o “fogo foi aceso”, se voltarmos à terminologia de Frazer (1978),há muito tempo, sem que conheçamos nem a natureza nem a causaprimeira. Frazer ainda lembra que o fogo guardado pelos sacerdotesna Pérsia, pelas vestais em Roma, bem como em todas as civilizaçõesanteriores à nossa, foi percebido como um fenômeno frágil e ambíguo.

O calor produzido é, então, em parte, traduzido como uma aberturasobre o simbólico e sobre o mito. Por outro lado, ele apresenta umautilidade imediata: a transformação da substância sob seu efeito. Antesda máquina a vapor, a utilidade do calor residia no aquecimento do-méstico ou no cozimento, que dava nova textura à matéria: essencial-mente os alimentos, a água, a madeira, as pedras (calcário), a terra (ar-gila, adequada para a olaria) e, mais recentemente, os metais.

No que concerne estritamente ao fogo, é necessário agregar ao ato deesquentar os alimentos uma outra transformação de primeira impor-tância: permitir iluminar a noite fria, aproximando-a do dia, mais quente,para torná-la menos hostil. Todavia, essa eficácia própria do fogo, pormais evidente que seja, não compromete sua potência, diferentementedo que ocorre com os outros três elementos naturais. Terra, vento eágua têm seus efeitos perceptíveis enquanto dados imediatos da cons-ciência: o vento sopra, a água serpenteia, a terra faz brotar. O poder dofogo é sua capacidade de reduzir a cinzas, de fazer voltar ao nada, o queexistia sob a forma de substância.

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O fogo reveste-se, assim, de um aspecto que tomará toda sua significa-ção hoje, opondo-se, desta forma, os conceitos de energia renovável eenergia não renovável. Com efeito, por sua essência intangível, dele nãose produz diretamente energia. O fogo precisa de um intermediárioque é, freqüentemente, a água, elemento natural que lhe é oposto. Namáquina a vapor a água fica presa, impedida de evaporar para doar suaforça. Hoje em dia, a água é também o grande veículo de limpeza dosdejetos deixados pelo fogo, e, portanto, está se esgotando. A água tor-nou-se serva.

Bertrand Gille falava de “sociedade bloqueada”, fazendo alusão à Chi-na, ao império mulçumano e aos ameríndios. Contudo, após uma re-flexão, ele acrescentou os antigos exemplos dos egípcios, da Grécia edos “primitivos”, referindo-se aos mais de ¾ do mundo na época daRevolução Industrial! Não podemos considerar o problema ao inverso,pois, colocando-o à maneira de Gilles, chegaremos à conclusão de quehá um dever ser do progresso, uma necessidade intrínseca, o que fariadessa história das técnicas uma filosofia determinista da história, visãoda qual discordo.

Considerar o problema ao contrário é, então, interrogar-se sobre a ma-neira pela qual os “ocidentais” romperam o antigo pacto com a nature-za. E, para decifrar esse enigma, é necessário enfrentar o mistério dadominação absoluta que um elemento exerce sobre o fato técnico. Épagando esse preço que poderemos sair do impasse no qual está com-prometida a civilização termoindustrial cuja obsessão de domínio sobrea natureza passa pela utilização desmedida do fogo (GRAS, 2003). Oincêndio se estende. Como apagá-lo? Visitemos a sabedoria de outrospovos... bloqueados!

ABSTRACT

One fine example of an environment-friendly machine is certainly the Noriaconveyor. Probably the most famous Noria hoist ever conceived was the onebuilt by Louis XIV, in 1684. Known as the “Marly Machine”, this machinewas a bit symbolic because it pointed out the limits nature imposed on evena powerful king on one hand, as compared to energy derived from combustion(be it fossil or nuclear fuel). But it also represented a technological alternativeusing naturally available energy, in fact very feasible as demonstrated byenglish mills. However, by the middle of the nineteenth century combustion-produced power had come largely into favour, setting us on a dangeroustechnological trajectory.

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Keywords: paradigms of energetic production; history of the techniques;environment-friendly machines.

REFERÊNCIAS

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FRAZER, James. The golden Bough. Londres: George Rainbird Limt, 1978.[1890] (Em Português: O ramo de ouro. Versão ilustrada. Rio de Janeiro:Guanabara, 1982)

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GOULD St.J.; ELREDGE. Punctuated equilibrium: an alternative tophyletic gradualism. In: SCHOPF, T.J.M. Models in paleobiology. S.Francisco: Ed. San Francisco, 1972.

GRAS, Alain. Fragilité de la puissance. Paris: Fayard, 2003.

______. Le monde incendié, chaleur et puissance. Paris: Fayard, 2007. Noprelo.

LEWIS, Roy. The evolution of man, or how I ate my father. NY: VintageBooks,1994. (Em Português: Por que almocei meu pai? São Paulo: Companhiadas Letras, 2000)

SOLE, A. Créateurs de monde: nos possibles, nos impossibles. [S.l.]: Ed.duRocher, 2000.

NOTAS

1 Um grande ciclo Maha-Yuga é composto de quatro períodos ditos yugas. Os yugas são cada vez mais curtos(em razão de um declínio espiritual da humanidade), conforme uma proporção de 4,3,2,1. O Satya-Yuga(“A era da Verdade”) é a mais longa, os três outros yugas são o Treta-Yuga (treta pode ser traduzido portríade), o Dvapara-Yuga (a era da Dúvida, da Incerteza), e, enfim, o Kali-Yuga (a era dos Conflitos), que é omais curto. Cada yuga comporta uma aurora, um dia e um crepúsculo. Um manvantara compreende 71.

2 Mahayuga e um kalpa compreendendo 1000 Maha-Yuga! O Kali-Yuga hindu corresponde à era de Ferrodos antigos gregos e à era do Lobo da tradição germano-escandinava (na Völuspa). Conforme a tradiçãoshivaïta, o Kali-Yuga teria começado há 3.600 anos antes de Cristo e seu período final (ou crepúsculo)ocorreu em 1939. (Ver, para uma exegese recente, J. M. TISSERANT, 1998).

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CAROLINE MORICOT*

AS DUAS FACES DA INCERTEZA:

AUTOMAÇÃO E APROPRIAÇÃO DOS

AVIÕES GLASS-COCKPIT

Este artigo trata dos resultados de uma pesquisa reali-zada nos cockpits dos aviões de linha na França nosanos 1990. A questão para os pilotos era a de se apro-priarem de um novo ambiente de trabalho caracteriza-do pela presença masssiva de computadores (autôma-tos e calculadores). Nesse meio sociotécnico no qual asegurança é um imperativo, um novo sentimento seimpôs: a incerteza. Incerteza sobretudo sobre a defini-ção da situação, sobre a natureza da pane, sobre a “qua-lidade” de um processo técnico que, desde então, se efe-tivou de certa forma independentemente dos pilotos.

Palavras-chave: automação na indústria aeronáuti-ca; antropologia da técnica; apropriação de processostécnicos.

* Professor da UniversidadeParis 1 Panthéon – LaSorbonne, CETCOPRA –Centro de Estudos dasTécnicas, dos Conheci-mentos e das Prá[email protected]

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INTRODUÇÃO

Há pouco mais de 15 anos, no começo dos anos 1990, na indústria daaviação civil francesa, entrou em cena uma nova geração de aviões: os“glass-cockpit” que associam a um sistema de visualização eletrônica dis-positivos automatizados para a gestão de diversos sistemas que atuamde forma integrada. Assim, painéis multifuncionais substituíram osquadrantes tradicionais; além disso, um tipo de computador (doravantereferido simplesmente como “calculador”) foi incorporado para auxi-liar o piloto na gestão do vôo. Tive a oportunidade de observar o traba-lho dos pilotos – tanto comandantes de bordo quanto pilotos de linha,que são também chamados co-pilotos, além de pilotos de teste – e comeles dialogar no momento em que eles começavam a se apropriar dessesnovos aviões e seus automatismos (MORICOT, 1997).

Entre os benefícios e os problemas encontrados por eles na lida comesse novo dispositivo, sobressai a idéia de que os novos aviões geramuma incerteza irredutível: a partir de então, nenhum conhecimentopode ser considerado inteiramente adquirido, “nada é definitivamenteconhecido”. Esse sentimento manifestado pelos pilotos será ilustradopor vários exemplos. Ver-se-ão também as soluções que os mesmos ela-boraram para dar conta dessa situação.

Dessa experiência de trabalho de campo, deve-se ressaltar a expressãode incerteza vivida cotidianamente por atores que evoluem no interiorde um grande sistema técnico do qual o risco é um componentedeterminante. A incerteza que nasce do uso – ela é particularmentevisível no processo de apropriação – é indissociável daquela já presentenuma concepção mais geral, relativa ao processo de automação. Essasduas faces da incerteza reforçam-se mutuamente, de forma que propo-nho aqui a hipótese de que elas não podem ser entendidas separada-mente.

O termo “automação” não se refere, como se pode pensar de início, aum grupo homogêneo de sistemas. Esses sistemas de automação variamconforme a técnica que embasa sua operação, a interface que eles utili-zam e, mais amplamente, variam também segundo a visão de homemque está implícita na forma de seu funcionamento (além de seu lugar noprocesso de trabalho). Embora sejam diferentes, os sistemas deautomação têm como objetivo substituir a intervenção do piloto – em setratando de um avião – sobre alguns comandos, por meio de um pro-cesso de informatização.

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Meu interesse recai sobre um único tipo de automatismo, ou seja, sobreaqueles que são característicos dos glass-cockpits e que pressupõem a exis-tência dos já mencionados calculadores. Por exemplo, a partir de ummodelo de aeronave fabricado pela empresa francesa Airbus Industrie,denominado A-320, o automatismo é capaz de detectar uma configura-ção de vôo que coloque em risco a segurança da operação (uma decola-gem, por exemplo), tomar uma medida preventiva e restabelecer outraconfiguração de vôo segura, mesmo que para isso seja necessário que talmecanismo aja contra a vontade do piloto.

Pode-se definir um sistema técnico como “avançado” em função de dife-rentes critérios, dentre os quais ressalto três que parecem caracterizaros glass-cockpits: “autonomia”, “autoridade” e “visibilidade”.

Por autonomia entende-se a capacidade de esses sistemas tratarem, umavez “programados e ativados”, longas e complexas seqüências de açãosem a intervenção do piloto. Conforme Sarter e Woods (cf. 1995), essessistemas avançados também possuem um alto nível de autoridade (notocante ao poder de decisão) que se traduz, por exemplo, no conceitode “proteção do domínio de vôo”, já ilustrado no parágrafo anterior,com o A-320. Finalmente, a visibilidade dos sistemas corresponde à pos-sibilidade de serem observados pelos usuários, isto é, pelos comandan-tes de bordo e pilotos de linha, que operam os aviões das linhas comer-ciais. A visibilidade não se relaciona tanto ao número de telas ou à quan-tidade de informações disponíveis, mas sim à maneira pela qual as in-formações podem ser localizadas e então eficazmente utilizadas pelosoperadores.

AS CONSEQÜÊNCIAS DA INFORMATIZAÇÃO DOS COCKPITS:

UMA OUTRA MANEIRA DE TRABALHAR

A entrada maciça da informática nos cockpits dos aviões constitui umamudança fundamental para os pilotos, que passaram a mencionar uma“outra maneira de trabalhar”. Eles têm, com os glass-cockpits, o senti-mento de uma ruptura por eles freqüentemente ilustrada por meio dacomparação com a utilização dos jatos, nos anos 1950; essa época marcauma etapa na história da aviação cuja importância é unanimemente re-conhecida por ter introduzido uma “nova maneira de voar”. Essa com-paração espontânea mostra bem a importância que eles atribuem a essamodificação que os atinge: “A menor mudança já é uma outra maneirade gerir o vôo, uma outra maneira de trabalhar, e já não é mais tãosimples”, comentou um co-piloto A-320. Trata-se, para os pilotos, de se

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apropriar dessa nova maneira de trabalhar, caracterizada por umaredefinição da relação com a informação permitindo gerir o vôo. O designdos novos cockpits é muito diferente dos anteriores; a nova apresentaçãofoi idealizada de forma a ser mais clara, mas, apesar disso, para os pilo-tos, parece ser mais difícil conseguir por meio dela um conhecimentosatisfatório dos sistemas do avião. Essa outra maneira de trabalhar secaracteriza também pelo fato de que ela vem acompanhada por umarecomposição do pessoal: a função de um determinado tipo de mecâni-co desaparece. Compreende-se então melhor, a partir daí, a sensaçãode grande mudança a ela atribuída, uma vez que com ela há modifica-ções tanto na relação com a máquina quanto na relação com a equipe detrabalho.

Se a gestão do avião pelo profissional encarregado de controlar os vôos– doravante controlador – apresenta às vezes problemas para os pilotos,é sem dúvida porque os diferentes sistemas estão desde então integra-dos no mesmo tipo de calculador. Observemos, por meio do exemplonarrado por um piloto, os efeitos possíveis dessa integração dos siste-mas:

Existem algumas armadilhas nesse avião [...] O mais engraçado é quese tem um sistema de navegação muito sofisticado que faz o pequenomapa que vemos sobre o avião, e esse sistema é verificado permanen-temente pelas balizas chamadas DME1 que ficam no solo. Bom, se osDME estão em mau estado, ou estão passando por manutenção, ounão foram examinados pela administração, encontramos umbilhetinho na decolagem dizendo: “Atenção, o DME de tal lugar nãoestá confiável ou está sob suspeita”. Então, nós temos uma especificaçãode prevenção que diz: “Uma vez que um DME está sob suspeita, énecessário desativá-lo”, ou seja, é necessário avisar ao computadorque não o leve em conta, porque ele dará informações que podem serfalsas. E, acreditando que estavam fazendo o rigorosamente certo, ospilotos desativaram todos os DME que estavam sendo apontados comonão confiáveis. Percebemos que, desativando mais que 5 DME no com-putador, saturaríamos a memória tampão que era aquela na qual secoloca a pressão barométrica do local de pouso, e que, “saturandoessa memória”, fazíamos o avião crer que a pressão no sítio de aterris-sagem seria zero, o que fez com que ele abrisse um alçapão durante ovôo e despressurizasse a cabine. Porque é a mesma memória tampãoque é usada para os dois sistemas. Eis aí a armadilha típica que podeacontecer no A-320. (Comandante de Bordo A-320)

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A integração dos sistemas torna-se aqui sinônimo de “armadilha”. Ela seremete a uma lógica de cálculo diferente da lógica de vôo e, nesse casopreciso, estas tornam-se antagônicas. Entrevistas e observação direta for-necem numerosos exemplos dessas situações em que o piloto é levado ase perguntar a respeito do avião: “O que ele está me aprontando?” Elesexprimem freqüentemente essa não compreensão no discurso sobre acomplexidade dos sistemas ligada a sua integração:

Sobre os outros aviões, isso devia ser certamente mais fácil de apren-der, todos os encaminhamentos, hidráulicos etc., toda a mecânica doavião. Podia ser complicado, mas era sempre muito lógico, então to-dos os pilotos conheciam razoavelmente bem seus aviões; mas no A-320, tudo está ligado, então, se conhece no geral [...] não se podeconhecer todas as suas interferências e é isso que exigem da gentesobre esse avião; de não se refletir muito sobre ele. [...] Sobre outrosaviões, se tenta compreendê-los refletindo; pode-se entender um pou-co de onde vem a pane, é lógico. Com o A-320 pode-se compreender,mas o problema é que não se sabe, que não conhecemos as conse-qüências. (Piloto de Linha A-320)

O trecho acima sintetiza bem o ponto de vista de inúmeros pilotos. Acomplexidade parece se opor à lógica. O avião de ontem não era sim-ples, mas o piloto “se entendia” nele. Hoje, “tudo está ligado”, ou seja,os sistemas interagem entre eles. Assim, um único calculador de vôopode gerar ao mesmo tempo duas informações distintas: uma emitidapelas balizas do solo e outra referida à pressurização da cabine e o fatode agir sobre um elemento pode provocar conseqüências sobre umoutro, como vimos no exemplo dos DME narrado acima. Nesse caso, alógica do sistema e a lógica do piloto podem não se encontrar, pois oprofissional que deve dar sentido à técnica, isto é, recolocá-la num con-texto, não consegue fazê-lo e, lamentando, nutre o sentimento de estar“submetido à lógica do computador”. Esse último é temido, às vezes,por poder desencadear “efeitos inesperados”. “Não conhecemos as con-seqüências”, afirmou um piloto. Um comandante de bordo A-320 nosexplica por quê:

Uma vez que um sistema (ou um avião) sai de seu funcionamento“normal”, ele pode se tornar “extremamente anormal”, sem transi-ção. Ele pode não passar por estados intermediários, chamados limi-tes, que permitem seguir, passo a passo cada pista, os outros sistemasque começam a perturbar. Os casos anormais e repetitivos são

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repertoriados pelos “infelizes” que com eles se deparam pela primei-ra vez.

Assim, mesmo que o piloto faça o esforço de compreender, é necessárioque ele admita que, no momento em que ele busca compreender, essacompreensão pode não ser exaustiva.

As diferentes funções não são mais isoladas umas das outras e cada “peça”desempenha daí em diante muitos papéis ao mesmo tempo. É o caso do“motor moderno”, que Gilbert Simondon descreveu como um exemplode “processo de concretização” dos objetos técnicos. Assim, “o motorantigo é uma reunião lógica de elementos definidos por sua função com-pleta e única” (SIMONDON, 1958, p. 21) de tal modo que se podeobservar uma distinção entre causas e efeitos; já no motor moderno, oantagonismo e o compromisso entre as diferentes funções dão lugar àconvergência: diferentes peças se tornam um mesmo conjunto. O obje-to técnico é mais “coerente” com ele mesmo, mas, à medida que ganhacoerência, torna-se mais difícil de ser compreendido e torna-se opacoao olhar externo. O antagonismo e o compromisso inerentes aos “obje-tos abstratos” de Simondon (ou seja, aqueles que não são “integrados”)se deslocam, sem dúvida, do interior para o exterior do objeto, e é porisso que os pilotos têm, às vezes, a impressão de que a lógica dos siste-mas lhes escapa.

NADA É “DEFINITIVAMENTE CONHECIDO”

Poderíamos supor, apesar de tudo, que os instrutores, que são profis-sionais qualificados não só para pilotar o avião, mas também para for-mar outros tipos de pilotos nesse tipo de máquina, se ressentem, emmenor grau, desse estado fortuito de desconhecimento sobre a lógicados sistemas. Entretanto, é interessante constatar que os instrutores par-tilham com relação a várias coisas o mesmo sentimento dos pilotos, emseu conjunto – aproximadamente oito sobre dez, segundo os resultadosde nossa pesquisa estatística (cf. MORICOT, 1997). Pode-se supor, en-tão, que mesmo um conhecimento mais aprofundado do sistema nãocoloca esses profissionais ao abrigo da incerteza ou de uma surpresa.

Além disso, o estado dos sistemas é mutável e, como explica em umartigo, Jean-Michel Bidot, instrutor de vôo: “contrariamente às máqui-nas antigas que eram bastante explícitas em termos do que servia paraquê, e que eram perfeitamente passíveis de conhecimento ao longo dotempo, no A-320, ‘nada é definitivamente conhecido’. É necessário terno espírito uma soma de ‘procedimentos temporários’, ‘condicionais’

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ou ‘excepcionais’. Por exemplo, freqüentemente uma dezena de pági-nas datilografadas é o que é preciso ler e assimilar antes de cada perío-do de trabalho para se conhecer o avião com o qual se fará o vôo”(BIDOT, 1992). Essa sensação de que o conhecimento e a compreensãodos sistemas do avião significam uma busca infinita deixa o piloto envol-to numa aura de incerteza à qual ele não está habituado. De qualquermodo, nenhum conhecimento é mesmo totalmente acabado ou adquiri-do, mas o piloto de um glass-cockpit pode verificar esse sábio adágio qua-se que cotidianamente.2

Um co-piloto do A-320 confirma que para ele o sentimento é novo, istoé, ligado ao surgimento dos glass-cockpits, “porque embora, evidente-mente, não se conheça realmente tudo, acreditamos conhecer total-mente os sistemas dos aviões tradicionais; no caso dos glass-cockpits, aocontrário, sabemos que não sabemos tudo, e isso nos inquieta”. Nota-seentão que não é o fato de não se saber tudo que inquieta, mas o fato desaber disso. O cockpit torna-se um espaço de incerteza porque os pilotostêm atualmente uma consciência aguda de que não conhecem tudo,ainda mais que essa impressão pode ser confirmada a qualquer mo-mento em sua experiência cotidiana.

Seria, então, um problema de representação e não uma questão de co-nhecimento. Os aviões novos são considerados exemplos de complexi-dade e integração de sistemas. Antes, no avião clássico, mesmo se o pilo-to não “conhecesse” nos mínimos detalhes todos os sistemas de seu aviãoe suas eventuais interações, ele tinha um sentimento de controle, poispodia representá-lo “materialmente”, já que alavancas e cabos permi-tiam a intervenção do piloto em certos dispositivos; ele tinha então osmeios de estabelecer uma ligação entre o real e sua representação (mes-mo errando eventualmente).

O problema trazido para o piloto pelo novo avião é que esse não maisoferece os meios para seu operador forjar para si mesmo uma represen-tação aceitável dos diferentes sistemas, de seu funcionamento, de suasinterações, por uma razão muito simples: esses sistemas se tornaramimateriais (sinais sobre um painel)! É a essa dimensão virtual, que entrana composição dos sistemas dos novos aviões, que o piloto não pode teracesso. É, aliás, isso que ele subentende quando evoca a “transparência”desses sistemas.3

Os problemas mais freqüentemente encontrados pelos pilotos estão li-gados ao “sentimento de impotência” que descrevem ao se encontra-rem na “incapacidade de fazer um relatório” sobre uma pane, porque

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não encontram uma “solução lógica” para ela, ou seja, porque eles nãotêm acesso a essa lógica. Têm então o sentimento de serem surpreendi-dos, ou pior, de caírem numa “armadilha” da máquina, que começa ater “reações surpreendentes”. Esse “inesperado” é difícil de ser supor-tado porque questiona constantemente a capacidade de antecipação doprofissional, qualidade essencial de um piloto. A incerteza nasce dessesentimento de uma busca infinita, de um poço sem fundo em relação aoconhecimento dos sistemas, pois eles são mutáveis e certas interaçõesdesconhecidas. Freqüentemente compensam-se essas incertezas aumen-tando-se a massa de conhecimentos sobre elas... Isso permite deslocarmomentaneamente o problema da formação; mas uma formação maisaprofundada resolveria o problema? As respostas dos instrutores com-paradas àquelas dos outros pilotos não permitem formular uma hipóte-se nessa direção.

A VERDADEIRA-FALSA REALIDADE

Além disso, a partir de agora há “panes” e “panes”; há as verdadeiraspanes e as verdadeiras-falsas-panes. Antes, confrontar-se com uma panesignificava que um elemento ou um sistema estava fora de uso e queseria necessário seguir sem ele: “As verdadeiras panes, conforme a gen-te conhece, são panes do avião, são as panes que sempre existiram”(Comandante de Bordo A-320). Hoje em dia, uma mensagem pode apa-recer no painel anunciando todas as características de uma pane: a men-sagem em laranja ou vermelho com suas prescrições a serem seguidas,acompanhadas de um alarme sonoro. O sistema se declara “em falha” e,entretanto, ele não está, ou mais exatamente, ele não está mais em pane.Com efeito, freqüentemente a mensagem desaparecerá por si mesmano fim de alguns minutos, o que cria uma situação estranha e nova paraos pilotos, um sentimento que “a situação não é mais clara”. O trechoabaixo, extraído de uma entrevista com um piloto, ilustra o que vemsendo dito:

Por exemplo, quando os reservatórios exteriores se esvaziam nos re-servatórios interiores, em dado momento, há uma flutuação. Para ocalculador parece que em certo momento o líquido não está fluindo,porque ele ainda não fluiu [...], eu não sei o tempo, digamos, umsegundo. O calculador diz: “ atenção, há pouco combustível nos re-servatórios internos, é necessário fazer qualquer coisa”, então, ele lançaa pane, dois ou três segundos após. Então, o calculador se dá contaque, claro que não, que os reservatórios externos estão escorrendo

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para os internos e logo não há problema algum, e retira a mensagemde que há uma pane. É somente graças à experiência que compreen-demos tudo isso porque a mensagem que aparece informa o seguin-te: “Atenção, baixo nível de reservatórios interiores”, e ao lado apare-ce: “Pousar o mais rápido possível”. E quando se tem uma informa-ção dessa, de pouso de emergência, é preciso tomar uma atitude. Énecessário pousar o mais rápido possível; essa é uma mensagem queaparece por dois ou três segundos, e indica um grande perigo, masse sabe por experiência que ela vai se apagar [...]. É uma verdadeira-falsa-pane. É uma verdadeira pane porque num dado momento hou-ve realmente um problema. (Piloto de Linha A-320)

O que pode ser interpretado como uma verdadeira pane num instante“t” pode não ser mais considerado como pane num instante “t+1”. Istomostra bem a lógica descontínua seguida pela máquina, que traduz umestado – no sentido da informática – efetivo do sistema num instantedado e chama a atenção do piloto, obrigando-o a raciocinar em termosde sucessão de estados e não de um continuum. Tal fato gera uma duplaconseqüência: por um lado, esse tipo de situação influencia a represen-tação que o piloto faz da realidade; por outro, ela interfere na atençãodo piloto apresentando um estado transitório, isto é, a atenção está vol-tada para um estado do processo e não para sua finalidade. O pilotoatravessa assim “zonas de sombra”, situações pouco nítidas, instantes deincerteza sobre o que é e, ao mesmo tempo, não é verdadeiro, instantesdurante os quais sua representação do real é alterada.

É importante recolocar essa citação em seu contexto: o dos primeirosmeses após o surgimento do A-320, ao longo dos quais numerosos bugsvieram perturbar os pilotos em seu trabalho. Após a identificação dealguns deles, os pilotos escreviam bilhetes para evitar que seus colegasfossem surpreendidos até que as modificações necessárias pudessem serintroduzidas no calculador. Tal contexto era, então, bem particular e asituação era relativamente limitada no tempo, mas podemos imaginaras perturbações que seriam produzidas se ela se prolongasse.

Uma vez que há incerteza sobre a natureza de uma pane, deve-se resol-ver uma questão difícil – decidir onde e quando existe um problema: “Énecessário que o piloto seja capaz de fazer um julgamento e, eu... – essafoi um pouco a minha dificuldade quando iniciei no A-320 –, eu tivedificuldade de avaliar o que se escondia sob tal ou qual mensagem.”(Comandante de Bordo A-320) .

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Com efeito, mesmo que isso seja, às vezes, difícil, os pilotos consideramque a eles cabe decidir sobre a confiabilidade das informações exibidasnos painéis. Isso é a tradução muito bem aceita da idéia de que o pilotodeve guardar distância com relação à máquina, não devendo ser com-placente. O piloto, assim, não deve temer um excesso de confiança anteos automatismos que podem comportar armadilhas que nem sempresão imediatamente detectáveis. “Na atividade técnica, o operador assu-me freqüentemente essa incerteza parcial sobre o que se passa. As for-mas extremas de incerteza são aquelas nas quais o operador perdeutoda a referência e agiu, por assim dizer, sem memória: a atividade éentão mergulhada na cegueira” (DODIER, 1995, p.70). Essa cegueirade que fala Nicolas Dodier é a invisibilidade dos sistemas acima evocada,e ela não existe sem estar relacionada com a expectativa de transparên-cia.

“UMA DIMENSÃO A MAIS”: NOVOS CONSTRANGIMENTOS NA

CERTIFICAÇÃO

Acabamos de evocar o sentimento de que certos sistemas permaneceminacessíveis. Essa situação, além de gerar um problema para os usuá-rios, gera também entraves à certificação, já que os pilotos de teste, quetestam e certificam os aviões, eram “tão íntimos” da informática quantoos pilotos de linha:

Até o presente, desde há uma dezena de anos, os testes de vôo consis-tiam na verificação de que o avião estava conforme um regulamentoque era o fruto da experiência e da pesquisa de segurança. [...] Eramuito fácil porque isso envolvia coisas mensuráveis ou observáveis[...] Mas penso que desde que os aviões foram informatizados, osaviões passaram a ter uma dimensão a mais. E para essa dimensão...nós não temos nada, nenhum critério, nenhum regulamento, nenhumponto de ancoragem sólido sobre o qual nos apoiar, para que nós,pilotos de teste e de certificação, possamos dizer: “ah, bom, tal é alógica de função de guia, ou tal é a lógica de função de gerência, outal é a lógica de função de gestão do sistema do avião”. Eu a consideroinaceitável porque ela não corresponde à imagem mental que eu façoda maneira segundo a qual isso deve se passar. (Piloto de teste doCentro de Teste Vôo (CET), cidade de Istres)

Essa dimensão a mais que os novos aviões passaram a ter então levou ospilotos de linha, os da certificação e, sem dúvida, mais globalmente, o

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conjunto das populações da aeronáutica a mergulhar no que propuschamar de um espaço de incerteza. Assim, esse espaço de incerteza épartilhado e a incerteza na utilização não é dissociável daquela incertezada concepção e da certificação.

Os resultados dessa pesquisa me levaram a pensar que as fases de con-cepção, certificação e utilização de um objeto técnico não podem serpensadas separadamente e que, em particular, o “tatear”, que ocorrenos primeiros tempos por parte dos usuários na tentativa de ter domí-nio sobre o objeto técnico, acaba prolongando ou respondendo àsincompletudes do objeto que o engenheiro de concepção4 não soube,não pôde ou, talvez, não quis determinar definitivamente.

É a essa incompletude que Gilbert Simondon chama de “margem deindeterminação”; nela reside o potencial de aperfeiçoar os objetos téc-nicos porque, convocando a mão do homem, ela permite que tais obje-tos se abram para o mundo sensível. Também colocados no centro desseespaço de incerteza estão os pilotos de teste, que são os intermediáriosentre a concepção e a utilização (SCARDIGLI, 2000). Imersos nesseespaço, eles se acham numa situação comparável àquela dos piltotos delinha, o que é bastante novo para eles.

UMA CULTURA COLETIVA DAS “VERDADEIRAS-FALSAS-PANES”

Continuemos com esse exemplo das “verdadeiras-falsas-panes”, pois suahistória nos aviões da nova geração ilustra bem minha tese sobre a apro-priação. A maior parte dessas “panes” relacionadas ao pouco tempo deuso do aparelho desapareceu agora graças à melhoria dos programas.Todavia, mesmo mais raras, elas ainda são atestados significativos dapresença e das conseqüências da informatização e sobretudo da manei-ra pela qual essa presença é percebida pelos pilotos.

Tais panes são revelações, são brechas, segundo o termo de Pierre Sansot,para quem esses momentos fazem surgir uma palavra singular: a reaçãodesses pilotos a esse tipo de pane consistia em “resetar”, isto é, reiniciar ocalculador, o que, nos primeiros tempos, era feito repetidamente, con-trariando os engenheiros de concepção. Pouco a pouco, a prática deresetar foi-se tornando mais formalizada, e, atualmente, é prescrita emcertos casos.

Houve então a constituição, particularmente durante os meses em queas panes eram numerosas, de uma cultura coletiva dos pilotos a partirde sua experiência e sua intuição com relação à natureza da pane – se

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real ou virtual. Os pilotos ficavam irritados com essas panes, mas issonão impediu que elas se tornassem o fermento de uma experiência co-mum, constitundo um espaço de apropriação que lhes permitiu alcan-çar a supremacia em relação ao avião. Tendo um piloto observado seuscolegas no trabalho de linha, nos confiou o seguinte relato:

O que eu observei é que as pessoas, para as armadilhas mais comuns,acabavam por conhecê-las e evitá-las. Eles conseguiam extrair algu-ma coisa que fazia sentido com o que eles já tinham percebido, umavez que eles eram muito hábeis. Então, o que você via? Que eles ti-nham uma habilidade de manipular a alavanca como mais ninguémconseguia. Tinham a habilidade de calcular mentalmente uma por-ção de coisas e, bom, tudo isso eles perderam e ficaram infelizes; foiisso que fez com que o novo avião fosse mal recebido no início. Bom,agora eles estão adaptados e quando eles conhecem bem os pequenosardis que os frustravam, bem, eles ficam contentes. Algumas vezes euobservei isso. (Piloto de teste do Centro de Teste Vôo (CET), cidadede Istres)

Assim, ante as “verdadeiras-falsas-panes” ou, mais geralmente, diantedas situações de incerteza sobre o estado dos sistemas, é possível obser-var diferentes maneiras de fazer, dentre as quais algumas introduzem ogosto pela astúcia na relação com os automatismos. Entre essas práticas,“resetar” e “debrear” são duas formas de subterfúgio que os pilotos nãohesitam em utilizar, uma vez que a máquina se torna uma adversária.Escutemos os pilotos narrarem exemplos dessas “subversões internas”,segundo os termos de Michel de Certeau (1990, p. 54) :

Bom, mas agora temos panes que não são verdadeiras, mas são panesde... Eu vou dar um exemplo que aconteceu comigo ontem e acheimuito engraçado. Eu perdi o ADF. O ADF é como chamamos o rádio-compasso. É um velho sistema sobre um painel do avião com umaagulha que se orienta para indicar a direção de uma baliza. É o maisantigo sistema de navegação atualmente em uso. Bom, nós temos umADF no A-320 porque há terrenos onde só se pode pousar com ADF,hein?, é bom não sonhar porque o avião depende antes de mais nadados equipamentos do solo. Então, nós temos sempre esse equipamentoa bordo e, outro dia, ele não estava funcionando. Bom, eu estava numBoeing 747 ou num 737, e o ADF não funcionava. Voltamos à base eavisamos ao mecânico. [...] Num A-320, o reflexo não é o mesmo.Pilotando um A-320, eu decolei e notei que tinha um aviso no painelde que havia um defeito no ADF; então, eu puxei o breaker do ADF, e

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cortei sua alimentação elétrica; o ADF desligou e eu esperei 10 segun-dos para religar. Nesse meio tempo, eu também suspendi o softwareque estava gerando a indicação de pane que eu tinha sobre meu pai-nel. Eu resetei o calculador e deu certo! Quando tudo voltou a funcio-nar, não tinha mais a mensagem de pane do ADF no painel (Coman-dante de Bordo A-320).

O “reset” é bem como numa receita, um pequeno gesto que, acrescen-tando um ingrediente (ou “suspendendo o software”, por exemplo),permite deixar a calda no ponto, quando ela já ia desandando. O ter-mo “suspender”, que se vincula a uma representação mecânica, mostrabem a dificuldade de descrever o que se passa no interior dos sistemas.Há também, nessa prática do “reset”, algo da ordem da bricolagem. Nãose trata de interferir no interior do objeto, como fariam os responsáveispela manutenção da aeronave, mas de se manter numa região tampão,constituída por aquele que, se não tem um total acesso ao funciona-mento do objeto, pode mesmo assim manipulá-lo, neutralizando umprocesso que se anunciava: “puxar um breaker” e ver as coisas voltaremao normal, oferecendo a satisfação da reparação do destino, pois“bricolar”, diferentemente de “consertar”, significa que as coisas nãosão feitas dentro das regras da arte. Num aparelho “moderno”, em prin-cípio, não se faz bricolage, e esse é, sem dúvida, o porquê dessa práticaparecer um sacrilégio aos olhos dos engenheiros de concepção. Em OPensamento Selvagem, Claude Lévi-Strauss faz um elogio ao bricoleur, eesclarece sobre a etimologia do termo:

Em seu sentido antigo, o verbo bricoler se aplica ao jogo de péla e debilhar, à caça e à equitação, mas sempre para evocar um movimentoincidental: o da péla que salta, o do cão que erra ao acaso, o do cavaloque se afasta da linha reta para evitar um obstáculo. E, em nossosdias, o bricoleur é o que trabalha com as mãos, usando meios indiretosse comparados com os do artista (LÉVI-STRAUSS, 1962, p. 26; 1976,p. 37-38).

Bricoler, no caso dos pilotos, é responder a um desvio no funcionamentodos sistema, com outro desvio, ou seja, por meio de um “movimentoeventual” das regras da arte. Mas resetar é também, para o piloto, tomarpara si o direito de efetuar um gesto, e, num primeiro momento, umgesto controverso senão proibido, para que o sistema não pare: “Se aomenor alarme voltarmos ao estacionamento, estamos arriscados a nun-ca partir.” É por isso que os pilotos dão tanta importância ao fato de,volta e meia, terem de decidir sobre a realidade da pane.

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Uma outra prática utilizada no momento em que um problema surgeem um automatismo consiste em “debrear”, isto é, voltar à pilotagemmanual, para se colocar num nível inferior de automatização, e “reto-mar em suas mãos” o controle dos sistemas. “Na mínima dúvidaconcernindo os automatismos, eu volto sempre à pilotagem manual. Euresolvo a situação com reflexos simples. Contornada a situação, eu acio-no novamente os automatismos” (Piloto de Linha A-320). Um instrutorobserva que essa maneira de fazer nem sempre é “espontânea”:

A tendência natural é tentar compreender o que os automatismosfazem e corrigi-los: eu não quero estar submetido a essas coisas malfeitas, eu quero mostrar que eu sou mais forte. Eis uma tendência. Eé absolutamente necessário sair desse esquema que é a tendência na-tural do piloto e lhe dizer: “se você quer ser mais forte do que o siste-ma, então você deve debrear. Você aperta o off e controla, você mes-mo, o avião.” É isso, é esse reflexo que nós tentamos inculcar no pilo-to: Não querer se achar mais forte do que o sistema, não tentarcompreendê-lo. (Comandante de Bordo A-320)

Essa questão de compreender parece assim muito estreitamente ligadaàs filosofias da utilização ditadas pelas companhias aéreas. Um piloto selembra de que:

O Caravela foi dissecado em todos os sentidos. Era a época em quehavia cursos magistrais, uma vontade de conhecer tudo, de controlartudo. Hoje, é o contrário; não se procura mais analisar, e se oautomatismo faz qualquer coisa que não se compreende, deve-se vol-tar a uma seqüência conhecida. Eu conhecia melhor o Caravela que o737 de hoje, mas era um conhecimento inútil, “livresco”. (Coman-dante de Bordo Boeing-735)

Podemos então nos interrogar sobre as fronteiras do que é útil conhe-cer para fazer um avião voar...5

Quer se trate de resetar ou de debrear, essas duas maneiras têm em co-mum o fato de operar em uma ruptura em relação aos automatismos efazer dessa ruptura uma intervenção reparadora. Tal ruptura, operadano que se refere ao ritmo e à modalidade da relação entre homens emáquinas (com uma alternância do automatizado para o manual), tempor efeito conduzir ao que os pesquisadores da Escola de Palo Alto cha-maram de “mudança de contexto”. Trata-se, para os pilotos, de trans-formar sua incerteza numa situação conhecida e confortável, como apilotagem manual do avião.

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Vemos agir nessas condições a capacidade considerada “natural e es-pontânea” do piloto que quer compensar as imperfeições dos instru-mentos ou dos sistemas técnicos e que remete a uma forma de trabalhoinvisível que revela “a eficácia, acima de todas as coisas”, segundo a fór-mula de Yves Clot. Por ela, o autor argumenta que nesses processos hásempre o desejo de eficácia, mesmo se o instrumento pareça se opor aela. Tal eficácia compensatória parece vir ocupar um espaço pouco visí-vel, mas indispensável no funcionamento dos sistemas técnicos. Mas énecessário manter pontos de ancoragem, pontos de apropriação e mar-gens de indeterminação.

CONCLUSÃO

Consoante à filosofia das técnicas de Gilbert Simondon, eu proponhoadmitir que o verdadeiro aperfeiçoamento dos sistemas técnicos com-plexos reside não no aumento do número de seus automatismos ou desua importância, mas no fato de que eles encerram uma certa “margemde indeterminação” e que, graças a ela, tais automatismos se tornam“sensíveis ao mundo”. Cabe aos homens, conforme analisa Simondon,ajustar essa margem de indeterminação. Dito de outra forma, é porqueas máquinas são “imperfeitas” que elas têm um potencial de perfeição; eseu aperfeiçoamento é adquirido ao longo de um processo em que oshomens as inventam. São os gestos que os homens fazem ao seu redor ecom elas que lhes dão um sentido. É à luz dessa concepção pouco usualda automatização que eu proponho pensar as relações entre os homense as máquinas nos aviões de nova geração.

Reencontramos aqui as teorias de A. G. Haudricourt (1987) segundo asquais o objeto técnico encontra seu sentido no que os homens, por meiode suas práticas e seus gestos, fazem dele. Nesse sentido, é possível sedefinir as margens de indeterminação como lugares de apropriação. Oque os pilotos de linha chamam de verdadeira-falsa-pane nos novosaviões constitui um bom exemplo disso: é em parte por uma interpreta-ção das “imperfeições” do sistema que uma apropriação coletiva podeser feita.

A incerteza na qual se encontraram mergulhados os pilotos dos glass-cockpits, durante os primeiros anos de sua colocação em serviço, foi umafonte de inquietude, de cólera e, às vezes, de incompreensão, mas essamesma incerteza foi inquestionavelmente fértil para o processo de apro-priação do avião pelo piloto. Com efeito, essa “indeterminação” damáquina permitiu ao usuário controlá-la, pois toda dificuldade supera-da a tornava menos secreta e mais familiar.

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Assim, entre os resultados dessa pesquisa, há uma constatação que podeparecer paradoxal ou mesmo inesperada: a intensificação dosautomatismos nos glass-cockpits torna a presença dos pilotos ainda maisnecessária. E acrescento que os automatismos tornam tal presença umimperativo, mesmo que eles não a facilitem. Essa situação coloca o pilo-to no coração de um novo sistema no qual é preciso, doravante, se inse-rir.

ABSTRACT

This paper presents some results of a research done in the cockpits of civilairplanes in France during the nineties. Pilots have to appropriate a newwork space characterized by the mass presence of automates and computers.In this socio-technical environment, where safety is imperative, a new feelingis emerging: uncertainty. The uncertainty of the definition of the situation,the one of the reality of the breakdown, the one of the “quality” of a technicalprocess that is, now, going on partly without the pilots.

Keywords: automates in aeronautics industry; anthropology of technics;uses of technical process.

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NOTAS

1 Esse exemplo dos DME (Distance Measuring Equipment) constitui também uma bela ilustração de empre-sa do macroossistema técnico (GRAS, 1993), isto é, de uma rede constituída de múltiplas interdependênciasentre ar e solo.

2 Esses resultados sobre os pilotos de linha franceses não devem ser interpretados como se tais pilotos fossem“piores” que outros, ou possuíssem dificuldades particularmente maiores. Com efeito, todas as pesquisasfeitas em outras partes do mundo, junto a pilotos de linha, produzem resultados convergentes, os quaiscertos autores intitulam “surpresas dos automatismos”. Curry, Wiener, Green, Sarter e Woods, Heimreichsublinham, cada um a sua maneira, a incongruência que se nota em certas circunstâncias entre a lógica dospilotos e a lógica dos sistemas.

3 A transparência dos programas e dos sistemas, essa visibilidade esperada pelos usuários, e a transparênciaesperada do trabalho dos usuários pelos idealizadores, pelos funcionários, e até pelos pesquisadores queobservam, se remetem umas às outras, sem dúvida nenhuma. É impossível especificar tudo nos procedi-mentos; é impossível dizer ou explicar absolutamente tudo. Essa opacidade do trabalho se vincula à opaci-dade dos sistemas, porque ambos os processos não se deixam ver integralmente e, sem dúvida, suas respec-tivas eficácias dependem da superação de tal opacidade. Essa talvez seja inevitável, e a transparência nãopode ser mais do que o imaginário do controle das coisas.

4 Os engenheiros de concepção trabalham na oficina de estudo dos construtores – a Boeing e a Airbus sãodois exemplos de indústrias construtoras.

5 Alguns entrevistados mencionaram o “saber necessário” e o “saber diletante” para separarem o conheci-mento básico daquele acréscimo que proporciona uma sensação de estar bem à vontade, mas que não é umsaber absolutamente necessário. Essa visão dicotômica do conhecimento parece um tanto simplista e muitopouco operacional.

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SOPHIE POIROT-DELPECH*

UM LABORATÓRIO-MUNDO

Este artigo reúne os principais resultados de uma pes-quisa realizada no contexto do controle aéreo na Fran-ça. Recuperando, por meio de arquivos e entrevistascom os atores, o passado conturbado da concepção dosistema de informatização do controle aéreo (CAUTRA– Coordenador Automático do Tráfego Aéreo), a auto-ra critica a idéia de uma técnica autônoma, colocandoem evidência a dimensão social e simbólica operantenum objeto técnico. A evocação de uma controvérsiaopondo dois laboratórios tecnológicos e fazendo refe-rência ao modo de presença e de participação dos usuá-rios (no caso, os controladores de vôo) para a experi-mentação de novas funções permite revelar como mo-dos diversos de conceber um objeto técnico e sua “eficá-cia” remetem a maneiras diferentes de considerar omundo e a relação social.

Palavras-chave: automação na indústria aeronáuti-ca; antropologia da técnica; apropriação de processostécnicos.

* Professora na UniversidadeParis 1 Panthéon – LaSorbonne; CETCOPRA –Centro de estudos das téc-nicas, dos conhecimentos edas práticas. [email protected]

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INTRODUÇÃO

A presença de antropólogos nos laboratórios científicos e tecnológicosconstitui uma das manifestações interessantes do movimento mais vas-to, que tende a repatriar a Etnologia – estudo sobre as sociedades exó-ticas – justamente onde ela foi forjada, no terreno das sociedades oci-dentais. Esse efeito de “retorno” é particularmente marcante porque seaplica ao laboratório, lugar onde se instaurou e continua a ser elabora-da cotidianamente o que é supostamente a diferença decisiva entrenossas sociedades e aquelas outras: a ciência moderna e ocidental.1 Fa-zendo de conceitos tais como tradição, memória, transmissão, crençaetc., inicialmente afeitos às análises das sociedades tradicionais, operantestambém na tentativa de apreensão das práticas nas quais desponta aespecificidade do homem moderno, tal deslocamento nos convida acolocar em questão as rupturas instituídas entre “nós” e os “outros”.

Com efeito, as representações que as sociedades modernas fizeram de sie do universo, do tempo e do ser humano decorrem, em grande parte,da ciência experimental. Os objetos e atividades técnicas, que estruturamnossa relação com o mundo e com os outros, também passaram, de umaou outra maneira, pelos laboratórios. A parte da técnica no processo deprodução dos fatos científicos – o que fazia Bachelard definir a ciênciamoderna como um “fenomenotécnico” (cf. BACHELARD, 1984) – e aretórica científica que opera no processo de invenção tecnológica pare-cem anular a distinção entre ciência e técnica, dando lugar a uma deno-minação comum: a tecnociência.2

Todavia, o socioantropólogo deve saber distinguir entre laboratório cien-tífico e laboratório tecnológico para respeitar um pressuposto de suaabordagem, isto é, levar em consideração as representações que as co-munidades e atores estudados fazem do sentido de sua existência. Ora,engenheiros e cientistas têm menos diferenças em suas respectivas for-mações, no caráter institucional de suas práticas, nos instrumentos queutilizam do que quando pensam sobre sua “obra”, no sentidoque Hannah Arendt dá ao termo. O conhecimento verdadeiro almeja-do pelo cientista está em consonância com a possibilidade de sua obraser decifrada, produzida, construída ou revelada. Quanto ao engenhei-ro, ele adere às verdades científicas que serão colocadas em cena em seulaboratório – e suas pesquisas podem mesmo levá-lo a rever certos as-pectos –, permanecendo marcado pela visão própria de seu trabalho: aeficácia técnica, a produção de objetos que vão mudar o mundo e asrelações dos homens entre eles.

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Um processo atribuído aos engenheiros, principalmente por certas ten-dências da filosofia ou sociologia das técnicas, é a desumanização domundo pela técnica. Se essa crítica é necessária, é, freqüentemente, tam-bém mal formulada. Do pequeno atelier do engenheiro-inventor auto-didata aos grandes centros de pesquisa, os laboratórios tecnológicoscontemporâneos fervilham de preocupações, de idéias, de formalizaçõessobre o que vem a ser o ser humano, mas também de visões sociais. Nãoexiste objeto técnico ao qual não estejam associadas representações doutilizador ideal e do “melhor dos mundos” no qual tal objeto possaproliferar.

É precisamente porque o laboratório tecnológico constitui um desseslugares de poder no qual o homem contemporâneo está sendo defini-do que a presença do antropólogo é não só importante, mas tambémlegítima. Pois mesmo se esse não detém grande conhecimento sobre astécnicas ou as ciências, ele é suposto conhecedor da vida do homem emsociedade.

Assim, uma socioantropologia dos laboratórios tecnológicos seria pou-co interessante se ela se contentasse em descrever coletivos de pesqui-sadores, seus rituais, representações ou tradições, e isso apenas paramostrar que aquele homem do laboratório é um “homem como todosos outros”. É necessário que o socioantropólogo dê conta também damaneira como estão presentes aqueles que estão fisicamente ausentesdos laboratórios tecnológicos, mas que, sem os quais, todas as suas ati-vidades perderiam o sentido: os usuários.

O TEMPO AMARROTADO

Essa última questão foi uma das que guiaram uma longa pesquisa sobreo universo do controle aéreo. Partindo das salas e das torres de controleno contexto de uma reflexão sobre a presença cada vez mais marcantedos autômatos no mundo da aeronáutica, tal pesquisa se dirigiu emdireção a outro rumo. Intrigada pela relação aparentemente harmo-niosa que parecia existir entre os controladores do espaço aéreo e ossistemas informatizados que lhes eram disponíveis nas torres e salas decontrole, me pareceu fundamental especificar de que maneira e em quaiscircunstâncias esses sistemas haviam sido introduzidos e se integravamnesses locais.

O projeto ficou ainda mais atraente porque o centro de pesquisa e deexperimentação onde foram concebidas e experimentadas as principaisetapas do sistema francês de automatização tinha constante contato com

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o centro de controle aéreo de Paris, localizado em Athis Mons. Foi entãonaquele centro de pesquisa, denominado Centro de Estudos da Nave-gação Aérea (CENA), que desenvolvi minha pesquisa.

No rastro de Bruno Latour e Steve Woolgar (1988), os trabalhos dosantropólogos nos laboratórios se multiplicaram, evidenciando a distin-ção entre ciência ou técnica “feita” ou “em confecção” e mostrando aheterogeneidade dos elementos que coroam a estabilização de um obje-to técnico ou de um fato científico. Minha presença no Centro de Estu-dos da Navegação Aérea aliava a essa visão uma outra, que remetia àpossibilidade de restituir aos objetos já estabilizados (cf. LATOUR;WOOLGAR, 1988), num uso regular, as incertezas que fizeram partede sua história. Queria então restituir a história que incorporasse osobjetos rivais que foram extirpados, as controvérsias sobre suaespecificação, os embates (econômicos, políticos, sociais) que constituí-ram o projeto de sua existência. Em outros termos, como evidenciar,sobre um objeto já em funcionamento, o universo de possibilidades noqual ele estava mergulhado antes de funcionar.

A empresa torna-se mais árdua na medida em que um objeto técnicoconstitui um poderoso quadro da memória coletiva do laboratório oudos coletivos de usuários. Todo objeto técnico tem uma memória quefaz perdurar experiências humanas estabilizadas em épocas muito di-versas. Mas a característica dessa memória é o esquecimento, pois aspistas do passado foram fundidas, enquanto tais, graças a um crivo pró-prio da técnica: a eficácia. A memória trabalha na dimensão instantâneade seu funcionamento; a técnica esquece. Freqüentemente, o técnico ouo engenheiro não se lembram dos problemas encontrados ou das esco-lhas feitas na concepção ou na instalação de novos dispositivos.

Devo a possibilidade de ter podido restituir a conturbada passagem doantigo sistema de informações para a nova forma de circulação aérea,denominada CAUTRA (Coordenador Automático do Controle Aéreo),tanto a minha formação de historiadora, que me levava espontanea-mente às salas dos arquivos, quanto às circunstâncias nas quais meutrabalho se desenrolou.

Confrontados com uma nova etapa do desenvolvimento daautomatização do controle aéreo, os atores encontravam a incerteza, e,portanto, traziam etapas passadas à memória, que era ativada graçasaos problemas com que passaram a lidar. Assim, eu estava mergulhadano que o filósofo Michel Serres chama de “tempo amarrotado” – ouainda multiplamente dobrado – (cf. SERRES, 1992), no qual o aqui e

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agora da Antropologia se encontra com o ontem da História. E foi dessaposição particular que eu tentei pensar com os atores a questão do es-quecimento, da repetição e do devir.

O LABORATÓRIO-MUNDO

O projeto de automatização do controle aéreo deslanchou nos fins dosanos 1950 na França. Em menos de dez anos, os grandes princípios dosistema haviam sido estabelecidos. As inovações contemporâneas cons-tituem freqüentemente reformulações das pistas descobertas ainda nes-ses primeiros anos de funcionamento.

Havia um núcleo restrito de atores que precocemente percebeu as pos-sibilidades oferecidas pela invenção dos computadores para o controleaéreo. Entretanto, eram profissionais pouco valorizados, trabalhando àmargem das preocupações institucionais, sem meios de oferecer seutrabalho a um laboratório. Mas essa condição, a princípio desvantajosa,de “dançarinos” da automatização, na expressão de um desses pionei-ros, dentro das prioridades da instituição da navegação aérea, aliada auma dose de criatividade fizeram com que esses atores passassem mui-to rapidamente pela “prova de fogo”, ou seja, o teste dos dispositivosexperimentados no meio operacional.

Com efeito, o que distingue o CAUTRA dos outros projetos tecnológicosé o dispositivo dentro do qual ele foi concebido e experimentado. Nãose tratava de laboratório tecnológico, no sentido de ser um espaço fe-chado onde o mundo operacional dos controladores de vôo era artifi-cialmente reconstruído para conceber e testar invenções ou inovaçõesque seriam em seguida transportadas para o exterior. Um pequenogrupo de engenheiros, controladores de vôo e de técnicos motivadosexperimentavam as novas funções diretamente dentro da sala de con-trole, sem simuladores.

Isto teve importantes conseqüências: as idéias e proposições emergen-tes da equipe de pesquisadores foram controladas pelo mundooperacional que regulava seu desenvolvimento. Esse dispositivo expe-rimental criou um espaço misto (o “laboratório-mundo”), instituindo, assim,um continuum entre o laboratório e o mundo exatamente onde se es-pera que haja uma ruptura. A experimentação in vivo do instrumentoimplica, de maneira ativa, o coletivo de usuários que regula o desenvol-vimento de pesquisas e de aplicações.

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Nesse diálogo experimental específico, o mundo, embora de maneiracontrolada, se torna, ele mesmo, um laboratório: proposições experi-mentais se misturavam com o que já estava sedimentado na prática dasoperações de vôo; pesquisadores e técnicos ocupavam, ao mesmo tem-po, o centro de cálculos e o computador servia igualmente para experi-mentações.

Não havia necessidade de se evocar, nesse contexto, o “fator humano”(nesse caso os controladores de vôo, que são os que lidam diretamentecom esses dispositivos que estão sendo feitos) como fiador da qualidadedos novos sistemas. A dimensão humana já estava no coração do pro-cesso de concepção, por meio do olhar de desdém, às vezes preocupa-do, mas francamente malévolo dos controladores de vôo que observa-vam os engenheiros “inventarem moda”. Também por meio da presen-ça dos técnicos da área “psi”, que abandonaram rapidamente a sala dosengenheiros, preferindo a cantina dos controladores de vôo, maisdescontraída. E, finalmente, pelos problemas que logo eram apontadospelos controladores a cada introdução de uma nova função, iniciando,assim, os engenheiros nas leis antropológicas da troca.

Nesse espaço misto, nesse laboratório-mundo, a realidade social impri-me seus constrangimentos e sua temporalidade aos avanços da pesqui-sa, ordena a hierarquização dos problemas e regula o curso do desen-volvimento tecnológico.

Porém, enquanto o sistema CAUTRA soube se fazer cada vez mais in-dispensável para o serviço de controle aéreo, a informatização da socie-dade progrediu. O governo francês decidiu, no final dos anos 1960,favorecer uma informática francesa. Na prática, essa estratégia preju-dica o projeto, uma vez que seus atores tiveram de renunciar a umafrutífera colaboração com a IBM e adaptar a terceira geração deCAUTRA (CAUTRA III), decisiva do sistema, a um material que elesdominam mal. Panes de origens diversas se multiplicam, provocando ainsatisfação dos controladores de vôo, atrasos de aviões e queixas decompanhias aéreas. Uma crise multiforme mina o feliz espaço do labo-ratório-mundo.

O modo de trabalho no CENA é questionado e desqualificado como“experimentação permanente” pela hierarquia funcional. Peritos sãochamados para avaliar o CAUTRA. O mais crítico deles estigmatiza semcuidado as falhas do sistema que, em sua opinião, é muito antiquado,organizando toda uma argumentação a partir do que é antigo e do queé moderno. A esse perito o clima de “mistura” não agrada. Ele se abor-

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rece porque no processo não se sabe mais quem é quem: os engenheirosnão são formados em computação (o começo dos anos 1970 é o períodoem que a profissão de “engenheiro em informática” procura se imporenquanto tal, graças à emergência das sociedades de serviços deinformática); os programadores são controladores de vôo; o sacrossan-to método é ignorado pelos engenheiros formados sem muito apuro eque utilizam processos arcaicos. O resultado da expertise é acolhido peladireção da navegação aérea, a legitimidade do laboratório é questiona-da e a responsabilidade do sistema é transferida para o CENA, que éentão rebatizado: de Centro de Experimentação passa a ser Centro deEstudos. Logo, era o laboratório-mundo que estava sendo visado.

Surpreendentemente, a mesma sociedade de serviço de informática quefez a expertise obteve no mercado a chance de continuar o projeto. Paraconceber a nova geração do sistema, o CAUTRA IV, ela instalou, a al-gumas dezenas de quilômetros do Centro de Athis-Mons, uma equipemista com engenheiros da aviação civil e profissionais graduados eminformática. Os controladores aéreos quase não freqüentavam esse imen-so laboratório. Sua participação na confecção do projeto mudou radi-calmente: eles são “representados” por um novo organismo encarrega-do de servir de mediador entre operadores e idealizadores dos sistemasde informática. Um “método” linear passa a orientar os trabalhos nonovo laboratório; ele procede por etapas, unindo o momento da con-cepção de uma idéia ao uso da inovação que ela propõe; também a si-mulação do tráfego – e não mais a ação direta na sala de controle –substitui o laboratório-mundo.

Mas tudo isso teria tido apenas um interesse anedótico se essa novamaneira de fazer, de ver e de pensar tivesse podido ocupar o lugar daanterior, endossando assim a polaridade entre antigos e modernos,poderosa retórica no imaginário do progresso tecnológico. Enquanto anova equipe se esforçava para conceber um novo CAUTRA, a antiga,da qual foi retirada a responsabilidade pela concepção do sistemaoperacional, reagiu e se mobilizou. Os problemas de confiabilidade dosmateriais foram superados e a automação progrediu a passos largospelo aumento de funções experimentais “na sala” – de controle –, nolaboratório-mundo.

O tempo passou, e o sistema que deveria ser instalado no novo centrode controle em Reims, leste da França, não conseguia superar o avançoobtido pela equipe de “bricoleurs”. Essa, é preciso reconhecer, nutriaum prazer malvado vendo a equipe rival patinar. Esse problema, cha-

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mado de “convergência”, clássico na história dos grandes sistemas deinformática, torna-se mais delicado quando sua finalidade é a “seguran-ça”. Foi então que, para que ameaças não caíssem sobre os procedimen-tos do controle aéreo, os conflitos se apaziguaram depois de vários anosde querelas. Para tanto, houve a colaboração entre métodos rivais e,finalmente, a construção de um novo sistema.

Atualmente, o laboratório-mundo deixou conseqüências marcantes nomundo do controle aéreo. O “fator humano”, uma vez que tal conceitogenérico é adotado para tornar presente o usuário no processo de con-cepção, é largamente considerado. O usuário é convocado para todasas etapas e os profissionais em ergonomia, psicólogos sociais, e até mes-mo socioantropólogos são chamados para o representarem no laborató-rio. Com o alto grau de mudanças institucionais e de evolução técnica,social e econômica, o laboratório-mundo acabou se transformando nolaboratório, no sentido clássico do termo, seja ele de pesquisa ou indus-trial, onde o real – mesmo complexificado pelo “componente” fator hu-mano – é traduzido, reduzido, controlado no espaço fechado da experi-mentação. Retirados a partir de então de sua comunidade depertencimento – a sala de controle onde a sociabilidade é tão importan-te na gestão da segurança aérea –, os controladores trabalham hoje àfrente de uma representação simulada do tráfego.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa história, que foi resumidamente narrada, não questiona radical-mente apenas a idéia de uma tecnologia autônoma. Ela convida tam-bém a uma reflexão sobre a idéia de eficácia.

Não é suficiente constatar que um objeto técnico “funciona” ou “evo-lui”. É necessário se perguntar quais relações sociais estão implicadasna sua maneira de funcionar. Alguns engenheiros podem se apoiar nosavoir faire dos usuários (e, por isso mesmo, privilegiar as relações decooperação entre idealizadores e usuários no interior de uma institui-ção), e outros, ao contrário, procurarão produzir dispositivos que colo-quem o usuário fora do circuito, suscitando reações legítimas de rejei-ção por parte desses últimos, que podem sentir-se ameaçados pela in-trodução de novos dispositivos.

As diferentes maneiras de fazer funcionar um dispositivo ou objeto téc-nico engendram alternativas que jamais são puramente técnicas e aeficácia é sempre simbólica e social. Nessa perspectiva, a questão da im-

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plicação do usuário no processo de inovação tecnológica é um elementodeterminante e remete a considerações de ordem política e ética. O con-ceito de laboratório-mundo, tal como eu o formulei a partir da históriada automação do controle aéreo na França a partir das práticas vividaspor seus atores é, sobretudo, um problema político.

Inventando junto com os controladores de vôo, os engenheiros do CENAquestionaram o esquema dualista característico da sociedade de consu-mo, que opõe idealizadores a usuários. A própria noção de uso,freqüentemente tomada emprestada pela antropologia das técnicas pararestituir ao usuário sua parte, remete freqüentemente a uma relaçãoassimétrica entre as instâncias de idealização ou concepção, de um lado,e os coletivos de usuários, de outro. Assimetria, aliás, bem marcada pelouniverso semântico no qual se desenvolvem esses trabalhos: a atividadedo usuário é reduzida a uma reação – desvio, reinterpretação, infração,afastamento da norma, transgressão das regras etc.

A propósito do que vem sendo dito, a tendência atualmente predomi-nante nos laboratórios tecnológicos é a de simular a presença do ho-mem, por meio das “traduções”, em termos semelhantes àqueles quepredominam no laboratório por intermédio da ergonomia ou psicolo-gia cognitiva, por exemplo, que produzem “formalizações” sobre o serhumano. Talvez, uma regulação mais harmoniosa do desenvolvimentode novas tecnologias passe por um modo de presença do humano noprocesso de inovação, deixando lugar para dimensões irredutíveis à ex-perimentação no laboratório: o afeto ou a sensibilidade, por exemplo,ou ainda a capacidade e o direito de reagir, inventar, modificar ou recu-sar o que é proposto ou dado por certo.

Além disso, esse trabalho mostrou o quanto as tecnologias são um vetorpoderoso de esquecimento e de memória. Quando um sistema ou obje-to funcionam, seus usuários esquecem de que ele é fruto de interaçõessociais, seus idealizadores “esquecem” a história conturbada tal comoela aconteceu (as controvérsias que ela evocou sobre as maneiras de seconceber um sistema).

Naturalizando as técnicas, o esquema de uma evolução linear e autôno-mo age como um quadro da memória coletiva. Isso já foi ressaltado pelodurkheimiano Maurice Halbwachs:

Uma regra, como um instrumento, se aplica a uma realidade que a

gente supõe ao mesmo tempo imóvel e uniforme. Como conformar-

se a ela, e que autoridade ela encerra, se nela não se vê mais do que

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um modo de adaptação provisória à circunstância momentâneas, que

nem sempre existiram, e que se modificarão um dia? [...] De todas as

influências sociais, aquelas que tomam a forma de uma técnica imi-

tam melhor o mecanismo das coisas não sociais (HALBWACHS, 1925,

p. 267).

No seu modo de presença no mundo, as técnicas “fazem como se” nãofossem sociais e instituem o esquecimento, condição de possibilidadepara eficácia.

ABSTRACT

This article sums up the main results of a research investigating the sphereof Air Trafic Control in France. Based on records and interviews, it gives asubstantial account of the tumultuous birth of the CAUTRA (AutomaticCoordinator of Air Traffic). By the same token, the author questions theso-called “autonomy of technics”, stressing on the impact of social andsymbolic dimensions on those processes. She analyses carefully a controversybetween two research laboratories arguing on user’s (in this case, aircontrollers) participation and presence when discovering new technologies.It shows how different conceptions of a technical artifact and itsefficiencyimply different conceptions of the world and of the social bond.

Keywords: Air Traffic Control; new technologies; processes.

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. La formation de l’esprit scientifique, Paris, Vrin,1984. (Em Português: A psicanálise do fogo. Lisboa: Ed. Memorial, 1972)

LATOUR, Latour; WOOLGAR, Steve. La vie de Laboratoire. Paris: LaDécouverte, 1988. (Em Português: A vida de Laboratório: produção dosfatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997)

HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: AlbinMichel, 1925.

SERRES, Michel. Eclaircissement. Paris: François Bourin, 1992. (EmPortuguês: Luzes: cinco entrevistas com Bruno Latour. São Marcos:UniMarco, 1999)

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NOTAS

1 O fato de que esses lugares não sejam mais considerados como santuários proibidos aos não iniciadosmanifesta talvez o começo de um processo de laicização da ciência que nos indica, a posteriori, o papel quase-religioso desta última nas sociedades modernas, o que os fundadores da Sociologia (notadamente Durkheim)já haviam pressentido. A enunciação de tal questão poderia colocar em dúvida o estatuto da própria ciênciaque ele se esforçava por instituir e legitimar.

2 Em diferentes autores, observa-se o emprego do singular: a tecnociência, o que marca uma conotaçãocrítica, enquanto o plural – as tecnociências – é encontrado em trabalhos que desejam conservar umaabordagem mais neutra ou agnóstica.

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ARTIGOS

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DIEGO SOARES*

A POÉTICA DA EXPERIÊNCIA:

NARRATIVA E MEMÓRIA EM UM ASSENTAMENTO RURAL1

Neste artigo, desenvolvo uma reflexão sobreperformance, narrativa e memória social, tendo comoreferência dados etnográficos coletados no contexto deum assentamento rural localizado nos arredores da re-gião metropolitana de Porto Alegre (RS). Ao analisaras narrativas dos assentados sobre o seu passado delutas políticas, busco compreender a relação entre otempo presente e as imagens projetadas pela memória.O argumento inicial é o de que a experiência humanasó ganha sentido na ordenação simbólica orquestradapela narrativa. Essa ordenação está diretamente rela-cionada com o tempo e o espaço social que o agenteocupa no presente. Essas histórias são, portanto, retra-tos dinâmicos de uma epopéia coletiva cujo sentido estásempre sendo negociado. Além da luta real, presentenos enfrentamentos diretos, nas mortes e conflitos docampo, também existe uma luta simbólica em torno dascategorias de nomeação da realidade social que deveser levada em conta nos estudos sobre assentamentosrurais e reforma agrária.

Palavras-chave: memória social; narrativa; assenta-mentos rurais; reforma agrária.

* Mestre em AntropologiaSocial (PPGAS-UFRGS) ePesquisador Associado aoNúcleo de Antropologia eCidadania (NACI-UFRGS).

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INTRODUÇÃO

Neves (1997), em um estudo realizado num assentamento rural, co-mentou a importância de um passado “singularizado na história devida como modo de perpetuação da dignidade e da honradez que legi-tima a conquista da permanência num espaço cujo passaporte é a com-provação do mérito” (p. 225). A autora chama a nossa atenção para aimportância da memória social e da narrativa como forma dereordenação das experiências vivenciadas pelos assentados em suas tra-jetórias sociais, o que lhes fornece elementos para compreender o pre-sente e projetar o futuro.

Novaes (2001) observa a importância da memória social no processo decompreensão antropológica, pois é no jogo de imagens e projeções so-bre o passado que se revelam as “múltiplas percepções da verdade”presentes nos campos de disputa simbólica. Para essa autora, não cabeao antropólogo resgatar a “verdade dos fatos” desfazendo-se das “per-cepções nativas”, mas “desvendar aspectos dos processos sociais nosquais estas ‘verdades’ foram produzidas” (p. 231-232).

Na minha dissertação de mestrado procurei dialogar com esses estudosa partir de uma etnografia realizada no assentamento 19 de Setembro,localizado nos arredores de Porto Alegre. Nesse assentamento, funda-do no início da década de 1990, vivem 25 famílias provenientes da re-gião norte do Rio Grande do Sul. Incentivados pelas eleições nacionaise por uma conjuntura política de conflito entre sem-terras e ruralistasna região centro-oeste do estado, os assentados passaram a contar his-tórias sobre a sua luta política durante o período do acampamento. Aoolharmos para as narrativas dos assentados sobre o seu passado de luta,nos perguntamos, à maneira de James Scott (1985, p. 41), se as suasconversas informais, provérbios e histórias não possibilitam questionaraté que ponto eles realmente aceitam a representação negativa do seupassado de luta. No decorrer deste artigo, procuro interpretar asimbologia presente nessas narrativas e o significado de um conjuntode representações sociais que as perpassa.

O CONTEXTO DE EMERGÊNCIA DAS NARRATIVAS SOBRE A LUTADOS ASSENTADOS DO 19 DE SETEMBRO

Em outubro de 2002, realizei uma pesquisa de campo intensiva, perma-necendo no assentamento durante duas semanas, em tempo integral,participando, portanto, do cotidiano das famílias. O cenário desse perío-

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do esteve marcado pelas eleições nacionais. Ainda no primeiro dia emque cheguei ao assentamento, tive a oportunidade de acompanhar umareunião dos assentados com representantes do Partido dos Trabalhado-res de Guaíba, companheiros que eles conheceram em sua chegada àregião. As discussões giraram em torno da “conjuntura política” e das“estratégias de propaganda” dos principais candidatos. No decorrer dasemana, logo percebi que o assunto predileto das rodas de chimarrãoera as eleições. Ocorria o mesmo à noite, quando os homens se reuniamno bar da associação. Essas conversas geralmente acabavam por desen-cadear uma seqüência de histórias sobre o deslocamento anterior à en-trada no movimento, as lutas do acampamento e os primeiros anos deassentamento.

Uma dessas situações é paradigmática, pois fornece material para umaboa representação desses eventos etnográficos, possibilitando ao leitoruma aproximação inicial do contexto local no qual essas narrativas fo-ram produzidas. Durante o período que passei em campo, fiquei nacasa de Alitércio. Na segunda semana de trabalho de campo, em umsábado à noite, resolvemos fazer uma janta “especial”. Convidamos parajantar conosco dois “compadres” de Alitércio, Ernesto e João Guerrei-ro, sendo que este último trouxe consigo o seu filho mais velho, Dino.

Enquanto aguardávamos a comida ficar pronta, surgiram comentáriosa respeito do último debate político. Seguiram-se algumas afirmaçõessobre as pesquisas eleitorais, complementadas por projeções sobre ofuturo. Os discursos eram sempre construídos em torno de um “nós”bastante abrangente, uma vez que incluía os sem-terra e os militantesde esquerda, contra um “eles” representado pelos fazendeiros, os par-tidos de direita e a mídia. Em um determinado momento, Alitércioexclamou, apontando na direção de um quadro do MST posicionadocom destaque em uma de suas paredes: “Vocês estão lembrados daque-la cena ali?”. Ao que João e Ernesto responderam: “Claro!”. E Alitércioprosseguiu: “Se olhar com cuidado, é capaz de reconhecer algum com-panheiro.” Ernesto e João aproximaram-se do quadro, que retratavaum grupo de sem-terras ocupando uma fazenda. Não demorou muitopara que eles passassem a reconhecer antigos companheiros: “Esse da-qui é o Júlio, que hoje tá assentado em Bagé.” Em determinado mo-mento, eles reconheceram um assentado do 19 de Setembro entre amultidão de “anônimos”.

Guerreiro passou, então, a contar uma história que ocorreu na ocupa-ção da fazenda São Pedro, em Bagé, quando ele e outros acampadosestavam na “linha de frente”, nome dado à equipe responsável por fa-

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zer o reconhecimento inicial da área a ser ocupada. O relato foi dramá-tico. A cena foi descrita nos mínimos detalhes, com reprodução de diá-logos e situações. Alguns personagens eram conhecidos da platéia. Nosmomentos de maior tensão, João Guerreiro levantou e encenou com opróprio corpo, gesticulando com os braços uma e outra exclamação.2

Ernesto e Alitércio faziam pequenos adendos, lembrando esta ou aque-la situação. De súbito, as vozes que relatavam a história assumiram umtom eloqüente. Entre uma e outra cena descrita, a platéia fazia comen-tários. Ao relembrar essas histórias, eles viviam no próprio corpo situa-ções consideradas por eles como significativas. O enredo dessa história,e de outras que foram relatadas, fazia referência a situações de bravurae coragem representadas por meio de episódios dramáticos e um finalvitorioso.

Em maio de 2003, um decreto federal determinou a desapropriação deuma fazenda de Henrique Southal, localizada no município de SãoGabriel. O Governo Federal manifestou publicamente a sua intençãode converter a área em um “assentamento modelo”. No total, seriammais de 530 famílias beneficiadas, todas elas provenientes de acampa-mentos da região. Os noticiários de todo o país anunciaram: “trata-seda maior desapropriação de terras da história do Rio Grande do Sul”. Apartir daí, o conflito instalou-se na região, envolvendo de um lado o“Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” (MST) e do outrolado aqueles que passaram a se autodenominar “Movimento dos Pro-dutores Rurais”. Na ocasião, ocorreram duas caminhadas coletivas. Umadessas caminhadas foi organizada pelos sem-terra, com o apoioinstitucional da CUT e de partidos de esquerda; e a outra por fazendei-ros da região, contando com o apoio de seus representantes políticos.O percurso das marchas foi transmitido para o Brasil inteiro. O conflitofoi anunciado inúmeras vezes, ocorrendo, de fato, em alguns momen-tos, como foi o caso de uma das cenas mais dramáticas na qual fazen-deiros e sem-terra encontraram-se frente a frente, tendo entre si ape-nas uma ponte de algumas centenas de metros.

Entre junho e agosto de 2003, visitei o assentamento algumas vezes. Osassentados não falavam sobre outra coisa. Todos os seus comentárioseram sobre o conflito agrário na região centro-oeste do estado. Recor-tes de jornais contemporâneos misturavam-se com recortes da décadade 1990, quando eles eram os protagonistas das notícias. O recenteconflito agrário na região, como foi possível perceber em campo, moti-vou-os a relembrar a sua própria vivência histórica.

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Na chegada da marcha a São Gabriel, realizou-se um grande ato públi-co. Como os fazendeiros ameaçavam os sem-terra de conflito direto, osdirigentes do MST mobilizaram acampados, assentados e simpatizan-tes de todas as regiões do estado. Ao todo, eram mais de três mil pes-soas, que chegaram à cidade de madrugada em ônibus fretados pelaorganização do movimento. O deslocamento foi cinematográfico, en-volvendo barreiras policiais e ataques dos “ruralistas”. Na ocasião,encontrei alguns assentados do 19 de Setembro. Segundo o que relata-ram, eles estavam prestando solidariedade à luta dos companheiros. Na-quele dia, ao freqüentar os bares dos arredores, percebi que o eventotambém servia de ponto de encontro de antigos companheiros, a maio-ria proveniente de assentamentos localizados em diferentes regiões doestado. Qual era o assunto das suas conversas informais? Histórias so-bre a sua própria luta.

AS HISTÓRIAS SOBRE OCUPAÇÕES DE TERRA:

SOFRIMENTO E LUTA

Acompanhamos na formação histórica do Brasil uma disputa constantepela terra, pela própria construção do espaço e do tempo, uma disputapela significação das representações sociais que fornecem sentido àcosmologia política da reforma agrária. Além da luta real presente nosenfrentamos diretos, nas mortes e nos conflitos do campo, também existeuma luta simbólica em torno das categorias de nomeação da realidadesocial. Fazem parte desse contexto de luta simbólica os termos ocupaçãoe invasão, categorias sociais que dão sentido à ação e às diferenças depercepção e projeção dos princípios que definem o jogo político dareforma agrária. Essas categorias ajudam a definir os limites entre osgrupos opositores e suas formas diferenciadas de compreender o mun-do e fornecer sentido ao tempo vivido nas situações de conflito. Con-forme já afirmou Comerford (1999, p.128), é preciso observar que existe“uma luta em torno da classificação e nomeação dessas formas de ação,que diz respeito à legitimação da mobilização, de seus organizadores ede suas bandeiras de luta”.

Nos próximos parágrafos, pretendo apresentar alguns eventos narrati-vos que demarcam o contexto simbólico em que emergem as históriasde “luta pela terra”. Não tenho qualquer preocupação em seguir a se-qüência linear dos acontecimentos, pois o meu objetivo não é recons-truir a “História” das ocupações, mas perceber a forma como esses even-

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tos são representados na memória social das famílias que vivem no as-sentamento 19 de Setembro.

A ocupação da fazenda Bacaraí: a entrada na “luta”

A polícia militar, na madrugada de ontem, interceptou, no norte doestado, o deslocamento de doze mil sem-terra que pretendiam inva-dir diversas fazendas na região. Um grupo de dois mil camponesesconseguiu entrar na fazenda Bacaraí, de 2.045 hectares, em CruzAlta, [...]. Os policiais conseguiram montar barreira 3 horas depoisde recebida a ordem do Comando da Brigada, mas os sem-terra con-seguiram furar o bloqueio para essas duas propriedades (Jornal Zero

Hora, n. 8780, 20/09/89).

A cena descrita no jornal Zero Hora revela o contexto de deslocamentode um número elevado de trabalhadores sem-terra, tendo como objeti-vo a ocupação de fazendas (“propriedades”) localizadas na região nor-deste e norte do estado. A ação é classificada como invasão, categoriaque dá sentido a um enredo que termina com a reação da Brigada, quese apresenta preparada para restabelecer a ordem, mesmo que parcial-mente. O que a notícia não esclarece é que uma mobilização deste portecertamente foi coordenada por um único plano integrado que mobili-zou, durante os anos anteriores, “agentes de formação” que percorre-ram as diferentes regiões do estado em busca de adeptos à sua luta. Oque temos, portanto, não é uma ação espontânea e fragmentada, masuma ação coordenada por princípios e objetivos históricos construídosem uma conjuntura específica. A notícia, no entanto, resume a históriaao próprio evento, tornando-a descontextualizada. Por outro lado, quan-do rompemos com a lógica do enunciado para construí-lo novamente,rompemos também com a visão estereotipada que resume as ações doMST a um fato isolado. A narrativa de Amantino de Jesus, assentado do19 de Setembro, remete ao contexto anterior, marcado pelo processode organização dos grupos familiares que participaram da mobilização:

Já bem antes da ocupação, a gente teve que organizar um novo grupode famílias, pois os outros grupos já estavam organizados há algumtempo. Mas aí, depois de muita reunião, de passar de casa em casadivulgando as nossas idéias, a gente finalmente conseguiu organizarum grupo de famílias da região, gente que nem nós, que não tinhaterra pra plantar, tudo filho de pequeno agricultor, gente que nãoconseguiu levar adiante o trabalho dos pais e sofria a exploração na

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pele. Aí, depois de formado o grupo, nós fomos nos preparando parao dia da ocupação. Aí, foi numa madrugada que a gente subiu emcima de um caminhão e foi fazer a nossa ocupação. Foi no dia 19 deSetembro, o dia que nós entramos na luta. Mas não foi fácil, porquequando a gente chegou perto da fazenda, já nos deparamos com apolícia (Diário de Campo, v. 2, p. 56, 17/10/02. Entrevista com Amantinode Jesus).

A narrativa de Amantino tem início no processo de organização dosgrupos familiares do qual ele participou ativamente, às vezes tendo depercorrer quilômetros de estrada de chão para chegar a vilas ruraislocalizadas no interior do estado, enfrentando sempre a repressão dosfazendeiros e seus aliados políticos. A luta, portanto, tem início no pro-cesso de organização política que é anterior à ação de ocupação. Estaluta é apresentada como o resultado de uma outra luta – a luta do dia-a-dia da submissão ao trabalho como empregado –, experiência que ser-ve como ponte de identificação no momento de formação dos gruposfamiliares, mas que também é o resultado do processo de expropriaçãoanterior. O seu relato termina com a chegada à Fazenda e o encontrocom as forças policiais.

João Guerreiro, que conhece Amantino há muitos anos, pois também éproveniente da região de Ibirubá e fez parte do mesmo grupo de famí-lias por ele organizado, estava no mesmo caminhão e fornece a suaversão da história:

Aí o motorista queria dar pra trás, e era só três brigadiano que tavana barreira que nos atacou. Aí nós tudo quieto! E aí um dos guris quetava com nós, o apelido dele era “Pintado”, não é que ele tinha levadouma galinha viva na bolsa. E deu um desespero na galinha e ela co-meçou a fazer um griteiro... quá, quá, quá, quá [imitação do som dagalinha]. E daí a mulher do Aldoir se apavorou e começou a gritartambém, a chorar embaixo da lona. Rapaz do céu! Mas aí um quetava na cabina já disse pra saltar pra fora preparado. Aí nós só levan-tamos a lona e descemos uns quatro, de foice e facão na mão. E daí, aRosa chegou e grudou uma foice no pescoço do motorista e disse:“ou tu vai, ou nós te degolamos aqui mesmo”. Mas aí, quando a Bri-gada viu que o caminhão tava cheio de negro dentro, aí eles falarampra nós passa, porque eles viram que a gente era maioria! (Diário de

Campo, v. 3, p. 42, 19/06/04. Entrevista com João Guerreiro).

A cena descrita por João remete às peripécias vivenciadas durante opercurso até a fazenda, quando o seu grupo teve de enfrentar as barrei-

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ras policiais. Em uma dessas situações, o grito de uma galinha, termoque, no Rio Grande do Sul, também é utilizado para definir um homempouco corajoso, acabou denunciando a presença dos sem-terra no ca-minhão, ocasionando uma situação de conflito com a Brigada Militar.No entanto, o obstáculo foi vencido pela coragem dos protagonistas,contraposta à covardia dos policiais, que temiam um confronto entreforças desiguais. No final, a coragem e a bravura superaram o medo dosadversários.

A ocupação da fazenda São Pedro: cenas de umabatalha

Depois da ocupação da Bacaraí, os assentados do 19 de Setembro fica-ram seis meses em um acampamento localizado na Boa Vista, do Incra,ali mesmo na região de Cruz Alta, esperando que o governo atendesseàs suas demandas. No entanto, ao perceberem que haviam sido “aban-donados”, resolveram agir novamente e ocupar a Fazenda Santa Fé,em fevereiro de 1990. Depois de inúmeras negociações com o gover-no, as famílias mobilizadas voltaram para o acampamento na Boa Vis-ta, onde ficaram até agosto, quando muitos deles participaram do con-flito na Praça da Matriz. No retorno ao acampamento, uma parte dogrupo foi deslocada para um Centro de Treinamento Agrícola localiza-do no município de Bagé, e algumas famílias foram para Mato Grosso.O grupo que foi para Bagé, após oito meses sem ver nenhuma soluçãopara as suas demandas sociais, viu-se novamente “abandonado” pelogoverno e resolveu agir novamente para pressioná-lo a cumprir suas“promessas”.

A ocupação da fazenda São Pedro foi a última da qual os assentadosparticiparam, e, segundo os seus relatos, a mais difícil de todas, poisenvolveu forte resistência dos ruralistas. Seu João, que é um ótimocontador de histórias, apresenta a sua própria versão do episódio, naqual ele assume o papel central do enredo na figura do herói:

Ahh... lá foi pesado, barbaridade! Lá eu vi a coisa feia! Eu entrei láporque fiz uma loucura cara... [pausa]... Grudei numa cachacinhacom pólvora, aí eu não enxerguei mais nada. E dizia uns companhei-ros meu: “Tu é louco João!”. E eu, “é, mas um ou outro tem que fazeras frentes”. Porque nessas situações assim, mais perigosa, ahh... issodaí eu sempre era o escolhido, porque o pessoal já me conhecia. Masaí eles [os companheiros] disseram: “Olha, Guerreiro, pra pegar umacoragem mesmo...”, “não”, eu disse, “coragem eu tenho!”. E eles, “não,

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mas tu não tem medo, porque hoje vai ser feroz!”. Mas tá louco ho-mem, tu chegava a dar pinote assim... [risadas] Porque eu sempre fizparte da segurança, “fulano pra cá, fulano pra lá”. Eu fazia as entra-das, sempre na equipe de frente. E daí, quando nós vimos, a gentenunca imaginava que ia ter tanta gente dentro da casa, tanto da polí-cia, como dos jagunços. E a moradia tava esquemada pra uma guer-ra! Era tudo feito de pedra dessa largura [mostra o tamanho com asmãos]... aquilo dali era uma construção do tempo dos escravos, euacho, de tão antigo que era. E quando nós chegamos perto... porqueeu vim por aqui ó [ele mostra o seu deslocamento em um mapa ima-ginário] e quando eles nos viram, começou o tiroteio, e bala e bala![imitação de tiroteio] Porque foi aí que eles mataram o finado Neurani.E nós também não ficamos parado, atiramos bomba de gasolina ne-les. Mas olha, era uma cena de batalha, daquelas de cinema! E nós sócom os molotov! Atirava por cima. Até que foi que eles se renderam,não agüentaram a pressão (Diário de Campo, v. 3, p. 44, 19/06/04. En-trevista com João Guerreiro).

Na história de Guerreiro, ele é o “escolhido”, pois sempre fez parte da“equipe de frente”, mas a situação é “perigosa”, e a “cachaça com pólvo-ra” ajuda-o e os amigos a terem coragem para enfrentar o “tiroteio”. Acena é descrita nos mínimos detalhes, e o narrador não cansa de repro-duzir diálogos e atuar com o próprio corpo em movimento, procuran-do transmitir ao ouvinte uma certa estética da aventura construída pelarepresentação de uma cena de batalha. O enredo tem João como o per-sonagem principal, cuja expressão é a do herói que aceita o desafio comcoragem e bravura, única forma de vencer o seu principal obstáculo: omedo. A opção pela coragem é recompensada ao final, com o rendi-mento do inimigo. Justino, que contou a mesma história umas três ve-zes, também tem a sua própria versão do episódio:

Bah... Aquela vez foi de cinema! Tu sabe dessa história? O pessoal jádeve ter comentado alguma coisa contigo... Dessa vez foi fogo mes-mo! Alguns dizem que era uma fortaleza de escravos! Eu só sei que asparedes eram dessa grossura [ele mostra o tamanho com as mãos]. Elá dentro, cheio daqueles capangas da UDR! E dali tiroteio! Eu nuncavi tanta bala na minha vida! Vinha de tudo que é parte, homem docéu! [ele se levanta e começa a gesticular] Então a gente ia assim, tudoagachado, que era pra se defender da chuva de bala que tava caindona nossa cabeça! Mas no final nós dominamos eles e fizemos tudo derefém. Mas aí, quando o povo ficou sabendo da morte do companhei-ro, aí queria vingança. Olha, se a gente não tivesse segurado o nosso

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povo, rapaz, eu não sei se eu ia tá aqui agora pra te contar essa histó-ria. Porque eu já ouvi falar por aí que daquela vez eles tavam prepa-rando um massacre! (Diário de Campo, v. 3, p. 38, 15/10/02. Entrevistacom Justino)

A história de Justino foi apresentada por ele como uma cena de “cine-ma”. A sede da fazenda tornou-se uma “Fortaleza de Escravos”, umarepresentação muito semelhante à utilizada por João Guerreiro. Essaexpressão também está presente nas histórias de outros assentados, oque demonstra se tratar de uma imagem compartilhada por todos. Otermo “fortaleza” remete a uma construção grandiosa, construída comtijolos maiores e, portanto, difícil de ser ocupada. Todos esses detalhesdescritivos enaltecem ainda mais a façanha dos nossos narradores. Asua relação com o tempo dos escravos, ou escravidão, a torna um sím-bolo da opressão. Esta construção imponente está guarnecida por ca-pangas da União Democrática Ruralista (UDR) e policiais, inimigos dossem-terra, fortemente armados. A batalha é descrita por Justino com amesma performance corporal desempenhada por João e outros assen-tados, que também costumam se levantar, imitar sons e gestos, fabricarmovimentos com o corpo, reproduzindo assim a emoção do momentovivido, também visível no brilho dos olhos do narrador. Apesar da vitó-ria no final da batalha, a morte de um “companheiro” gerou revoltaentre o “povo”, que exigiu “vingança”. Mas a mensagem final é clara:foi preciso conter os excessos para escapar de um massacre anunciado.

O CONFLITO NA PRAÇA DA MATRIZ

No clarear do dia 8 de agosto de 1990, 600 sem-terra armaram suasbarracas na Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, sede do go-verno do Rio Grande do Sul. A ação do MST não era nenhuma novida-de no cotidiano da cidade, pois a mesma praça já tinha sido ocupadaantes por grevistas e pelos próprios sem-terra. Tudo ia bem, e a mani-festação parecia seguir a mesma rotina de outras manifestações seme-lhantes: enquanto os colonos esperavam lá fora, com os seus “gritos deguerra”, os representantes políticos do movimento discutiam as suasdemandas junto aos representantes do governo. Os objetivos eram cla-ros: eles exigiam do governador Synval Guazelli o assentamento ime-diato das famílias que estavam acampadas havia quase dois anos. Porvolta das 9 horas da manhã, 500 homens da Brigada Militar chegaramà praça armados com bombas de gás, submetralhadoras e cães pastores.A ação foi coordenada pelo comandante geral da BM, que acompanhou

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a mobilização dos seus homens da sacada do Palácio. Às 11 horas damanhã, a situação era tensa. Os sem-terra fizeram uma barreira huma-na para defenderem as mulheres e as crianças, e continuaram a gritar:“Ocupar, Resistir, Produzir!”, brandindo ao alto as suas ferramentas detrabalho. Meia hora depois, sem respeitar as negociações que ainda es-tavam em andamento, os policiais militares, sob ordem de seus superio-res, avançaram em direção aos sem-terra. Seguiu-se uma correria; afumaça das bombas de gás estava por toda a parte. Muita confusão. Oscolonos procuraram reagir de todas as formas possíveis, mas a praça foievacuada em poucos minutos. A partir daí, a “guerra” espalhou-se pelorestante do centro, pois os sem-terra saíram correndo sem direção, pro-curando escapar para um local seguro. Pouco antes do meio-dia, umgrupo de fugitivos foi interpelado por um policial nas proximidades da“Esquina Democrática”, no centro de Porto Alegre. Três tiros foramdisparados. Um homem e uma mulher ficaram feridos. O soldado foiatacado e atingido com uma foice no pescoço. Uma parte dos “fugiti-vos” procurou refúgio na Prefeitura e foi recebida pelo prefeito OlívioDutra (PT). A Brigada ameaçou “invadir” o prédio, se o culpado pelamorte do brigadiano não fosse entregue para a polícia em 15 minutos.Sindicalistas, professores e estudantes organizaram uma “barreira hu-mana” em frente à Prefeitura, ao mesmo tempo que cantavam o HinoNacional, tendo em suas mãos a Constituição de 1988. Iniciou-se, a par-tir daí, um intenso processo de negociações que se estendeu até à noite(SJP/RS, 1991, p. 72-78).

A reprodução do conflito nos meios de comunicação foi analisada porChrista Berger, que afirmou que “naquela noite, na televisão, o noti-ciário confundiu-se com o horário eleitoral gratuito e os telespectadoresatentos tiveram uma aula sobre a impossibilidade do acontecimentoentrar para dentro da notícia sem fraturas” (2003, p. 174). O Partidodos Trabalhadores, cujos candidatos concorriam à eleição estadual enacional, foi culpado pelo conflito em uma série de notícias publicadaspelo jornal Zero Hora. Por outro lado, frei Sérgio Görgen (1991) tam-bém levantou suas hipóteses sobre uma provável manipulação eleitoraldo conflito por parte dos partidos de direita.

A morte do soldado Valdeci passou a integrar o imaginário social doconflito agrário no estado, sendo citado como referência tanto pelosmilitantes de esquerda, como de direita. Não cabe analisar o aconteci-mento em si, que não é objeto de minha reflexão nesse momento. Noentanto, cabe mencionar uma questão importante: a existência de umgrande número de versões narrativas sobre o mesmo evento, o que apon-

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ta para o conflito existente no próprio processo de construção do passa-do histórico. Só no jornal Zero Hora, o fato teve publicação durante ostrês anos seguintes, merecendo 68 dias de noticiário. Além da versãopublicada nos grandes meios de comunicação, temos a versão elabora-da pelo Sindicato dos Jornalistas, aqui citada, e que, inclusive, acabouganhando um prêmio de Direitos Humanos por ter contextualizado oevento; um livro de frei Sérgio Görgen; a edição de um número “espe-cial” da revista Adverso (Associação dos Docentes da UFRGS), onde en-contramos textos de professores das mais diferentes áreas do conheci-mento; um número elevado de monografias, projetos de pesquisa e te-ses acadêmicas procurando elucidar o acontecimento; e alguns livros deliteratura (BERGER, 2003, p. 180-184). Nas páginas que seguem, a par-tir de duas histórias que foram contadas por assentados do 19 de Se-tembro, que estavam presentes no dia 8, e que são eleitas aqui enquantoversões representativas, pretendo desenvolver algumas reflexões sobrea forma como este evento é representado pelos assentados.

“Seu comandante, eles não são perigosos; eles sãocolonos que nem eu”

Um pouco antes de começar o conflito tinha gente da cidade transi-tando pela praça... Até tem uma amiga minha que mora ali perto doPalácio da Justiça, nas proximidades ali da Praça da Matriz... Ela tavaindo levar o guri dela no pediatra. Aí ela viu que nós tava por ali eresolveu passar por ali. Aí vinha a Drª Valéria com as crianças... E nóssomos muitos amigos dos pais dela, que eram meus compadres deHerval Seco desde criança, e diz ela: “É Mariana, diz o comandanteque não era pra mim passar pelo meio da praça que vocês eram peri-gosos... E eu disse, não, seu comandante, eles não são perigosos, elessão colonos que nem eu, que nem o meu pai... O meu pai também éagricultor que nem eles! Eles não são perigosos de jeito nenhum! Sãopessoas boas, pessoas humildes, gente boa!” [voz embargada]... Mas operigo tava nas mãos dos brigadianos, nas bombas de gás que elesjogaram em nós. Eu quis correr na direção da prefeitura, mas comonós tínhamos feito greve de fome alguns dias antes, eu parei na fren-te de um prédio com os braços cruzados e pensei, “alguém vai apare-cer aqui”. Daí, eu parada lá, olhando... E o pessoal já tinha se disper-sado quase todo mundo, só tinha os sinais da confusão. Daí umamulher me pegou pelos braços e disse, “Mas Mariana, entra aqui!”, eeu sempre acreditei em Deus e hoje eu acredito muito mais! [vozembargada. Lágrimas caem dos olhos] Daí era a Drª Valéria, aquela

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mulher que tinha falado comigo antes. Daí ela me convidou, “vamoslá pra minha casa”. Daí nós vimos o desfecho dos acontecimentos natelevisão. Porque bahh... Foi um horror! Meu Deus! Dizem que aguerra no Vietnam foi difícil, mas aqui não tá diferente. Nós vendo opovo ensangüentado; mordido de cachorro; cortado com baioneta,estouro de bomba de tudo que é jeito! (Diário de Campo, v. 3, p. 68-69,29/06/04. Entrevista com Mariana)

O acontecimento reconstruído pela narrativa de Mariana não segue alógica dos fatos, pois a sua abordagem da experiência consiste em sub-verter a sua ordem original, reconstruindo a ação a partir do tempovivido, espaço semântico das sensações e dos sentimentos. Essa apro-priação reflexiva da experiência surge da mistura entre aquilo que real-mente aconteceu e a mensagem que o narrador pretende transmitir aoseu ouvinte. Esse processo ocorre por intermédio de uma linguagemcorporal, pois é expressa pelo corpo e pela oralidade, utilizando-se,para isso, uma determinada simbologia cuja única pretensão consisteem fabricar a poética da experiência.

A história de Mariana tem início com a figura da “comadre” e o seudiálogo com o “comandante”, que acusa os sem-terra de serem “peri-gosos”. A unidade forjada pelo compadrio leva à defesa dos sem-terra,que são “colonos”, “agricultores”, “gente boa”. Já os “brigadianos”, es-ses, sim, representam o “perigo” que coloca Mariana em uma situaçãode conflito e pânico, na qual ela se encontra novamente sozinha, em umlugar desconhecido. O enredo termina com a salvação pela fé e peloslaços de compadrio. Percebe-se, portanto, que a história não tem a pre-tensão de apresentar a seqüência exata dos fatos, ou até mesmo a totali-dade da história. A sua construção se dá em torno de valores e repre-sentações sociais que são compartilhados; imagens que constituem oselos de um imaginário coletivo. Ao mesmo tempo que os elementos se-mânticos que compõem a história são compartilhados, o arranjo tecidopelo narrador fornece uma versão única do episódio, no qual ele é opersonagem e o autor.

A maioria das histórias contadas pelos assentados sobre o conflito naPraça da Matriz faz referência ao horror e ao pânico ocasionados porum conflito brutal, cenas que são significativas porque estão represen-tando as imagens de uma relação histórica com o governo, em que ossem-terra são retratados como “perigosos” e “baderneiros”, o que su-postamente legitimaria a violência física e simbólica do Estado. Mais doque isso, o enredo ocorre em um contexto no qual a prática autoritáriaainda se faz presente nas baionetas e no corpo armado dos soldados,

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resquícios de um passado bastante próximo da memória dos campone-ses, quando os movimentos sociais eram um caso de “polícia”. As acusa-ções nunca são aceitas, e as narrativas geralmente giram a realidade decabeça para baixo, invertendo os papéis de mocinho e bandido, giran-do o mundo ao seu favor, mostrando que por trás do estigma existe“gente boa”, “ordeira”, e que está em busca dos seus direitos.

O direito de “lutar por um pedaço de terra”

O povo vai pra cima, porque quer fugir, quer fazer alguma coisa,quer escapar de onde tá vindo o perigo. E o pobre do soldado se deumal... Ele atirou na mulher que vinha na frente, ele atirou e a mulhercaiu, aí não deu outra coisa, alguém pegou e fez o serviço no soldadovelho... Porque o objetivo do movimento sem-terra não é esse! Não étirar a vida de ninguém! Não é brigar com ninguém, ferir ninguém!Mas sim apenas adquirir o direito que tem de lutar por um pedaçode terra pra sobreviver. Existe tanta terra, só tá mal dividida... temgente que tem demais. A nossa população poderia estar bem melhorse a cada um lhe fosse dado os seus direitos... um bom pedaço deterra pra trabalhar, pra produzir! (Diário de Campo, v. 3, p. 97-98, 17/09/04. Entrevista com Justino)

A história de Justino retrata o episódio dramático da morte do soldadoValdeci, uma cena que nunca foi filmada ou fotografada e que contouapenas com a descrição das “testemunhas” que estavam presentes. Osmeios de comunicação, no entanto, não se abstiveram de construir asua própria versão imaginária sobre o acontecimento. O que se apre-sentou à sociedade brasileira foi o “episódio da degola”, o que remeteaos ares cruéis do extermínio frio e calculista de um assassino que pormeio de um ato “selvagem” tirou a vida de um soldado que cumpria oseu dever. A imagem transmitida pelos holofotes da mídia procuroutransformar agricultores sem-terra que protestavam contra o descaso eas promessas não cumpridas do governo em “assassinos violentos”. Essaprojeção da linguagem sobre a experiência não é nenhuma novidade,e certamente não é exclusividade dos jornalistas. Toda a narrativa estáimpregnada por um senso ético/estético que reflete uma determinadaposição política e moral. As narrativas têm como principal função aordenação simbólica da experiência histórica, tornando o tempo físicoem um tempo vivido e, portanto, um tempo humanizado. A guerra nãoé apenas física. O conflito não se reduz ao seu aspecto material. Por trás

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do teatro acabado existe sempre uma guerra de significação, de defini-ção das categorias sociais que dão sentido à realidade encenada.

O enredo da narrativa começa com a ação do soldado, que atira emuma mulher indefesa, gerando uma reação de alguém que “fez o servi-ço”, ou seja, cumpriu o seu dever de vingar a morte de uma compa-nheira. O acontecimento é percebido por ele como uma fatalidade, poiso verdadeiro objetivo dos sem-terra não é esse. Eles foram até à Praçada Matriz para lutar pelos seus direitos, ou seja, por um “pedaço deterra para sobreviver”. Afinal, existe terra para todos, só está mal dis-tribuída. Moral da história: a morte do soldado foi uma fatalidade doconflito, ocasionada pela ação do próprio soldado. Por outro lado,Justino faz questão de frisar que toda essa confusão representou umdesvio dos objetivos iniciais do movimento: lutar pelos seus direitos.

A versão de Justino transmite alguns valores que são compartilhadospelos demais assentados do 19 de Setembro, o que torna a sua narrati-va representativa: ele apresenta a morte do soldado como uma fatalida-de, ao mesmo tempo que reconhece os motivos que levaram “alguém” aagir desta maneira; a idéia de que a luta deles nunca foi por “violência”,muito menos foi “gratuita”, mas sim por direitos que eles acreditam queo ser humano tem: viver com dignidade, o que significa ter terra paraplantar e sustentar a sua família. As histórias que são contadas pelosassentados do 19 de Setembro seguem sempre a mesma lógica: a lutanão é por violência, mas por direitos. Os intérpretes que pressupõem aformação da consciência dos assentados pela resignação, supostamentecausada pela interiorização do estigma imposto pela ideologia da proprie-dade privada, atribuem aos assentados uma passividade diante dos pro-cessos de significação, condição não verificada entre os que integram o19 de Setembro. Lá, a história é outra. Os acontecimentos são reprodu-zidos para colocar ordem na experiência, dando um sentido diferencia-do à ação política, o que também significa combater a versão “oficial”das elites.

A MARCHA FINAL

Apesar do cansaço, se vislumbra um misto de esperança e força emcada um. Tem bebês, menores dos 6 aos 12 anos, que já sentem osefeitos da estafante batalha iniciada há cerca de um mês. Muitos estãodoentes, com infecções respiratórias, diarréias, desidratados pela fal-ta de alimentação e água, assim como têm dificuldades para conse-

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guirem local para tomar banho nas estradas percorridas e pernoita-das em barracas. Uma criança foi internada no Hospital de Camaquãe um adulto está no [hospital do] Livramento com infecção respirató-ria, urinária e desidratação, sendo que mais seis pessoas também es-tão doentes e sem cuidados médicos (Jornal “O Guaíba”, p. 6, outubrode 1991)

Após a ocupação da fazenda São Pedro, em abril de 1991, as famíliasque vivem no 19 de Setembro retornaram para o acampamento deBagé, onde aguardaram por alguns meses o cumprimento das promes-sas do governo. No entanto, conforme ocorreu outras vezes, eles foramnovamente abandonados. Foi então que resolveram fazer uma cami-nhada até Porto Alegre. Durante o percurso, os marchantes pararamnas cidades que encontraram pelo caminho, realizando atividades dedivulgação da sua luta. Uma dessas cidades foi Guaíba. Naquela época,eles não sabiam que a poucos quilômetros de onde ficaram acampadosestava a área que lhes seria concedida dois meses depois pelo governa-dor Collares. O trecho acima foi publicado pelo principal jornal da ci-dade e retrata a situação dos marchantes quando ali chegaram, dandouma certa ênfase às dificuldades vivenciadas após inúmeros dias decaminhada por rodovias do estado.

Chaves (2000) analisou a “Marcha Nacional por Reforma Agrária, Em-prego e Justiça”, realizada pelo MST, em 1997. Esse evento político foimarcado por uma caminhada que atravessou o território brasileiro, se-guindo itinerários diferentes rumo a Brasília. Na época, o acontecimen-to foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação. A partir des-se exemplo etnográfico, a autora argumenta que a marcha deve ser con-siderada como uma ação coletiva expressiva, que demarca uma esferaespecífica no curso da vida social, e que, portanto, pode ser abordadaenquanto um ritual político de longa duração. Segundo Chaves, é “atra-vés dessas ações coletivas, geralmente de forte impacto simbólico, que oMST constitui-se como sujeito político” (p. 24). O estudo dessa autorarevela a importância e o significado desses eventos no processo de cons-tituição simbólica dos sem-terra.

A Marcha até Porto Alegre, que ocorreu em abril de 1991, foi represen-tada pelos assentados do 19 de Setembro como um sacrifício necessáriona conquista dos seus sonhos. As histórias que retratam esse momentode suas vidas foram contadas durante a realização de uma outra mar-cha dos sem-terra, desta vez em direção à cidade de São Gabriel. Asnotícias sobre a “marcha dos companheiros”, publicadas nos principaismeios de comunicação do estado, forneceram aos assentados um con-

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texto que lhes permitiu fazer uma ruptura em direção às suas própriasvivências. A narrativa do assentado Riograndino é bastante significati-va, pois representa muito bem aquilo que também foi relatado por al-guns de seus companheiros:

Tem que ver o que era aquilo! [brilhos nos olhos; sorriso no rosto]Tinha dias que a gente chegava a fazer 25 quilômetros de marcha, enão importava se era abaixo de chuva, sol ou vento, a gente tinha quecontinuar andando. Homens, mulheres e crianças... tudo em fila, umatrás do outro. É claro, tinha um pessoal que ia na frente, que era opessoal encarregado de fazer a comida, armar e desarmar as barra-cas... Esse pessoal ia na frente, mas o resto ia tudo a pé mesmo. Olha,chegava no final do dia, os teus pés estavam em carne viva! No final,nem tinha mais como colocar sapato, pois eu não agüentava a dor! Ojeito foi andar de pé descalço mesmo, pois pelo menos assim aliviavaas feridas. Olha... aquilo ali é que era sofrimento. Mas no final, todoaquele sofrimento valeu a pena, pois a gente conquistou o nosso pe-daço de terra! (Diário de Campo, v. 2, p. 104, 21/10/02. Entrevista comRiograndino da Silva)

A história de Riograndino aborda temas presentes em outras narrativasque fazem referência ao mesmo episódio vivenciado pelo conjunto defamílias do 19 de Setembro. O cansaço ocasionado pela caminhada diá-ria, materializado no ferimento dos pés que já estavam em carne viva,representa o sofrimento ocasionado pelo deslocamento. Esse sofrimento,no entanto, como também fizeram questão de lembrar outros assenta-dos, “valeu a pena”, pois no final eles foram recompensados. Boa partedos assentados relacionou esse evento com a Romaria da Terra, mencio-nando que a jornada em busca de reconhecimento político só foi possí-vel devido à fé e à esperança dos marchantes, renovadas constantementepela “mística”3 do Movimento, fazendo-se presente nos “gritos de guer-ra”, nas encenações artísticas, poéticas e musicais recitadas durante alonga caminhada até Porto Alegre. Conforme costumam dizer os assen-tados, foi esta fé que os manteve na luta, única força capaz de renovar osonho, mesmo diante de tantas dificuldades.

A vitória final representada nas narrativas pela conquista da “terra pro-metida” também marcou o início de uma nova etapa da epopéia coleti-va: a colonização do “mato fechado”. A luta, desta forma, nunca temfim, e, conforme explicam alguns assentados, continua até os dias dehoje. As imagens do deslocamento no tempo e no espaço vivido emer-gem como um resultado de uma confluência entre a luta dos compa-

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nheiros no tempo presente, materializada na marcha em direção à cida-de de São Gabriel, e o tempo da vivência histórica, materializado nasimagens produzidas pela memória-imaginação, que reconstitui o tem-po vivido enquanto elemento de identificação política. Certamente, avivência histórica dos assentados, compartilhada com os seus compa-nheiros, bem como a experiência simbólica do sofrimento e da luta, mastambém do sonho e da esperança, permitem a ruptura da linearidadesuperficial do tempo cronológico, permitindo o estabelecimento de re-lações que perpassam perspectivas temporais diferenciadas, mas quepossuem, do ponto de vista simbólico, a mesma densidade. É esta confluên-cia de sentimentos, emoções e sentidos que levou um grupo de assenta-dos a se deslocar até São Gabriel, pois, segundo o que relataram, a lutadeles é a mesma do assentamento 19 de Setembro.

A POÉTICA DA EXPERIÊNCIA E A MEMÓRIA-IMAGINAÇÃO

Bachelard refuta a continuidade temporal apresentada por Bergson(1990) e propõe a tese de um tempo repleto de descontinuidades e rup-turas. Os eventos que são objetos da reflexão humana estão sempre cir-cundados “por um tempo em que nada se passa”. Seguir essa perspecti-va significa não falar em uma duração absoluta, mas nos diferentes ní-veis de densidade presente em uma pluralidade de dimensões temporais.Essa densidade tem sua origem nos momentos vividos pela alma, cons-tituída ela mesma por uma razão social que ultrapassa os limites doindivíduo. O homem recorda aquilo que lhe é significativo, mas cujosignificado é forjado no limiar de um tempo e de um espaço vivido emsociedade e, portanto, compartilhado (BACHELARD, 1994, p. 33-49).

Benjamim (1993), em seu clássico ensaio, “O Narrador”, refere-se a umaspecto fundamental do exercício narrativo: contar histórias é uma for-ma muito especial de dizer o que é significativo, de demonstrar, pormeio de exemplos, uma verdade constituída pela sabedoria dos valoreséticos e políticos. A arte de narrar ordena a realidade existencial cons-tituída na experiência histórica, fornecendo-lhe um sentido que revelao lado poético da vida. Nas palavras desse autor, a narrativa “mergulhaa coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim seimprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro naargila do vaso” (p. 209).

No lugar de uma memória “fragmentada” ou “dilacerada”, encontreino 19 de Setembro uma memória-imaginação, composição afetiva quereconhece o papel do “pensamento dramático na fixação de nossas re-

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cordações” (BACHELARD, 1994, p. 49). Nessa memória-imaginação,na qual outros autores percebem o registro monumental contrapostoao seu contrário, o esquecimento absoluto, tentei perceber a ação doimaginário na composição do tempo vivido, no qual até mesmo os silên-cios possuem significados, pois nos revelam o ritmo específico de umadensidade descontínua.

Os acontecimentos não se depositam ao longo de uma duração comoganhos diretos e naturais. Eles têm necessidade de ser ordenados numsistema artificial – sistema racional ou social – que lhes dê um sentidoe uma data (BACHELARD, 1994, p. 51).

Procurei mostrar que a memória dos fatos passados precisa do incenti-vo constante da vontade humana, que surge da sua interação com opresente concreto. As narrativas sobre a época do acampamento, in-cluindo aí as ocupações de terra e os conflitos com as forças policiais eruralistas, surgem em um contexto no qual a identidade política dosassentados está em jogo: uma conjuntura marcada pelas eleições e peloconflito agrário em São Gabriel. Portanto, não é a simples inquisição doquestionário ou da entrevista que mobiliza a memória. O cenário con-temporâneo abre caminho em direção ao passado reconstituído pelaimaginação presente, arte de composição narrativa que expressa umaidentidade social constituída na interação com outros agentes e voltadapara a construção de uma projeção do futuro no presente. Nessa pers-pectiva, a composição do cenário no qual ocorre a ação é tão importan-te quanto a representação dos personagens, pois é somente na“recontextualização” do discurso que se torna possível perceber a suafunção performática.

Conforme já afirmou Ricoeur (1994, p. 15), “o tempo torna-se tempohumano na medida em que está articulado de modo narrativo; em com-pensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traçosda experiência temporal”. A interpretação apresentada para as narrati-vas dos assentados do 19 de Setembro consiste em elucidar o contextodescritivo de ações específicas, o que remete ao sistema simbólico quefornece os elementos de significação das categorias utilizadas pelos nar-radores. Os acontecimentos narrados pelos assentados possuem comocenário as experiências históricas compartilhadas, o que permite afir-mar que a ordenação dos acontecimentos em uma história segue umalógica afetiva e social (DURAND, 1989, p. 245; HALBWACHS, 1990,p. 34-36).

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OS SIGNIFICADOS DA LUTA PELA TERRA:

RETRATOS DE UMA EPOPÉIA

As narrativas sobre a luta configuram-se num certo estilo dramático,também presente na performance corporal dos personagens-narrado-res, representação de uma corporalidade que remete à imagem dos guer-reiros. Está-se, assim, diante de um conjunto de experiências comparti-lhadas e, portanto, significativas. Essas experiências tomam vida nova-mente diante de cenários que permitem o estabelecimento e a reprodu-ção de sentimentos de pertença política, constituídos em interação his-tórica com os agentes externos, com o “outro” que chega em diversasformas, mas que permite a constância de uma duração construída poruma razão simbólica compartilhada.

Um cenário de dificuldades exige dos protagonistas uma luta constante,única estratégia de superação do sofrimento, que, em vez de provocarpassividade, purifica o espírito, permitindo a sua reprodução enquan-to força imaginária. Por intermédio de estratégias de superação, o pró-prio sofrimento torna-se fonte de redenção, o que remete a uma religio-sidade que tem na fé e na esperança a possibilidade de abertura de umoutro horizonte semântico.

Talvez seja necessário se questionar, assim como Otávio Velho (1995)fez em relação à categoria cativeiro, se é por “coincidência, ou meraanalogia, que essas noções são também bíblicas?” (p. 42). É a partirdeste questionamento que este autor propõe a “cultura bíblica” como“referência para pensar as experiências vividas” pelos grupos campo-neses. Como Velho faz questão de frisar, a intermediação de um “texto”que é anterior ao contexto nos permite atingir “o nível das crenças eatitudes profundas” (p. 16-17). Por outro lado, tendo em vista o casoespecífico analisado, torna-se fundamental mencionar as observaçõesde Carlos Steil, tendo em vista o seu estudo sobre as romarias em BomJesus da Lapa. Este autor, tendo como referência o texto de Velho (1995)e um outro de Pierre Sanchis (1994), propõe a noção de uma culturabíblico-católica, “onde as imagens e símbolos bíblicos aparecem sob amediação de uma visão católica que enfatiza o aspecto sacramental”(STEIL, 1996, p. 151). Os assentados do 19 de Setembro foram sociali-zados, desde muito cedo, no universo semântico do catolicismo popu-lar, expresso na simbologia das “Romarias da Terra”. Essa religiosidadepermite interpretar o sofrimento, a fé e a esperança na sua relação com um“transcendente” que está para além do contexto descrito nessas histó-rias.

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O catolicismo popular vigente entre os assentados é anterior ao seu in-gresso no MST, e foi renovado no trabalho dos agentes das Comunida-des Eclesiais de Base e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Essa rela-ção, por outro lado, foi reafirmada na simbologia presente nas mobili-zações políticas do movimento. A análise da cosmologia4 que anima suasmarchas e peregrinações revela a persistência de símbolos oriundos dateologia da libertação, na qual a figura do “Cristo Revolucionário” queluta ao lado do seu povo contra a opressão serve de referência para ossem-terra, que também buscam se libertar da opressão do latifúndio. Asimbologia que compõe a mística dos acampamentos, no caso analisado,continua presente no assentamento, sendo socializada entre os gruposfamiliares, que fazem questão de enviar representantes para apoiar aluta dos companheiros. Além disso, a religiosidade também é renovadanas festas que ocorrem em assentamentos da região e em bairros popu-lares da cidade de Guaíba. Estas festas começam com uma missa, quetermina com a celebração de uma mística, em que a terra, o trabalho e aluta são representados como fonte de renovação da esperança. Tambémnão se pode negar a presença desta simbologia no discurso político doslíderes do MST, repletos de expressões vinculadas a uma ética cristã,como a “busca da fraternidade”; a necessidade do “sacrifício” e da “es-perança” na conquista dos objetivos; a noção de “companheiro” (aqueleque compartilha o pão); e a “marcha do povo de Deus em direção àconquista da terra prometida”. Está-se diante, portanto, de uma apro-ximação entre o imaginário político e o imaginário religioso, processoque tem seu momento de maior expressividade performática nas mobi-lizações coletivas do movimento.

Martins (1986) já mencionou o papel do “milenarismo” político e reli-gioso nas lutas camponesas do Brasil, como é o caso de Canudos (1896-97), Contestado (1914-16) e Formoso (1950-60). Desta forma, ao se bus-car uma interpretação das categorias sociais estruturantes das narrati-vas dos assentados do 19 de Setembro, não se pode sobrepor as catego-rias cognitivas da ciência ao imaginário da crença popular, pois fazerisso significaria impor uma ordenação racional em um universo que sedefine a partir de um sentido emocional. Conforme argumenta RitaSegato, “pretender resolver a diferença significa cair no niilismodestrutivo”, pois a “poética do ato (Bachelard) deve permanecer ao ladodo sentido. Para isto, é necessário evitar que o modo analítico entreperversamente na vivência, matando-a” (1992, p. 132-133).

Uma outra versão da luta está presente na figura do herói que age combravura e coragem diante das dificuldades, vencendo internamente o medo,

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e externamente os obstáculos impostos pela ação dos inimigos. Todas ashistórias contadas pelos assentados giram em torno de uma série deações heróicas, assumindo o sentido de uma epopéia composta por umaseqüência de episódios dramáticos. Ao representar a si mesmos comoheróis, os assentados não se contentam com a simples descrição, masprocuram imaginar-se no passado, tendo em vista os valores e ideaisque fornecem consistência à sua existência no presente.

Ao mesmo tempo, também se pode inferir a existência de uma relaçãoentre a bravura e a coragem dos assentados do 19 de Setembro e umcerto ethos popular, conforme este tem sido definido por antropólogosque realizaram pesquisas em grupos populares. Sabe-se, ao certo, quea luta, do ponto de vista dos assentados, é uma representação do traba-lho cotidiano, do sofrimento do dia-a-dia, mas também da superação destesofrimento por meio de uma “ética do trabalho” (ZALUAR, 1994, p. 91).Essa perspectiva da luta também foi mencionada pelo trabalho deComerford (1999) sobre organizações camponesas. Fonseca, por outrolado, nos seus estudos realizados em bairros populares de Porto Ale-gre, percebeu na bravura um importante componente do prestígio mas-culino. A imagem de um homem corajoso, capaz de defender sua famíliados perigos da vida, o que também significa defendê-los de tudo aquiloque representa uma ameaça à sua imagem de homem provedor, é funda-mental no processo de constituição de uma imagem pública positiva(FONSECA, 2000). A representação simbólica da coragem por meio deuma expressão corporal que acompanha o ato de contar histórias sobreocupações de terra, compartilhada principalmente pelos homens, re-mete a uma honra masculina que se constitui na luta por um determina-do ideal humano de vida e sociedade, no qual a terra, o trabalho e afamília são elementos fundamentais.

Essas histórias são, portanto, retratos dinâmicos de uma epopéia coleti-va. A performance dos narradores expressa uma ética/estética comunitá-ria. Conforme já afirmou Comerford nos seus estudos sobre organiza-ções camponesas, “o discurso da ‘luta pela terra’ enfatiza o caráter ‘co-munitário’ do enfrentamento das dificuldades e a importância da união”(1999, p. 32). A luta do trabalho cotidiano, permeada pelo sofrimento epela exploração, é inserida em uma luta coletiva compartilhada com aque-les “companheiros” que vivenciaram as mesmas dificuldades, e que,portanto, compartilham uma identidade social forjada na luta, palavraque condensa as experiências históricas vivenciadas antes do ingressono Movimento, durante o período do acampamento e nos primeirosanos de assentamento. É no enfrentamento histórico com as forças ex-

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ternas que se constitui uma imagem de um “nós coletivo”5 que, no casoaqui analisado, traduz-se em uma visão épica sobre um “ideal” presen-te em um conjunto de representações compartilhadas: a bravura e aesperança, o sofrimento e a luta. Essas histórias sobre o tempo vivido noacampamento demonstram a capacidade dos assentados para realizaruma “bricolagem” entre elementos presentes em uma estrutura cultu-ral e simbólica que transcende o momento da vivência histórica e as“referências geográficas, históricas, estéticas e culturais” presentes nocontexto da luta, revelando a relação existente entre diacronia e sincronia(STEIL, 1996, p. 151).

ABSTRACT

In this paper, I develop a reflection about performance, narrative and socialmemory, having as reference an ethnography of a rural settlement locatedin the surroundings of Porto Alegre (RS). When analyzing the narrativesof the settlers about their past of political fights, I look for to understand therelationship between the present time and the images projected by memory.The initial argument is that the human experience gain sense only in thesymbolic ordination orchestrated by narrative. That ordination is directlyrelated with the time and the social space that the agent occupies in thepresent. Those histories are, therefore, dynamic pictures of an epic poemwhose sense is being always negotiated. Besides the present real fight in thedirect political struggles, in the deaths and conflicts of the field, also asymbolic fight exists around the categories of nomination of the social realitythat should be taken into account in the social studies about rural settlementsand Land Reform.Keywords: social memory; narrative; rural settlements; land reform.

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NOTAS

1 Este artigo é uma versão modificada do quinto capítulo da minha dissertação de mestrado: Narrativa Histó-rica, Etnografia e Reforma Agrária em um Assentamento Rural, UFRGS, 2005.

2 Para analisar a expressão corporal dos narradores, utilizo como principal referência as indicações apresen-tadas por Fonseca (2000), que cita “a linha de investigação aberta por Bauman sobre a etnografia deperformance em que o gênero estético da apresentação é inseparável do conteúdo objetivo” (p. 114).

3 “Nesse sentido, a luta política não difere da mística, pois é por ela motivada e constituída. [...] Bandeiras,cruz, velas, galhos retorcidos, frutos, flores, enxadas, sandálias havaianas, pratos, pedaços de lona: tudopode ser material para ela. Poesia é mística, música é mística, dança é mística. Mas a mística também é feitade atos, gestos, dramatizações: braços erguidos, punho fechado, mãos dadas, abraços e também mímica eencenações teatrais” (CHAVES, 2000, p. 84).

4 Tambiah esclarece que o caráter performativo do ritual está presente na relação entre forma e conteúdoque, segundo ele, está contido na noção de cosmologia, entendida como o corpo de concepções que enu-meram e classificam os fenômenos que compõem o universo como um todo ordenado, assim como asnormas e os processos que o governam (1985, p. 130).

5 “Este nós se refere a uma identidade (igualdade) que, efetivamente, nunca se verifica, mas que é umrecurso indispensável do nosso sistema de representações. [...] Acreditamos que este nós coletivo, estaidentidade ampla é invocada sempre que um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apaga-mento a que foi, historicamente, submetido” (Caiuby Novaes, 1993, p. 26).

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JAVIER LIFSCHITZ*

NEOCOMUNIDADES NO BRASIL:

UMA APROXIMAÇÂO ETNOGRÁFICA

Este artigo trata de uma dinâmica sociocultural quevem acontecendo em algumas comunidades tradicio-nais, como Machadinha, comunidade de descendentesde escravos localizada no município de Quissamã (nortedo estado do Rio de Janeiro). Historicamente esqueci-das pelo poder público e potencialmente sujeitas aodeclínio de seu patrimônio material e imaterial, essascomunidades estão sendo objeto de uma modalidade demodernização incomum: agentes da modernidade(ONG, mídia, etc.) participam ativamente na recons-trução de saberes e espaços comunitários, com o intuitode reproduzir no presente um “passado autêntico” pormeio de técnicas e dispositivos modernos. Designamosestes territórios de neocomunidades e sugerimos queestão situados em um lugar ambíguo entre a tradição ea modernidade, deslocando-se entre estes pólos, tensõese relações de mútua dependência.

Palavras-chave: comunidades tradicionais; culturapopular; tradição e modernidade

* Doutor em sociologia(IUPERJ) e professor asso-ciado do Centro de Ciên-cias Humanas da Univer-sidade Estadual do NorteFluminense.

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A luta entre tradição e a inovação, que é o principio de desenvolvi-mento interno da cultura das sociedades históricas, só pode pros-seguir através da vitória permanente da inovação. Mas a inovaçãona cultura só é sustentada pelo movimento histórico total que, aotomar consciência da sua totalidade, tende à superação de seuspróprios pressupostos naturais e vai no sentido da supressão detoda separação (A sociedade do espetáculo, Guy Debord).

NEOCOMUNIDADES: ETNOGRAFIA DA MACHADINHA

INTRODUÇÃO

Este artigo trata da dinâmica sociocultural que vem ocorrendo em algu-mas comunidades do Brasil e da América Latina. Comunidades comidentidades étnicas, históricas ou sociais distintivas, por longo tempoesquecidas, que vêm sendo visitadas, freqüentadas e pesquisadas porrepresentantes de ONGs, jornalistas, pesquisadores, políticos locais, tu-ristas e outros, gerando ambiências culturais sui generis, bem distintasdas comunidades isoladas que motivaram tantas etnografias antropoló-gicas. São comunidades que podem ser consideradas como um“antiobjeto”, do ponto de vista dos estudos de comunidade, que consi-deraram como principal atributo da vida comunitária ter uma comuni-cação interna densa e contatos externos superficiais e transitórios(BAUMAN, 2003).

Esse processo de aproximação entre agentes da modernidade e comu-nidades, também já tem sido observado por Canclini (2003) com rela-ção às novas formas de hibridismo na cultura popular na América Latina.Contudo, suas observações tinham como foco a interpenetração entrecultura popular, cultura de massas e mídia no que tange aos produtosda cultura ou bens culturais. Sua análise enfatiza a mistura da culturaerudita e de massas absorvendo a estética ou objetos da cultura populare esta introduzindo elementos da cultura erudita e de massas, tudo den-tro de uma lógica de mercado que obedecia ao princípio de “reconhe-cer as criações populares, mas não as pessoas que as criam”. O autorvisualizava a cultura popular como uma nova categoria de commoditiesinserida na lógica do sistema capitalista e voltada para o consumo, tantode pessoas insatisfeitas com o consumo industrial, quanto de turistasávidos por consumir ornamentos, cerimônias, símbolos e rituais.

A situação que tentamos descrever, e que categorizamos comoNeocomunidades é um outro momento desse processo. Os agentes da

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modernidade (ONGs, mídia etc.) não se limitam a absorver os objetosda cultura tradicional; penetram na estrutura da comunidade, porém,para “deixá-la como era”. Vão além da lógica dos objetos para entrarem uma nova lógica do território. Neste sentido, além de participar dofluxo de massificação de bens culturais, como previa Canclini, asneocomunidades são territórios de produção de “autenticidades” cultu-ralmente delimitadas. Nesta reprodução, em que está implicada a re-construção simbólica de territórios e saberes, também se redefinem asfronteiras entre o “dentro” e o “fora” da comunidade e de seus equiva-lentes culturais: a tradição e a modernidade.

Acreditamos que as neocomunidades estão situadas em um lugar ambí-guo entre a tradição e a modernidade, sendo esta ambigüidade sua pró-pria característica estrutural, pois estabelece entre esses pólos relaçõesde mútua dependência. Por um lado, as instituições externas, que re-presentam a modernidade, precisam da tradição comunitária paraviabilizar seus projetos e para gerar novos recursos vinculados aopatrimônio material e imaterial; por outro, a comunidade, que repre-senta a tradição, precisa dos agentes modernizadores para projetar seuvalor, tanto no sentido simbólico como no material. Contudo, esta mú-tua dependência não suprime a emergência de novas tensões e confli-tos, derivados da justaposição de práticas tradicionais e modernas.

O presente artigo baseia-se em pesquisa de campo realizada em umacomunidade de descendentes de escravos, localizada ao norte do estadodo Rio de Janeiro, que está atravessando por este tipo de dinâmicasociocultural em que agentes da modernidade operam processos de re-construção da cultura material e imaterial de territórios tradicionais. Afazenda de Machadinha, fundada em meados do século XVIII, atual-mente pertence ao Engenho Central de Quissamã. Suas terras conti-nuam sendo usadas no cultivo da cana-de-açúcar. O casarão e as antigassenzalas formam um conjunto arquitetônico tombado pelo INEPAC em1977. Nas 40 senzalas moram cerca de 150 pessoas, que mantêm densoslaços de parentesco (VOGAS, 2002) e possuem uma estrutura etáriabastante anômala, com concentração populacional nos extremos, ha-vendo um grande número de crianças e de pessoas com mais de 60anos. Avós e netos recriam uma geometria populacional descontínuaque contribui para a precarização social da comunidade, já que a maio-ria dos moradores adultos é composta por inativos, aposentados e pen-sionistas.

Esta contextualização social explica, em parte, o interesse da comunida-de por fontes alternativas de renda, principalmente nas atividades pro-

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movidas pela prefeitura no plano do turismo cultural. Entretanto, essasações, deflagradas pela instância política e vinculadas à reativação dopatrimônio imaterial local, vêm operar sobre a base da desestruturaçãode recursos simbólicos (esquecimento, fragmentação discursiva, dificul-dades de transmissão) da população mais idosa. Assim, nossa pesquisa,que pretendia aprofundar o conhecimento de saberes populares sobreo cotidiano da pesca, da religião, da culinária, da poética, da cura e dadança, acabou entrando nas fronteiras da “perda” de práticas e saberesda cultura popular que se vinham apagando da memória dos mais ve-lhos sem aparentemente deixar rastros nas novas gerações.

O DESVANECER DA COMUNIDADE

A situação social da comunidade reflete um perfil comunitário que, comoaponta Bauman (2003), tem ficado recalcado na visão das políticas depreservação do patrimônio cultural. Segundo um relatório sobre a situa-ção social dos moradores de Machadinha:

Em contraste com a precariedade das condições de vida da localida-

de, a baixa renda e a histórica exclusão social, a Comunidade de

Machadinha revelou-se, com base no levantamento realizado ano pas-

sado,1 bastante aferrada ao seu espaço e disposta à ação em prol do

seu bem-estar. A conclusão pode parecer estranha, face ao marasmo

hoje existente, sobretudo se levarmos em conta as dificuldades da

comunidade para a formação de grupos para o trabalho na lavoura

de cana, em regime de arrendamento-mutirão [...] e a completa ina-

ção diante da possibilidade da organização de uma horta comunitária

[...] O estranhamento se desfaz, contudo, quando levamos em conta a

total desarticulação comunitária, não obstante a existência formal de

uma associação para a localidade, e a clara preponderância de uma

ética individualista ou quando muito familiar no que tange à esfera

do social. Ou seja, as disposições individuais estão todas canalizadas

para a ação individual-familiar e nunca coletiva, o que, num contexto

de carências, significa a manutenção do atraso e das dificuldades [...].

(GARCIA, 2000)

O diagnóstico socioeconômico sobre Machadinha, apresentado acima, émarcado por conceitos como individualismo, desarticulação comunitá-ria e exclusão social e parece se contrapor àquelas características queTonnies (1995) identificou nas comunidades de lugar, uma vida em co-mum, partilhada e duradoura em que os indivíduos mantêm laços deconvivência desde o nascimento.

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Esses laços de convivência continuam existindo em Machadinha, embo-ra tenham existido ciclos de migrações, principalmente por motivos detrabalho, para outras regiões do estado e para outros estados. Grandeparte dos moradores está ainda inserida em redes de parentesco oriun-das do período escravocrata. Os moradores atuais, descendentes da ter-ceira e quarta geração, convergem em dois grandes troncos familiares epermanecem, até hoje, habitando as mesmas senzalas de seus ances-trais. Entre essas duas redes de parentesco abre-se um entrecruzamentode sobrenomes, que bem lembra o romance Cem anos de solidão, de GarciaMarques, recriando vínculos densos dentro da comunidade. Neste sen-tido, Machadinha continua seguindo a terminologia de Tonnies, umacomunidade de lugar.

Entretanto, o autor chama a atenção para uma outra dimensão da co-munidade, que denomina comunidade de espírito, definida não mais porvínculos de sangue, mas por vínculos imateriais que ligam os indivíduoscomo parte de uma mesma “unidade metafísica”. Nas palavras doautor, “espécie de laço invisível, um imperativo moral, uma reunião mís-tica animada por uma intuição e uma vontade criadora” (TONNIES,1995, p. 240). Este duplo aspecto da vida comunitária permite conside-rar situações paradoxais, em que a comunidade de lugar persiste en-quanto a comunidade de espírito desvanece. Em Machadinha, o desva-necimento da comunidade de espírito se expressa, por exemplo, noabandono ou declínio de expressões culturais locais como o tambor (dan-ça ritual) ou os terreiros de Umbanda. Expressões parciais de processosmais abrangentes de desestruturação dos recursos simbólicos que alte-raram essa matriz coletiva comunitária.

Em pesquisa realizada na região, em meados da década de 1980, oautor observara que “em Quissamã, os terreiros espalham-se pela Fre-guesia e seus arredores, nos bairros rurais e pequenos aglomerados decasas acompanhando ou não as sedes das fazendas” (MARCHORI, 1987,p. 134). Sobre Machadinha, aponta que foram identificados três mães-de-santo e um pai-de-santo e cinco terreiros. Quatro desses terreiroseram em casas destinadas especialmente ao culto de Umbanda. Os ter-reiros realizavam reuniões quinzenais que podiam ser especiais (paraalgum orixá em particular) ou gerais (em que tocava-se para todos osorixás). A situação que encontramos em nossa pesquisa, realizada 20anos depois, é bem diferente. Os moradores de Machadinha reconhe-cem dona Cheiro como a única praticante de Umbanda da região. So-bre a existência dos outros terreiros nos disseram que algumas pessoasmorreram ou migraram, e uma das “umbandista da antiga” converteu-se à Igreja Universal.

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Seu Carlinhos, líder comunitário de Machadinha, comenta que aos 20anos foi morar em São Paulo, mas nas férias sempre voltava para a fa-zenda. Ao longo desses anos, viu paulatinamente desaparecer algumasexpressões significativas da cultura popular do local como a procissãode Nossa Senhora do Patrocínio e o time de futebol da Machadinha,que chegou a ser campeão da região. Ao voltar definitivamente à fazen-da, tentou, com relativo êxito, reconstruir a festividade de Nossa Se-nhora do Patrocínio, buscando apoio na prefeitura, mas poucos se inte-ressaram por sua vocação – para recriar a “comunidade de espírito”vivenciada pelos mais velhos. Quadros socioculturais desse tipo suge-rem a seguinte questão: como contribuir para a reconstrução da culturacomunitária quando a comunidade tem atravessado processossocioeconômicos de desestruturação e de apatia simbólica (desinteresse,estranhamento etc.) que desorganizaram em diversos níveis a prática desaberes populares e o reconhecimento dos mesmos?

A questão não tem como único referente a comunidade de Machadinhaou as outras comunidades quilombolas. Ela de fato exprime o conjuntodas transformações de comunidades em um contexto de ressignificaçãohistórica em que existem novos interesses pela reconstrução cultural decomunidades tradicionais.

NEOCOMUNIDADES

O que motiva esse retorno às comunidades após tantas décadas de de-sinteresse por parte do poder político e econômico? As respostas sãomúltiplas e entrelaçadas. Alguns autores, como Terranova (2000), ar-gúem que o retorno é parte de uma nova experiência de política econô-mica que consistiria na criação de valor monetário a partir do conheci-mento, da cultura e da afetividade das comunidades, dando continui-dade ao argumento de Jameson, de que o capitalismo, após ter ultra-passado suas fases industrial e financeira, estaria atravessando sua fasecultural. Terranova visualiza a comunidade tradicional como o territó-rio em que estas revalorizações de capital se fariam efetivas.

Outros, como Yudice (2004), visualizam esse retorno como parte de umprocesso, denominado ONG-ização da cultura, em que grupos ativistassubalternos conseguiram, com a ajuda de organizações e fundações in-ternacionais, ver reconhecidas suas demandas por co-produzir identi-dades sociais, em um novo contexto no qual a cultura se transforma emrecurso para o desenvolvimento. Contudo, esse retorno não parece serpuramente instrumental. Como sugere Bauman, o retorno à comuni-

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dade envolve uma dimensão existencial, pautada fundamentalmentena procura pela segurança diante das incertezas da vida nas grandescidades: o que os indivíduos procuram na comunidade é uma garantiade certeza, segurança e proteção, as três qualidades que mais lhes fazemfalta nos afazeres da vida nas cidades (BAUMAN, 2003, p. 68). Além daspossíveis motivações, um dos aspectos que, a nosso ver, singulariza o“retorno” nas neocomunidades é que ele se realiza mediante um pro-cesso de reconstrução.

Uma das primeiras constatações da pesquisa de campo foi queMachadinha estava atravessando um processo de reconstrução da “co-munidade de espírito” operada por agentes da modernidade. De fato,estavam sendo geradas novas modalidades de reconstrução da culturalocal que tinham poucos antecedentes. As intervenções externas de an-tropólogos e folcloristas limitaram-se a registrar expressões da culturalocal, principalmente da dança como o fado1 e o tambor. Mas neste casoas intervenções iam além do registro. Algumas dessas instituições tenta-vam reconstituir saberes, práticas e rituais intervindo sobre as basesmateriais e organizativas da comunidade.2

O projeto Raízes do Sabor, desenvolvido por uma ONG, é um exemplodisto. O projeto tem por objetivo “recriar” a “comida típica” dos escra-vos. Partindo de uma bricolagem em que se combinavam algumas recei-tas simples lembradas por seu Carlinhos, neto de um dos antigos cozi-nheiros da casa-grande, com insight da responsável da ONG, incorpo-rando ingredientes e temperos da geografia local, atingiu-se um verda-deiro “repertório da gastronomia dos escravos”. As comidas que resul-taram dessa colagem cultural podem ser degustadas na própriaMachadinha em visitas de turismo cultural, festividade e eventos orga-nizados pela prefeitura. O projeto foi escolhido pela UNESCO comosendo um dos dez melhores do estado.

A forma como foi revitalizada a dança do fado também ilustra este novotipo de configuração cultural comunitária. Tradicionalmente, o fado eradançado pelos escravos em festividades ou no descanso do trabalho. Osdescendentes quase tinham abandonado a dança, que foi revitalizada apartir da década de 1980, quando a prefeitura passa a “investir” nacultura local, pagando diárias para que os moradores com conhecimen-to da dança possam participar de eventos. Um segundo momento desteprocesso acontece a partir da década de 1990, com a reconstituição es-tética da dança. A prefeitura manda confeccionar roupas “típicas” paraos participantes e contrata uma ONG para estilizar a dança, pensandono aumento das apresentações em público.

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Sugerimos que a confluência destas ações, em que agentes modernosoperam nas formas organizativas, materiais e simbólicas de uma comu-nidade tradicional para co-produzir a “comunidade tradicional”, cons-tituem neocomunidades. Sugerimos também que as neocomunidades si-tuam-se em um lugar ambíguo entre a tradição e a modernidade, sendoesta ambigüidade sua própria característica estrutural por estabelecerentre estes pólos relações de mútua dependência. Por um lado, as insti-tuições externas, que representam a modernidade, precisam da tradi-ção comunitária para viabilizar seus projetos e gerar novos recursos vin-culados à gestão do patrimônio material e imaterial e por outro, a co-munidade, que representa a tradição, precisa destas para projetar seuvalor, tanto no sentido simbólico como no material. Esta mútua depen-dência, entretanto, não suprime a emergência de tensões e conflitos denovo tipo, derivados da justaposição de práticas tradicionais e moder-nas. Como veremos a seguir, em Machadinha estas tensões geramimpasses quanto à transmissão de saberes entre gerações e potenciaisconflitos quanto à produção de narrativas sobre o mito de origem dacomunidade.

O INTERIOR E O PALCO

Seu Tídio tem 80 anos e é um dos mais antigos moradores daMachadinha. Sempre sorridente e aparentando excelente saúde come-çou a primeira entrevista dizendo que fazia “comidas tíficas”, troca deletras que provocou sorrisos dissimulados em toda a equipe de pesqui-sa. Atribuímos o erro a um defeito na pronúncia, mas logo percebemosque esse deslize somente acontecia quando pronunciava a palavra“tíficas”. Refletimos sobre esse incidente e concluímos que não se trata-va de um problema na fala. Esse tipo de erro é comum em crianças ouestrangeiros quando incorporam uma palavra nova ao seu vocabulário.Não familiarizados ainda com a palavra, a pronunciam de forma incor-reta. Talvez, este seja o caso de seu Tídio, ao incorporar essa palavra“nova” em seu vocabulário. De fato, os doces que seu Tídio faz há 50anos nunca foram chamados de “típicos” pelo seu avô, que lhe ensinoua fazê-los, nem por ele mesmo. Passaram a ser “típicos” apenas há al-guns anos, quando a prefeitura decidiu organizar eventos de “culináriatípica” em Machadinha para turistas e convidados. Existe agora umpúblico, o que constitui um fato “novo” para a cultura popular daMachadinha.

Tradicionalmente, essas expressões da cultura popular eram artes sempúblico já que os destinatários eram as próprias famílias, os moradores

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do local, e, no caso de algumas festividades, alguns moradores de re-giões vizinhas. Vejamos o caso dos “doces”. Eram feitos na panela debarro pelo avô de seu Tídio nos finais de semana para consumo dafamília e dos netos: “a panela era muito grande e sempre minha avódava doces para os vizinhos que adoravam”. Esse era seu “público”: “osvizinhos que adoravam”. A atividade era, portanto, endógena à famíliae à comunidade, como tantas outras expressões de sua cultura popular.

Além de ser endógena, uma outra característica dessa “arte popularsem público” era sua utilidade. Como bem assinala Bourdieu, uma ca-racterística marcante da cultura popular é que deve responder a umanecessidade, a uma utilidade prática, fundada nas próprias disposiçõesde classe que estabelecem uma continuidade entre a arte e a vida(BOURDIEU, 2002, p. 30, 51). Contrariamente, a estética culta é pau-tada na profunda separação entre estas necessidades práticas da vida ea disposição propriamente estética, sujeita ao habitus da estetização davida.3 Contudo, Bourdieu não acredita em uma arte popular autôno-ma, uma vez que esta se caracterizaria pela relação de subordinaçãocom respeito à arte erudita, que definiria, de fato, os verdadeiros crité-rios de valor estético. Este posicionamento, que tem merecido diversascríticas,4 conserva o mérito de ter colocado a utilidade como uma carac-terística da cultura popular. Entretanto, estamos acostumados a atribuirao termo utilidade um sentido unívoco, associado a ações como mani-pular, montar ou concertar. Contudo, pensando na perspectiva deTonnies, tal como existe comunidade de lugar e comunidade de espíri-to, a utilidade também pode estar inscrita em um registro emocional eem um registro funcional. A utilidade emocional diz respeito a saberesque preenchem uma insatisfação ou produzem satisfação.

Voltando a seu Tídio, seus doces tinham uma utilidade funcional den-tro dos padrões alimentares da comunidade, atrelados à autoproduçãode grande parte dos alimentos consumidos. Mas essa utilidade tambémcarrega uma forte dimensão emocional, derivada da experiência de li-bertação, doce e prazerosa, da comida de sobrevivência cotidiana. Umautilidade distintiva, apreciada pela família e por seus vizinhos, dentrode uma gastronomia de subsistência que não oferecia maiores varia-ções.

Dona Livina, uma das moradoras mais antigas de Machadinha, dá umoutro exemplo da utilidade de um saber popular que se inscreve emum registro limite entre o funcional e o emocional. Comenta que desdemuito nova aprendeu a colher ervas na região, que tinham utilidadesomente medicinal. Entretanto, sabemos que essas ervas também estão

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presentes nas religiões afro-brasileiras. Dona Cheiro, reconhecida pra-ticante de Umbanda da comunidade, vincula as ervas citadas à linha deOxossi, que representa o Caçador das Almas, o mestre que ensina adoutrina e seus principais guias e entidades que incorporam os Orixás.Portanto, esse saber sobre plantas possuía uma utilidade intrínseca, aeconomia ritual da comunidade, além de sua utilidade funcional para acura de doenças.

Outras expressões populares, como o fado, também possuíam uma uti-lidade na economia emocional da comunidade, visivelmente catárticas.Segundo seu Carlinhos, o fado dançava-se depois do trabalho, no des-canso, “para esquecer a dor” . Não era uma dança alegre como outras,diz, “era uma dança para esquecer o sofrimento”.

Portanto, podemos dizer que esses saberes sobre plantas, curas, reli-gião, culinária e outros tinham duas características distintivas: eramendógenos e serviam à economia emocional da comunidade. Hoje emdia, são poucas as pessoas que conservam esses saberes e a transmissãointergeracional parece interrompida por falta de interesse das novasgerações. Como reconhece o próprio seu Carlinhos, o hábito de assistirà TV nas horas vagas explica, em parte, este declínio, entretanto, sepensarmos do ponto de vista da utilidade, poderemos identificar outrastrajetórias possíveis.

Uma possível linha de interpretação para o declínio é a de que essessaberes perderam utilidade. Esses saberes já não parecem pertencer aouniverso de suas necessidades. Os doces, a dança, as ervas já não fazemparte do repertório de rituais, evasões ou sublimações do cotidiano quesatisfazem ou acalmam a dor psíquica. A pergunta então é: por queesses saberes ainda permanecem diante do fato de terem perdido suautilidade?

Uma resposta possível é que a utilidade mudou, adaptou-se ao novocontexto. Seu Tídio faz os doces por encomenda nos eventos culturaisorganizados pela prefeitura ou por uma ONG; as pessoas que partici-pam do grupo de dança de fado recebem diárias para se apresentar emeventos organizados pela prefeitura, e dona Maria da Glória continuarecolhendo essas três ervas para lojistas da Zona Sul do Rio de Janeiro.Podemos dizer que a utilidade foi transmutada para um uso mercantil.Esses saberes tornaram-se econômicos, mas sem ainda constituir umrecurso para a comunidade.

Portanto, pode-se dizer que as neocomunidades perpetuam os saberes dacomunidade em troca da mudança de sua utilidade emocional para a

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funcional. Entretanto, a troca de utilidades não se restringe a esse efei-to. Nesta nova economia da cultura, a utilidade também se desloca dointerior, de seu uso endógeno, para o exterior: o palco e o evento. Estessupõem um público que vem assistir aos eventos, apreciá-los e avaliá-los, o que implica uma nova gestão do espaço comunitário para a cons-trução real e imaginária dos palcos.

No Brasil, já os primeiros folcloristas chamavam a atenção para a im-portância que os palcos viriam a adquirir para a cultura popular. ParaEdison Carneiro, essa abertura para o palco se justificava pelo caráteremergencial que assumia a tarefa de preservação de algumas expres-sões populares (VILHENA, 1997, p. 188). Já nas neocomunidades, comoMachadinha, a transmutação de utilidades e a montagem de palcos éirreversível e expansiva, enquadrando-se em uma nova concepção decultura como um recurso (YUDICE, 2004) para gerar novas fontes derenda e desenvolvimento comunitário. Além destes possíveis benefícioseconômicos diretos, qual o significado do efeito-palco na cultura popu-lar de comunidades como Machadinha?

Desde o ano de 2005, a prefeitura contratou uma ONG para preparar ogrupo de fado para apresentações em público. A apresentação do gru-po no dia da Abolição foi talvez a mais “espetacularizada” de todas as járealizadas. O objetivo da prefeitura foi atrair investidores para a cons-trução de um centro de cultura de grande porte na comunidade, queabrigará uma sala para apresentações, um espaço para a venda de arte-sanato e um restaurante de comida típica. O grupo tinha sido organiza-do pela própria ONG a partir dos saberes de alguns moradores comodona Cheiro e seu Tídio. Também foram trazidos conhecimentos deoutras comunidades, como o Jongo da Serrinha, sobre o qual a ONGorganizou um grupo que realizou diversas apresentações, inclusive naEuropa. Surge, assim, o Jongo de Machadinha com aproximadamente30 componentes, três tambores e uma clivagem geracional significativa:do grupo fazem parte a antiga geração e um grupo de aproximadamen-te 15 adolescentes.

Dialogamos muito com o grupo em busca de significados desse “efeito-palco” na subjetividade dos moradores da comunidade e pudemosdimensionar a importância emocional do aplauso para uma comunida-de relegada, questionando nossas próprias idéias paternalistas sobre oque deve ou não mudar na cultura popular. Entretanto, havia uma ou-tra realidade do efeito-palco fora dos discursos que necessita de umabreve reflexão histórica para ser evidenciada. O jongo veio da regiãoafricana do Congo-Angola com os negros de origem banto, trazidos como

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escravos para o trabalho nas fazendas de café e açúcar do Vale do Paraíba,no interior dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Ossenhores permitiam que seus escravos dançassem jongo nos dias dossantos católicos, mas a dança esconde uma intencionalidade religiosacondensada nos “pontos de jongo” e controlada pelos mais velhos, queeram os únicos a participar da roda.

O jongo era cantado por um poeta-feiticeiro que improvisava frasescurtas – pontos de jongo – com som gutural, misturando portuguêscom palavras de origem banto, criando uma linguagem cifrada e enig-mática destinada à louvação, ao divertimento, ao desafio ou ao feitiço.Assim, os escravos se comunicavam por mensagens cujo significado nãoera compreendido pelo branco. Quando o jongueiro queria “tirar ou-tro ponto”, colocava suas mãos no couro dos tambores interrompendoa dança e fazendo calar os tambores. No grupo de jongo de Machadinha,os velhos mantinham um elo com essa tradição visível nos rostos, pre-servando os mesmos ritos do fado: sério, contido, compenetrado. En-tretanto, olhando para os adolescentes, percebe-se um outro registrosubjetivo: seus passos eram soltos, alegres, acompanhados de sorrisostímidos e eloqüentes. Percebíamos, no mesmo jongo, duas subjetivida-des atravessadas por um corte geracional. Chegamos, assim, ao outrosignificado desse efeito na subjetividade dos moradores da Machadinha.Observando os pés nus de dona Cheiro sobre o chão de terra estavasendo revivida a tensão mutuamente reconhecida e resguardada entrenegros e brancos. Nós éramos brancos humanistas, relativistas,igualitaristas e etnógrafos, observando atentos uma dança que não sabía-mos se era de paz ou de guerra. Se era para brincar, de rua ou parachamar entidades. Entre brancos e negros, existia a tensão resguardadano olhar e no gesto dos velhos, um sentimento que aprenderam comseus avós e seus pais sendo dançado.

Hoje esses adolescentes estão interessados em participar do grupo. Atrai-lhes o público e o reconhecimento, mas é difícil ver um elo que os vincu-le ao jongo dos velhos. Em parte, porque a forma de transmissão temmudado. Os adolescentes “ensaiam” com mediadores uma técnica mo-derna que não precisa de biografias e histórias. Nas neocomunidades,esses elos subjetivos são substituídos pelo “ensaio” e pelo “palco”, queoperam como dispositivos técnicos para a “espetacularização” da cultu-ra popular. A transmissão deixa de estar pautada em vínculos subjetivospara exigir compromissos de ensaio, visando atingir a beleza da formaexigida pelo palco, o que implica superar as “falhas emocionais” e astécnicas rudimentares que militam contra uma boa “posta em cena”.

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Como garantir a continuidade na transmissão da tradição entre gera-ções? As neocomunidades problematizam esse vínculo entre tradições esolidariedade social porque recriam as primeiras, sem criar as condi-ções para que essa transmissão entre gerações possa ser reproduzida.Nas comunidades, os responsáveis pelo processo de transmissão das tra-dições eram as pessoas mais idosas, não apenas porque viveram astradições em épocas mais distantes, mas porque não tinham tempo dis-ponível para reconstruir aspectos de seus costumes na interação com osoutros e transmiti-los aos jovens. A “integridade” da tradição, como ob-serva Giddens (2001), não deriva do simples fato de persistir no tempo,mas desse trabalho contínuo de interpretação e transmissão realizadopelos mais velhos, estabelecendo a mediação entre o passado e o pre-sente. Nas neocomunidades, as pessoas mais idosas continuam sendo amemória das tradições, entretanto, o trabalho de interpretação e trans-missão das tradições vem sendo substituído pelo ensaio e palco. Parareconstruir-se a solidariedade social entre gerações ou a comunidadede espírito da qual falava Tonnies, haveria de mobilizar-se um trabalhode aproximação entre gerações e recomposição de fragmentos da me-mória coletiva cujas raízes afetivas não germinam em qualquer territó-rio.

MITO DA ORIGEM

Recentemente foi lançado um filme brasileiro intitulado Narradores deJavé. O filme narra a história de uma comunidade que sofre a ameaçade ser submersa em virtude da construção de uma barragem. As lide-ranças locais mobilizam-se para tentar evitar o desaparecimento do po-voado e, por sugestão de um político de Brasília, acabam encontrandouma saída um tanto insólita: conseguir que o lugar seja tombado comopatrimônio cultural. Para conseguir esse objetivo redentor, torna-se ne-cessário reconstruir a memória histórica da comunidade, tarefa que acabaenvolvendo todos os moradores na procura de uma narrativa única everídica. O filme trata das dificuldades e vazios nessa tarefa de recons-trução simbólica .

O carteiro, personagem bizarro da cidade, é escolhido para escreveressa memória. Munido de um grande caderno em branco, que lembraum velho livro ancestral, sai pelas ruas da cidade à procura de históriassobre a origem da cidade. Buscava-se um relato épico sobre homens,mulheres e acontecimentos reconhecidamente importantes na trajetó-ria da comunidade, porém, logo no início, o carteiro depara-se com umemaranhado de narrativas confusas e contraditórias. Ficções e “verda-

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des”, pretensamente irrefutáveis, confundem-se a ponto de diluir qual-quer expectativa de desvendar um mito de origem coletiva. Assim, ogrande caderno, destinado a registrar de forma indelével as memóriasvivas que garantiriam o êxito da ação, acaba não sendo preenchido. Omito da origem fica em branco, não pela amnésia dos moradores, maspor um excesso de sentidos que impede o início da escrita.

Finalmente, quando acaba o prazo estabelecido pelas autoridades paraavaliar as chances de tombamento, a barragem é construída ante o olharimpávido dos moradores, e a cidade é engolida pelas águas. Contudo, ahistória não acaba aí. Será a partir desse fim, dessa perda inaudita, queos moradores identificam as possibilidades de uma narrativa coletiva.Com o reconhecimento das muitas vozes de um mesmo relato sobre aorigem da cidade e a aceitação dessa polifonia de sentidos, a escritapôde ser consumada, entretanto, o gesto épico teve seu sentido altera-do. A escrita coletiva sobre o mito de origem da comunidade não ossalvou da barragem, mas sim da inundação identitária da comunidade,uma vez que lhes permitiu conquistar a energia coletiva suficiente parafundar uma outra cidade.

Embora as ameaças e as tentativas de salvação possam ser outras, estahistória se atualiza em muitas comunidades do interior que se incorpo-ram ao patrimônio cultural ou que ingressaram nos roteiros de turismocultural. Trata-se de pequenas comunidades que viveram por décadasesquecidas pelo poder público e submersas em seus esforços de sobrevi-vência, sendo “redescobertas” como patrimônios culturais. Entretanto,para que isso aconteça, para que ruas e moradores anônimos possamtransformar-se em testemunhas do passado histórico e da tradição, deveexistir, como mostra o filme, um mito de origem. Sem origem mítica,não podem existir como patrimônio.

Em Machadinha, a prefeitura vem realizando diversas ações para con-solidar esse patrimônio histórico do ponto de vista arquitetônico. Jáquanto ao mito da origem, ele parece ser tão escorregadio como o dofilme. É uma comunidade de origem escravocrata, mas nas entrevistasencontramos poucas referências a esse respeito. Neste sentido, chamounossa atenção o fato de que, embora seja uma das poucas comunidadesno Brasil de descendentes de escravos que ainda habitam as senzalas,nas entrevistas ouvimos poucas referências à escravidão. Mas o que osdescendentes negam em seus mitos de origem não é a escravidão comofato histórico, mas a escravidão como fato existencial: negam a dor. Emcontrapartida, seu mito de origem é benevolente. Muitas das narrativas

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perpassam por personagens aristocráticos: os sete Capitães, o Barão deUruraí, João Carneiro da Silva, os sucessivos Viscondes e outros.

Seu Carlinhos, que nasceu em Machadinha, lembra que a igrejinha lo-cal foi construída pelos antigos proprietários da fazenda, para ser fre-qüentada pelos escravos. Para seu Carlinhos, fatos como este compro-vam “que em Machadinha era diferente a outros lugares em que mal-tratavam os escravos. As festas donde se dançava fado eram assistidaspelo senhor da fazenda. Isso não acontecia em outras fazendas onde asfestas populares eram proibidas. Era um senhor bom” – conclui seuCarlinhos, citando a fala de seu avô, que tinha sido cozinheiro da casa-grande.

Este mito da origem, atualizado por seu Carlinhos, transita no imaginá-rio da comunidade, embora seja difícil identificar de qual senhor se tra-tava. O dono da fazenda, do qual falava seu avô, talvez não fosse o mes-mo da infância de seu Carlinhos, mas essa referência a uma quase ir-mandade entre escravos e senhores parece perpassar por todos os se-nhores que passaram pela casa-grande, desde João Carneiro da Silva,primeiro morador da casa, até o Visconde de Uruarí, seu último mora-dor.

Em 1877, o engenho da fazenda é desativado. Devido à morte do Vis-conde, em 1917, a fazenda é herdada por sua filha Ana Francisca deQueirós Matoso, que morou nela até sua morte em 1924. Na década de1970, a casa é fechada definitivamente e declarada patrimônio históri-co, contudo a presença de Ana Francisca de Queirós Matoso ainda se fazsentir na casa onde moram suas bisnetas, hoje com mais de 80 anos. Umimponente quadro de dona Francisca é a primeira imagem que o visi-tante vê quando dona Gisele abre os pórticos de sua casa que foi recen-temente pintada e restaurada para algumas cenas do filme O coronel e olobisomem, um clássico da literatura regional.

Como se estivessem revivendo uma situação acontecida dois séculos atrás,as duas irmãs descendentes dos fundadores da casa-grande me convi-daram para sentar a uma grande mesa de madeira de lei para tomarchá à moda antiga. O mobiliário foi, em grande parte, trazido da fazen-da Machadinha, inclusive algumas louças que permanecem guardadasatrás da vitrine de um grande armário. Dona Gisele assumiu o compro-misso sentimental de manter viva a memória dos Carneiro da Silva. Épresidente de uma fundação que cuida do patrimônio da Casa de Matode Pipa, primeira residência da família Carneiro da Silva, e participacomo palestrante ou convidada em eventos culturais “para manter viva

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a memória dos Carneiro da Silva. Nossa família que ainda continua nopoder”. Dessa memória, um dos trechos mais resguardados é o mito dosenhor bom: “Nos dias da abolição, as pessoas andavam pelas estradasperdidas; em farrapos; sem comida e sem saber onde ir... perdidas nomundo. Mas aqui (a Machadinha) não aconteceu. Aqui ninguém foiembora. Todos os que eram escravos ficaram... Por quê?”

Conforme Cunha (1985), em sua pesquisa sobre os escravos libertos,existiu, por parte dos antigos escravos, um consenso em permaneceremnas fazendas como agregados. Contudo, em algumas regiões, como noVale do Paraíba, a nova situação de libertos teria gerado conflitosendêmicos com os senhores de engenho pela propriedade ou possessãoda terra. Contudo, o mito do “senhor bom” era uma representação do-minante na região e chegava até a provocar sentimentos de estranhezaou comentários irônicos nos viajantes estrangeiros. Entretanto, não sepode deixar de considerar as próprias diferenças entre os senhores, queficam encobertas na construção necessariamente homogeneizadora detoda figura histórica. Como apontava Durkheim (1981), devemos consi-derar o mito como um relato coletivo, que obedece às necessidades eestados afetivos que não são exclusivos de um tempo e lugar. Por isso,uma mesma narrativa pode estar presente em lugares diferentes ou rea-parecer em tempos não lineares, como no caso do mito em questão, quetambém esteve presente durante a dominação européia da África. Emseu estudo sobre a colonização européia do sul da África, durante asúltimas décadas do século XIX, Ranger (2002) observa que para os eu-ropeus “a imagem predileta de sua relação com os africanos era a desenhor paternal e servo fiel” (p. 231).

Esta convergência entre senhores e escravos, quanto ao mito de origem,não deixa de ser enigmática. De fato, para aprofundar esse enigma, eranecessária uma reconstrução simbólica do espaço físico da FazendaMachadinha. Em uma das linhas de senzalas moram os descendentesdas pessoas que trabalhavam na casa-grande, como o avô de seuCarlinhos, enquanto nas outras duas linhas moram os descendentes dosque trabalhavam na lavoura. De fato, esse mito de origem aristocráticatransitava entre os moradores dessa primeira linha de senzalas. Nasoutras, emergia um outro mito de origem, muito mais obscuro e frag-mentário: “Aqui foi terra de escravos”, diz dona Cheiro, “como meuavô, que trabalhava na lavoura.”

Em poucas palavras, ela tenta expressar mais um sentimento que cons-truir uma narrativa. No lugar da fala, grandes espaços de silêncio: “Meu

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avô era quem contava. Aqui, os escravos levavam chicotada. Era muitoduro.”

Depois de um novo e prolongado silêncio, comenta que é católica esomente após vários rodeios reconhece que também pratica a umbanda.Dona Cheiro já havia concedido diversas entrevistas quando, finalmen-te, percebi que estava diante de um outro mito, o da vivência do sobre-natural, que também ia além de Machadinha. Mito este que dificultavaa construção da narrativa. Indaguei sobre esta impossibilidade de racio-nalizar este mito de origem e percebi que nele não existiam nomesemblemáticos ou datas significativas. Não havia referências a figurasequivalentes a Barões ou Viscondes, o que dificultava a construção deuma trama. Percebi que se tratava de um outro tipo de construção, quelidava com sentimentos diretos. Dona Cheiro passava, sem maiores tran-sições, do sentimento da dor do chicote à sua experiência do sobrenatu-ral. O mito era construído com referência aos sentimentos, em tornodos quais existiam alguns relatos e fatos, que negavam o mito do “se-nhor bom”, em que as situações e os fatos adquiriam proeminência.

Deste corpus emocional participam também seu Tídio, quando lembra,logo no início da primeira entrevista, que sua avó negra, no leito demorte, movimentava seu corpo nos pontos do jongo, e dona Iris, antigaparteira, quando afirma que em cada parto que fazia sentia que traziaum anjo entre as mãos. Leandro, jovem de 30 anos, com grande voca-ção artística, é um dos poucos que incorpora algumas figuras legendáriascomo Tobias, feitor que teria sido enforcado por “não ter entregue parao senhor o nome dos escravos preguiçosos”. Mas na arena do sentimen-to existe ainda algo recalcado que é trazido à tona com asneocomunidades. Como sugere Mello e Souza (1987), em seu estudosobre feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial, a relação en-tre feitiçaria e castigo aparece já nos primeiros tempos da colonização.Numa sociedade escravista em que a tensão entre senhores e escravossempre estava presente, “a magia maléfica ou feitiçaria – diz a autora –tornou-se uma necessidade”. Por intermédio dela os escravos buscavam,ora preservar a integridade física, ora provocar malefícios a eventuaisinimigos. Tinham, portanto, uma função dupla: “ofensiva, visando agre-dir e defensiva, visando preservar, conservar” (MELLO E SOUZA, 1987,p. 194). Por isso, os senhores buscavam precaver-se do potencial mágicodos escravos, e o temor durou tanto quanto o escravismo.

Em Machadinha, esse potencial mágico pode-se estender a diversas ex-pressões culturais. O jongo, por exemplo, tem sido muito estudado emseus aspectos musicais e religiosos, entretanto, quando se trata de estudá-

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lo como instrumento de luta ou de demonização ocorre o contrário.Uma das responsáveis pela organização do grupo de Machadinha paraapresentações no palco comentou que não incluiu algumas músicas norepertório por considerá-las provocativas. Segundo seu Gilson, tais mú-sicas eram cantadas no canavial; ele lembra ainda que existiamoutras que eram usadas entre grupos de cortadores que competiam entresi. Dona Cheiro afirma que existem dois tipos de jongo: o jongo de rua,dançado pelo grupo nas apresentações, e o “outro” dentro da casa, to-cando o tabaque, que provavelmente remete a esses poderes mágicos.Quando indagada acerca desses poderes mágicos, dona Cheiro respon-de com uma frase enigmática: “Essa figueira que está aí [refere-se àfigueira que está na entrada da Machadinha] é a figueira do mal. Aí éonde foi morto o cabrito.”

Embora as figuras do senhor e do escravo não mais existam, o conteúdodesse outro mito está em oposição ao mito do senhor bom, o que nosreconduz ao argumento do filme Narradores de Javé: a impossibilidadede reconstruir um único mito de origem da comunidade. A existênciade mitos opostos em uma mesma comunidade pode não afetar seu con-vívio. Como observaram Durkheim (1981) e Turner (2005), nas socie-dades tradicionais, a convivência de opostos é uma possibilidade tantono plano morfológico como no representacional.

Entretanto, nas neocomunidades a situação pode ser mais complexa.Na fase de mercantilização da cultura popular, o consumidor, de certaforma, está protegido dos dilemas morais: afinal, ninguém se perguntase a cesta artesanal que está comprando foi feita por mão-de-obra escra-va ou por crianças exploradas. Na visita ao território, os dilemas podemestar mais visíveis. Como garantir a harmonia moral que possibilite aoturista cultural uma contemplação serena? Para o poder público, umadas questões com relação às neocomunidades é como diluir esses dile-mas.

Em Machadinha, como em outras neocomunidades, esses dilemas sedeslocam para campos às vezes imprevisíveis. Na localidade, diversasações de preservação do patrimônio arquitetônico vêm sendo promovi-das pela prefeitura. Essas ações tiveram início com a casa-grande e hojeestão sendo projetadas para as senzalas. Contudo, essas ações não estãoisentas de implicações para a comunidade, inclusive quanto ao mito deorigem. Quanto à casa-grande, seu Carlinhos sintetiza com ironia a rea-ção da comunidade: “Permaneceu por séculos em pé, aí, quando resol-veram tombá-la, a casa caiu.”

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Com relação às senzalas, a situação é diferente da casa-grande, pois elaspermanecem em pé. Os moradores somente realizaram pequenas re-formas. Ampliaram as janelas, que eram muito pequenas, construírambanheiros, que não existiam no conjunto original, nos fundos, e muda-ram algumas telhas para evitar o alagamento das casas. As telhas, emparticular, são um patrimônio muito valorizado pelos moradores por-que “foram feitas nas coxas das escravas”.

Quando a prefeitura iniciou as obras de preservação das senzalas, solici-tou a intervenção do IPHAN, que elaborou um relatório exaustivo su-gerindo algumas ações de preservação. Alguns moradores declararam-se indignados com a possibilidade de terem de destruir seus banheirosou abandonar as conquistas tecnológicas do mundo moderno, contudo,até agora, o relatório não gerou nenhuma conseqüência prática. Asdúvidas ressurgiram quando a prefeitura iniciou as obras de construçãode um novo conjunto de casas, em paralelo às senzalas. Essas casas ten-tam reproduzir algumas características das antigas moradias dos escra-vos, como o uso de madeira nos acabamentos externos, a disposição dasjanelas e a cor do reboco das paredes. As casas quase duplicam o tama-nho das senzalas e possuem, ainda, uma pequena área externa, contu-do, os moradores das senzalas se negam a deixá-las: “Dizem que a gentevai morar lá enquanto consertam nossas casas e depois volta. Só assim,porque a gente daqui não sai” (seu Carlinhos).

Por que se negam a ir para um lugar melhor? Um visitante desavisadopoderia fazer esta pergunta. Visitamos várias secretarias da prefeitura eobservamos que o debate é latente. De um lado, temos os “moder-nizadores” que acham que os moradores não deveriam voltar para assenzalas, que seriam restauradas para a visitação turística. De outro es-tão os “preservacionistas” que defendem a idéia de que os moradoresvoltem para as senzalas, após serem restauradas, mas têm dúvidas sobreo que fazer com as casas novas.

“Daqui não saímos.” Cada vez que retorno de Machadinha tal frase per-manece em minha mente, por isso escrevi espontaneamente algumaslinhas que, a meu ver, transcrevem a fala escondida desse outro mito:“Daqui não saímos porque nestas senzalas está nossa dor. Daqui nãosaímos porque nosso mito não está construído com palavras, mas comtelhas feitas nas coxas das escravas.”

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ABSTRACT

This article deals with social dynamic processes ocurring in some traditionalcommunities, like Machadinha, hailed from slaves descendants and locatedin the municipality of Quissamã, in the north of the state of Rio de Janeiro.Historically forgotten by the public powers and doomed to the failure of itsmaterial and immaterial patrimony, these communities are being studiedand sustained by different agencies of modernization (Non GovernamentalOrganizations Midia, etc.) who earnestly participate in reconstructing thecommunitarian knowledge and its spaces, trying to reproduce in the presenttheir “authentic past” through modern methods and techniques. Wedenominate these territories “new communities” and suggest that they arein an ambiguous situation between the tradition and modernization,oscillating within these two poles of tensions and relations of mutualdependency.

Keywords: traditional communities; popular culture; tradition andmodernization

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NOTAS

1 Dança ritual de origem africana que não possui similitudes formais com o fado português, embora algunspesquisadores, como Câmara Cascudo, lhe atribuam uma mesma origem africana transformada no con-texto europeu e colonial.

2 Dentre estas reconstruções, podemos incluir as ficcionais: Machadinha também foi palco para a filmagemde Maria, filha de Deus, protagonizada pelo midiático padre Marcelo. No filme, Machadinha transformou-sena cidade de Belém, com suas ruas de terra sendo transitadas por figurantes vestidos de romanos, e assenzalas, como ambiente de trabalho de José, o carpinteiro.

3 “A burguesia precisa de âmbitos separados das urgências da vida prática, onde os objetos estéticos sejamorganizados – como os museus – para suas afinidades estilísticas e não por sua utilidade” (BOURDIEU,2002, p. 117).

4 Segundo Canclini (2003), por exemplo, a perspectiva de Bourdieu não ajuda a entender o que ocorrequando os espaços das elites se massificam e se misturam com os populares.

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ANGELA GANEM*

INÊS PATRÍCIO**

MARIA MALTA***

LIBERDADE E RIQUEZA:

A ORIGEM FILOSÓFICA E POLÍTICA

DO PENSAMENTO ECONÔMICO.

O trabalho procura mostrar de que maneira conceitoscomo liberdade e riqueza se articulam nas obras de al-guns autores clássicos, tais como Smith e Steuart, econtemporâneos da economia (Marx, Keynes e Hayek),tendo como base uma concepção de ordem econômica ede sociedade articulada com a política. O objetivo dotexto é propor um campo teórico comum à política e àeconomia a partir de uma matriz bipartida: de um lado,apresenta-se uma matriz alicerçada no conceito clássi-co de ordem natural e seus fundamentos liberais; deoutro, temos uma matriz que tem como base acentralidade do Estado na ordenação da sociedade eda produção capitalistas.

Palavras-chave: riqueza; liberdade; ordem social;ordem econômica

* Doutora em Economia pelaUniversidade de Paris eprofessora da UFF.

** Doutora em Ciência Políti-ca pelo IUPERJ e profes-sora da UFF.

*** Doutora em Economia pelaUFF e professora da UFRJ.

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INTRODUÇÃO

Com este trabalho mostraremos de que forma conceitos como liberda-de e riqueza se conjugam nas obras de alguns autores clássicos e con-temporâneos da economia tendo como base uma concepção de ordemeconômica e de sociedade articulada com a política. Objetivamos pro-por um campo teórico comum à política e à economia com base em umamatriz bipartida: de um lado alicerçada no conceito clássico de ordemnatural e seus fundamentos liberais; de outro, baseada numa centralidadedo Estado na ordenação da sociedade e da produção capitalistas.

No primeiro movimento do texto trataremos, de um ponto de vista crí-tico-filosófico, da importância crucial da liberdade individual para aexplicação da ordem social do mercado nas visões de Adam Smith e F.A. Hayek. Tomamos Adam Smith como a matriz da ordem social domercado e assinalamos em Hayek sua herança smithiana do mercadocomo ordem espontânea. Neste intento, desenvolvemos o argumentode que a liberdade individual e sua resultante, as regras da concorrên-cia escolhidas, servem como fundamento reafirmativo para sua teoriade autodesenvolvimento do mercado, ou a idéia do mercado como aúnica forma possível de organização e de produção de riqueza para associedades contemporâneas.

O segundo movimento trata da articulação entre os conceitos de liber-dade e riqueza no contexto do que pretendemos definir como a matrizdo pensamento heterodoxo no campo da economia. Marx e Steuart,nossos autores de referência para o desenvolvimento deste argumento,possuem influência política quase antagônica, porém são capazes de for-mular um conceito de ordem social e econômica que nega o naturalis-mo da ordem liberal. Trabalha-se, então, os conceitos de liberdade eriqueza naqueles autores, de onde se conclui que pensar a ordem sociale econômica como algo institucional e historicamente constituído, a partirde elementos de escolha social fundamentalmente não naturais, explicaa preocupação com o desenvolvimento (ou superação) econômico (a) esocial em seu pensamento. O terceiro e último movimento dá conta dacrítica de Keynes ao ideário do laissez-faire e mostra de que maneiraKeynes concebe a liberdade como o resultado de uma ordem capitalistaestável, na qual as flutuações da riqueza e a imprevisibilidade possamser atenuadas por intermédio da intervenção dos governos.

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LIBERDADE E RIQUEZA EM SMITH E HAYEK

Adam Smith (1723-1790), considerado uma das grandes figuras damodernidade e pai da economia política, apresenta uma solução para aexplicação da ordem social que se traduziu para a história das idéiascomo a matriz da ordem liberal. Sua solução de uma ordem que emergedo mercado substitui a noção de contrato e desloca as disciplinas irmãsda explicação de uma lógica para os fenômenos coletivos: “foi pensandoa sociedade como mercado que Adam Smith revolucionou o mundo”(ROSANVALLON, 1979). Só é possível entender a força da sua soluçãodiante da solução dos filósofos contratualistas (Hobbes, Rousseau e Locke)se o considerarmos como um dos grandes pensadores da modernidade,figurando entre aqueles que aceitaram um dos maiores desafios teóri-cos da filosofia política: explicar a emergência e a regulação da ordemrecorrendo única e exclusivamente à imponderável e complexa açãodos indivíduos. Tratava-se de explicar a lógica dos fenômenos coletivosa partir de uma démarche individual dispensando, definitivamente, aexplicação divina. Os interesses dos indivíduos, exercício puro de sualiberdade de escolha, em vez de se chocarem induzindo à guerrahobbesiana ou à paz instável lockiana, são agraciados por uma mão in-visível que os orienta para o bem-estar coletivo. Essa ordem espontânea– que é o mercado – é um mecanismo natural que age livremente eengendra naturalmente o bem-estar e a riqueza. O ponto de partidadesta solução de uma ordem espontânea (que é, ao mesmo tempo, pro-dutora de justiça e de riqueza) é a ação de indivíduos interessados nopuro exercício de sua liberdade individual de escolha. Adam Smith farácorreções no desejo básico do homem, transmudando-o do desejo deglória fratricida de Hobbes para o desejo do homem de melhorar a suaprópria condição, expresso no desejo de ganho, uma paixão universalherdada de Hume que assenta a fonte da sociabilidade desta ordemsocial na troca e no desejo imperioso de acumular dinheiro em vez depoder político.

Entretanto, esta liberdade individual exercida dentro desta nova or-dem social só se viabiliza se alicerçada no direito. Aliás, Locke (1632-1704) afirma que “pas de liberalisme sans droit’’, e será a concepção de seugoverno de leis que garantirá a liberdade, que reduz ao mínimo a coer-ção, e assegurará a propriedade, pilar da sociedade capitalista e pré-condição de proteção que o Estado deve fornecer às esferas privadas doassalto de outros. Para ele, a liberdade deve ser conceitualmente defini-da como liberdade negativa, o que significa ser livre das restrições per-petradas por terceiros: onde não há lei não há liberdade (LOCKE, 1988).

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Locke, ao desenvolver a Doutrina da Propriedade, fornece um bomponto de partida jurídico-institucional, pré-condição, pelo direito, paraque Adam Smith pudesse pensar a possibilidade de emergência da or-dem na sociedade liberal. Ele inclui a propriedade e a herança (seucorolário), como partes dos direitos de natureza, somando-as ao direitoà vida, à liberdade e à saúde. No estado de natureza, sendo o homem “osenhor de sua própria pessoa e de suas posses”, o exercício do direitoparticular deveria conduzir naturalmente à conservação e à felicidadede todos, definida esta última como a possibilidade de salvaguardar apropriedade, condição obtida apenas na sociedade. A propriedade pro-tegida pelo direito é a condição de viabilidade da sociedade e também,ao mesmo tempo, seu fim (thelos) e felicidade. Assentando a fonte dapropriedade (que se traduz numa acumulação de bens) no trabalho, elediferencia os homens nas suas qualidades laboriosas, o que definiriauma distribuição desigual dos bens e do seu bem maior, a terra(BIANCHI, 1988; VIDONNE, 1986). Locke lança as bases do direitoda sociedade capitalista e liberal, estendendo e completando o Estadoprotetor dos direitos à vida, de Hobbes (STRAUSS, 1986). Na sua con-cepção, os homens entram em sociedade para proteger os bens que ad-quiriram no estado de natureza, razão pela qual seu estado de naturezanão é nem de guerra, como o hobbesiano, nem idílico, como o deRousseau, mas sim instável, porque se apóia no ponto sensível de umasociedade que se tornará, devido ao acúmulo privado de bens, cada vezmais hierarquizada e dividida. Contudo, o importante aqui é registrarque o exercício da liberdade individual na sociedade capitalista exigecomo pré-condição a garantia do direito de propriedade e um Estadoque forneça o quadro jurídico necessário para que o jogo do mercadoproduza espontaneamente a riqueza.

Hayek (1899-1992) honra a tradição anglo-saxônica da modernidade e,como herdeiro direto da concepção de ordem espontânea smithiana,toma o indivíduo como ponto de partida para a compreensão da lógicados fenômenos coletivos. Com isto marca a sua distância da perspectivaneoclássica de uma ordem racional do mercado em que o individualis-mo metodológico utilitarista se expressa pelo cálculo maximizador, con-dicionado por escolhas teleológicas, resultados de previsões racionais ede desígnios intencionais. Como contraponto à arrogância da razãocartesiana que exibe um conhecimento pleno dos fatos e permite umasuposta inteligibilidade da sociedade, Hayek se alia a uma perspectivaepistemológica que parte da radical ignorância dos membros na greatsociety. Com isso, procede a uma crítica a todo e qualquer cientificismo e

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deixa clara sua inesgotável identificação ao racionalismo críticopopperiano com suas proposições constantemente renovadas de conje-turas, sua humilde correção de erros e sua conseqüente provisoriedadedo conhecimento (POPPER, 1972).1 Esclarece também que a ignorân-cia, atributo até então desqualificado dos indivíduos, é ironicamente asua porta de entrada para conquistar uma possível liberdade.

Tendo como referência antropológica e ontológica uma humanidadeimperfeita, Hayek marca sua aversão a qualquer vestígio do homemmoderno, que regido por uma onisciente razão descobre a verdade(HEIDEGGER, 1962). Contra a referência filosófica da modernidade,que marcou profundamente a concepção de razão e da ciência do ho-mem ocidental, ele advoga que nem o espírito nem a razão são ante-riores à civilização, mas se desenvolvem simultaneamente a elas. Igno-rantes que somos em relação a esse mundo complexo, faz-se necessárioter humildade para aceitar a limitação da razão diante de um mundoque jamais será totalmente desvelado. Dele só disporemos de um pe-queno, incompleto e fragmentado conhecimento. E é tateando, com errose acertos, conjeturas e novas refutações (aqui de novo Popper), que re-gras abstratas guiam os homens nesse mundo complexo.

A perspectiva ontológica de Hayek é a de um homem consciente de suaspróprias limitações e, portanto, sabedor de sua ignorância, mas sábiotambém porque as contorna, experimentando e criando novas ferra-mentas. O processo de experimentação é um processo rico de aprendi-zagem e adequação em que cada indivíduo examina os fatos que conhe-ce e, a partir daí, se adapta ao mundo tendo em vista seus próprios fins.Neste ponto, é importante frisar que não é necessário o consenso comrelação aos fins, o único consenso exigido é com relação aos meios capa-zes de servir a uma grande variedade de propósitos (HAYEK, 1973). Asregras hayekianas emergem nesse quadro de ignorância e sabedoria,incerteza e seleção e são elas que dão substractum à ordem espontânea, aordem natural do mercado. O homem hayekiano, seguidor de regras, élivre quando obedece às regras ou nomos que, posteriormente, podemse traduzir em leis. Elas são regras abstratas e selecionadas que guiam oshomens num processo de aprendizagem social e coletivo que traz comoconseqüência para a sociedade uma progressiva capacidade para resol-ver problemas. Entretanto, essas mesmas regras, necessárias por garan-tirem o funcionamento da concorrência, deixarão entrever os elemen-tos contraditórios de seu argumento e sua crença ideológica no merca-do como única forma possível de organização das sociedades contempo-râneas. Embora não saibamos de antemão quais serão as regras que de

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fato farão o mercado funcionar, serão escolhidas as que lograrem êxito,posto que mercado para Hayek é sinônimo de método. Uma tautologiaou um método tão indispensável como a matemática para Descartes.Um método que não é derivado da lógica matemática, mas da experiên-cia, da praxis. Contudo, um método em última instância, sem o qual nãoé possível pensar a sociedade. Poderíamos dizer que a inquestionávelnecessidade desse método ou do mercado o desloca para o plano intocávele, em última análise, ideal. Isso porque o método é apodítico, racional ecerto, assim como as regras aprioristas e cartesianas que tanto critica.Nesse ponto concordamos integralmente com a crítica que o filósofoLuc Ferry faz, ao afirmar que o hiper-racionalismo de Hayek é como ode Hegel, porque, em última análise, tudo se desenvolve racionalmentee todas as iniciativas, mesmo as mais irracionais, participam da auto-realização de uma razão: a do mercado.2 Supomos, tal como Ferry, queHayek cai na armadilha da razão e termina por reeditar, como Laplacee Hegel, o mito de descobrir leis imutáveis e eternas para a história.Alias, é esse mito da mão invisível, como um processo impessoal einexorável, que tem sustentado a apologia e a retórica dos ultraliberaisna defesa do mercado como a única forma de organização para as socie-dades contemporâneas. Em última análise, a mão invisível é o meio e ofim das Great Societies: a própria inteligibilidade das sociedades comple-xas.

Dentro dessa perspectiva de entendimento de uma defesa radical daordem do mercado, Hayek extrapola os limites do economicismo parase inscrever como uma doutrina político-ideológica ultraliberal, criadaa partir do colóquio de Mont Pelérin de 1947, cujo objetivo fundamen-tal era descobrir meios para enfrentar a crise moral, intelectual e econô-mica da Europa do pós-guerra construindo um projeto político-econômico para um povo livre numa grande sociedade. Comosubproduto deste projeto defendia a idéia de desmascarar os inimigosdesta sociedade aberta e determinar as causas da crise européia pormeio de uma crítica contundente ao fascismo e ao stalinismo. Emboracriticasse o totalitarismo nas duas grandes expressões em que este seapresentou na história do século XX, Hayek concentrou sua crítica no“caminho da servidão’’ instaurado, pelo que considerou o racionalconstrutivismo de Marx ou os dissabores do totalitarismo de uma or-dem que é fruto do plano ou do desígnio de uma classe operária cons-ciente. Hayek constrói sua crítica a Marx enfatizando aquilo que seria opecado capital da razão: uma razão onipotente, oriunda da classe ope-rária, que transformaria a sociedade numa máquina racional; uma ra-zão que é capaz de digerir a sua própria complexidade e que constrói

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pela deliberação de seus sujeitos sociais um devir socialista (HAYEK,1988). Contra esta ordem, fruto do plano desvelado, em que bastaria aconsciência e a ação revolucionárias para revelar o novo mundo, Hayek,como já afirmamos anteriormente, parte de regras espontâneas e advo-ga uma Teoria da Evolução Cultural que resulta sempre em regras quereafirmam incondicionalmente a concorrência ou a ordem catalítica domercado, a única ordem que garante a liberdade e que se constitui namelhor forma de organização das sociedades contemporâneas. (HAYEK,1973).

Em The Constitution of Liberty, Hayek afirma que somos livres e ignoran-tes e, portanto, abertos para o imprevisível e para o indeterminado,restando-lhe um horizonte infinito de possibilidades; logo, o homem,para ser livre, deve exercer esta liberdade na escolha dos fins (HAYEK,1983). Hayek destaca os fundamentos filosóficos de uma sociedade livrena qual o eixo é a liberdade tratada essencialmente como ausência decoerção. Esta liberdade, que é o objetivo central da aventura humana,tem como seu oposto o totalitarismo, que no seu âmago significa o dese-jo de aniquilação de toda espontaneidade humana. Esses direitos nega-tivos, que definem a liberdade como ausência de coerção ou de cons-trangimento exercido por outrem, equivalem à possibilidadede um indivíduo agir em consonância com seus próprios desejos e inte-resses. Ausência de coerção é, portanto, o elemento negativo que garan-te universalidade à idéia de liberdade e ao seu usufruto. Esta perspecti-va está nos antípodas da liberdade positiva da tradição de Condorcet,Rousseau e Voltaire, entendida como a liberdade associada à garantiados meios intelectuais ou materiais para conquistá-la. Se o indivíduonão consegue gerar os meios deve o Estado viabilizar as condições paraa sua execução. É interessante observar que Hayek completa o sentidode liberdade com o exercício na escolha de regras justas que devemgarantir a oportunidade para todos, por meio do exercício do livre jogodo mercado. Garantida a concorrência, esta engendrará e produzirá ariqueza, o bem-estar social e a justiça das great societies. O governo, nessecaso, deve respeitar o fundamento lógico de uma sociedade livre acei-tando que a diferença de oportunidades está relacionada com as eficá-cias individuais desse processo de descoberta constituído pelo mercado.A tentativa de tornar iguais as oportunidades oferecidas aos indivíduosproduz injustiças. Para evitar os efeitos nefastos do racionalismoconstrutivista, Hayek sugere que o Estado garanta os direitos negativosdo cidadão: somente as regras de um governo que favorece o funciona-mento catalítico do mercado aumentariam as chances de todos (GA-NEM, 2005-2006).

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Para os defensores do ultraliberalismo, e em especial para Hayek, liber-dade individual, mercado e riqueza são elementos que se articulam e serealimentam, sendo, ao mesmo tempo, e idiossincraticamente, seu fun-damento e resultante. Liberdade é o fundamento de uma ordem livre,catalítica, regida pelas trocas e por leis do comportamento justo, damesma forma que o mercado é a mais acabada expressão de uma orga-nização social pretensamente fundada em homens livres. Estes, por suavez, são o fundamento e a condição para o exercício pleno da liberdadede escolha que produziria, sem a intervenção nefasta do Estado, o livrejogo produtor da riqueza.

LIBERDADE E RIQUEZA EM STEUART E EM MARX

A contemporaneidade dos trabalhos econômicos de James Steuart (1767)e Adam Smith (1776) poderia ser considerada apenas uma contingênciacronológica se pensada a partir dos resultados e recomendações da po-lítica econômica explícitos em suas obras. Indo além, Smith e Steuartpodem ser pensados como a origem de duas formas diversas de conce-ber a ordem social e econômica, e, neste sentido, formas distintas derelacionar liberdade e geração de riqueza. Porém, quando analisamosos trabalhos destes autores, da perspectiva dos seus métodos, das suasprincipais questões científicas e de seus principais conceitos analíticos,encontramos o “elo perdido” em suas formas de pensar.

A ligação entre esses autores está no entendimento da centralidade doindivíduo como referência analítica. Neste sentido, Steuart e Smith si-tuam-se perfeitamente na tradição do pensamento científico-filosóficodo século XVIII, e seus trabalhos refletem a principal questão damodernidade: afastar o divino da origem da explicação da sociedade ecentrá-la no homem. O indivíduo, para ambos, é de onde são emanadosos desejos e as motivações que organizam a sociedade. Suas semelhan-ças, porém, não vão muito além.

Steuart e Smith fazem uso de um conceito comum: o auto-interesse. Talprincípio tem como base o indivíduo e sua liberdade de escolha, ele-mentos bastante preservados na análise de ambos. Todavia, apesar deSmith e Steuart possuírem um mesmo ponto de partida para pensar aeconomia, utilizam formas muito diferentes de articulação deste pontocom sua proposta de análise sistêmica: Steuart compreende que é a açãohumana, por meio do auto-interesse e do estímulo do Estado, que trans-forma e orienta o movimento produtivo e gerador de riqueza da socie-dade; Smith baseia sua explicação da economia e da sociedade na atua-

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ção ordeira da mão invisível do mercado sobre o auto-interesse dos in-divíduos por meio da troca.

Da observação da diferença pudemos perceber que, apesar de partir deum ponto semelhante ao de Smith, Steuart trouxe à tona uma explica-ção da ordem social e da regulação da economia essencialmente dife-rente daquela smithiana. A base desta explicação pode ser encontradana perspectiva steuartiana sobre as limitações da economia como ciên-cia.

Apesar de Steuart, bem como toda a tradição científica escocesa do sé-culo XVIII, identificar o indivíduo como o centro da análise e a experiên-cia como a base para a formulação da teoria, este autor possui adicional-mente a particularidade de enfatizar as limitações da economia comociência (SKINNER, 1965). Na concepção de Steuart, a limitação da eco-nomia como ciência pura só pode ser superada a partir de uma aborda-gem histórica. Não existe um sistema econômico abstrato que possa darconta de explicar completamente os fenômenos econômicos e sociais,objeto desta ciência. Com base neste tipo de articulação de idéias, Steuartfornecerá uma interpretação para o funcionamento da economia, quetem como mola mestra o auto-interesse do indivíduo, mas que precisaser mediado pelo Estado e pelas relações de produção para ser capaz dedeterminar o funcionamento da economia e uma ordem harmônica dasociedade.

Sendo assim, Steuart faz questão de deixar bastante claro quais os limi-tes do auto-interesse como princípio organizador da sociedade. O auto-interesse a que ele se refere é o auto-interesse dos súditos, enquanto oauto-interesse do governante é a expressão do espírito público. Ou seja,a questão do espírito público diz respeito estritamente ao governante.Os governados não precisam ter este tipo de sentimento, a não ser queele seja mediado pelo “auto-interesse” e não há nada que os harmonizeespontaneamente. Assim, compete ao governante conferir ao EstadoNacional um status quo que interesse à sua população. Se o povo se en-tender agindo em interesse próprio, terá uma forte motivação para re-produzir o status quo definido pelo “plano do governante”. Há, portan-to, um plano do governante que “manipula” e organiza o auto-interessedos cidadãos.

Esta vertente da obra de Steuart nos coloca diante de duas questõesimportantes e nos dá a pista da articulação entre liberdade e riquezapresente em sua obra. Por um lado, o auto-interesse é o meio pelo qualas “leis da natureza” vão dar regularidade ao sistema econômico, po-

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rém não há uma ordem natural derivada deste canal. O auto-interesse éapenas um canal. O mediador e ordenador entre as “leis da natureza”,expressas no auto-interesse, e a ordem social e econômica é o Estado,na figura do soberano. De fato, no trabalho de Steuart, a regularidadedo sistema econômico é dada pela atuação do Estado orientando a pro-dução. Por outro lado, não há qualquer menção à coerção neste proces-so; o Estado tem que criar mecanismos de estímulo para o auto-interes-se dos indivíduos de modo a mobilizá-los a produzir.3 Neste ponto,Steuart evidencia seu compromisso com a liberdade de escolha do indi-víduo.

Pode-se enxergar, então, que a produção de riqueza e a liberdade searticulam de uma forma muito diversa daquela encontrada na matrizliberal. Esta é a diferença e o fundamento para uma outra forma depensar a ordem econômica e social. Para engendrar-se uma sociedadeharmônica que produza e amplie a sua riqueza, faz-se necessária a in-tervenção estatal para garantir que as liberdades individuais contribuampara o plano de prosperidade elaborado pelo governante. Sem o devi-do comando de seus governantes, os indivíduos livres não teriam moti-vação para pensar no bem da coletividade, muito menos no bem e naprosperidade do Estado Nacional, dificultando assim, a formação deuma ordem harmônica natural.

É possível, portanto, formular uma interpretação da obra de Steuartem que o princípio básico da organização de uma sociedade seja aviabilização da subsistência necessária para sustentar uma populaçãocrescente e não o auto-interesse puro e simples. A subsistência é partedo auto-interesse, porém, sua base material é a produção. Por isso, ofoco da análise steuartiana sobre a acumulação de riqueza é a evoluçãodo processo de produção de subsistência da população.

Na descrição do processo de acumulação, tanto os métodos de produ-ção da subsistência se complexificam, tornando-se, assim, mais eficien-tes, como a própria subsistência vai incorporando novos padrões deconsumo. Seu ponto de partida para a análise de acumulação é umaeconomia em um estágio primitivo (hipotético) no qual aindanão há propriedade sobre a terra, nem produção. Neste contexto, nãohá necessidade do estabelecimento de trocas no sentido comercial, poistudo pertence a todos. Quando se estabelece propriedade sobre a terra,mesmo que ainda não haja produção de mercadorias, cria-se uma divi-são social. A diferença entre os não-proprietários e os proprietários noacesso à subsistência, que é a base da divisão social, engendra, nesta

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perspectiva, a necessidade de uma troca comercial para a circulação edistribuição do excedente. É neste ponto que se estabelece uma econo-mia mercantil, ou seja, uma economia em que se produzem mercadori-as visando à troca no mercado.

Supomos, então, que é pelo fato da explicação de Steuart para a acumu-lação de riqueza na economia considerar o indivíduo, mas não baseá-laem uma lógica que emana exclusivamente dele, que Marx destaca Steuartcomo um autor que escapou da “ingenuidade” dos cientistas sociais doséculo XVIII, que imaginavam que o homem moderno, isolado, inde-pendente do meio, formulado como objeto científico no século XVIIIfosse o ser humano em seu “estado puro”. Marx afirma que o homem éum animal social e como tal “só pode isolar-se em sociedade” (MARX,1857, p. 26), isto é, o conceito de homem “livre” do século XVIII surgeem um contexto em que as relações sociais atingem seu mais alto graude desenvolvimento, não sendo, de forma nenhuma, independente des-tas.

Do nosso ponto de vista, a verdadeira diferença entre Steuart e Smith(como também em relação aos clássicos subseqüentes que “compraram”a visão smithiana) está na suposição steuartiana de que a economia nãoera capaz de se desenvolver efetivamente se entregue aos seus própriosmeios. Todo o seu entendimento da dinâmica econômica identificava anecessidade de um maior ou menor grau de intervenção, dependendodo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e do padrão deconsumo, para que a economia pudesse crescer.

É interessante notar que o caminho teórico que explora o indivíduo,como a origem da explicação da economia e da ordem social, trilhadopor grande parte da filosofia moral dos séculos XV a XVIII, foi a ori-gem de duas formas diferentes de pensar o funcionamento da econo-mia e a determinação da ordem social. De um lado encontramos a solu-ção smithiana do mercado, refinando as bases do liberalismo, que apóso abandono do princípio do auto-interesse, foi “maximizada” pelosmarginalistas. Estes incorporam a razão maximizadora como explica-ção para o comportamento do indivíduo e substituem o bem-estar deSmith pelo equilíbrio geral walrasiano para explicar a ordem social eeconômica emanada do mercado. Por outro lado, Steuart propõe umasolução teórica pensável como parte de um caminho que se abre parauma perspectiva mais heterodoxa,4 compreendendo que a ação do indi-víduo, além de limitada, está mediada pelas instituições, pelas leis e peloEstado na determinação do funcionamento da economia.

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A perspectiva de análise econômica aberta por Steuart encontrou pou-cos seguidores, no século que transcorre, entre sua obra e a de Marx.Naquele século de afirmação definitiva do modo capitalista de produ-ção, pouco se produziu sobre os limites e problemas intrínsecos do capi-talismo. Além de Malthus e Sismondi, com suas críticas implícitas eexplicitas à lei de Say, ninguém parecia negar a capacidade natural dereprodução da riqueza daquele sistema.

Marx surge então negando toda a “naturalidade” que a economia bur-guesa atribuía ao processo de produção, distribuição e acumulação deriqueza do capitalismo. Não havia nada de natural nem no processonem no ator da produção capitalista. O ser humano, entendido comoindivíduo naturalmente livre dos economistas burgueses, não tinha nadade natural e muito menos de livre na concepção de Marx.

O indivíduo pensado fora de suas condições sociais específicas não eraconsiderado o verdadeiro sujeito do capitalismo. Neste sistema a pró-pria forma de constituição da sociedade cria uma aparência de indivi-dualidade e igualdade entre seus participantes, na medida em que to-dos se apresentam como “mercadores”, indivíduos que trocam merca-dorias. No processo produtivo, porém, evidencia-se a enorme diferençaexistente entre os atores sociais e econômicos do capitalismo. Tal dife-rença não se encontra em uma característica efetivamente natural daespécie humana nem é causada pelas diferenças nas tomadas de decisãodos indivíduos, mas na posse ou não de capital, na propriedade priva-da. A propriedade privada e sua garantia, que formam o ponto de par-tida para pensar-se a tradição liberal, são, para Marx, a fonte da dife-rença social.

Neste ponto, Marx e Steuart encontram uma raiz analítica comum. ParaSteuart, a divisão social também tem origem com o estabelecimento dapropriedade privada sobre a terra. O autor, pensando fora do capitalis-mo plenamente constituído, pôde, até mesmo, conceber uma sociedadeem que ainda não houvesse produção de mercadorias, mas em que aexistência de propriedade privada determinasse a existência de divisãosocial. Esta concepção de Steuart pode ser encarada como um espanta-lho construído para demonstrar que a propensão a trocar não existe nanatureza humana. Na verdade, exatamente como em Marx, a origemda troca seria a necessidade, a partir da apropriação da terra e da divi-são social dela decorrente, que os não-proprietários teriam de restabe-lecer o acesso à sua subsistência, na medida em que a expropriação oshavia obrigado a oferecer serviços a outros para obter seu sustento. Nestesentido, nem Marx nem Steuart podem ser entendidos como trabalhando

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com a noção de liberdade negativa. Seus indivíduos não são livres nocapitalismo, porque estão submetidos à propriedade privada e ao modode organização social e econômico dela originado.

Mesmo partindo desta concepção inicial que associa negativamente apropriedade privada (e a riqueza privada) com liberdade, Marx e Steuartchegam a resultados diferentes em suas análises sobre a articulação daliberdade e da riqueza no capitalismo. Steuart consegue articular, a par-tir da introdução do conceito de auto-interesse, a noção de um indiví-duo livre com a produção de riqueza nesta sociedade, apesar da ausên-cia inicial de liberdade suposta pela existência de propriedade privada.Os caminhos filosóficos trilhados por Marx o deixam longe desta con-clusão. O indivíduo livre de Marx aproxima-se daquele baseado na con-cepção grega de liberdade, na liberdade positiva; é o indivíduo que serepresenta politicamente e escolhe social e individualmente e não ape-nas nesta última esfera. O indivíduo de Marx se torna livre a partir dasua participação na esfera pública e no exercício da atividade do gover-no, convergindo para a noção grega de que liberdade e cidadania eramas mesmas coisas.

A liberdade a que Marx se refere é essencialmente reprimida pela exis-tência de propriedade privada, porém ele não discorda ou nega que sóexiste sociedade capitalista porque existe o Estado e a lei garantindo apropriedade privada. A crítica e o radicalismo do pensamento de Marxestá em ser capaz de discordar que só possa existir sociedade, ordemsocial e econômica, onde exista propriedade privada e proteção a esta.Em Para a crítica da economia política há um reconhecimento claro de quetoda forma de produção é “uma apropriação da natureza pelo indiví-duo no interior e por meio de determinada sociedade”, porém ridicula-riza o salto que identifica esta apropriação com uma forma específica depropriedade, tal como a propriedade privada. É mais crítico ainda àidéia de que este tipo específico de propriedade seja considerada natu-ral. Seu argumento é que, historicamente, a propriedade coletiva oucomum foi a forma primitiva, tendo desempenhado um importante papelno progresso material, por exemplo, entre os hindus, os eslavos e osantigos celtas. Além disso, o Estado e a lei, que representam a salva-guarda desta propriedade privada, são nada mais que as relações dedireito e a forma de governo próprias do tipo de produção desenvolvi-da especificamente no capitalismo. Não há nada de natural neles.

A noção que flutua no espírito dos economistas burgueses é que a

polícia é mais favorável à produção que o direito da força, por exem-

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plo. Esquecem apenas que o direito da força é também um direito, e

que o direito do mais forte sobrevive, ainda que sob outra forma, em

seu “Estado de Direito”. (MARX, 2005, p. 29)

Assim, Marx nega toda a solução liberal para a ordem social, que parteda existência de propriedade privada e dinamiza-se a partir da propen-são “natural” do homem à troca e a partir do mercado. Em Marx, anoção de troca não aparece como imanente da natureza humana, talcomo em Smith e nos clássicos subseqüentes, mas como “uma espéciede recuperação da dimensão social, depois de esta ser negada onde de-veria ser imediatamente afirmada, ou seja, no processo de produção,no trabalho” (NAPOLEONI, 1977, p.53). Neste sentido, a existência detroca é conseqüência, fundamentalmente, da perda do caráter socialpróprio do trabalho humano, perda esta implicada a partir da aliena-ção da subjetividade do trabalhador por meio da venda (ou troca) daforça de trabalho como mercadoria. Desta forma, o sistema capitalista“coisifica” a subjetividade do trabalhador e o submete a vendê-la, dadaa diferença social e econômica determinada pela existência de proprie-dade privada, passando a ser um sistema que contradiz a noção de li-berdade em sua raiz.

Sendo assim, mesmo que a sociedade capitalista liberte seus membrosde uma relação direta de dependência pessoal, como aquelas encontra-das no sistema feudal ou escravista, os coloca em uma relação de “liber-dade” mediada pela troca. A existência de propriedade privada (quedefine a subsunção formal do trabalho ao capital) e a posterior subsunçãoreal do trabalho ao capital determinam um usufruto indireto dos capi-talistas sobre o trabalhador, restabelecendo uma relação de dependên-cia social indireta, já que é mediada pela troca entre os indivíduos da-quelas duas classes, descaracterizando a liberdade5 inicial. Por isso, doponto de vista de Marx, a liberdade existente no capitalismo é uma falsaliberdade.

Se para Marx capitalismo e liberdade não combinam, o sistema capita-lista, por outro lado, é extrator e potencializador de riqueza material.Na verdade, a forma de geração de riqueza deste sistema depende docerceamento à liberdade. Observemos que a produção da riqueza, nocapitalismo, é identificada a partir do duplo caráter da troca da merca-doria força de trabalho. Conforme Napoleoni, “a troca que tem porobjeto a força de trabalho, que é uma troca entre equivalentes enquantose permanece no interior do processo de circulação, é uma troca entrenão-equivalentes, caso se considere o processo global que é conjunta-mente de circulação e produção” (NAPOLEONI, 1977, p.50). A mais-

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valia, a fonte da riqueza, tem origem na diferença entre a quantidadede trabalho fornecida pelo trabalhador no processo produtivo e a quan-tidade de trabalho necessária para reproduzir a sua subsistência. Com amais-valia nasce a capacidade de multiplicação da riqueza do capitalis-mo.

Podemos considerar que Marx não consegue conceber a liberdade nocapitalismo, mas reconhece sua capacidade de multiplicação de riqueza.Mais que isso, sua articulação entre liberdade e riqueza no capitalismo éfeita pela identificação da sua fonte de riqueza com a ausência de liber-dade. Steuart, mesmo compreendendo as limitações na liberdade cau-sadas pela existência de propriedade privada, vê a articulação entre li-berdade e riqueza pensada no escopo de uma relação em que a liberda-de de escolha individual permanece, mesmo que submetida a uma esco-lha externa (do governante) para a ordem social e econômica. Sendoassim, como pudemos pensar que nasce em Steuart e recupera-se emMarx uma noção que pode ser pensada como a origem do pensamentoheterodoxo em economia?

A noção comungada por esses autores, que contribui conjuntamentepara uma formulação heterodoxa de economia política (e de políticaeconômica, no caso de Steuart), é o reconhecimento de que o mercadonão é gerador de uma ordem social espontânea e harmônica. O merca-do não daria origem nem mesmo a uma ordem econômica harmônica.É neste sentido que, embora a “solução”6 para a ordem econômica esocial de Marx (o comunismo, sistema em que poderiam conviver liber-dade e riqueza) e a solução de Steuart (a participação do Estado) nãosejam convergentes, há um âmbito em que negam fortemente a soluçãoliberal (liberdade negativa e mercado): nenhum dos dois crê na capaci-dade de geração de riqueza do capitalismo com liberdade no sentidoliberal (liberdade negativa), crêem, porém, que a garantia do própriosistema é dada pela participação do Estado, inaugurando um viés queseria parcialmente retomado por Keynes, no século XX.

O LIBERALISMO DE KEYNES

A revolução de Keynes no pensamento econômico liberal não afeta al-gumas das proposições fundamentais do liberalismo clássico. Keynesnão questiona as motivações burguesas, nem o “amor ao dinheiro”, ca-racterístico das sociedades “comerciais”.7 Tampouco se afasta da tradi-ção filosófica da liberdade negativa em que o homem livre é aquele queprefere usufruir sem obstáculos do gozo da vida privada e do exercício

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dos seus negócios particulares.8 Diante das duas concepções de liberda-de, a positiva e a negativa, Keynes certamente concordaria com IsaiahBerlin, que afirmava que na liberdade positiva de Rousseau e Marx,inspirada na definição grega de liberdade, “o homem é obrigado a serlivre”.9

Mas há uma distinção fundamental entre Keynes e os demais economis-tas liberais, na tradição de Smith e Hayek, que deve ser destacada, poisnão se pode abstrair Keynes e suas propostas econômicas do tipo de“liberalismo” que ele defendia.

O que diferencia Keynes dos economistas liberais são concepções total-mente distintas quanto a tempo, incerteza e dinheiro, numa economiamonetária. Keynes não explica a emergência e a regulação da ordemrecorrendo única e exclusivamente à ação dos indivíduos. Nem consi-dera a emergência da ordem espontânea do mercado como um meca-nismo que, agindo livremente, engendre naturalmente o bem-estar e ariqueza.

A explicação de Keynes para a ordem social deriva da sua percepçãoparticular acerca do funcionamento das economias capitalistas. Segun-do Keynes, numa economia monetária, em virtude das atribuições es-pecíficas da moeda, não é possível definir posições de equilíbrio, querseja no curto ou no longo prazo, sem considerar o comportamento damoeda e da política monetária. A moeda, nesta teoria, afeta os motivose as decisões dos agentes – sendo ela e outros ativos não reprodutíveisformas de acumulação de riqueza alternativas à acumulação de bensde capital. Portanto, é lógico que se queira retê-los em momentos demaior incerteza, podendo ocorrer, em função disso, uma deficiênciade demanda efetiva na economia.

Nenhum economista, antes e depois de Keynes, expôs de forma tãoprecisa a articulação entre a liberdade dos indivíduos e a garantia deuma ordem econômica estável, fundada na intervenção do Estado. ComoHobbes, que viveu no meio de uma guerra sanguinária e fez do medo apremissa do Leviathan, Keynes testemunhou o colapso do poder britâ-nico, após as duas Guerras Mundiais, transitando “da certeza para aincerteza, do jardim perfumado de sua juventude para a selva dos seusdias de maturidade, onde rondavam os monstros” (SKIDELSKY, 1999,p.15). E fez da incerteza o pilar da construção de um corpo teórico emque, por hipótese, os indivíduos procuram segurança psicológica nasvárias formas de liquidez.

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Keynes via o Estado e a política econômica como meios de modificaruma ordem injusta, porque incerta e sujeita a alterações bruscas, etransformá-la numa outra, em que os indivíduos pudessem estar livresdo arbítrio, entendido aqui como a aceitação passiva das “trevas” daincerteza, ou do laissez-faire. A política teria como função a organizaçãode uma ordem estruturalmente instável, cuja instabilidade derivariajustamente da impossibilidade de conhecer o futuro. A segurança psico-lógica derivada da posse do dinheiro, potencialmente desestabilizadora,poderia ser trocada pela segurança gerada pelo manejo “construtivo”dos instrumentos de política monetária, por parte das autoridades mo-netárias.

A solução de Keynes para uma ordem social que garantisse os princí-pios de liberdade e justiça social é fundamentalmente política. Mas é naeconomia, ou mais especificamente, na insegurança dos indivíduos quan-to ao futuro da economia que Keynes explica a necessidade de inter-venção do Estado para a garantia da estabilidade econômica e da liber-dade.10 Por essa razão, é impossível compreender a solução particularde Keynes para uma ordem justa dentro do liberalismo econômico semdar conta de sua teoria dos juros e do dinheiro, marco teórico inteira-mente novo com relação ao arcabouço teórico dos economistas “clássi-cos”.

No prefácio à edição francesa da Teoria Geral, em fevereiro de 1939,Keynes afirmou que o pensamento econômico ortodoxo, segundo o qualfora educado e do qual era professor, e que dominara a economia polí-tica na Inglaterra, nos últimos 100 anos, quase não tinha mudado du-rante todo esse tempo, tanto nas suas hipóteses, quanto no seu método.E resume os três pontos principais que o afastam dessa mesma ortodo-xia “clássica”: a teoria do emprego, a teoria dos juros, e a teoria damoeda. Antes, numa carta a Harrod, de 1936, Keynes considerara esteseu afastamento da teoria “clássica”, uma espécie de iluminação(KEYNES to R.F. Harrod in CWJMK VII, 1973, p. XV).

No ensaio “O fim do laissez-faire”, de 1924, Keynes afirma que os malesda ordem existente provinham do risco, da incerteza, e da ignorância.E o remédio, entre outros atos de coordenação política, seria o controledeliberado da moeda e do crédito por uma instituição central.

Segundo Keynes,

“nós não podemos calcular o que o futuro nos reserva, e em tais cir-

cunstâncias, a moeda oferece segurança psicológica contra a incerte-

za. Quando os poupadores se tornam pessimistas, mantêm suas pou-

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panças, ao invés de investi-las em novos negócios. A conseqüência é

que deixam de haver garantias de que toda a renda recebida seja

gasta, não existindo uma tendência natural a que os recursos dispo-

níveis sejam empregados (SKIDELSKY, 1996, p.13).

Abrindo-se, assim, a possibilidade da ocorrência do desempregoinvoluntário.

Durante a Grande Depressão, quando tanto marxistas quanto adeptosda teoria quantitativa pregavam a impossibilidade de se intervir satisfa-toriamente numa economia capitalista em depressão, Keynes mostrouque existia alternativa e que as flutuações da atividade econômica, em-bora não pudessem ser evitadas, poderiam ser controladas. Ainda des-locou a atenção dos problemas relativos à alocação de recursos, para osdeterminantes da demanda agregada. E demonstrou que o investimen-to público e privado, variáveis determinantes da demanda agregada,são complementares, quando o desemprego impera, e são substitutos,no pleno emprego.

Duas obras de Keynes, A treatise on money, de 1930, e The general theory ofemployment, interest and money, de 1936, traduzem aquilo que é essencialna distância que Keynes toma em relação ao pensamento “clássico”, sejapara quem vê a última como ruptura em relação à primeira, seja paraquem as vê como complementares.

Na Teoria Geral, Keynes formula a teoria da preferência pela liquidez,enfatizando os motivos pelos quais o público demanda moeda (transa-ção, precaução e especulação).11 A moeda, sendo também reserva devalor, desempenha um duplo papel, de meio de pagamento e formade riqueza. Keynes percebe que, quando a incerteza se torna muito gran-de, a liquidez provoca uma retração da atividade. O empresário temsempre de escolher entre usar seu dinheiro, para esta ou aquela finali-dade, ou não empregá-lo de todo. Em uma economia monetária, a liber-dade das pessoas de não gastarem torna-se portanto, argumento lógico,crucial para Keynes rejeitar a Lei de Say, de que a “oferta cria a suaprópria demanda”. Acima de tudo, é a preferência pela liquidez quetorna instável uma economia capitalista descentralizada e garanteque suas oscilações ocorram em torno de um nível de subemprego.Quanto mais incerto é o futuro, maior a preferência pela liquidez dosagentes. E as mudanças na preferência pela liquidez, devido à revisãodas expectativas, causam mudanças na taxa de juros, isto é, o preço“mediante o qual o desejo de manter a riqueza em forma líquida seconcilia com a quantidade de moeda disponível” (CARVALHO et al.,2000, p.40).

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Keynes identifica dois circuitos de circulação monetária – o industrial eo financeiro, e é no reconhecimento deste último circuito que a aborda-gem de Keynes se distingue da teoria quantitativa da moeda, ao “reco-nhecer que reter moeda era uma alternativa a acumular outros ativos, eque, portanto não deveria ser vista como uma forma temporária de ri-queza”. No capítulo final da Teoria Geral, “Notas finais sobre a filosofiasocial”, Keynes sugere que uma parcimônia exagerada poderia ser equi-librada pela “redistribuição do poder de gastos a favor dos que tivessemalta propensão ao consumo (os trabalhadores) e reduzindo a recom-pensa à parcimônia, estabelecendo uma taxa de juros baixa. Isso elimi-naria a oportunidade dos poupadores viverem à custa da escassez docapital: a conseqüência seria a ‘eutanásia do rentista’” (SKIDELSKY,1998, p.108).

A obra de Keynes deu origem, já desde 1937, com Hicks, a um conjuntoenorme de diferentes interpretações, traições e reinterpretações. Em-bora a teoria keynesiana, após Keynes, não constitua um corpo único deidéias, posso identificar nos autores que se dizem keynesianos, seja nosvelhos, nos novos, ou ainda no grupo dos pós-keynesianos, uma matrizteórica comum. Em princípio, todos, velhos ou novos, concordariamcom as três proposições seguintes (GREENWALD; STIGLITZ, 1993):

1) Durante alguns períodos – freqüentemente longos – existe umexcesso de oferta de trabalhadores ao nível prevalecente de saláriosreais (e das expectativas relativas a preços e salários futuros).

2) O nível agregado de atividade econômica flutua intensamente,seja medido pelo grau de utilização da capacidade, seja pelo Produ-to Nacional Bruto, ou pelo desemprego. Estas flutuações apresen-tam uma magnitude maior do que qualquer outra causada por mu-danças de curto prazo na tecnologia, gostos, ou demográficas.

3) O dinheiro conta, pelo menos na maior parte do tempo, embora apolítica monetária possa ser ineficaz por alguns períodos (como naGrande Depressão).

Destas proposições é possível deduzir que, embora tanto velhos comonovos keynesianos, ou ainda os pós-keynesianos, possam discordar emrelação a um grande número de temas, eles concordariam no geral quea intervenção governamental é, pelo menos algumas vezes, desejávelpara estabilizar o nível da atividade econômica.

Em resumo, o keynesianismo representou o reconhecimento de que anova ordem econômica requer o ativismo em política monetária. Qual-

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quer perspectiva “liberal” cairia no vazio, na ausência deste reconheci-mento. A especificidade do liberalismo keynesiano em relação ao libera-lismo clássico reside na constatação de que o funcionamento “normal”dos mercados impõe custos altos à sociedade, nas condições do capita-lismo moderno, sendo a fuga para a liquidez diante da incerteza, umdos pilares da instabilidade da ordem do mercado. A solução, portanto,reside na devida combinação entre políticas econômicas ativas e ordempolítica liberal.12

CONCLUSÃO

No percurso de encontrar e dar significado aos conceitos liberdade eriqueza no pensamento de alguns autores clássicos e contemporâneos,da filosofia política e da economia, tivemos de tratar o conceito de or-dem natural clássico e seus fundamentos liberais como um ponto departida comum. Ao evidenciarmos que a importância dos conceitosde liberdade e riqueza são trabalhados a partir, fundamentalmente, dasconcepções políticas dos autores, nos deparamos com a estranheza deque o conceito de desenvolvimento econômico só possui importânciacrucial fora da matriz liberal e no confronto com o conceito de ordemnatural.

A análise que fizemos de Smith ressaltou a solução do mercado e a suaimportância como matriz liberal que teve seus desdobramentos amadu-recidos na teoria de Hayek. Daí, constatamos que a própria naturezado sistema de mercado promove a sua reprodução e a sua ampliação,definindo e subsumindo a acumulação e o desenvolvimento aosparâmetros e à lógica do mercado. É, portanto, a lógica do mercado quese impõe como centro nevrálgico teórico, entendida esta lógica comouma ordem natural e espontânea e resultado de escolhas exercidas porindivíduos pretensamente “livres”. Em Hayek, temos uma proposta teó-rica e apologética de autodesenvolvimento do mercado na história, en-tendido este como a única forma possível de organização e de produ-ção de riqueza para as sociedades contemporâneas.

Steuart e Marx produzem a crítica a esta visão de organização social eeconômica natural. Para estes autores, a questão do desenvolvimento sefazia necessária na medida em que não enxergavam a solução ou a har-monia do sistema com base na livre interação entre indivíduos. Ambosidentificavam limitações à liberdade no sistema defendido como inteira-mente natural pelos liberais. Neste sentido, propusemos que deste pen-samento se origina uma outra corrente de pensamento na economia

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(que chamamos de heterodoxa), que embora tenha identificações com amatriz e o ideário liberal constitui-se como uma severa crítica aoirrealismo de sua proposta analítica derivada de sua falta de historicidade.

Keynes é, então, apresentado como uma síntese entre os dois caminhosdemarcados pelas trajetórias sugeridas. Ao responder à questão da ri-queza proposta pela heterodoxia de forma muito mais realista que osliberais, porém sem macular o nível de liberalismo necessário para pen-sar que a liberdade é um resultado de uma ordem capitalista estável,Keynes demonstrou que a imprevisibilidade e a incerteza naturais dosistema capitalista demandavam a atuação do Estado para atenuar asindesejáveis flutuações da riqueza e criar um sistema no qual se pudessefalar em liberdade para todos.

ABSTRACT

This article intends to put in light the interaction of the concepts of freedomand wealth in reference works of some classical (Smith and Steuart) andcontemporary (Marx, Keynes and Hayek) authors of the economic science.Those authors were chosen because of their use of the conception of economicand social order connected with politics. The objective of the text is to proposea theoretical field shared by economics and politics with a twofold origin:on one side, the classical concept of natural order and its liberal fundamentalsplay the central role; on the other side, the State is the source of order in thesociety and in the capitalist production.

Keywords: wealth; freedom; social order; economic order.

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NOTAS

1 Nas palavras de Hayek: “Apesar de nossa civilização ser o resultado de uma acumulação de conhecimentosindividuais não é pela composição de todos esses conhecimentos num cérebro individual, mas sim pelamaterialização em símbolos, hábitos e instituições, ferramentas e conceitos compõe um corpo de conheci-mentos que nem ela nem ninguém possui perfeitamente” (HAYEK, 1952).

2 Citando Luc Ferry: “à força de preservar os direitos e a liberdade dos efeitos nefastos do intervencionismo,o liberalismo hayekiano confia tudo à história ou ao desenvolvimento do mercado.” (FERRY, 1984).

3 É interessante ver como o compromisso com a liberdade de escolha em Steuart é patente no campo econô-mico. Paradoxalmente, Steuart está associado politicamente a grupos que apoiavam a monarquia absoluta(ver REDMAN, 1996 e SKINNER, 1999). Esta questão perpassa o fato de que os conceitos de democracia,liberty e freedom eram usados em sentidos diferentes daqueles que possuem hoje em dia. Segundo Redman,“o apoio de Steuart ao Monarca era baseado em uma corrente específica do pensamento grego antigo comraízes nos conceitos Platônicos de freedom e liberty” e explica a questão afirmando que Platão era positiva-mente hostil à freedom, que identificava com a oportunidade desmedida de se fazer tudo aquilo que sequisesse. Não era a liberdade, mas sim a disciplina, baseada na formação filosófica, que faria os indivíduosbons e a sociedade estável.

4 Consideramos como caminho heterodoxo aquele que vai dar nas teorias chamadas atualmente de hetero-doxas. É fato que em seu contexto histórico Steuart representava a “ortodoxia”, enquanto Smith era o“heterodoxo”.

5 O argumento de Marx é que mesmo que consideremos a liberdade dos liberais, a liberdade negativa, só épossível pensar liberdade no capitalismo se a propriedade privada for considerada como natural, for toma-da como um pressuposto.

6 Entendido o termo solução como a obtenção de riqueza com liberdade positiva.7 Ver, a esse respeito, Skinner (1984) e Pasquino (1998). O conceito de sociedade comercial de Sieyes e

Constant é o corolário da liberdade negativa.8 Keynes era um liberal, mas nunca um conservador. Esta distinção tem de ser feita, dentro das especificidades

do quadro político da Inglaterra no período de entre guerras. Keynes rejeita a base classista dos socialistas,dizendo: “O Partido Trabalhista é um partido de classe, e a classe não é a minha classe. Se eu for tratar dealgum interesse corporativo, vou tratar dos meus. Posso ser influenciado pelo que parece ser justiça e bomsenso; mas a luta de classes me encontrará do lado da burguesia instruída”.

9 Keynes não era apenas um liberal fervoroso. No ensaio “O fim do laissez-faire” de 1924, ao referir-se aosocialismo marxista pergunta-se: “Como uma doutrina tão ilógica e tão sem graça pode ter exercido umainfluência tão poderosa e duradoura sobre as mentes dos homens, e através destas, sobre os acontecimen-tos históricos?”. Para Skidelsky, biógrafo de Keynes, “Keynes propôs-se salvar o que chamava de ‘individua-lismo capitalista’ da praga do desemprego em massa que na sua opinião, se deixado descontrolado, torna-ria os ‘regimes de Estado autoritários’, a regra no mundo ocidental.

10 Skidelski afirma que o que mais distanciava Keynes dos “progressistas” era a sua atitude com relação àjustiça, não se opondo – pelo menos radicalmente – à ordem social pelo fato de ser injusta, nela, a distribui-ção de oportunidades. Ao contrário, era mais porque o laissez-faire não protegia as “normas” sociais e

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econômicas existentes que Keynes se opunha a este. A injustiça era mais macro que microeconômica: porexemplo, quando da Greve Geral de 1926, Keynes se mostrará sensível aos mineiros, pois os via comovítimas, no ano anterior, do retorno ao padrão-ouro com libra apreciada. Nesse caso, a injustiça “torna-seum assunto de incerteza, e a justiça um assunto de previsibilidade contratual”.

11 Após a publicação da Teoria Geral, em resposta a uma crítica de Ohlin, em 1937, Keynes introduz o motivofinanceiro (finance motive), o qual se refere à demanda por moeda antecipada a alguma despesa discricioná-ria planejada, mantendo-se, assim, saldos monetários em antecipação à compra de bens de capital.

12 Agradecemos a Maurício Chalfin Coutinho pelas sugestões e referências para a conclusão desta parte dotrabalho.

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RESENHAS

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LOPES, José Leite. Ciência e desenvolvimento. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro: EDUFF, 1987

CÁTIA INÊS SALGADO DE OLIVEIRA*

Elaborar a resenha de um livro publicado em 1987 éalgo pouco usual mas que se justifica por ser uma ho-menagem a seu autor, o físico José Leite Lopes, falecidoem junho de 2006.

O livro Ciência e desenvolvimento é resultado da reuniãode 13 ensaios escritos pelo físico, dentre os quais se en-contram o discurso de posse na cadeira de Física Teóri-ca e Superior na Faculdade Nacional de Filosofia daUniversidade do Brasil, entrevistas, discursos de aber-tura de seminários em instituições científicas, como aSBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên-cia), e discursos proferidos em conferências na ONU.Há, ainda, três apêndices: a lei que criou o ConselhoNacional de Pesquisas (CNP), em 1951, e o anteprojetopara a fundação do Ministério da Ciência e Tecnologia,criado em 1985.

O autor aborda os seguintes temas em seu livro: univer-sidade; investigação científica; energia atômica; e a es-trutura do CNP (Conselho Nacional de Pesquisas, atualCNPq). Quando versa sobre esses assuntos, Leite Lopesrelaciona a questão do “desenvolvimento da ciência” ao“desenvolvimento econômico da Nação”, o que resulta-ria, conseqüentemente, de acordo com a visão do físico,em “bem-estar” para a população.

“Desenvolvimento científico e desenvolvimento econô-mico” são as questões recorrentes em todos os ensaiosdo autor. Leite Lopes quer convencer os leitores, asautoridades governamentais, as industriais e os acadê-micos de que essas questões estão inevitavelmenteentrelaçadas. Com isso, ele pretende despertar a aten-ção para a “ciência”, que considera necessária.

* Doutoranda do Programade Pós-Graduação em An-tropologia da UFF.

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Os textos reunidos em Ciência e desenvolvimento foram escritos ao longode três décadas. Podemos, então, lê-los da seguinte forma: há os ensaiosdo fim dos anos 1940, e a partir destes existe um intervalo de dez anosem relação aos textos datados dos anos 1950, e por fim, sem muitosanos de distanciamento, aqueles dos anos 1960. Qual o sentido destadivisão? Os primeiros são escritos antes da fundação do CNP, quando asuniversidades brasileiras eram recém-fundadas, e o financiamento parapesquisa era muito restrito; os referentes à década de 1940 tratam maisespecificamente da questão da energia nuclear; e os últimos abordam aformação e qualificação de pessoal para as áreas “científicas”.

Na introdução do livro, o autor argumenta que, no Brasil, as autorida-des governamentais só muito tardiamente perceberam que o “desen-volvimento científico” deveria ser assunto de discussão no país ao con-trário do que acontecia nos países “desenvolvidos”. Sempre comparan-do as denominadas nações “desenvolvidas” com aquelas “em desenvol-vimento”, Lopes constata a existência de problemas que retardam o“desenvolvimento econômico” brasileiro, destacando, entre outros: alenta criação das universidades; a presença de indústrias estrangeirasno país; e a falta de investimento dos industriais brasileiros na pesquisacientífica.

Comparando modelos de industrialização, Leite Lopes critica aqueleadotado no Brasil, pautado na instalação de filiais de empresas estran-geiras, ao contrário daquele do Japão, no qual, segundo o autor, a in-dustrialização foi baseada na produção local.

O questionamento mais relevante do livro é: qual modelo de desenvol-vimento deveria ser adotado no Brasil? A esta pergunta Lopes respon-de afirmando a conveniência de um “desenvolvimento independente”,ou seja, autônomo em relação aos países “desenvolvidos”. O autor asse-gura que este tipo de desenvolvimento se reverteria em “bem-estar”para o povo brasileiro. Esta idéia é o fio condutor do livro, presente nosvários ensaios escritos por ele.

Nos dois primeiros ensaios de Ciência e desenvolvimento, escritos nos anosde 1947 e 1948, o que se lê são apontamentos acerca das reformas quedeveriam ser adotadas nas recentes universidades brasileiras. A defesada adoção do “tempo integral” para os docentes é uma questão muitopresente nos textos de Leite Lopes, e aqui não é diferente. O autor éveemente em sua justificativa da necessidade de que os docentes pos-sam dedicar-se mais às instituições nas quais trabalham, tendo de ser,obviamente, remunerados para essa atribuição. Esta é uma das condi-ções que ele considera necessárias ao trabalho acadêmico. O autor cita,

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ainda, o provimento de material necessário aos laboratórios nas univer-sidades.

O autor ressalta também nesses dois ensaios que as universidades sãoinstituições elementares para o “progresso” do país, pois nelas se faz“ciência” a partir da qual se produz tecnologia que pode ser utilizadapara ampliar o setor industrial. Portanto, as universidades poderiamser instrumentos de intervenção nas questões “nacionais”. O ensaio de1948 é o discurso de posse na cadeira de Física Teórica e Superior naFaculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (UB). Nesteensaio, o autor sabiamente se posiciona a favor da formação “científica”que defende para o país, e condena o que denomina de “bacharelismo”das universidades brasileiras, que seria um ensino unicamente voltadopara as disciplinas jurídicas e das letras, argumentando que somente a“ciência e a tecnologia” podem solucionar os “problemas nacionais”.

Como disse anteriormente, há um intervalo de 10 anos entre os ensaioscitados acima e os que se seguem, sendo três deles de 1958, e três de1959. De acordo com a idéia de que ciência pode resultar em tecnologiae as duas em “desenvolvimento econômico”, o autor aborda a questãoda aplicação da tecnologia atômica no país, mais especificamente da ener-gia atômica.

Como bom e bastante persuasivo argumentador, Leite Lopes se serve,nos três ensaios de 1958, do raciocínio da “necessidade” para convenceras autoridades governamentais, os industrias e o público leitor a quemse dirige da existência de “problemas nacionais” e apresenta a solução.Os problemas seriam o esgotamento do que denomina combustíveis “clás-sicos”, e o aumento anual do consumo de energia. Apontada a “necessi-dade”, afirma que a solução é a utilização da energia atômica, e manifes-ta a “necessidade” desta para o “desenvolvimento” industrial.

Mais uma vez, compara os países “desenvolvidos” àqueles “em desen-volvimento”, dizendo que, nos primeiros, defende-se a utilização de suasreservas de minerais atômicos para a industrialização, já nos países maispobres, segundo o autor, o governo deveria fazer o mesmo com suasreservas nacionais. Toda problemática e toda “necessidade” são semprejustificadas pelo “progresso da Nação”, que significa “desenvolvimentoda ciência e tecnologia”, “desenvolvimento econômico” e elevação “eco-nômica” da situação dos brasileiros.

Nos três ensaios de 1959, Leite Lopes analisa as políticas de fomento e acriação dos institutos de pesquisa no Brasil, e defende o apoio que con-sidera que deva ser dado à pesquisa local. O autor critica que o “desen-

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volvimento” do país seja realizado por meio da importação de tecnologiados países “desenvolvidos”, o que condenaria a possibilidade de que noBrasil se alcançasse o “desenvolvimento” “científico” e “econômico”. Des-se modo, a utilização da energia atômica no país deveria ser feita deacordo com a política científica nacional e o que era pesquisado nasuniversidades e institutos brasileiros, destacando-se os trabalhos na árearealizados na USP (SP) e no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físi-cas/RJ). A política do país não deveria ser voltada para a exportação dematéria-prima e importação de produtos manufaturados.

Dentre os últimos ensaios do livro, escritos nos anos 1960, encontramosum de 1961, dois de 1962, e dois de 1963. Não há intervalo significativoem relação aos anteriores já que aqueles são do final dos anos 1950.Contudo, conforme a organização do livro, notamos que nestes últimosescritos o foco do autor é mais voltado para a “necessidade” de forma-ção e treinamento de pessoal especializado para trabalhos “científicos”.

O autor considera um erro a separação entre ciência e tecnologia naformação de técnicos dissociados do saber científico. Lopes ressalta ain-da a “necessidade” que o país tem da formação de “cientistas” e nãosomente de técnicos e engenheiros que preencham vagas nas indústriasinternacionais. O autor também aponta para a “necessidade” de aper-feiçoamento dos profissionais brasileiros, da qualificação, e principal-mente da pós-graduação. Isso garantiria o acesso ao “desenvolvimento”para os brasileiros.

A “ciência” é percebida como geradora da “desigualdade”, isso se ex-plica porque os países “desenvolvidos” teriam a posse do saber “cientí-fico” e da tecnologia, dominando, por isso, os demais países. Conse-qüentemente, os países “em desenvolvimento” necessitam de um siste-ma educacional melhor, e por meio dele, haveria a possibilidade doengajamento num processo de “desenvolvimento acelerado” para al-cançar aquele conseguido nos países “desenvolvidos”. Para isso, serianecessário o apoio das autoridades de governo, e dos industriais aos“homens de ciência” e às instituições “científicas”.

É inegável a sagacidade do autor e impressionante o modo como con-duz sua argumentação para expor as questões abordadas. Leite Lopesescreve em defesa de um modelo de universidade e de “desenvolvimen-to nacional” que obviamente beneficiariam o fazer científico que consi-derava relevante e praticava. As discussões estabelecidas no livro possi-bilitam, oportunamente, uma reflexão sobre as principais questões queenvolvem as universidades brasileiras e o saber-fazer científico dos nos-sos dias.

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MASSART-VINCENT, Josiane. Le temps du pub:territoires du boire en Anglaterre. Paris: Aux Lieuxd’être, 2006. 113p. ISBN 2 916063 24 2

DELMA PESSANHA NEVES* E ANGELA MARIA GARCIA**

O texto de Massart-Vincent, cujo trabalho de campo foirealizado entre 2001 e 2006, configura-se comoetnografia sobre um circuito de pubs na Inglaterra, numalocalidade que recebeu um nome fictício, todavia carac-terizada pela sua reconhecida importância históricacomo centro comercial, sendo hoje também centro deatenção pelo desenvolvimento de atividades de turismoverde e pelo seu charme provincial.

Espalhados por todo o espaço físico e social do domíniobritânico, os pubs – public drinking houses (casas de bebi-das públicas) – apresentam-se como símbolos e atribu-tos do modo de ser inglês ou da cultura nacional. Maisde que isso, pela sua secular continuidade presencial,constituem unidades singulares para a pesquisaempírica, permitindo ainda ao pesquisador observar (emproximidade) e conviver com indivíduos que vivem ereivindicam a reprodução de uma cultura particular.

Conforme adverte a autora, na Inglaterra, freqüentarpubs não é um simples passatempo, mas uma maneirade viver o tempo. Cada cliente pode aí compartilharuma concepção particular de tempo. Reconhecendo essaparticularidade constitutiva da unidade social tomadapara análise, a autora decidiu observar as relações vivi-das nos pubs pelo prisma da temporalidade, conceben-do o tempo como uma forma de registro simbólico, con-certado pelos membros de uma sociedade, que tambémse modelam em torno desta própria concepção. Por isso,ela chama a atenção para o fato de a descrição das horase dos dias vividos nos pubs poder contribuir para a com-preensão de representações sociais, cujos significadostêm sido perseguidos como um dos objetivos fundamen-tais assumidos pela prática dos antropólogos.

* Professora do Programade Pós-graduação em An-tropologia da Universida-de Federal Fluminense, co-ordenadora do Projeto dePesquisa Alcoolismo e Ex-clusão Social e pesquisado-ra do CNPq.

** Doutoranda em Antropo-logia pelo Programa dePós-graduação em Antro-pologia da UniversidadeFederal Fluminense, pes-quisadora no Projeto dePesquisa Alcoolismo e Ex-clusão Social, bolsista CA-PES e autora do livro: E overbo (re)fez o homem:etnografia sobre um grupode Alcoólicos Anônimos.Niterói: Intertexto, 2004.

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Por constituírem unidade social decisiva para a vida cotidiana na socie-dade britânica, a autora eleva aos pubs à mesma categoria, ou status, deimportância atribuída a outras tantas instituições conformadoras de com-portamentos, como as igrejas, por exemplo. As duas instituições, os pubse as igrejas, por transformações sucessivas durante longos séculos, atra-vessaram lado a lado a história do país. Outrossim, adverte ainda a autora:considerar equivalentes essas duas instituições é se dar a possibilidadede, reflexivamente, passar do plano local ao nacional e vice-versa; decompreender os modos de comunicação institucionalizados e informaisque, então, se fixam. Ambas as instituições possuem uma longa históriana devoção a princípios de organização do tempo, cujos significadosnão são apenas abstratos ou filosóficos, mas são também construídos emconformidade com princípios contextuais de organização da sociedade.

Afiliar-se a uma ou a essas duas instituições é conceber-se orientadomediante determinadas referências e ritmos, portanto, é permitir-se,sob certa naturalização, adotar formas de gestão do tempo. A riquezaderivada da eleição desse objeto e desse prisma para a pesquisa revela-se ainda mais importante, porque, se cada indivíduo que freqüenta aigreja e os pubs assim o faz por orientações específicas da forma de con-ceber o tempo, ele também aceita as próprias condições em que osgestores dessas instituições definem e delimitam a diferenciação dos tem-pos. A cada delimitação do tempo correspondem mudanças de formasde freqüência, variações na densidade dos acontecimentos e na compo-sição da clientela, na natureza das ligações que unem os indivíduos nes-se determinado momento. Observar essas duas instituições é, assim, teracesso à compreensão de boa parte dos significados compartilhados entreos co-residentes e das suas possibilidades de desvios comportamentais,mesmo que previstos e constrangidos para um determinado espaço tem-poral e social de convivência ou coexistência. Mais ainda, seguindo osmestres fundadores da moderna antropologia, é reconhecer que as de-finições coletivas do tempo são fatos institucionais vinculados a modosde organização de estruturas de poder, mediante as quais estão alinha-dos os interesses comerciais e associativos, os do trabalho e do lazer, daspráticas atribuídas sagradas ou profanas. É então, e por fim, também sepermitir compreender valores que vão se consolidando por históriaslongas de sistemas de pensamento e ação, como é o caso do cristianis-mo.

Da mesma forma, acompanhar historicamente as diversas maneiras debeber (bebidas alcoólicas ou não) é permitir-se a compreensão das inú-meras ocasiões de celebração, de demarcação de ciclos agrários, de ritos

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de passagem, de festas do calendário religioso, articulando analitica-mente as compatibilidades e incompatibilidades do uso de bebidas alco-ólicas no ambiente familiar ou doméstico e nas situações públicas. Por-tanto, igrejas e pubs demonstram, em sua longa história, as condiçõesem que os homens acompanharam, participaram e repercutiram as gran-des mutações sociais, econômicas e técnicas do país; construíram ereadaptaram os regimes alimentares; definiram e delimitaram os espa-ços atribuídos às práticas femininas, em especial segundo os modos desociabilidade diferenciados pelo gênero; e as formas de diversão asso-ciadas à ingestão de bebidas alcoólicas em lugares públicos.

O trabalho de pesquisa exigiu da autora uma série de negociações paraque ela pudesse acompanhar todos os momentos diferentemente qua-lificados quanto à clientela e à intensidade dos usos permitidos de bebi-da alcoólica. Algumas situações foram, todavia, favorecidas pelo fato dea maior parte dos pubs ser administrada por trabalho familiar. Muitasvezes, as mulheres (as patroas) desempenham um papel muito impor-tante nas moralizações, sempre necessárias ao controle das possibilida-des de extravagâncias, esperadas porque derivadas de ingestão consi-derada inadequada de bebidas alcoólicas ou por perda de controlecomportamental.

Lidando com essa questão, a autora vai destacar que o pub não é apenaso lugar a que se vai parar beber. No caso dos ingleses, ele é um lugar emque se lê jornal ou outra literatura, em que os jovens estudantes prepa-ram seus deveres escolares, elaboram textos e anotações, ou mesmo olugar para não se fazer nada, para apenas “estar”, com ou sem consumode bebidas, alcoólicas ou não, como os refrigerantes, cafés ou chás.

Na condição de pesquisadora-mulher, podia apresentar-se como bebe-dora, desde que demonstrasse o savoir-faire necessário à absorção dequantidades contextualmente eleitas “normais”, isto é, sem risco de seembriagar ou de se expandir segundo padrões não habituais. Jamaispoderia colocar-se na condição dos autênticos bebedores, consagradospela quantidade de consumo de bebidas, mas também pelo correspon-dente controle comportamental. Todavia, também enfrentava dificul-dades de convivência quando se negava a beber em situações em que aoferta estava referenciada por gestos de sociabilidade e hospitalidadedos clientes qualificados como fiéis ou habitués. Era preciso, então, queela se justificasse diante dos habituais bebedores, que demonstravamconstrangimentos pelo seu comportamento, inadequado para o contex-to.

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Todas essas barreiras foram consideradas partes inerentes aos dadosempíricos. Elas demonstravam crenças consagradas por um certo lu-gar-comum, segundo as quais o consumo de álcool afeta a convivência,mas demonstravam sobretudo que public drinking houses não são públi-cos em todos os momentos e na mesma amplitude. A clientela deve apren-der a conviver com essas oscilações e tomar distância daqueles que asdesconsideram. Os pubs também são o lugar da grande observação, ondediversos atributos de pertencimento social são dramatizados pela apa-rência vestimentária, pela escolha da bebida, pela ocupação socio-profissional do bebedor ou pela sua própria motivação para ali estar ebeber. Portanto, adverte ela, um bebedor, mesmo que cliente habitual, éatingido pela situação de proximidade da qual escolhe participar e prin-cipalmente pelos olhares dos que não bebem ou dos que bebem sobmaior controle. Por isso mesmo, fazem parte do ambiente dos pubs asconversas recorrentes sobre as gafes e os desencontros ou defasagenscomportamentais. E conclui, então, que o pub é um lugar de convivên-cia, mas antes de tudo um lugar de compromissos e cumplicidades variá-veis, segundo situações cambiantes.

Orientada pelo refinamento dos dados etnográficos, a autora apresentauma diversidade de possibilidades de apresentação dos pubs: os elemen-tos visuais que valorizam determinadas insígnias para a clientela, masque são também essenciais nas estratégias de marketing por parte dosproprietários. Da mesma forma, levanta exaustivamente, em cada uni-dade do circuito analisada, os diversos modos de gestão e de comporta-mento da clientela, o papel do proprietário nas relações de vizinhança,o pertencimento social dos consumidores e suas maneiras de beber.Mostra, enfim, o ambiente do estabelecimento, dificilmente apreendidopela observação visual, mas principalmente por uma convivência pro-longada, capaz de criar as necessárias sintonias e comunhão de signifi-cados que vão sendo construídos, tão variados conforme os diversosciclos de oferta de serviços inerentes aos pubs.

Levando em conta a dimensão temporal, a autora demonstra que du-rante muitos anos o pub foi visto como um lugar público ligado à ex-pressão ou à colocação em cena de uma certa masculinidade. Emcontraposição, a casa, domínio privado, era acima de tudo o universodas mulheres, lugar do exercício de seu status de esposa e mãe. Emconseqüência, a cada uma dessas esferas correspondiam tipos específi-cos de bebida. Esta polaridade foi reforçada no século XIX, contextoem que os investimentos na separação das esferas pública e privadaforam amplamente dramatizados. O chá era sempre servido como de-

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monstração do devotado papel da mãe e da esposa na atenção aos mem-bros da família.

Nas sociedades pré-industriais, esta separação dos papéis e dos espaços,tanto para os adultos como para as crianças, fora bastante demarcada. Abebida alcoólica era, de uma forma geral, banida do ambiente domésti-co. Entretanto, os pubs, no momento atual, sinalizam situações de mu-danças que derivam da luta pela emancipação das mulheres ou dos mo-vimentos militantes feministas. Todavia, as distinções ainda se mantêmquanto às maneiras de beber e às escolhas de consumo. Por isso, relembraa autora, boa parte dos etnólogos mantém-se comprometida com umavisão de que o consumo do álcool era, e é, indissociado de uma certaidéia de virilidade masculina. No momento atual, essas distinções, ob-servadas as especificidades das situações empíricas, devem ser supera-das, restando apenas uma certa reafirmação na hierarquia socioeco-nômica dos estabelecimentos. Alguns se mantêm como fortalezas mas-culinas, mas antes de mais nada, populares; outros estão amplamenteabertos a uma convivência sistemática ou ocasional com as mulheres.Todavia, chamando a atenção para os casos estudados, estas mudançasnão chegam a eliminar as distinções que são requeridas quanto ao tipode bebida e às formas distintivas de consumo: entre as classes populareshá geralmente preferência pela cerveja, e entre as classes médias prefe-rem-se vinhos, bem como outras modalidades de bebidas autorizadasem restaurantes e nas próprias casas.

Portanto, os pubs cumprem esta função de testemunho da história dassociabilidades urbanas e rurais, da divisão dos espaços sociais, tendoincorporado uma série de bebidas que estiveram presentes apenas nodomínio doméstico, como é o caso dos tradicionais chás e cafés.

A autora também se dedica à construção de uma diferenciada tipologiados consumidores, chamando a atenção para o freqüentador solitário,sempre colocado sob olhar de suspeição, posto que a conversação ésempre uma forma esperada e recomendada de sociabilidade, operan-do como recurso de regulação de trocas espontâneas dos usuários en-tre si e deles com o proprietário do pub. Para a maior parte da clientelae o proprietário do pub, conversação e consumo de bebidas são comple-mentares e justificam os longos momentos de convivência no ambiente.

Para que essas funções de controle e cumplicidade mútua sejam bemexercidas, é fundamental que o consumidor cultive uma relativa assi-duidade, uma atenção para com os outros consumidores, uma demons-tração de interesse por eles – todas maneiras de demonstração de com-

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petências para se tornar participante habitual. O bebedor assíduo faz,assim, demonstração de conhecimento de um saber cultivado interna-mente aos que assim se correspondem, restrito, mas partilhado por umgrupo que se apóia constituindo ligações de familiaridade, por vezesdevendo ser relativamente fechadas. O pub representa, assim, um dosquadros associativos de adesão a um grupo, a tal ponto que algunsdesses estabelecimentos são qualificados como comunitários.

Dedica-se também a autora ao estudo do papel desempenhado peloproprietário do pub e pela ação complementar e fundamental de suaesposa. Ele ocupa uma posição de escuta e de mediação em relação auma série de questões locais, sendo mesmo depositário de segredos. Porisso, dele é exigido uma quase impossível neutralidade, mesmo que tam-bém dele se espere a reafirmação do papel de porta-voz de interessesparticulares; dele se exige uma dedicação quase integral, de modo queo pub esteja aberto ou disponível quase todo o tempo ou que esteja aces-sível todos os dias. Por isso, os pubs preferidos são aqueles em que osproprietários residem neles. Os proprietários precisam assim aprender,mesmo que com dificuldades, a separar o universo do trabalho do uni-verso privado, esferas, entretanto, contaminadas diante da visibilidadeque eles têm na cena política e na vida social. Diante desta posição, tam-bém cabem ao seu savoir-faire os investimentos para preservar seu espa-ço de vida pessoal, cujo resultado exprime também sua competênciaprofissional. Estes atributos são de tal ordem de importância que é co-mum, entre a clientela, a justificativa da transferência da escolha do pubque freqüentava cotidianamente diante de comportamentos julgadosinadequados para a posição de proprietários ou trabalhadores do pub. Éassim fundamental entender estas proximidades e formalidades neces-sárias à construção da relação entre o proprietário do pub e os consumi-dores. Neste domínio exercem papel especial as esposas, reputadas, an-tes de tudo, por sua figura de autoridade moral, demonstrada pela ne-cessidade de manter distância social vis-à-vis os clientes e os consumido-res habituais. As esposas são consideradas pivôs do sucesso do estabele-cimento, exercendo o papel de autoridade moral, sendo garantia deseriedade. Ela pode se impor aos clientes adultos e masculinos, exata-mente pela pressuposta interdição ao afrontamento físico, a que o pro-prietário nem sempre está imune. Complementando a análise da estru-tura de autoridade necessária à condição de garantia de todo espaçopúblico, os clientes assíduos ou fiéis têm também um papel fundamen-tal. Eles exercem controle sobre os novatos e mesmo sobre os membrosde seu próprio grupo, lembrando os limites e as regras, os acordos táci-tos ou oficiais, construídos nos ou para esses estabelecimentos.

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Embora cada proprietário de pub invista para que seja reconhecida asingularidade de seu estabelecimento, nenhum deles pode ser compreen-dido por si mesmo. São partes de um circuito de clientelas e de concor-rência entre proprietários, compondo o conjunto das ofertas de servi-ços que lhes são inerentes.

A autora, por meio desta etnografia, embora lidando com uma temáticabastante explorada em pesquisas, singulariza-se e presta contribuiçãoespecial ao campo acadêmico, tendo em vista a forma de construção doobjeto de pesquisa, centrada nas inúmeras concepções de tempo, histó-rica e espacialmente diversas. Oferece aos antropólogos mais um exer-cício bem-sucedido de articulação de esquemas de interpretações des-critivas e situacionais com as articulações de universos de significaçãoreconhecidos em planos nacionais, isto é, como se realizam em planolocal valores e referências da vida nacional. Ora, tanto pubs como igrejassão guardiões de um calendário partilhado por um conjunto de resi-dentes locais e nacionais; ou são relógios vivos que contam e registramvárias formas de temporalidade. Tanto por meio dos pubs como das igre-jas, por afiliações marcadas por uma longa fidelidade, indivíduos, gru-pos e famílias registram sua história e sua saga de consagração a formasde sociabilidade, de convivência comunitária, de controle do comporta-mento, todavia, no caso do pub, espaço relativamente descontraído, pró-prio para criar o ambiente favorável às diversas maneiras de tensionar ecolocar à prova os limites moralizantes de sociabilidade.

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RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDASNO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ANTROPOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

1 TÍTULO: UM ABRAÇO PARA TODOS OS AMIGOSAutor: Antonio Carlos Rafael BarbosaOrientador: Prof. Dr. José Carlos RodriguesData da defesa: 16/1/1997

2 TÍTULO: A PRODUÇÃO SOCIAL DA MORTE E MORTESIMBÓLICA EM PACIENTES HANSENIANOS

Autor: Cristina Reis MaiaOrientador: Prof. Dr. José Carlos RodriguesData da defesa: 2/4/1997

3 TÍTULO: PRÁTICAS ACADÊMICAS E O ENSINOUNIVERSITÁRIO: UMA ETNOGRAFIA DAS FORMASDE CONSAGRAÇÃO E TRANSMISSÃO DO SABERNA UNIVERSIDADE

Autor: Paulo Gabriel Hilu da Rocha PintoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa:16/6/1997

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4 TÍTULO: “DOM”, “ILUMINADOS” E “FIGURÕES”:UM ESTUDO SOBRE A REPRESENTAÇÃO DAORATÓRIA NO TRIBUNAL DO JÚRI DO R IO DEJANEIRO

Autor: Alessandra de Andrade RinaldiOrientador: Prof. Dr. Luiz de Castro FariaData da defesa: 3/1/1997

5 TÍTULO: MUDANÇA IDEOLÓGICA PARA A QUALIDADEAutor: Miguel Pedro Alves CardosoOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 7/10/1997

6 TÍTULO: CULTO ROCK A RAUL SEIXAS: SOCIEDADEALTERNATIVA ENTRE REBELDIA E NEGOCIAÇÃO

Autor: Monica BuarqueOrientador: Prof. Dr. José Carlos RodriguesData da defesa: 19/12/1997

7 TÍTULO: A CAVALGADA DO SANTO GUERREIRO: DUASFESTAS DE SÃO JORGE EM SÃO GONÇALO/RIO DE JANEIRO

Autor: Ricardo Maciel da CostaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 23/12/1997

8 TÍTULO: A LOUCURA NO MANICÔMIO JUDICIÁRIO:A PRISÃO COMO TERAPIA, O CRIME COMOSINTOMA, O PERIGO COMO VERDADE

Autor: Rosane Oliveira CarreteiroOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 6/2/1998

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9 TÍTULO: ARTICULAÇÃO CASA E TRABALHO: MIGRANTES“NORDESTINOS” NAS OCUPAÇÕES DEEMPREGADA DOMÉSTICA E EMPREGADOS DEEDIFÍCIO

Autor: Fernando Cordeiro BarbosaOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 4/3/1998

10 TÍTULO: ENTRE “MODERNIDADE” E “TRADIÇÃO”:A COMUNIDADE ISLÂMICA DE MAPUTO

Autor: Fátima Nordine MussaOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 11/3/1998

11 TÍTULO: OS INTERESSES SOCIAIS E A SECTARIZAÇÃO DADOENÇA MENTAL

Autor: Cláudio Lyra BastosOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 21/5/1998

12 TÍTULO: PROGRAMA MÉDICO DE FAMÍLIA: MEDIAÇÃO ERECIPROCIDADE

Autor: Gláucia Maria Pontes MouzinhoOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 24/5/1999

13 TÍTULO: O IMPÉRIO E A ROSA: ESTUDO SOBRE ADEVOÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

Autor: Margareth da Luz CoelhoOrientador: Prof. Dr. Arno VogelData da defesa: 13/7/1998

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14 TÍTULO: DO MALANDRO AO MARGINAL:REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS HERÓISNO CINEMA BRASILEIRO

Autor: Marcos Roberto MazaroOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 30/10/1998

15 TÍTULO: PROMETER-CUMPRIR: PRINCÍPIOS MORAIS DAPOLÍTICA: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕESSOBRE A POLÍTICA CONSTRUÍDAS POR ELEITORESE POLÍTICOS

Autor: Andréa Bayerl MongimOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 21/1/1999

16 TÍTULO: O SIMBÓLICO E O IRRACIONAL: ESTUDO SOBRESISTEMAS DE PENSAMENTO E SEPARAÇÃOJUDICIAL

Autor: César Ramos BarretoOrientador: Prof. Dr. José Carlos RodriguesData da defesa: 10/5/1999

17 TÍTULO: EM TEMPO DE CONCILIAÇÃOAutor: Angela Maria Fernandes Moreira-LeiteOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 15/7/1999

18 TÍTULO: NEGROS, PARENTES E HERDEIROS: UM ESTUDODA REELABORAÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA NACOMUNIDADE DE RETIRO, SANTA LEOPOLDINA– ES

Autor: Osvaldo Marins de OliveiraOrientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’DwyerData da defesa: 13/8/1999

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19 TÍTULO: SISTEMA DA SUCESSÃO E HERANÇA DA POSSEHABITACIONAL EM FAVELA

Autor: Alexandre de Vasconcellos WeberOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 25/10/1999

20 TÍTULO: E NO SAMBA FEZ ESCOLA: UM ESTUDO DECONSTRUÇÃO SOCIAL DE TRABALHADORES EMESCOLA DE SAMBA

Autor: Cristina Chatel VasconcellosOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 5/11/1999

21 TÍTULO: CIDADÃOS E FAVELADOS: OS PARADOXOS DOSPROJETOS DE (RE)INTEGRAÇÃO SOCIAL

Autor: André Luiz Videira de FigueiredoOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 19/11/1999

22 TÍTULO: DA ANCHOVA AO SALÁRIO MÍNIMO: UMAETNOGRAFIA SOBRE INJUNÇÕES DE MUDANÇASOCIAL EM ARRAIAL DO CABO/RJ

Autor: Simone Moutinho PradoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 25/2/2000

23 TÍTULO: PESCADORES E SURFISTAS: UMA DISPUTA PELOUSO DO ESPAÇO DA PRAIA GRANDE

Autor: Delgado Goulart da CunhaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 28/2/2000

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24 TÍTULO: PRODUÇÃO CORPORALDA MULHER QUE DANÇA

Autor: Sigrid HoppeOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 27/4/2000

25 TÍTULO: A PRODUÇÃO DA VERDADE NAS PRÁTICASJUDICIÁRIAS CRIMINAIS BRASILEIRAS: UMAPERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA DE UMPROCESSO CRIMINAL

Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos FigueiraOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 21/9/2000

26 TÍTULO: CAMPO DE FORÇA: SOCIABILIDADE NUMATORCIDA ORGANIZADA DE FUTEBOL

Autor: Fernando Manuel Bessa FernandesOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 22/9/2000

27 TÍTULO: RESERVAS EXTRATIVISTAS MARINHAS: UMAREFORMA AGRÁRIA NO MAR? UMA DISCUSSÃOSOBRE O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DARESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE ARRAIAL DOCABO/RJ

Autor: Ronaldo Joaquim da Silveira LobãoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 29/11/2000

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28 TÍTULO: PATRULHANDO A CIDADE: O VALOR DOTRABALHO E A CONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOSEM UM PROGRAMA RADIOFÔNICO

Autor: : Edilson Márcio Almeida da SilvaOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 8/12/2000

29 TÍTULO: LOUCOS DE RUA: INSTITUCIONALIZAÇÃO XDESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Autor: Ernesto Aranha AndradeOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 8/3/2001

30 TÍTULO: FESTA DO ROSÁRIO: ICONOGRAFIA E POÉTICADE UM RITO

Autor: Patrícia de Araújo Brandão CoutoOrientador: Profª Drª Tania Stolze LimaData da defesa: 8/5/2001

31 TÍTULO: OS CAMINHOS DO LEÃO: UMA ETNOGRAFIA DOPROCESSO DE COBRANÇA DO IMPOSTO DERENDA

Autor: Gabriela Maria Hilu da Rocha PintoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 7/8/2001

32 TÍTULO: REPRESENTAÇÕES POLÍTICAS: ALTERNATIVAS ECONTRADIÇÕES – DAS MÚLTIPLASPOSSIBILIDADES DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NACÂMARA MUNICIPAL DO R IO DE JANEIRO

Autor: Delaine Martins CostaOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 27/9/2001

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33 TÍTULO: CAPOEIRAS E MESTRES: UM ESTUDO DECONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES

Autor: Mariana Costa AderaldoOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 29/10/2001

34 TÍTULO: ÍNDIOS MISTURADOS: IDENTIDADES EDESTERRITORIALIZAÇÃO NO SÉCULO XIX

Autor: Márcia Fernanda MalheirosOrientador: Profª Drª Tania Stolze LimaData da defesa: 17/12/2001

35 TÍTULO: TRABALHO E EXPOSIÇÃO: UM ESTUDO DAPERCEPÇÃO AMBIENTAL NAS INDÚSTRIASCIMENTEIRAS DE CANTAGALO/ RJ – BRASIL

Autor: Maria Luiza Erthal MeloOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Ma-chado de Freitas (co-orientador)Data da defesa: 4/5/2001

36 TÍTULO: SAMBA, JOGO DO BICHO E NARCOTRÁFICO:A REDE DE RELAÇÕES QUE SE FORMA NAQUADRA DE UMA ESCOLA DE SAMBA EM UMAFAVELA DO R IO DE JANEIRO

Autor: Alcyr Mesquita CavalcantiOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 20/12/2001

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37 TÍTULO: MÃOS DE ARTE E O SABER-FAZER DOSARTESÃOS DE ITACOARECI: UM ESTUDOANTROPOLÓGICO SOBRE SOCIALIDADE,IDENTIDADES E IDENTIFICAÇÕES LOCAIS

Autor: Marzane Pinto de SouzaOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da SilvaData da defesa: 6/2/2002

38 TÍTULO: DO ALTO DO RIO EREPECURU À CIDADE DEORIXIMINÁ: A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇOSOCIAL EM UM NÚCLEO URBANO DA AMAZÔNIA

Autor: Andréia Franco LuzOrientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’DwyerData da defesa: 27/3/2002

39 TÍTULO: O FIO DO DESENCANTO: TRAJETÓRIA ESPACIALE SOCIAL DE ÍNDIOS URBANOS EM BOA V ISTA

(RR)Autor: Lana Araújo RodriguesOrientador: Prof. Dr. José Carlos RodriguesData da defesa: 27/3/2002

40 TÍTULO: DEUS É PAI: PROSPERIDADE OU SACRIFÍCIO?CONVERSÃO, RELIGIOSIDADE E CONSUMO NAIGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

Autor: Maria José SoaresOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 1/4/2002

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41 TÍTULO: NEGROS EM ASCENSÃO SOCIAL: PODER DECONSUMO E VISIBILIDADE

Autor: Lidia Celestino MeirelesOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 1/4/2002

42 TÍTULO: A CULTURA MATERIAL DA NOVA ERA E O SEUPROCESSO DE COTIDIANIZAÇÃO

Autor: Juliana Alves MagaldiOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 20/7/2002

43 TÍTULO: A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EMPIRENÓPOLIS, GOIÁS: POLARIDADESSIMBÓLICAS EM TORNO DE UM RITO

Autor: Felipe Berocan VeigaOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 1/7/2002

44 TÍTULO: PRIVATIZAÇÃO E RECIPROCIDADE PARATRABALHADORES DA CERJ EM ALBERTO

TORRES/RJAutor: Cátia Inês Salgado de OliveiraOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da SilvaData da defesa: 4/7/2002

45 TÍTULO: CADA LOUCO COM A SUA MANIA, CADAMANIA DE CURA COM A SUA LOUCURA

Autor: Patricia Pereira PavesiOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 7/1/2003

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46 TÍTULO: LINGUAGEM DE PARENTESCO E IDENTIDADESOCIAL, UM ESTUDO DE CASO: OSMORADORES DE CAMPO REDONDO

Autor: Cátia Regina de Oliveira MottaOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da SilvaData da defesa: 7/1/2003

47 TÍTULO: VILA MIMOSA II: A CONSTRUÇÃO DO NOVO

CONCEITO DA ZONAAutor: Soraya Silveira SimõesOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 20/1/2003

48 TÍTULO: TÃO PERTO, TÃO LONGE: ETNOGRAFIA SOBRERELAÇÕES DE AMIZADE NA FAVELA DAMANGUEIRA NO R IO DE JANEIRO

Autor: Geovana Tabachi SilvaOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 20/1/2003

49 TÍTULO: O MERCADO DOS ORIXÁS: UMA ETNOGRAFIADO MERCADÃO DE MADUREIRA NO RIO DEJANEIRO

Autor: Carlos Eduardo Martins Costa MedawarOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 20/1/2003

50 TÍTULO: PARA ALÉM DA “PORTA DE ENTRADA”: USOS EREPRESENTAÇÕES SOBRE O CONSUMO DACANABIS ENTRE UNIVERSITÁRIOS

Autor: Jóvirson José MilagresOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 10/6/2003

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51 TÍTULO: E O VERBO (RE)FEZ O HOMEM: ESTUDO DOPROCESSO DE CONVERSÃO DO ALCOÓLICOATIVO EM ALCOÓLICO PASSIVO

Autor: Angela Maria GarciaOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 12/6/2003

52 TÍTULO: LE SOUFFLE AU COEUR & DAMAGE: QUANDOO MESMO TOCA O MESMO EM 24 QUADROSPOR SEGUNDO (LOUIS MALLE E A TEMÁTICA DOINCESTO)

Autor: Débora Breder BarretoOrientador: Profª Drª Lygia Baptista Pereira Segala PaulettoData da defesa: 24/6/2003

53 TÍTULO: O FACCIONALISMO XAVANTE NA TERRAINDÍGENA SÃO MARCOS E A CIDADE DEBARRA DAS GARÇAS

Autor: Paulo Sérgio DelgadoOrientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’DwyerData da defesa: 24/6/2003

54 TÍTULO: CARTOGRAFIA NATIVA: A REPRESENTAÇÃO DOTERRITÓRIO, PELOS GUARANI KAIOWÁ, PARA OPROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DEVERIFICAÇÃO DA FUNAI

Autor: Ruth Henrique da SilvaOrientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’DwyerData da defesa: 27/6/2003

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55 TÍTULO: NEM MUITO MAR, NEM MUITA TERRA. NEM

TANTO NEGRO, NEM TANTO BRANCO: UMADISCUSSÃO SOBRE O PROCESSO DECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA COMUNIDADEREMANESCENTE DE QUILOMBOS NA ILHA DAMARAMBAIA/RJ

Autor: Fábio Reis MotaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 27/6/2003

56 TÍTULO: PENDURA ESSA: A COMPLEXA ETIQUETA DERECIPROCIDADE EM UM BOTEQUIM DO R IO DEJANEIRO

Autor: Pedro Paulo Thiago de MelloOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 30/6/2003

57 TÍTULO: JUSTIÇA DESPORTIVA: UMA COEXISTÊNCIAENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

Autor: Wanderson Antonio JardimOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, Profª Drª SimoniLahud Guedes (co-orientadora)Data da defesa: 30/6/2003

58 TÍTULO: O TEU CABELO NÃO NEGA? UM ESTUDO DEPRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES SOBRE O CABELO

Autor: Patrícia Gino BouzónOrientador: Prof. Dr. José Sávio LeopoldiData da defesa: 5/2/2004

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59 TÍTULO: USOS E SIGNIFICADOS DO VESTUÁRIOENTRE ADOLESCENTES

Autor: Joana MacintoshOrientador: Profª Drª Laura Graziela Figueiredo Fernandes GomesData da defesa: 16/2/2004

60 TÍTULO: A CIENTIFIZAÇÃO DA ACUPUNTURA MÉDICA NOBRASIL: UMA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA

Autor: Durval Dionísio Souza MotaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant Lima; Profª Drª Simoni LahudGuedes (co-orientadores)Data da defesa: 19/2/2004

61 TÍTULO: DAS PRÁTICAS E DOS SEUS SABERES:A CONSTRUÇÃO DO “FAZER POLICIAL” ENTRE ASPRAÇAS DA PMERJ

Autor: Haydée Glória Cruz CarusoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant LimaData da defesa: 19/2/2004

62 TÍTULO: O PROCESSO DENUNCIADOR – RETÓRICAS,FOBIAS E JOCOSIDADES NA CONSTRUÇÃOSOCIAL DO DENGUE EM 2002

Autor: Anamaria de Souza FagundesOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 29/3/2004

63 TÍTULO: RUA DOS INVÁLIDOS, 124 –A VILA É A CASA DELES

Autor: Marcia CörnerOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 29/3/2004

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64 TÍTULO: SANTA TECLA, GRAÇA E LARANJAL: REGRASDE SUCESSÃO NAS CASAS DE ESTÂNCIA DOBRASIL MERIDIONAL

Autor: Ana Amélia Cañez XavierOrientador: Profª Drª Eliane Catarino O’DwyerData da defesa: 25/5/2004

65 TÍTULO: DESEMPREGO E MALABARISMOS CULTURAISAutor: Valena Ribeiro Garcia RamosOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 31/5/2004

66 TÍTULO: DIMENSÕES DA SEXUALIDADE NA VELHICE:ESTUDOS COM IDOSOS EM UMA AGÊNCIAGERONTOLÓGICA

Autor: Rosangela dos Santos BauerOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData da defesa: 9/6/2004

67 TÍTULO: LAVRADORES DE SONHOS: ESTRUTURASELEMENTARES DO VALOR CULTURAL NACONFORMAÇÃO DO VALOR ECONÔMICO. UMESTUDO SOBRE A PROPRIEDADE CAPIXABA NOMUNICÍPIO DE VITÓRIA

Autor: Alexandre Silva RampazzoOrientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro NevesData da defesa: 26/7/2004

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68 TÍTULO: RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS:QUANDO O RISCO E O APOIO CAMINHAMLADO A LADO

Autor: Ricardo Agum RibeiroOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da SilvaData da defesa: 28/1/2005

69 TÍTULO: A ESCOLHA: UM ESTUDO ANTROPOLÓGICOSOBRE A ESCOLHA DO CÔNJUGUE

Autor: Paloma Rocha Lima MedinaOrientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro NevesData da defesa: 3/2/2005

70 TÍTULO: AGRICULTORES ORGÂNICOS DO RIO

DA PRATA (RJ): LUTA PELA PRESERVAÇÃOSOCIAL

Autor: Pedro Fonseca LealOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 23/2/2005

71 TÍTULO: UMA COMUNIDADE EM TRANSFORMAÇÃO:MODERNIDADE, ORGANIZAÇÃO E CONFLITONAS ESCOLAS DE SAMBA

Autor: Fabio Oliveira PavãoOrientador: Prof. Dr. José Sávio LeopoldiData da defesa: 28/2/2005

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72 TÍTULO: ESCULHAMBA, MAS NÃO ESCULACHA: UMRELATO SOBRE USO DOS TRENS DA CENTRAL DOBRASIL, NO R IO DE JANEIRO, ENFATIZANDO ASPRÁTICAS E OS CONFLITOS RELACIONADOS ACOMERCIANTES AMBULANTES E OUTROS ATORES,NAQUELE ESPAÇO SOCIAL

Autor: Lênin dos Santos PiresOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 28/2/2005

73 TÍTULO: O PORTEIRO, O PANÓPTICO BRASILEIRO:AS TRANSFORMAÇÕES DO SABER-FAZERE DO SABER-LIDAR DESTE TRABALHADOR

Autor: Roberta de Mello CorreaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 18/3/2005

74 TÍTULO: TEMPO, TRABALHO E MODO DE VIDA:ESTUDO DE CASO ENTRE PROFISSIONAISDA ENFERMAGEM

Autor: Renata Elisa da Silveira SoaresOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData da defesa: 8/4/2005

75 TÍTULO: ESPAÇO URBANO E SEGURANÇA PÚBLICA:ENTRE O PÚBLICO, O PRIVADO E O PARTICULAR

Autor: Vanessa de Amorim Pereira CortesOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 18/4/2005

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76 TÍTULO: VIDA APÓS A MORTE: SALVO OU CONDENADO?Autor: Andréia Vicente da SilvaOrientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro NevesData da defesa: 9/5/2005

77 TÍTULO: DRAMAS SOCIAIS, REALIDADEE REPRESENTAÇÃO:A FAMÍLIA BRASILEIRA VISTA PELA TV

Autor: Shirley Alves TorquatoOrientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. GomesData da defesa: 11/5/2005

78 TÍTULO: CONSUMIDOR CONSCIENTE, CIDADÃONEGLIGENTE?

Autor: Michel Magno de VasconcelosOrientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. GomesData da defesa: 18/5/2005

79 TÍTULO: PAIXÃO PELA POLÍTICA E POLÍTICADOS PAIXÃO: FAMÍLIA E CAPITAL POLÍTICO EMUM MUNICÍPIO FLUMINENSE

Autor: Carla Bianca Vieira de Castro FigueiredoOrientador: Prof. Dr. Marcos Otávio BezerraData da defesa: 6/3/2006

80 TÍTULO: QUANDO A LAGOA VIRA PASTO:UM ESTUDO SOBRE AS DIFERENTES FORMASDE APROPRIAÇÃO E CONCEPÇÃODOS ESPAÇOS MARGINAIS DA LAGOA FEIA–RJ

Autor: Carlos Abraão Moura ValpassosOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 6/3/2006

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81 TÍTULO: O DONO DA ROTA:ETNOGRAFIA DE UM VENDEDORNO CENTRO URBANO DO R IO DE JANEIRO

Autor: Flavio Conceição da SilveiraOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 6/3/2006

82 TÍTULO: OS CAMINHOS DA MARÉ:A TURMA 302 DO CIEP SAMORA MACHEL

E A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇOAutor: Lucia Maria Cardoso de SouzaOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 7/3/2006

83 TÍTULO: OS CIGANOS DE CALON DO CATUMBI:OFÍCIO, ETNOGRAFIA E MEMÓRIA URBANA

Autor: Mirian Alves de SouzaOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 9/3/2006

84 TÍTULO: DISQUE-DENÚNCIA: A ARMA DO CIDADÃO.PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA VERDADEA PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA CENTRAL

DISQUE-DENÚNCIA DO R IO DE JANEIROAutor: Luciane Patrício Braga de MoraesOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 9/3/2006

85 TÍTULO: QUANDO O PEIXE MORRE PELA BOCA:OS “CASOS DE POLÍCIA” NA JUSTIÇA FEDERALARGENTINA NA CIDADE DE BUENOS AIRES

Autor: Lucía EilbaumOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 10/3/2006

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86 TÍTULO: A DÁDIVA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO:UM ESTUDO DO DOM MONÁDICO

Autor: Fabiano NascimentoOrientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro NevesData da defesa: 10/3/2006

87 TÍTULO: A FUMAÇA DA DISCÓRDIA: DA REGULAÇÃODO CONSUMO E O CONSUMO DE CIGARROS

Autor: Patrícia da Rocha GonçalvesOrientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro NevesData da defesa: 10/3/2006

88 TÍTULO: FAMÍLIA, REDES DE SOCIABILIDADEE CASA PRÓPRIA: UM ESTUDO ETNOGRÁFICOEM UMA COOPERATIVA HABITACIONAL EMSÃO GONÇALO, RJ

Autor: Michelle da Silva LimaOrientador: Profa Dra Simoni Lahud GuedesData da defesa: 10/3/2006

89 TÍTULO: IDENTIDADE, CONHECIMENTO E PODERNA COMUNIDADE MUÇULMANADO RIO DE JANEIRO

Autor: Gisele Fonseca ChagasOrientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu Pinto da RochaData da defesa: 10/3/2006

90 TÍTULO: COMÉRCIO AMBULANTE NA CIDADEDO RIO DE JANEIRO: A APROPRIAÇÃODO ESPAÇO PÚBLICO

Autor: Marcelo Custódio da SilvaOrientador: Prof. Dr. José Sávio LeopoldiData da defesa: 10/3/2006

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91 TÍTULO: REVITALIZAÇÃO URBANA EM NITERÓI:UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA.

Autor: André Amud BotelhoOrientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. GomesData de defesa: 31/03/2006

92 TÍTULO: EDUCANDOS E OS EDUCADORES:IMAGENS REFLETIDAS. ESTUDODO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃODE CATEGORIA OCUPACIONAL

Autor: Arlete Inácio dos SantosOrientador: Profª Drª Delma Pessanha NevesData de defesa: 28/04/2006

93 TÍTULO: SOBRE A DISCIPLINA NO FUTEBOLBRASILEIRO – UMA ABORDAGEM PELAJUSTIÇA DESPORTIVA BRASILEIRA

Autor: André Gil Ribeiro de AndradeOrientador: Profª Drª Simoni Lahud GuedesData de defesa: 25/05/2006

94 TÍTULO: POLÍCIA PARA QUEM PRECISA: UM ESTUDOSOBRE TUTELA E REPRESSÃO DO GPAE NOMORRO DO CAVALÃO (NITERÓI)

Autor: Sabrina Souza da SilvaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData de defesa: 30/06/2006

95 TÍTULO: MOBILIDADE ESPACIAL E CAMPESINATO:GESTÃO DE ALTERNATIVAS ESCASSAS

Autor: Gil Almeida FélixOrientadora: Profa Dra Delma Pessanha NevesData da defesa: 30/06/2006

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RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDASNO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM CIÊNCIA POLÍTICA

CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

1 TÍTULO: GESTÃO DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL:A ADMINISTRAÇÃO DO PARTIDO DOSTRABALHADORES NO MUNICÍPIO DEANGRA DOS REIS

Autor: Claudio BatistaOrientador: Prof. Dr. José Ribas VieiraData da defesa: 17/10/1997

2 TÍTULO: UTOPIA REVOLUCIONÁRIA VERSUS REALISMOPOLÍTICO: O DILEMA DOS PARTIDOS SOCIALISTASNA ÓTICA DOS DIRIGENTES DO PT FLUMINENSE

Autor: Gisele dos Reis CruzOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraujoData da defesa: 7/11/1997

3 TÍTULO: RELAÇÃO ONG–ESTADO: O CASO ABIAAutor: Jacob Augusto Santos PortelaOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraujoData da defesa:18/11/1997

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4 TÍTULO: REFORMA DO ESTADO E POLÍTICA DETELECOMUNICAÇÕES: O IMPACTO DASMUDANÇAS RECENTES SOBRE A EMBRATEL

Autor: José Eduardo Pereira FilhoOrientador: Profª Drª Lívia Neves BarbosaData da defesa: 18/12/1997

5 TÍTULO: ENTRE A DISCIPLINA E A POLÍTICA: CLUBE

MILITAR (1890 – 1897)Autor: Claudia Torres de CarvalhoOrientador: Prof. Dr. Celso CastroData da defesa: 19/12/1997

6 TÍTULO: ASSOCIATIVISMO MILITAR NO BRASIL: 1890/1940

Autor: Tito Henrique Silva QueirozOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 22/12/1997

7 TÍTULO: ESCOLA DE GUERRA NAVAL NA FORMAÇÃODOS OFICIAIS SUPERIORES DA MARINHA DEGUERRA DO BRASIL

Autor: Sylvio dos Santos ValOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 6/2/1998

8 TÍTULO: O PODER LEGISLATIVO REAGE: A IMPORTÂNCIADAS COMISSÕES PERMANENTES NO PROCESSOLEGISLATIVO BRASILEIRO

Autor: Ygor Cervásio Gouvea da SilvaOrientador: Prof. Dr. Fabiano Guilherme Mendes dos SantosData da defesa: 13/8/1998

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9 TÍTULO: A EXPERIÊNCIA DO ITAMARATY DE 84 A 96:ENTRE A TRADIÇÃO E A MUDANÇA

Autor: Joana D’Arc Fernandes FerrazOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 15/9/1998

10 TÍTULO: CENTRAIS SINDICAIS E SINDICATOSAutor: Fernando Cesar Coelho da CostaOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraujoData da defesa: 16/11/1998

11 TÍTULO: A DIMENSÃO POLÍTICA DA FAMÍLIA NASOCIEDADE BRASILEIRA: O CONFLITO DEREPRESENTAÇÕES

Autor: Guiomar de Lemos FerreiraOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 15/12/1998

12 TÍTULO: A OMS, O ESTADO E A LEGISLAÇÃOCONTRÁRIA AO TABAGISMO: OS PARADOXOS DEUMA AÇÃO

Autor: Mauro Alves de AlmeidaOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 21/12/1998

13 TÍTULO: VIOLÊNCIA E RACISMO NO RIO DE JANEIROAutor: Jorge da SilvaOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 23/12/1998

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14 TÍTULO: NOVAS DEMOCRACIAS: AS VISÕES DE ROBERT

DAHL, GUILLERMO O’DONNEL E ADAM

PRZEWORSKIAutor: Jaime BaronOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 16/7/1999

15 TÍTULO: CONSELHO TUTELAR: A PARTICIPAÇÃO POPULARNA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA DA CRIANÇA EDO ADOLESCENTE EM NITERÓI – RJ

Autor: Maria das Graças Silva RaphaelOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 13/12/1999

16 TÍTULO:O LEGISLATIVO MUNICIPAL NO CONTEXTODEMOCRÁTICO BRASILEIRO: UM ESTUDO SOBREA DINÂMICA LEGISLATIVA DA CÂMARA

MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇUAutor: Otair Fernandes de OliveiraOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 20/12/1999

17 TÍTULO: A GERÊNCIA DO PENSAMENTOAutor: Cláudio Roberto Marques GurgelOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 8/2/2000

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO DE JANEIROAutor: Fabiano Costa SouzaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 9/2/2000

18 TÍTULO: VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO: APRODUÇÃO RACIONAL DO MAL – A PRODUÇÃOLEGAL SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA NA

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19 TÍTULO: AS IDÉIAS DE DIREITO NO BRASIL SEISCENTISTAE SUAS REPERCUSSÕES NO EXERCÍCIO E NAJUSTIFICATIVA DO PODER POLÍTICO

Autor: Ana Patrícia Thedin CorrêaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 8/6/2000

20 TÍTULO: AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA:GÊNESE E ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Autor: Priscila Carlos Brandão AntunesOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraújoData da defesa: 25/8/2000

21 TÍTULO: DILEMAS DA REFORMA DA SAÚDE NO BRASILFRENTE À GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA:IMPLEMENTANDO A DESCENTRALIZAÇÃO DOSISTEMA PÚBLICO E A REGULAÇÃO DO SISTEMAPRIVADO DE SAÚDE

Autor: Ricardo Cesar Rocha da CostaOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 22/9/2000

22 TÍTULO: ENTRE O BEM-ESTAR E O LUCRO: HISTÓRICO EANÁLISE DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DASEMPRESAS ATRAVÉS DE ALGUMAS EXPERIÊNCIASSELECIONADAS DE BALANÇO SOCIAL

Autor: Ciro Valério Torres da SilvaOrientador: Prof. Dr. Eduardo Rodrigues GomesData da defesa: 23/10/2000

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23 TÍTULO: OS EMPRESÁRIOS DA EDUCAÇÃO E OSINDICALISMO PATRONAL: OS SINDICATOS DOSESTABELECIMENTOS PRIVADOS DE ENSINO NOESTADO DO R IO DE JANEIRO

Autor: Marcos Marques de OliveiraOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraujoData da defesa: 14/12/2000

24 TÍTULO: COMPORTAMENTO ELEITORAL: ABERTURA EMUDANÇA POLÍTICA EM CABO VERDE

Autor: João Silvestre Tavares Alvarenga VarelaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 16/2/2001

25 TÍTULO: A POLÍTICA COMO BOATO: UMA ANÁLISE DOPROGRAMA DE DESPOLUIÇÃO DA BAÍA DEGUANABARA

Autor: Paulo Rogério dos Santos BaíaOrientador: Prof. Dr. Luis Manuel Rebelo Fernandes, Prof. Dr.Gisálio Cerqueira Filho (co-orientador)Data da defesa: 26/3/2001

26 TÍTULO: TRABALHO E EXPOSIÇÃO: ESTUDO DAPERCEPÇÃO AMBIENTAL NAS INDÚSTRIASCIMENTEIRAS DE CANTAGALO/RJ

Autor: Maria Luzia Erthal MelloOrientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Ma-chado de Freitas (co-orientador)Data da defesa: 4/5/2001

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27 TÍTULO: DA POLÍTICA DE BASTIDORES À FESTA DASDIRETAS: RAZÃO, EMOÇÃO E TRANSAÇÃO NATRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA

Autor: Alessandro Câmara de SouzaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 20/6/2001

28 TÍTULO: ENTRE A NATUREZA E A CONVENÇÃO – ACRÍTICA DA CIÊNCIA POLÍTICA E DA MORALMODERNA E SUA REORIENTAÇÃO NAPERSPECTIVA DE MORELLY

Autor: William de Andrade Pujol PastorOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 20/12/2001

29 TÍTULO: SAMBA E SOLIDARIEDADE: CAPITAL SOCIAL EPARCERIAS COORDENANDO AS POLÍTICASSOCIAIS DA MANGUEIRA, RJ

Autor: Maria Alice Chaves Nunes CostaOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 14/3/2002

30 TÍTULO: CAPITAL SOCIAL OU FAMILISMO AMORAL? UM

BALANÇO DO CAPITAL SOCIAL ACUMULADO EMCOMUNIDADES DA BAÍA DE GUANABARA

Autor: Carlos Artur FelippeOrientador: Prof. Dr. José Augusto DrummondData da defesa: 26/3/2002

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31 TÍTULO: O BANCO MUNDIAL E O CAPITAL SOCIAL:NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O PAPEL DOESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL NO PROCESSODE DESENVOLVIMENTO

Autor: Débora Cardoso PulcinaOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 14/6/2002

32 TÍTULO A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL:REESTRUTURAÇÃO BUROCRÁTICA, DEMOCRACIAE GOVERNABILIDADE

Autor: Ledilson Lopes Santos JuniorOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 30/9/2002

33 TÍTULO: A ESCOLHA DO MAGNÍFICO: UMA ANÁLISE DOSISTEMA DE ESCOLHA DOS DIRIGENTES DASUNIVERSIDADES PÚBLICAS FEDERAIS BRASILEIRAS

Autor: Reinaldo Carlos de OliveiraOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 17/12/2002

34 TÍTULO: GLOBALIZAÇÃO E PODER: FÓRUMECONÔMICO MUNDIAL E ASUPRANACIONALIDADE POLÍTICA

Autor: Alessandro Carvalho SilvaOrientador: Prof. Dr. René Armand DreifussData da defesa: 18/12/2002

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35 TÍTULO: O AGUDO ACORDE DO VIOLINO:GOVERNABILIDADE E ESTABILIDADE NA GESTÃOFERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Autor: Eliane Almeida MartinsOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 18/12/2002

36 TÍTULO: O PENSAMENTO POLÍTICO DE ALBERTO TORRESEM OLIVEIRA VIANA

Autor: Anderson da Silva NogueiraOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 19/12/2002

37 TÍTULO: RELIGIÃO DE ELITE?: A DOUTRINAÇÃO LIBERALPOR MEIO DO PROTESTANTISMO MISSIONÁRIO(OS REFLEXOS NAS DÉCADAS DE 1950 E1960)

Autor: Plínio Moreira AlvesOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 14/1/2003

38 TÍTULO: A ESCALADA EM BUSCA DO PAU-DE-SEBO DOOPERÁRIO EM BUSCA DO PRÊMIO BURGUÊS.ANTONIO EVARISTO DE MORAES E ALEGISLAÇÃO TRABALHISTA

Autor: Célia Regina do Nascimento de PaulaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 26/2/2003

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39 TÍTULO: IDEOLOGIA VERSUS ESTÉTICA: AS CRÍTICAS ÀI B IENAL DE ARTES DE SÃO PAULO

Autor: Ana Paula Conde GomesOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraújoData da defesa: 26/6/2003

40 TÍTULO: AINDA SOMOS PROTECIONISTAS? AS POLÍTICASGOVERNAMENTAIS DE PROTEÇÃO E LIBERAÇÃODO MERCADO NO ÂMBITO DA INDÚSTRIAAUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA

Autor: Jean Pierre Machado SantiagoOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 27/6/2003

41 TÍTULO: O GRUPO CÉSAR MAIA: LÍDERES, PARTIDOS E POLÍTICA NO RIO DE JANEIRO

Autor: Francisco Moraes da Costa MarquesOrientador: Profª Drª Maria Celina D’AraujoData da defesa: 16/12/2003

42 TÍTULO: É POSSÍVEL O CONTROLE SOCIAL CONTROLARO ESTADO?

Autor: Sônia Nogueira LeitãoOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraújoData da defesa: 10/2/2004

43 TÍTULO: DEMOCRATIZAÇÃO, ATIVISMO INTERNACIONALE LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO. ESTUDO DECASO SOBRE A TRANSPARÊNCIA BRASIL E ATRANSPARENCY INTERNATIONAL

Autor: Aline Bruno SoaresOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 18/2/2004

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44 TÍTULO: CRIME E POLÍTICA NO ESPÍRITO SANTOAutor: Célia Maria Vilela TavaresOrientador: Profª Drª Maria Celina Soares D’AraújoData da defesa: 19/2/2004

45 TÍTULO: O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NOBRASIL APÓS 1990 – REGULAÇÃO EDESENVOLVIMENTO

Autor: Marcello de Mello CorrêaOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 4/4/2004

46 TÍTULO: TEORIAS SOCIAIS E PESQUISAS DE OPINIÃO –PESQUISA SOCIAL BRASILEIRA – 2002

Autor: Dalva da Costa SartiniOrientador: Prof. Dr. Alberto Carlos AlmeidaData da defesa: 16/4/2004

47 TÍTULO: GUERRA, GUERRILHA E TERRORISMO:CONTRIBUIÇÃO A UMA DISCUSSÃO CONCEITUALFACE AOS ATAQUES DE 11 DE SETEMBRO DE2001 AOS EUA

Autor: Friederick Brum VieiraOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 22/4/2004

48 TÍTULO: PREPARADOS PARA O FRACASSO?POLÍCIA E POLÍTICA NO R IO DE JANEIRO(1999 – 2002)

Autor: Wilson de Araújo FilhoOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 23/4/2004

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49 TÍTULO: CONTROLE SOCIAL NO CONSELHO MUNICIPALDE SAÚDE DE NITERÓI

Autor: Gláucia Marize AmaralOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 30/4/2004

50 TÍTULO: ELEIÇÕES EM TEMPOS DIFÍCEIS: A VITÓRIA DEFERNANDO HENRIQUE CARDOSO EM 1998 EA GESTÃO DA CRISE ECONÔMICA

Autor: Ricardo Basílio WeberOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da defesa: 18/6/2004

51 TÍTULO: PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICAEM NÍVEL LOCAL: A EXPERIÊNCIADOS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DESEGURANÇA PÚBLICA

Autor: Carla Eichler de Almeida SilvaOrientador: Profa Dra Maria Celina Soares D’ AraújoData da defesa: 21/2/2005

52 TÍTULO: ESCOLA PÚBLICA E MORADIA:O COTIDIANO DOS MORADORES DA CRUZADA

SÃO SEBASTIÃO DO LEBLON – UM CONJUNTOHABITACIONAL LOCALIZADO EM UM BAIRRONOBRE DO R IO DE JANEIRO

Autor: Ilza Helena Teles MascarenhasOrientador: Prof. Dr. Marco Antônio da Silva MelloCo-orientador: Prof. Dr. Claúdio Farias AugustoData da defesa: 25/2/2005

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53 TÍTULO: MÍDIA, VIOLÊNCIA E CONJUNTURA:PRESENÇA DOS MILITARES DO R IO DE JANEIRO

Autor: Wilson Couto BorgesOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 28/2/2005

54 TÍTULO: A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO PEQUENOE MÉDIO EMPRESÁRIO: UM ESTUDOEXPLORATÓRIO

Autor: Priscila Ermínia RiscadoOrientador: Prof. Dr. Eduardo Rodrigues GomesData da defesa: 28/2/2005

55 TÍTULO: POLÍTICAS DOS ESTADOS UNIDOS DE COMBATEE PREVENÇÃO DO TERRORISMO INTERNACIONALDEPOIS DOS ATAQUES DE 11 DE SETEMBRODE 2001

Autor: João Marcelo Dalla CostaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 28/2/2005

56 TÍTULO: O FINANCIAMENTO DA FEDERAÇÃO:DIVISÃO E DISPUTA POR RECURSOS ENTRE OSENTES FEDERATIVOS NO BRASIL

Autor: Luiz Rogério Franco GoldoniOrientador: Profa Dra Maria Celina Soares D’ AraújoData da defesa: 28/2/2005

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57 TÍTULO: A OMC E A RESOLUÇÃO DE CONFLITOSCOMERCIAIS NO SETOR DA INDÚSTRIA DEAVIAÇÃO: O CASO EMBRAER-BOMBARDIER

Autor: Aline Pernas FerreiraOrientador: Profa Dra Maria Antionieta P. LeopoldiData da defesa: 18/6/2005

58 TÍTULO: DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASILE DAS INSTITUIÇÕES: UM ESTUDO DE CASODE CONSELHO ESCOLA-COMUNIDADE

Autor: Daniela da Silva LimaOrientador: Prof. Dr. Eduardo GomesData da defesa: 12/6/2005

59 TÍTULO: PROJETO MANGUEZAL – UMA QUESTÃOPOLÍTICA: UMA DISCUSSÃO SOBRE AGENTESPÚBLICOS E PRIVADOS EM TORNO DE UMA AÇÃOCOLETIVA

Autor: José Augusto Soares da SilvaOrientador: Prof. Dr. Ari de Abreu SilvaData da defesa: 24/8/2005

60 TÍTULO: O RECONHECIMENTO DAS DESIGUALDADESRACIAIS PELO SETOR PRIVADO: UMA ANÁLISE DEDISCURSO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Autor: Gianne Cristina dos Reis Ferreira MendesOrientador: Prof. Dr. Eduardo Rodrigues GomesCo-orientador: João Feres JuniorData da defesa: 29/8/2005

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61 TÍTULO: DAS GREVES DO ABC AO GOVERNOCENTRAL: CONCILIAÇÃO E CONFLITONA AÇÃO POLÍTICA DA TENDÊNCIA MAJORITÁRIA

Autor: Fátima Regina LacerdaOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 27/11/2005

62 TÍTULO: A MÚSICA E O RÁDIO NA ERA VARGAS

Autor: Evanir Carvalho NunesOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da defesa: 8/11/2005

63 TÍTULO: TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE (TFP):UMA INSTITUIÇÃO EM MOVIMENTO

Autor: André Pizetta AltoéOrientador: Profa Dra Maria Celina Soares D’ AraújoData da defesa: 1o/2/2006

64 TÍTULO: CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDEE EDUCAÇÃO: DISTINTOS PADRÕES DEPARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Autor: Debora Cristina Rezende de AlmeidaOrientador: Profa Dra Maria Celina Soares D’ AraújoData da defesa: 13/2/2006

65 TÍTULO: AS RELAÇÕES POLÍTICAS DE JOÃO GOULART

E LEONEL BRIZOLA NO GOVERNO JANGO(1961–1964)

Autor: Marcelo D’ Alencourt NogueiraOrientador: Profa Dra Maria Celina Soares D’ AraújoData da defesa: 16/2/2006

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66 TÍTULO: A POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOSNO RIO DE JANEIRO: OUVIDORIA DA POLÍCIAE CORREGEDORIA GERAL UNIFICADA;ESTRATÉGIAS DE CONTROLE SOCIAL NO ESTADODEMOCRÁTICO DE DIREITO (1999-2006).

Autor: Leonardo da Silva Petronilha AzevedoOrientador: Prof. Dr. Gisálio Cerqueira FilhoData da Defesa: 24/02/2006

67 TÍTULO: DESENHO INSTITUCIONAL DA CIÊNCIA

POLÍTICA HOJE (2006)Autor: Elton Ferreira BarbosaOrientador: Prof. Dr. Eurico de Lima FigueiredoData da Defesa: 24/02/2006

68 TÍTULO: A ELEIÇÃO DO FUTURO: 1989 VOTANDOPARA MUDAR

Autor: Soraia Marcelino VieiraOrientador: Profª Drª Maria Antonieta Parahyba LeopoldiData da Defesa: 24/02/2006

69 TÍTULO: O CONTROLE PARLAMENTAR NAS RELAÇÕESEXECUTIVO-LEGISLATIVO NO ESTADO DO RIO

DE JANEIRO NO PERÍODO DE 1999-2002Autor: Sérgio Lopes MacedoOrientadora: Maria Antonieta Parahyba Leopoldidata da defesa: 30/06/2006

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ARTIGOS PUBLICADOSRRRRRevista Antropolíticaevista Antropolíticaevista Antropolíticaevista Antropolíticaevista Antropolítica

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REVISTA NO 1– 2O SEMESTRE DE 1996

Artigos

Brasil: nações imaginadasJosé Murilo de Carvalho

Brasileiros e argentinos em Kibbutz: a diferença continuaSonia Bloomfield Ramagem

Mudança social: exorcizando fantasmasDelma Pessanha Neves

Ostras e pastas de papel: meio ambiente e a mão invisível do mercadoJosé Drummond

Conferências

Algumas considerações sobre o estado atual da antropologia no BrasilOtávio Velho

That deadly pyhrronic poison a tradição cética e seu legado para a teoria políticamodernaRenato Lessa

Resenha

Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas. Marisa G. PeiranoLaura Graziela F. F. Gomes

REVISTA NO 2 – 1O SEMESTRE DE 1997

Artigos

Entre a escravidão e o trabalho livre: um estudo comparado de Brasil e Cuba noséculo XIXMaria Lúcia Lamounier

O arco do universo moralJoshua Cohen

A posse de Goulart: emergência da esquerda e solução de compromissoAlberto Carlos de Almeida

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ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 20, p. 211-225, 1. sem. 2006

In córpore sano: os militares e a introdução da educação física no BrasilCelso Castro

Neoliberalismo, racionalidade e subjetividade coletivaJosé Maurício Domingues

Do “retorno do sagrado” às “religiões de resultado”: para uma caracterização dasseitas neopentecostaisMuniz Gonçalves Ferreira

Resenhas

As noites das grandes fogueiras – uma história da coluna PrestesJosé Augusto Drummond

Os sertões: da campanha de Canudos, Euclides da Cunha; O sertão prometido: massacrede Canudos no nordeste brasileiroTerezinha Maria Scher Pereira

REVISTA NO 3 – 2O SEMESTRE DE 1997

Artigos

Cultura, educação popular e escola públicaAlba Zaluar e Maria Cristina Leal

A política estratégica de integração econômica nas AméricasGamaliel Perruci

O direito do trabalho e a proteção dos fracosMiguel Pedro Cardoso

Elites profissionais: produzindo a escassez no mercadoMarli Diniz

A “Casa do Islã”: igualitarismo e holismo nas sociedades muçulmanasPaulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto

Quando o amor vira ficçãoWilson Poliero

Resenha

Nós, cidadãos, aprendendo e ensinando a democracia: a narrativa de umaexperiência de pesquisaAngela Maria Fernandes Moreira-Leite

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ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 20, p. 211-225n, 1. sem. 2006

REVISTA NO 4 – 1O SEMESTRE DE 1998

Artigos

Comunicação de massa, cultura e poderJosé Carlos Rodrigues

A sociologia diante da globalização: possibilidades e perspectivas da sociologia daempresaAna Maria Kirschner

Tempo e conflito: um esboço das relações entre as cronosofias de Maquiavel eAristótelesRaul Francisco Magalhães

O embate das interpretações: o conflito de 1858 e a lei de terrasMárcia Maria Menendes Motta

Os terapeutas alternativos nos anos 90: uma nova profissão?Fátima Regina Gomes Tavares

Resenha

Auto-subversãoGisálio Cerqueira Filho

REVISTA NO 5 – 2O SEMESTRE DE 1998

Artigos

Jornalistas: de românticos a profissionaisAlzira Alves de Abreu

Mudanças recentes no campo religioso brasileiroCecília Loreto Mariz e Maria das Dores Campos Machado

Pesquisa antropológica e comunicação intercultural: novas discussões sobre antigosproblemas.José Sávio Leopoldi

Três pressupostos da facticidade dos problemas públicos ambientaisMarcelo Pereira de Mello

Duas visões acerca da obediência política: racionalidade e conservadorismoMaria Celina D’Araújo

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REVISTA NO 6 – 1O SEMESTRE DE 1999

Artigos

Palimpsestos estéticos y espacios urbanos: de la razón práctica a la razón sensibleJairo Montoya Gómez

Trajetórias e vulnerabilidade masculinaCeres Víctora e Daniela Riva Knauth

O sujeito da “psiquiatria biológica” e a concepção moderna de pessoaJane Araújo Russo, Marta F. Henning

Os guardiães da história: a utilização da história na construção de uma identidadebatista brasileiraFernando Costa

A escritura das relações sociais: o valor cultural dos “documentos” para ostrabalhadoresSimoni Lahud Guedes

A Interdisciplinaridade e suas (im)pertinênciasMarcos Marques de Oliveira

REVISTA NO 7 – 2O SEMESTRE DE 1999

Artigos

Le geste pragmatique de la sociologie française. Autour des travaux de LucBoltanski et Laurent ThévenotMarc Breviglieri e Joan Stavo-Debauge

Economia e política na historiografia brasileiraSonia Regina de Mendonça

Os paradoxos das políticas de sustentabilidadeLuciana F. Florit

Risco tecnológico e tradição: notas para uma antropologia do sofrimentoGlaucia Oliveira da Silva

Trabalho agrícola: gênero e saúdeDelma Pessanha Neves

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REVISTA NO 8 – 1O SEMESTRE DE 2000

Artigos

Prolegômenos sobre a violência, a polícia e o Estado na era da globalizaçãoDaniel dos Santos

Gabriel Tarde: Le monde comme feerieIsaac JosephEstratégias coletivas e lógicas de construção das organizações de agricultores noNordesteEric Sabourin

Cartórios: onde a tradição tem registro públicoAna Paula Mendes de Miranda

Do pequi à soja: expansão da agricultura e incorporação do Brasil centralAntônio José Escobar Brussi

Resenha

Terra sob água – sociedade e natureza nas várzeas amazônicasJosé Augusto Drummond

REVISTA NO 9 – 2O SEMESTRE DE 2000

Artigos

Desenvolvimento económico, cultural e complexidadeAdelino Torres

The field training project: a pioneer experiment in field work methods: EverettC. Hughes, Buford H. Junker and Raymond Gold’s re-invention of Chicago fieldstudies in the 1950’sDaniel Cefaï

Cristianismos amazônicos e liberdade religiosa: uma abordagemhistórico-antropológicaRaymundo Heraldo Maués

Poder de policía, costumbres locales y derechos humanos en Buenos Airesde los 90Sofía Tiscornia

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A visão da mulher no imaginário pentecostalMarion Aubrée

Resenha

Reflexões antropológicas em tópicos filosóficosEliane Cantarino O’Dwyer

REVISTA NO 10/11 – 1O/2O SEMESTRES DE 2001

Artigos

Profissionalismo e mediação da ação policialDominique Monjardet

The plaintiff – a sense of injusticeLaura Nader

Religião e política: evangélicos na disputa eleitoral do Rio de JaneiroMaria das Dores Campos Machado

Um modelo para morrer: última etapa na construção social contemporânea dapessoa?Rachel Aisengart Menezes

Torcidas jovens: entre a festa e a brigaRosana da Câmara Teixeira

O debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA na década de cinqüentaW. Michael Weis

El individuo fragmentado y su experiencia del tiempoCarlos Rafael Rea Rodríguez

Igreja do Rosário: espaço de negros no Rio ColonialLuitgarde Oliveira Cavalcanti Barros

In nomine pater: a ciência política e o teatro intimista de A. StrindbergGisálio Cerqueira Filho

Terra: dádiva divina e herança dos ancestraisOsvaldo Martins de Oliveira

Resenha

Estado e reestruturação produtivaMaria Alice Nunes Costa

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REVISTA NO 12/13 – 1O/2O SEMESTRES DE 2002

Artigos

Transição democrática e forças armadas na América LatinaMaria Celina D’Araújo

Mercado, coesão social e cidadaniaFlávio Saliba Cunha

Cultura local y la globalización del beber. De las taberneras en Juchitan, Oaxaca(México)Sergio Lerin Piñón

Romaria e missão: movimentos sociorreligiosos no sul do ParáMaria Antonieta da Costa Vieira

“O estrangeiro” em “campo”: atritos e deslocamentos no trabalho antropológicoPatrice Schuch

A transmissão patrimonial em favelasAlexandre de Vasconcelos Weber

A sociabilidade dos trabalhadores da fruticultura irrigada do platô de Neópolis/SEDalva Maria da Mota

A beleza traída: percepção da usina nuclear pela população de Angra dos ReisRosane M. Prado

Povos indígenas e ambientalismo – as demandas ecológicas de índios do rioSolimõesDeborah de Magalhães Lima

Raízes antropológicas da filosofia de MontesquieuJosé Sávio Leopoldi

Resenhas

A invenção de uma qualidade ou os índios que se inventa(ra)mMercia Rejane Rangel Batista

China’s peasants: the anthropology of a revolutionJoão Roberto Correia e José Gabriel Silveira Corrêa

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REVISTA NO 14 – 1O SEMESTRE DE 2003

Dossiê

Esporte e modernidadeApresentação: Simoni Lahud Guedes

Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagense representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no BrasilRoberto DaMatta

Transforming Argentina: sport, modernity and national buildingin the peripheryEduardo P. Archetti

Futebol e mídia: a retórica televisiva e suas implicações na identidade nacional,de gênero e religiosaCarmem Sílvia Moraes Rial

Artigos

As concertações sociais na Europa dos anos 90: possibilidades e limitesJorge Ruben Biton Tapia

A (re)construção de identidade e tradições: o rural como tema e cenárioJosé Marcos Froehlich

A pílula azul: uma análise de representações sobre masculinidade em facedo viagraRogério Lopes Azize e Emanuelle Silva Araújo

Homenagem

René Armand Dreifusspor Eurico de Lima Figueiredo

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REVISTA NO 15 – 2O SEMESTRE DE 2003

Dossiê

Maneiras de beber: proscrições sociaisApresentação: Delma Pessanha Neves

Entre práticas simbólicas e recursos terapêuticos: as problemáticas de umitinerário de pesquisaSylvie Fainzang

Alcoólicos anônimos: conversão e abstinência terapêuticaAngela Maria Garcia

“Embriagados no Espírito Santo”: reflexões sobre a experiência pentecostal e oalcoolismoCecília L. Mariz

Artigos

Visões de mundo e projetos de trabalhadores qualificados de nível médio em seudiálogo com a modernidade tardiaSuzana Burnier

O povo, a cidade e sua festa: a invenção da festa junina no espaço urbanoElizabeth Christina de Andrade Lima

Antropologia e clínica – o tratamento da diferençaJaqueline Teresinha Ferreira

Mares e marés: o masculino e o feminino no cultivo do marMaria Ignez S. Paulilo

Resenhas

Antropologia e comunicação: princípios radicaisJosé Sávio Leopoldi

Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e ge-néticaFátima Portilho

Criminologia e subjetividade no BrasilWilson Couto Borges

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REVISTA NO 16 – 1O SEMESTRE DE 2004

Homenagem

Luiz de Castro Faria: o professor eméritopor Felipe Berocan da Veiga

Dossiê

Políticas públicas, direito(s) e justiça(s) – perspectivas comparativasApresentação: Roberto Kant de Lima

Drogas, globalização e direitos humanosDaniel dos Santos

Detenciones policiales y muertes administrativasSofía Tiscornia

Os ilegalismos privilegiadosFernando Acosta

Artigos

Estado e empresários na América Latina (1980-2000)Álvaro Bianchi

O desamparo do indivíduo moderno na sociologia de Max WeberLuis Carlos Fridman

A construção social dos assalariados na citricultura paulistaMarie Anne Najm Chalita

As arenas iluminadas de Maringá: reflexões sobre a constituiçãode uma cidade médiaSimone Pereira da Costa

Resenhas

Ética e responsabilidade social nos negóciosPriscila Ermínia Riscado

Novas experiências de gestão pública e cidadaniaDaniela da Silva Lima

Uma ciência da diferença: sexo e gêneroFernando Cesar Coelho da Costa

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REVISTA NO 17 – 2O SEMESTRE DE 2004

Dossiê

Por uma antropologia do consumoApresentação: Laura Graziela Gomes e Lívia Barbosa

Pobreza Da MoralidadeDaniel Miller

O consumidor artesão: cultura, artesania e consumoem umaSociedade Pós-Moderna

Colin Campbell

Por uma sociologia da embalagemFranck Cochoy

ARTIGOS

A Antropologia e as políticas de desenvolvimento: algumas orientaçõesJean-François Baré

Arquivo público: Um segredo bem guardado?Ana Paula Mendes de Miranda

A concepção da desigualdade em Hobbes, Locke e RousseauMarcelo Pereira de Mello

Associativismo em rede: uma construção identitária em territóriosde agricultura familiarZilá Mesquita e Márcio Bauer

Depois de Bourdieu: as classes populares em algumasabordagens sociológicas contemporâneasAntonádia Borges

RESENHAS

Modération et sobriété. Études sur les usages sociaux de l’alcoolFernando Cordeiro Barbosa

Governança democrática e poder local: A experiência dosconselhos municipais no BrasilDebora Cristina Rezende de Almeida

Uma ciência da diferença: sexo e gêneroFernando Cesar Coelho da Costa

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REVISTA NO 18 – 1O SEMESTRE DE 2005

DossiêResponsabilidade social das empresas, segundo as Ciências SociaisApresentação: Eduardo R. GomesResponsabilidade social e globalização:redefinindo o papel das empresas transnacionais no BrasilLetícia Helena Medeiros VelosoA modernização de valores nas relações contratuais:a ética de reparação antecede o dever de responsabilidade?Paola CappellinBusiness, politics and the surge of corporatesocial responsibility in Latin AmericaFelipe Agüero

ArtigosXamanismo e renovação carismática católica em uma povoação depescadores no litoral da Amazônia Brasileira: questões de religião ede gêneroRaymundo Heraldo Maués e Gisela Macambira VillacortaConexões transnacionais: redes de Advocacy,cooperação Norte-Sul e as ONGs latino-americanasPedro JaimeParentesco e política no Rio Grande do SulIgor Gastal GrillDiversidade e equilíbrio assimétrico: discutindo governançaeconômica e lógica institucional na União EuropéiaEduardo Salomão Condé

HomenagemEduardo P. Archetti (1943-2005) In MemoriamPablo Alabarces

Resenha

Livro: O desafio da colaboração: práticas deresponsabilidade social entre empresas e Terceiro SetorRosa Maria FischerAutora da resenha: Daniela Lima Furtado

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REVISTA NO 19 – 2O SEMESTRE DE 2005

DossiêFronteiras e passagens: fluxos culturais e a construção da etnicidadeApresentação: Paulo Gabriel Hilu da Rocha PintoEliane Cantarino O’DwyerEtnicidade e o conceito de culturaFredrik BarthEtnicidade e nacionalismo religioso entre os curdos da SíriaPaulo Gabriel Hilu da Rocha PintoEntre iorubas e bantos:a influência dos estereótipos raciais nos estudos afro-americanos

Stefania CaponeOs quilombos e as fronteiras da AntropologiaEliane Cantarino O’Dwyer

ArtigosEngajamento associativo/sindical e recrutamento de elites políticas:“empresários” e “trabalhadores” no período recente no BrasilOdaci Luiz CoradiniCrônicas da pátria amada:futebol e identidades brasileiras na imprensa esportivaÉdison GastaldoO duro, a pedra e a lama: a etnotaxonomia e o artesanatoda pesca em Ponta Grossa dos FidalgosArno Vogel e José Colaço Dias NetoDe antas e outros bichos: expressão do conhecimento nativoJane Felipe Beltrão e Gutemberg Armando Diniz Guerra

Resenha

Livro: A revolução urbanaHenri LefèbvreAutor da resenha: Fabrício Mendes FialhoLivro: Ser polícia, ser militar. O curso de formação na socializaçãodo policial militarFernanda Valli NummerAutora da resenha: Delma Pessanha NevesLivro: Reflexões sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tichesBruno LatourAutora da resenha: Verlan Valle Gaspar Neto

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COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA

1. Os fornecedores de cana e o Estado intervencionistaDelma Pessanha Neves

2. Devastação e preservação ambiental no Rio de JaneiroJosé Augusto Drummond

3. A predação do socialAri de Abreu Silva

4. Assentamento rural: reforma agrária em migalhasDelma Pessanha Neves

5. A antropologia da academia: quando os índios somos nósRoberto Kant de Lima

6. Jogo de corpo: um estudo de construção social de trabalhadoresSimoni Lahud Guedes

7. A qualidade de vida no Estado do Rio de JaneiroAlberto Carlos Almeida

8. Pescadores de Itaipu (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)Roberto Kant de Lima

9. Sendas da transiçãoSylvia França Schiavo

10. O pastor peregrinoArno Vogel

11. Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no BrasilAlberto Carlos Almeida

12. Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre otráfico de drogas no Rio de JaneiroAntônio Carlos Rafael Barbosa

13. Escritos exumados – 1: espaços circunscritos – tempos soltosL. de Castro Faria

14. Violência e racismo no Rio de JaneiroJorge da Silva

15. Novela e sociedade no BrasilLaura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes

16. O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre ossignificados do futebol brasileiroSimoni Lahud Guedes

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17. Modernidade e tradição: construção da identidadesocial dos pescadores de Arraial do Cabo (RJ)(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)Rosyan Campos de Caldas Britto

18. As redes do suor – a reprodução social dos trabalhadores dapesca em Jurujuba (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)Luiz Fernando Dias Duarte

19. Escritos exumados – 2: dimensões do conhecimentoantropológicoL. de Castro Faria

20. Seringueiros da Amazônia: dramas sociais e o olharantropológico (Série Amazônia)Eliane Cantarino O’Dwyer

21. Práticas acadêmicas e o ensino universitárioPaulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto

22. “Dom”, “Iluminados” e “Figurões”: um estudo sobre arepresentação da oratória no Tribunal do Júri do Rio de JaneiroAlessandra de Andrade Rinaldi

23. Angra I e a melancolia de uma eraGláucia Oliveira da Silva

24. Mudança ideológica para a qualidadeMiguel Pedro Alves Cardoso

25. Trabalho e residência: estudo das ocupações de empregadadoméstica e empregado de edifício a partir de migrantes“nordestinos”Fernando Cordeiro Barbosa

26. Um percurso da pintura: a produção de identidades de artistaLígia Dabul

27. A sociologia de Talcott ParsonsJosé Maurício Domingues

28. Da anchova ao salário mínimo: uma etnografiasobre injunções de mudança social em Arraial do Cabo/RJ(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)Simone Moutinho Prado

29. Centrais sindicais e sindicatos no Brasil dos anos 90:o caso NiteróiFernando Costa

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30. Antropologia e direitos humanos (Série Direitos Humanos)Regina Reyes Novaes e Roberto Kant de Lima

31. Os companheiros – trabalho e sociabilidade na pesca deItaipu/RJ (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)Elina Gonçalves da Fonte Pessanha

32. Festa do Rosário: iconografia e poética de um ritoPatrícia de Araújo Brandão Couto

33. Antropologia e direitos humanos 2 (Série Direitos Humanos)Roberto Kant de Lima

34. Em tempo de conciliaçãoAngela Moreira-Leite

35. Floresta de símbolos – aspectos do ritual NdembuVictor Turner

36. Produção da verdade nas práticas judiciárias criminaisbrasileiras: uma perspectiva antropológica de umprocesso criminalLuiz Figueira

37. Ser polícia, ser militar: o curso de formaçãona socialização do policial militarFernanda Valli Nummer

38. Antropologia e direitos humanos 3Roberto Kant de Lima (Organizador)

39. Os caminhos do leão: uma etnografia do processo de cobrançado imposto de rendaGabriela Maria Hilu da Rocha Pinto

40. Antropologia – escritos exumados 3 – Lições de um praticanteL. de Castro Faria

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NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

1. A Revista Antropolítica, do Programa de Pós-Graduação emAntropologia e Ciência Política da UFF, aceita originais de ar-tigos e resenhas de interesse das Ciências Sociais e de Antro-pologia e Ciência Política em particular.

2. Os textos serão submetidos aos membros do Conselho Edito-rial e/ou a pareceristas externos, que poderão sugerir ao au-tor modificações de estutura ou conteúdo.

3. Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos arti-gos, e oito páginas, no caso das resenhas. Eles devem ser apre-sentados em uma cópia impressa em papel A4 (210 x 297mm),espaço duplo, em uma só face do papel, bem como em disqueteno programa Word for Windows 6.0, em fontes Times NewRoman (corpo 12), sem qualquer tipo de formatação, a nãoser:

• indicação de caracteres (negrito e itálico);

• uso de itálico para termos estrangeiros e títulos de livros eperiódicos.

4. As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto,entre parênteses, com as seguintes informações: sobrenomedo autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; vírgula;abreviatura de página (p.) e o número desta.

(Ex.: PEREIRA, 1996, p. 12-26).

5. As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deve-rão ser apresentadas no final do texto.

6. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no finaldo texto, obedecendo às normas da ABNT (NBR-6023).

Livro:

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhi-

dos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 208 p. (Os pensa-dores, 6).

LÜDIKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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FRANÇA, Junia Lessa et al. Manual para normalização de publica-

ções técnico-científicas. 3. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Ed.da UFMG, 1996. 191 p.

Artigo:

ARRUDA, Mauro. Brasil : é essencial reverter o atraso. Panorama

da Tecnologia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 8, p. 4-9, 1989.

Trabalhos apresentados em eventos:

AGUIAR, C. S. A. L. et al. Curso de técnica da pesquisa biblio-gráfica: programa-padrão para a Universidade de São Paulo.In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIAE DOCUMENTAÇÃO, 9. 1977, Porto Alegre. Anais... PortoAlegre: Associação Rio-Grandense de Bibliotecários, 1977.p. 367-385.

7. As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para umaboa reprodução gráfica. Elas deverão ser identificadas comtítulo ou legenda e designadas, no texto, como figura (Figura1, Figura 2 etc.).

8. Os textos deverão ser acompanhados de título e resumo (má-ximo de 250 palavras), bem como de três a cinco palavras-chave. Título, resumo e palavras-chave também devem serapresentados em inglês.

9. Os textos deverão ser precedidos de identificação do autor(nome, instituição de vínculo, cargo, título, últimas publica-ções etc.), que não ultrapasse cinco linhas e endereços paracontato (endereço eletrônico e telefones).

10. Os autores de artigos terão direito a três exemplares da revista, eos de resenhas, a um exemplar..

11. Os originais não aprovados não serão devolvidos.

12. Os artigos, as resenhas e a correspondência editorial deverãoser enviados para:

Comitê Editorial da AntropolíticaPrograma de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política

Campus do Gragoatá, Bloco “O”24210-350 – Niterói, RJ

Tels.: (21) 2629-2862 e (21) 2629-2863

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