Poemas Da Negra

download Poemas Da Negra

of 5

Transcript of Poemas Da Negra

  • 7/27/2019 Poemas Da Negra

    1/5

    Poemas da Negra

    Mario de Andrade

    I

    No sei por que esprito antigoFicamos assim impossveis...

    A Lua chapeia os manguesDonde sai um favor de silncioE de mar.s uma sombra que apalpoQue nem um cortejo de castas rainhas,Meus olhos vadiam nas lgrimas.Te vejo coberta de estrelas,

    Coberta de estrelas,Meu amor!Tua calma agrava o silncio dos mangues.

    II

    No sei si estou vivo...Estou morto.

    Um vento morno que sou eu

    Faz auras pernambucanas.Rola rola sob as nuvensO aroma das mangas.Se escutam grilos,Cricrido contnuoSaindo dos vidros.Eu me inundo de vossas riquezas!No sou mais eu!Que indiferena enorme...

    III

    Voc to suave,Vossos lbios suavesVagam no meu rosto,Fecham meu olhar,

    Sol-posto.

    a escureza suaveQue vem de voc.Que se dissolve em mim.

    Que sono...

  • 7/27/2019 Poemas Da Negra

    2/5

    Eu imaginavaDuros vossos lbios,Mas voc me ensinaA volta ao bem.

    IV

    Estou com medo...Teu beijo to beijo,Tua inocncia dura,Feita de camlias.

    Oh, meu amor,Ns no somos iguais!Tu me probesBeber gua aps...Eu volto calmaE no te vejo mais.

    V

    L longe no sul,L nos ps da Argentina,Marulham temveis os mares gelados,No posso fazer mesmo um gesto!

    Tu me adivinhas, meu amor,Porm no queres ser escrava!

    Flores!Apaixonadamente meus braos desgalham-se,Flores!Flores amarelas do pau-darco secular!Eu me desgalho sobre teu corpo manso,As flores esto caindo sobre teu corpo manso,Te cobrirei de flores amarelas!

    ApaixonadamenteEu me defenderei!

    VI

    QuandoMinha mo se alastraEm vosso grande corpo,Voc estremece um pouco.

    como o negrume da noiteQuando a estrela Vnus

  • 7/27/2019 Poemas Da Negra

    3/5

    Vence o vu da tardeE brilha enfim.

    Nossos corpos so finos,So muito compridos...

    Minha mo relumeiaCada vez mais sobre voc.

    E ns partimos adoradosNos turbilhes da estrela vnus!...

    VII

    No sei porque os tetus gritam tanto esta noite...No sero talvez nem mesmo os tetus.Porm minha alma est to cheia de delriosQue faz um susto enorme dentro do meu ser.

    Ests imvel.s feito uma praia...Talvez estejas dormindo, no sei.

    Mas eu vibro cheinho de delrios,Os tetus gritam tanto em meus ouvidosAcorda! Ergue ao menos o braos dos seios!Apaga o grito dos tetus!

    VIII

    Nega em teu ser primrio a insistncia das coisas,Me livra do caminho.

    Colho mancheias de meus olhares,Meu pensamento assombra mundos novos,E eu desejava estar contigo...

    H vida por demais neste silncio nosso!Eu prprio exalo fluidos levesQue condensam-se em torno...Me sinto fatigantemente eterno!

    Ah, meu amor,No minha amplido que me desencaminha,Mas a virtuosidade!

    IX

    Na zona da mata o canavial novo um descanso verdade que faz bem;

  • 7/27/2019 Poemas Da Negra

    4/5

    uma suavidade pousar a vistaNa manteiga e no pelo dos ratos;No mais matinal perfume francsA gente domina uma dedicaoApertando os dedos no barro mole

    Ele escorre e foge,E o corpo estremece que um prazer...

    Mas voc grave sem comparao.

    X

    H um mutismo exaltado dos astros,Um som redondo enorme que no para mais.Os duros vulces ensanguentam a noite,A gente se esquece no jogo das brisas,A jurema perde as folhas derradeirasSobre Mestre Carlos que morreu.Dire-se-ia que os ursosMexem na sombra do mato...A escureza cai sobre abelhas perdidas.Um potro galopa.Ponteia uma violaDe serto.

    Ns estamos de p,

    Ns nos enlaamos,Somos to puros,To verdaderios..., meu amor!O mangue vai refletir os corpos enlaados!Nossas mos j partem no jogo das brisas,Nossos lbios se cristalizam em sal!Ns no somos mais ns!Ns estamos de-p!Ns nos amamos!

    XI

    Ai momentos de fsico amor,Ai reentrncias de corpo...Meus lbios so que nem destroosQue o mar acalanta em sossego.

    A luz do candeeiro te aprova.E... no sou eu, a luz aninhada em teu corpoQue ao som dos coqueiros do vento

    Farfalha no ar os adjetivos.

  • 7/27/2019 Poemas Da Negra

    5/5

    XII

    Lembrana boa.Carrego comigo tua mo.

    O calor exausto oprime estas ruasQue nem a tua boca pesada.As igrejas oscilamPor cima dos homens de branco,E as sombras despencam inteisDas botinas, passo a passo.

    O que me esconde o momento suaveCom que as casas velhasSo rseas, morenas,Na beira do rio.

    Dir-se-ia que h madressilvasNo cais antigo...Me sinto suavssimo de madressilvasNa beira do rio.