HABEAS CORPUS Nº 99.02.17850-2/RJ - Rio de Janeiro · INQUÉRITO POLICIAL – AUSÊNCIA DE JUSTA...

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Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000 269 HABEAS CORPUS Nº 99.02.17850-2/RJ RELATOR: EXMO. SR. DES. FED. RALDÊNIO COSTA RELATORA PARA ACÓRDÃO: EXMA. SRA. DES. FED. VERA LÚCIA LIMA DA SILVA IMPETRANTE: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA IMPETRADO: EXMO. SR. PROCURADOR DA REPÚBLICA GINO AUGUSTO DE OLIVEIRA LICCIONE PACIENTE: CLAUDIA RIVOLLI THOMAS DE SÁ ADVOGADO: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA ORIGEM: HABEAS CORPUS Nº 9900460995 - 42ª VARA (RJ) EMENTA: PROCESSUAL PENAL – HABEAS COR- PUS – COMPETÊNCIA – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - O art. 108 da Constituição da República, que traça a competência desta Corte, ao falar do habeas corpus, so- mente se refere àquele impetrado, sendo o Juiz Federal a autoridade coatora (cf. inc. I, alínea d) e coloca o membro do Ministério Público da União como autoridade sujeita à sua competência, mas somente em relação às ações penais nas quais responde pelo cometimento de crimes comuns e de responsabilidade. - Entretanto, segundo entedimento do STJ, a competência para julgar este habeas corpus é desta Corte. - O art. 7º, inc. V, do Regimento, que dispõe sobre a competência do Plenário, refere-se somente ao habeas impetrado no processo de competência originária do Tribunal. - Aplicação do art. 9º, inc. I, in fine, do Regimento, que aludindo à autoridade sujeita à jurisdição do Tribunal, como é o caso do Procurador da República, diz ser da competência das Turmas o habeas corpus. - O Ministério Público com atuação junto a esta Turma

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Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000 269

HABEAS CORPUS Nº 99.02.17850-2/RJ

RELATOR: EXMO. SR. DES. FED. RALDÊNIO COSTA

RELATORA PARA ACÓRDÃO: EXMA. SRA. DES. FED. VERA LÚCIA LIMA DA SILVA

IMPETRANTE: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA

IMPETRADO: EXMO. SR. PROCURADOR DA REPÚBLICA GINO AUGUSTO DE OLIVEIRA LICCIONE

PACIENTE: CLAUDIA RIVOLLI THOMAS DE SÁ

ADVOGADO: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA

ORIGEM: HABEAS CORPUS Nº 9900460995 - 42ª VARA (RJ)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL – HABEAS COR-PUS – COMPETÊNCIA – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA- O art. 108 da Constituição da República, que traça a competência desta Corte, ao falar do habeas corpus, so-mente se refere àquele impetrado, sendo o Juiz Federal a autoridade coatora (cf. inc. I, alínea d) e coloca o membro do Ministério Público da União como autoridade sujeita à sua competência, mas somente em relação às ações penais nas quais responde pelo cometimento de crimes comuns e de responsabilidade.- Entretanto, segundo entedimento do STJ, a competência para julgar este habeas corpus é desta Corte.- O art. 7º, inc. V, do Regimento, que dispõe sobre a competência do Plenário, refere-se somente ao habeas impetrado no processo de competência originária do Tribunal.- Aplicação do art. 9º, inc. I, in fine, do Regimento, que aludindo à autoridade sujeita à jurisdição do Tribunal, como é o caso do Procurador da República, diz ser da competência das Turmas o habeas corpus.- O Ministério Público com atuação junto a esta Turma

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manifestou-se.- A instauração do inquérito é consequência do ato de requisição da identidade da paciente ao Diretor de De-partamento de Pessoal da Câmara e, como ambos estão abrangidos pelas informações, não há vulneração ao prin-cípio do contraditório, pois os argumentos defensivos dos atos impugnados, inclusive o consistente na instauração do inquérito policial, já foram lançados.- A requisição de identidade não denota, nem constrangi-mento à liberdade de locomoção do indivíduo, nem uma ameaça direta a esta espécie de liberdade, não estando satisfeito um dos pressupostos constitucionais para a concessão da ordem nesta parte.- A LC nº 73/93, no art. 8º, § 3º, estatui que a “falta in-justificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a res-ponsabilidade de quem lhe der causa”.- In casu, o que houve foi um retardamento justificado pela falta de recursos materiais e humanos, não tendo ocorrido o sentimento ou interesse pessoal da paciente revelador do elemento subjetivo especial do tipo.- A própria autoridade coatora assinou uma petição em que se reconhece que o certame objurgado contou com a concorrência de cerca de 99 mil candidatos.- A Câmara Municipal, institucionalmente, possui in-teresse nas apurações, tanto que instalou a CPI, cujos documentos foram os requisitados.- Apesar de a necessidade de justa causa exigida para a deflagração da ação penal ser mais visível, também são necessários para a instauração do procedimento admi-nistrativo elementos mínimos que sinalizem no sentido da co-existência do sentimento ou do interesse pessoal, já que o crime apurado é o de prevaricação.- Especificação do significado de justa causa para a ins-tauração do inquérito policial.- Afastada a tipicidade formal, pelo que cabível o tran-camento do inquérito policial instaurado para apurar a conduta da paciente Claudia Rivolli Thomas de Sá, por absoluta ausência de justa causa.

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- Pela concessão parcial da ordem.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 2º Região, à unanimidade, acolher a preliminar suscitada pela Des. Fed. Vera Lúcia quanto à competência da 5ª Turma para apreciar o feito. No mérito, proferiu voto-vista a Des. Fed. Vera Lúcia concedendo parcialmente a ordem para trancar o inquérito, no que foi acompanhada pelo Relator, que retificou seu voto, e pela Des. Fed. Tanyra Vargas.

Rio de Janeiro, 05 de outubro de 1999 (data do julgamento)

Desembargadora Federal Vera Lúcia LimaRelatora p/acórdão

(Transcrição Fonográfica – SAJ/DITAF/SECONT) (00)

(5ª Turma 05/10/99)

Vou verificar se alguém ainda irá votar.

(Lê): “Após o Voto do Relator, que denegava a Ordem (...)

(...)Desembargadora Tanyra Vargas aguarda a vista”.

DF CHALU BARBOSA: Eu votei?

DF VERA LÚCIA LIMA: V. Exa. não votou, não participou do quórum. Infelizmente não votamos os quatro, o que seria bem melhor.

O Relatório : (lê):“Trata-se de Ordem de habeas corpus preventivo impetrado por Francisco das Neves Batista (...)(...) e a Paciente, pelo que consta até agora, nem Indiciada é.”

Este é o Relatório.

Posso passar ao Voto, Sr. Presidente?

DF CHALU BARBOSA: O Ministério Público quer manifestar-se.

DF VERA LÚCIA LIMA: Veja bem: é o Voto-Vista, e o Voto do Rela-tor já foi proferido, denegando a Ordem. Este não é o Voto, ainda: estou só

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falando...

Eu levanto a Questão de Ordem, antes dessa ordem?

Dr. THOMAZ HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): A Questão de Ordem é, justamente, sobre o problema da atribuição do Procu-rador-Chefe em ter proferido o Parecer.

DF VERA LÚCIA LIMA: Exatamente. Está no próprio Voto. Creio ser mais conveniente, se V. Exa. não discordar, que eu faça – porque existe o problema em relação à competência, esse Processo foi julgado aqui pela Turma, mas está autuado como Plenário – uma referência a isso para firmar a competência e pedir retificação; acertar, firmando a competência, e passo à Questão de Ordem.

Voto-vista DF Vera Lúcia Lima

Relator o DF Raldênio Costa

Presidiu o julgamento o DF Chalu Barbosa

PROCESSO Nº 99.02.17850-2 (03M)

Questão de Ordem

DF VERA LÚCIA LIMA: (Lê): “Quanto à competência do TRF para julgar habeas corpus quanto a Procurador da República, e em relação à competência interna da Turma e não do Plenário (...)(...) nas quais responde pelo cometimento de crimes comuns e de responsabilida-de.”

Apesar de fazer essa colocação, só para esclarecer, digo que não é tão pacífica a questão em que o Membro do Ministério Público seria julgado pela 1ª Instância ou pela 2ª Instância, e segundo consta, existem algumas Turmas ou Tribunais, que não são pacíficos, não entendem de forma tão convergente, ou não vêem essa competência tão claramente. Apesar disso, só para efeito de amor ao debate, esclarecimento e enriquecimento da questão, estou me alinhando como algumas Turmas deste Tribunal e também iluminada por de-cisões das duas Turmas do STJ, que têm firmado a competência da 2ª Instância nesses casos em que o Membro do Ministério Público Federal figura como autoridade coatora nos habeas corpus, para isso, cito aqui: (lê):

“Mas não é esse o entendimento exposado pelo Superior Tribunal de Justiça (...)(...) devem, a meu ver, ser retificados, o que poderá ser feito após este julgamento, desde que antes da lavratura da Ementa, quanto a esse tópico.”

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Não sei se seria conveniente votar-se topicamente a Questão de Ordem, e depois, fala-se do geral.

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Sim. É melhor.

DF CHALU BARBOSA: V. Exa. destaca a competência?

DF VERA LÚCIA LIMA: Pode ser. Estão, vamos destacar a competência, depois entramos na Questão de Ordem.

DF TANYRA VARGAS: De acordo (sem explicitação).

DECISÃO: Por unanimidade, acolheu-se a Questão de Ordem para que seja retificada a competência para a 5ª Turma.

Voto-preliminar

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Senhor Presidente, como o Des-pacho foi meu, o que faltou da observação do equívoco – tanto é que trouxe o Processo para a Turma – faltou essa retificação, como bem acentuou a Dra. Vera, para que voltasse à DIDRA e retornassem os autos, por distribuição, à própria 5ª Turma. Na vontade de dar pressa aos feitos judiciais, muitas vezes isso acontece, pelo volume. Faltou levar à DIDRA os autos, para que retornasse à Turma.

Vou acompanhar a Dra. Vera nessa Questão de Ordem, para que a compe-tência da Turma fosse fixada, e se retificasse na autuação, voltassem os autos à DIDRA, antes da Ementa, para que se pudesse regularizar a distribuição à Turma, como foi originariamente distribuído o feito.

Questão de Ordem

DF VERA LÚCIA LIMA: Passo à Questão de Ordem, que seria em relação à manifestação do Promotor natural, se conveniente, Parecer oral, nesta assentada, em virtude e para a celeridade do rito. (Lê):

“A distribuição equivocada culminou por acarretar, por consequência, outra irre-gularidade (...)(...) caso contrário, ter-se-ia que interromper o julgamento e enviar o Processo, novamente, para outro Parecer, depois o retorno, e assim, culminarmos com o julgamento desse habeas corpus.”

Parecer

Dr. THOMAZ HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): Mi-nha intervenção faz-se necessária para sanar a nulidade que a Excelentíssima

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Desembargadora Revisora, a Dra. Vera Lúcia já mencionou, pois o Parecer do Colega Dr. Alcides Martins foi proferido sem que ele tivesse atribuição. Obviamente, não vamos cometer a indelicadeza de mandar desentranhar o Parecer do Colega.

DF CHALU BARBOSA: A rigor não constitui uma nulidade, porque o Ministério Público tem uma unidade.

Dr. THOMAS HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): Exatamente. Em respeito ao princípio do Promotor natural, quero dizer que li os autos e o Memorial que foi apresentado pelo patrono da Paciente, e gostaria de, mais uma vez, invocar minha independência funcional para divergir do Parecer do Colega, que já se pronunciou por escrito, até porque foi induzido em erro, por supor uma situação que, de fato, não existia.

O que ocorreu foi uma requisição de documentos sobre um concurso denunciado como fraudado, patrocinado pela COPPE. Eram muitas cópias, inclusive há prova disso nos autos. O ofício original era dirigido à Vereadora Jurema Batista, Presidente da Mesa Diretora. Na realidade, houve uma delega-ção. A Vereadora deve ter pedido à Procuradora da Câmara que, exercendo suas funções de consultoria, explicou que não havia papel suficiente para fornecer tantas cópias, mas que estava tudo à disposição do Membro do Ministério Público, para que lá retirasse os documentos e tirasse as cópias.

Houve um fato novo posteriormente ao Voto do Desembargador Raldê-nio, ela já deve ter tido ciência: foi juntada aos autos uma certidão da Câmara Municipal, dizendo que tais documentos já estariam há muito na posse dos Membros do Ministério Público, inclusive da autoridade coatora, Teriam sido obtidos pessoalmente pelo mesmo.

Esse fato superveniente, creio que em nada atropela o rito sumário, porque houve o voto de Vista, o Processo, para a sorte da Paciente, ficou paralisado aguardando a elaboração do Voto de Vista.

Inicialmente, tem que se deixar bem claro que é possível trancar Inqué-rito Policial por habeas corpus, coisa que esta Turma e outras Turmas vêm fazendo por diversas vezes. O Desembargador Weber Martins, que é Professor de Processo Penal, diz claramente em seu artigo “Trancamento de Inquérito Policial”: (Lê):

“Não é raro ler que só a instauração (...)(...) pode dizer uma coisa assim.”

Diria eu: só quem ainda não entrou em uma Delegacia pode dizer que um In-quérito Policial não causa constrangimento, principalmente se ele é instaurado contra

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uma pessoa absolutamente “ficha limpa”, que jamais se viu nessa situação.

Prossegue o Professor Weber com toda a sua verve: (lê):“A abertura do Inquérito Policial, não apenas põe o Indiciado (...)(...) nem mesmo se arquivado o Inquérito.”

E a seguir, o Professor Weber, no mesmo artigo, aceita, admite a pos-sibilidade de se trancar um Inquérito por evidente falta de autoria ou por atipicidade da conduta narrada.

O que é importante dizer para esclarecer os fatos, porque habeas corpus – como o nosso Presidente, Desembargador Alberto Nogueira diz – é sempre um julgamento difícil, porque os Desembargadores têm que julgar papel, não tomar o depoimento da pessoa, sequer olhar nos olhos da pessoa.

Creio que, na realidade, a autoria está completamente impossibilitada de ser verificada, em relação à Paciente. O ofício original foi dirigido à Vereadora, a Presidente da CPI. Ela meramente exerceu sua função de advocacia pública e de consultoria, respondendo em nome da Vereadora. Tampouco ela teve o ânimo de negar um documento, ou vários documentos ao Ministério Público. Também não estaria eu aqui procurando boicotar minha própria categoria dizendo que uma requisição do Ministério Público pode não ser atendida.

Pelo contrário: o art. 18 da nossa Lei Orgânica é claro no sentido de se poder fazer tais requisições. Elas têm que ser atendidas, como de fato foram, a narrativa excessivamente concisa da Inicial talvez tenha induzido ao erro o Desembargador Relator, fato que foi sanado, não só pelo Memorial, mas também pelo documento, a certidão da Diretora da Câmara Municipal.

Gostaria de fazer algumas ponderações, também, acerca dos novos, imensos poderes do Ministério Público, que vieram na Constituição Fede-ral de 1988: o Membro do Ministério foi alçado à condição de Magistrado. Esses poderes precisam ser manejados com prudência, com parcimônia e bom senso.

Não se pode, por exemplo, enviar um ofício para um órgão público obje-tivando – estou aqui transcrevendo, Dra. Tanyra, que deverá como Vogal, os termos do ofício – para investigar a conduta de uma Procuradora da Câmara. Não se pode redigir um ofício nesses termos, embora, posteriormente, o ofí-cio que instaurou o Inquérito de outro Colega, tenha falado em prevaricação, imputando um fato, embora inexistente, não se pode investigar conduta, por uma razão muito simples: em primeiro lugar, a Constituição no art. 5º, inciso

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X, estabelece que são invioláveis a intimidade e a vida privada.

Não se pode investigar conduta porque o Estado Novo já acabou; porque a plenitude das garantias individuais foi restabelecida com a Constituição de 1988.

Foi muito infeliz o Colega ao redigir – Colega que sei absolutamente brilhante e competente que se houve extremamente bem nos casos de busca e apreensão do escândalo do Banco Central, do qual foi um dos coautores. Meus quinze anos de Ministério Público Federal me dão o direito de não concordar com esse tipo de atuação.

Não se pode pretender desfechar um Inquérito Policial, não se pode lançar na cabeça de uma Procuradora da Câmara, que inicia sua carreira, um Inquérito Policial como se ela fosse uma reles criminosa, como se ela estivesse negando-se a colaborar com o Ministério Público. E a Douta Procuradora tem que constituir Advogado, parece-me que já compareceu perante autoridade policial, inclusive a maior parte do constrangimento já foi causado. Estamos julgando aqui a hipótese de se o Inquérito deve prosseguir ou não, porque ele já está em curso. Reservo-me esse direito de, de acordo como minha indepen-dência funcional, demonstrar que esse Inquérito não tem como prosseguir, seja pela falta de autoria, seja pela atipicidade da conduta narrada, seja pelo fato superveniente de que veio aos autos prova de que tais documentos já estão em poder do Ministério Público.

Não quero me alongar, nem incomodar V. Exas. Temos duzentos Pro-cessos em pauta. Quero concluir dizendo o seguinte: o crime de prevaricação é um crime omissivo próprio.

DF CHALU BARBOSA: A Paciente é Vereadora?

Dr. THOMAZ HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): Não. Ela é Procuradora da Câmara Municipal, respondeu a um ofício em nome de uma Vereadora.

DF CHALU BARBOSA: Essa prerrogativa é em razão de quê?

Dr. THOMAZ HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): Autoridade coatora, porque é um Procurador da República que determinou a requisição do Inquérito. Inclusive, houve um fato superveniente, que foi a própria requisição do Inquérito: de certa forma, o pedido inicial foi atropelado pelo curso dos acontecimentos, mas como a Turma pode conceder habeas corpus de ofício, a Turma pode conhecer, não há o problema de ser ultra ou

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extra petita com relação à Inicial, porque novos fatos foram sendo trazidos aos autos pela autoridade coatora e pelo próprio Paciente.

Quero dizer que, para a instauração de Inquérito Policial, isso é coisa sé-ria.

DF CHALU BARBOSA: Em resumo: é uma briga por causa de cópia xerox?

Dr. THOMAZ HENRIQUE LEONARDO (Representante do MPF): Sim. Eu não queria chegar ao ponto de dizer isso.

Não posso entender que, em uma cidade que está hoje à mercê do nar-cotráfico, um problema seríssimo de contrabando, um entreveiro, um desen-tendimento entre duas Procuradorias, uma suposta prevaricação acarrete uma montanha – e parece-me que já há outros desdobramentos – de Inquéritos para lá e para cá.

Lamento não poder colaborar com os Colegas de 1ª Instância que, in-felizmente, se houveram muitíssimo mal, ao instaurar um Inquérito Policial contra uma cidadã absolutamente correta, que não fez nada errado, porém parece-me que já teve até que depor perante autoridade policial.

Creio que esta Turma, mais uma vez, irá julgar de forma absolutamente humana. Gostaria de concluir apenas citando o nosso querido Desembargador Luiz Fuks, Professor de Processo Civil, catedrático da UERJ, que diz em suas palestras: “os Tribunais de Apelação do Estado não se chamam Tribunais de Direito Positivo, e sim Tribunais de Justiça, e existem para distribuir justiça.”

Em tese, também sou contra trancamento de Inquérito, que seria tolher a atividade do Ministério Público, não com óbvia falta de autoria. E não se diga que o Inquérito não é contra ninguém, porque já foi dirigido contra a Douta Procuradora que respondeu ao ofício.

Voto-vista

DF VERA LÚCIA LIMA: Quanto ao Mérito, serei obrigada, pratica-mente, a subdividir o tema em duas partes, porque a causa, ou a grande raiz do problema foi a requisição da identidade da Paciente pelo Diretor do De-partamento Pessoal da Câmara praticado pelo Procurador Gino, e o ato de requisição da instauração de Inquérito Policial, feito por um outro Procurador da República, que em verdade, deveu-se à iniciativa do oferecimento dessa

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representação à Procuradora-Chefe da Procuradoria da República, também feita pelo Procurador Gino, que foi apontado como autoridade coatora, ou seja, em uma parte ele diretamente requisita essas informações dos dados pessoais da Procuradora através do Ofício, de sete de abril, o primeiro ofício da autoridade coatora requisitando informações a respeito da identidade da Procuradora. Aí houve esse seguimento e todo esse desdobramento do próprio Inquérito. Essa foi a raiz do problema. Diz ele: (lê):

“Venho através do presente (...)(...) Aproveito o ensejo para externar meus protestos de distinta consideração.”

Isso tudo em função de uma resposta que foi assinada pela Senhora Pro-curadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, uma correspondência que, como já esclareceu o Ministério Público, inicialmente foi enviada à Presidente da CPI que investigava a licitude, irregularidades desse concurso.

A resposta que deu azo a essa requisição dos dados pessoais para a ins-tauração do Inquérito Policial Federal. Esse foi o objeto – diz: (lê):

“Senhor Procurador, em resposta à requisição contida no ofício (...)(...) empreender essa tarefa em tempo hábil.”

No ofício inicial já havia sido demarcado um período – se não me enga-no – de cinco dias, posso até confirmar, para que essas informações fossem obrigatoriamente remetidas, quando do ofício à Presidente da CPI.

DF TANYRA VARGAS: Ela estava apenas cumprindo as suas obriga-ções de ofício.

DF VERA LÚCIA LIMA: Ela diz o seguinte: (lê):“Não obstante, o acesso a esse material é franqueado a V. Exa., que poderá, a qualquer momento, (...)(...) protestos de elevada estima e consideração.”

Essa foi a resposta a um ofício que foi inicialmente enviado à Vereadora da Casa, que era a Presidente da CPI instaurada, e na realidade, segundo cons-ta, os documentos de CPI ficam na própria CPI. Penso eu que a Procuradora nem tinha a posse desses documentos. Estes eram de posse da diligência da própria CPI que estava apurando essas irregularidades.

Isso é para demonstrar por quê, em função de quê.

Agora, volto eu aqui, infelizmente ou felizmente, temos um Voto escrito, mas de vez em quando é preciso sair dele para fazer considerações humanitárias. Só para adiantar, entendo que quando interpuseram esse habeas corpus e pedi-

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ram através dele um salvo-conduto, ocorria que àquela época não havia sido, segundo consta, requisitada diretamente a instauração do Inquérito Policial.

Esse habeas corpus foi impetrado no dia oito de abril de 1999. A requi-sição de instauração de Inquérito Policial data de 28/04/99. Na realidade, não poderia ter sido objeto desse habeas corpus embrião, diria eu, não poderia ter sido diretamente o trancamento do Inquérito Policial porque ele ainda estava em vias de ser deflagrado. Mas, como até mesmo no próprio pedido a Parte...

DF CHALU BARBOSA: Nada impede de ser concedido ex officio.

DF VERA LÚCIA LIMA: Veja bem: além dessa argumentação de ex officio, entendo que, mesmo em se tratando de um pedido inicial direcionado a um salvo-conduto, nesse pedido eles fazem referência a que “a autoridade se abstenha de qualquer medida tendente a restringir a liberdade de locomo-ção.”

Por todos esses princípios processuais e constitucionais a que já esta-mos cansados de fazer referência nesta turma: celeridade, todas as garantias constitucionais, entendo e interpreto, dentro dessa “qualquer medida”, essa própria possibilidade de convolação desse pedido, que antes era uma salvo-conduto, a nível preventivo num habeas corpus corretivo, uma vez que os fatos estão diretamente interligados com esse embrião que seria, na realidade, a requisição desses dados pessoais para a instauração do Inquérito Policial, esses dados foram posteriores a esse evento inicial, dentro do curso desse presente habeas corpus.

Penso eu que seria um rigorismo excessivo, um apego, um amor absoluto às formas, se agora se obrigasse a Parte ainda a ter que interpor uma outra me-dida para que se pudesse apreciar o Inquérito Policial quando já neste momento por todos esses fatores específicos e também pela interpretação melhor que se possa dar para atender às Partes que venham e sintam-se prejudicadas em seus direitos, entendo em que possa neste próprio habeas corpus, dentro desse pedido, como foi feito, ser convolado esse preventivo em corretivo a fim de que possamos dar maior celeridade e tentar obstar pretensas e possíveis lesões a direito, que entendo altamente prejudiciais às Partes envolvidas.

Em função disso, penso eu que a instauração do Inquérito como foi instaurado no decorrer do próprio habeas corpus parece-me uma resposta completamente desproporcional em relação ao fato que foi cometido pela Procuradora do Município. Digo eu, é como se fosse um soco no estômago de

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quem, talvez, tenha feito um fato bem menos grave do que se tenta imputar...

DF CHALU BARBOSA: Além de ter trazido...(inaudível)... da adre-nalina.

DF VERA LÚCIA LIMA: (Lê):“No que tange ao Mérito há dois atos (...)(...) já foram lançados.”

A autoridade esgota as informações referentes àquele primeiro pedido, que seria dos dados pessoais, e da própria instauração do Inquérito Policial, juntando ele, nesse ato, a cópia do ofício requisitório por parte do outro Procurador desse Inquérito Policial – porque ele enviou uma representação à Procuradora-Chefe, ela enviou para outro Procurador, este só formalizou a requisição. Isso acabou sendo um desdobramento daquele primeiro ato que requisitou esses dados pessoais para já ali dar azo ao Inquérito Policial.

O que houve adiante foi uma confirmação do que já tinha sido ameaçado anteriormente através daquele primeiro ato, penso eu.

Essas informações estão abrangendo os dois atos. Por isso creio que não haveria lesão ao princípio do contraditório. (Lê):

“Quanto ao que pertine à requisição de identidade (...)(...) retardamento indevido.”

Entendo eu que nenhum desses dois requisitos foram preenchidos por essa atitude que li para os Senhores a respeito da resposta enviada ao Procu-rador da República. (Lê):

“A própria Lei Complementar, apesar de desnecessária (...)(...) falta de recursos materiais e humanos.”

Ressalto o que já coloquei no primeiro julgamento: a própria expe-riência nos revela que não é tão difícil que isso ocorra em vários órgãos institucionais, não só hoje, mas nas épocas específicas sempre existiram e me ocorre que, infelizmente, sempre existirão essas carências institucionais que percebemos nos vários órgãos que estão ligados a essa administração de Justiça. Não é novidade que em determinado momento, em final de mês, ou em final de licitações, os Órgãos, praticamente todos eles, tenham carência de materiais de utilização, ainda mais quando a necessidade demanda uma quantidade maior de material, o que parece-me acontece neste caso, porque o concurso, segundo consta aqui, teve noventa e nove mil candidatos: quase cem mil.

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Os fatos falam por si mesmos: não é possível que em um concurso com noventa e nove mil candidatos, com uma CPI em curso com várias pessoas sendo investigadas, esses papéis que teriam que ser enviados ao Ministério Público seriam o equivalente a um Agravo de Instrumento com cinco ou seis folhas. Os fatos falam por si mesmos.

Essa quantidade de material não era tão ínfima para que não pudéssemos acreditar que a falta de material poderia existir naquele momento.

Outra consideração que julgo importante – porque algumas vezes ter-minamos o julgamento e esquecemos de falar algo que gostaríamos de ter falado – é quanto ao fato de que o eminente Membro do Ministério Público trouxe aqui, em relação à necessidade de pacificação entre os Órgãos, que hoje em dia não é o que vemos em termos de exemplo de cima para baixo, entre os Poderes: a “queda de braço” não leva a nenhum resultado saudável entre órgãos, entre instituições, e muito menos entre os Poderes.

Se nesses pequenos fatos da vida, até mesmo institucional, não tivermos maturidade suficiente de ver, exatamente, aquilo que deve ser passível de resistências ou “queda de braço”, vamos ficar todos os dias com essa “queda de braço” terrível que só traz conflitos, só traz desgaste às Instituições e só traz desentendimentos entre os Órgãos que devem estar harmônicos para tentar resolver o desentendimento dos outros.

Isto posto, digo eu: (lê):“É que a grande quantidade de documentos obstacularizadora do cumprimento da requisição material (...)(...) para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”

Cito aqui várias doutrinas em relação a essa caracterização do elemento subjetivo desse tipo penal da prevaricação, e que não se percebe nos autos nem indícios que pudessem apontar para essa pretensa satisfação, interesse ou sen-timento pessoal, indícios esses que pudessem ser indicadores e respaldadores de uma fase pré-processual-penal em que se insere o próprio procedimento administrativo investigatório, que é o Inquérito Policial.

Se não existe, pelo menos minimamente, nenhum indício que se leve à tipicidade de uma conduta, já para instaurar um Inquérito Policial, obviamente tem que ser avaliado, tem que ser amadurecido o papel do Indiciado, ou Inves-tigado na outra ponta: se é ou não constrangimento colocar-se como Indiciada uma pessoa em que no transcorrer de todo o acontecido não se percebe nem de forma mínima esse animus ao lado do dolo que viria a trazer respaldo ao

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próprio elemento subjetivo do tipo.

Teríamos aí um tiro na asa do tipo, infelizmente.

DF CHALU BARBOSA: Pelo número de candidatos havia, no mínimo, cem mil cópias xerox, ou duzentas mil.

DF VERA LÚCIA LIMA: Eu digo que poucas não poderiam ser. Ainda mais que com noventa e nove mil, imaginamos que muitos foram os proble-mas.

Eu trago aqui doutrinadores nesse sentido: Mircuir, grande doutrinador espanhol, de renome, trago Luís Régis Prado, tudo sobre a temática do ele-mento subjetivo especial do tipo prevaricação, que deve concorrer ao lado do dolo e que, sem esse elemento, nem que seja de forma indiciária mínima, não se pode afirmar que existiria o tipo penal. E sem o tipo penal não haveria um conduta tipificável.

Eu arrisco a dizer, em sede de Inquérito Policial, mesmo que no Inquérito Policial não se possa exigir que os indícios de uma Ação Penal, que são mais ressaltadas, mais enfáticas, uma Ação Penal que se deflagra contra alguém, eu diria que no Inquérito Policial já existe um constrangimento, sim. Não é confortável para ninguém, e muito menos para pessoas sérias e cidadãos hones-tos, sentarem-se diante de uma autoridade policial já se sentindo suspeitos de conduta ilícita, a qualquer momento podendo ser conduzidos a investigações e esclarecimentos necessários.

Não é confortável, não é animador, e tira o sono de muitas pessoas.

DF CHALU BARBOSA: Ainda mais que o Inquérito Policial não tem a ver com a fraude. Isso é quanto às cópias xerox.

DF VERA LÚCIA LIMA: Cito também o que o Procurador já citou, de Weber Martins Batista, tudo nesse mesmo sentido em relação ao Inquérito Policial. Chego ao final, dizendo: (lê):

“Por essas razões, pedindo vênia ao Desembargador Federal Relator e com a ressalva, do que já coloquei, da retificação da distribuição e autuação, concederia a Ordem, parcialmente, a fim de determinar o trancamento do Inquérito Policial instaurado para apurar a conduta da Paciente Cláudia de Sá, por ausência de justa causa.”

Parcial em relação à questão se seria ou não meio adequado o habeas corpus no caso da requisição de elementos ou dados pessoais, se seria uma lesão ao direito de ir e vir, de liberdade, ou se estaria inserido no âmbito de outros direitos, que aí seriam passíveis através de Mandado de Segurança

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Penal. É só por causa da via eleita.

Voto-vogal

DF TANYRA VARGAS: Neste caso, creio que só se pode conceder to-talmente ou não conceder. Parcialmente não há o trancamento da Ação Penal. Eu estou perplexa que possa haver algo semelhante: ser acusada uma pessoa – esse Inquérito é quase uma acusação – sem motivo, sem conduta típica e sem que ela tivesse nenhum indício de ser Autora de nada, sendo acusada de prevaricação.

Acho isso um absurdo total, e acho que aqueles que agiram de tal forma para levar ao início de um Inquérito de uma pessoa que nada tinha feito, essas pessoas é que necessitariam de um Inquérito para descobrir qual sentimento os levou a tal procedimento.

Congratulo-me que exista alguém do Ministério Público com o valor do Procurador presente, ilustre Procurador que brilhantemente, mostrando sua independência, defendeu essa conduta atípica. Parabéns, Senhor Procurador, pela sua atitude.

Voto pelo trancamento da Ação Penal.

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Senhor Presidente, fui Relator desse feito. Os motivos que ensejaram o meu Voto foram parcialmente aco-lhidos pela eminente Desembargadora Vera Lúcia.

Hoje em dia nos deparamos com uma situação que é por demais preocu-pante para quem pretende ver um país em que a democracia prevaleça, pois temos visto, diariamente, atos que implicam, efetivamente, o total desrespei-to às Leis do país, e principalmente à Constituição Federal tão perquerida pela sociedade, tão buscada pelos brasileiros como Constituição soberana, respeitada.

Quando se ouve que o Supremo Tribunal Federal prolatou uma decisão, e quando o Supremo decidiu que a CPMF em uma questão Liminar, era cons-titucional, não ouvi ninguém levantar uma bandeira neste país no sentido de que aquela Excelsa Corte teria decidido politicamente, não ouvi críticas de empresários, não ouvi críticas de advogados, não ouvi críticas de elementos da sociedade que tivessem afirmado que o Supremo tivesse decidido politi-camente.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal posteriormente toma uma de-cisão e diz, aplicando a mesma Constituição que aplicou ao caso da CPMF,

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que benefício do aposentado, a questão do direito adquirido, usando a própria Constituição, que não se poderia descontar do aposentado e se diz também que não se poderia aumentar as alíquotas da Previdência, quando todos sabemos que a questão da Previdência é uma desigualdade imensa neste País, porque nem todo o cidadão brasileiro paga o mesmo percentual, o Supremo Tribunal decide assim, vozes levantam-se no país todo – como vimos na televisão, o Presidente da FIESP, políticos de renome que deveriam estar respeitando a tripartição e a harmonia entre os Poderes – a dizer que o Supremo Tribunal Federal decidiu de maneira como se fosse uma vindita, porque os Juízes rei-vindicam, porque só eles podem reivindicar, porque dizem respeito a eles os seus vencimentos que há cinco anos não melhoram.

Diz-se que o Supremo decidiu politicamente e foi uma vindita. Ontem mesmo, na “Voz do Brasil” ouvimos o Presidente do Senado dizer que ele não admitia que fosse uma decisão de vindita política, mas que era o que ele propunha. Aí sim, a proposta dele que se cortassem verbas destinadas ao Poder Judiciário, aí é vindita. Quando se pretende um Poder Judiciário com essa independência, quando queremos ver as autoridades públicas tomarem atitudes para que haja respeito, para a apuração de fatos ilícitos, barreiras são criadas.

O meu Voto foi naquela época, porque o que constava dos Autos não permitia que se deferisse a Segurança, que se deferisse o habeas corpus, por uma razão muito séria: porque o Ente público não pode se negar a prestar informações ao Membro do Ministério Público na investigação de fatos que lhe chegam aos ouvidos como delituosos, principalmente os Advogados Pro-curadores, porque prestam juramento quando recebem a carteira da Ordem dos Advogados para respeitar a ordem constituída. Não pode haver subterfúgios: quando a autoridade pede informações, deve explicar os verdadeiros motivos. Porque não se cumpre?

Nós mesmos já julgamos nesta Turma, e trarei novos processos neste sentido, em que o Superintendente do INSS em matérias penais... A Parte alega que ele já havia iniciado o pagamento daquele tributo cobrado. Fica o INSS a dar informações subliminares, como se não tivesse material. Só na terceira, quarta, quinta solicitações, quando então a prevaricação está considerada, o INSS presta informações.

Por que isso? Porque em nosso país, caros Advogados presentes, não existe um dispositivo legal que diga que o desrespeito a uma decisão judicial tenha sanção penal.

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As decisões estão aí: fala-se na demora da prestação jurisdicional, quando nem sempre é assim, porque os Juízes procuram julgar na 1º Instância com rapidez. A dificuldade é no cumprimento exato da decisão judicial, o que im-pede que o Judiciário seja mais ágil, e as decisões judiciais levam anos para serem cumpridas, as sentenças transitam em julgado...

DF CHALU BARBOSA: ...(inaudível)... quem diz respeito, no particu-lar?

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Nessa questão, Senhor Presidente.

Por uma questão que acabei de ouvir do Procurador aqui presente, atento como ele é, em que ele próprio, como Órgão do Ministério Público diz da falta de substância para se prosseguir na Ação Penal, tem mais... tenho plena convicção, porque a Constituição atribuiu ao Membro do Ministério Público a ser o titular da Ação Penal.

O Ministério Público, queira-se ou não, por divergências dos Membros que dão os Pareceres, ele tem que ser uno e indivisível. Como nesta assen-tada o Membro do Ministério Público sustentou – ele sim, titular do que deveria ter procedência –, faz críticas a seu Colega porque se exacerbou no seu entendimento, como ele opinou neste Plenário, de público, que não tem consistência o ato que levou a propor o habeas corpus, meus eminentes Pares, isso me convenceu profundamente, porque se o próprio titular da Ação Penal não tem o que apurar, o Judiciário não pode substituir o Órgão perquiridor, o que faz a persecutio criminis.

Creio que, por mais convencido até de que haja aparência de ilícito, mas quando o Órgão do Ministério Público... Sou contra aqueles que sustentam o controle externo do Judiciário, porque aqueles que querem o controle externo, cada vez fica mais claro para este país, não querem que as decisões sejam efetivamente cumpridas.

Assim como entendo que a decisão judicial deve ser respeitada, entendo que a vontade do Ministério Público – porque é um encargo constitucional, foi o Legislador Constituinte que atribuiu isso ao Membro do Ministério Público – não quer efetivar a persecutio criminis. Está convencido o Procurador presente, e não vejo sentido em se negar o habeas corpus, porque foi ele quem disse.

Acompanhou-me a eminente Desembargadora Vera Lúcia, parcialmente, no Voto que dei, mas confesso, vou acompanhar V. Exa., porque os elementos trazidos fazem-me estar convencido de que meu Voto ficou insubsistente diante do pronunciamento perante esta Colenda Turma.

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Vou acompanhar a Dra. Vera, que deverá ser designada a Redatora do Voto.

Esclarecimentos

DF CHALU BARBOSA: A Dra. Tanyra também concedeu?

DF TANYRA VARGAS: Eu concedi totalmente.

DF VERA LÚCIA LIMA: O Dr. RALDÊNIO concede total?

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Eu acompanho V. Exa.

DF VERA LÚCIA LIMA: Então, é parcial.

Decisão

A Turma, por maioria, concedeu parcialmente o habeas corpus nos ter-mos do Voto da Relatora, divergindo a Desembargadora Tanyra Vargas, que o concedia integralmente.

Esclarecimento

DF VERA LÚCIA LIMA: Seria bom que ficasse explicitado que é parcial para trancar o Inquérito Policial.

DF TANYRA VARGAS: Então, é total.

DF CHALU BARBOSA: Mas o trancamento do Inquérito foi conce-dido ex officio.

DF TANYRA VARGAS: O meu desejo é do trancamento do Inquérito.

DF VERA LÚCIA LIMA: Posso esclarecer? (Assentimento)

Eu analisei parte, dentro daquela interpretação de que um pedido ou a própria instauração seria consequência lógica do pedido inicial do salvo-conduto.

DF CHALU BARBOSA: Além do trancamento do pedido, qual é a divergência?

DF VERA LÚCIA LIMA: Na realidade, seriam dois fatos: um deles que ensejou inicialmente, que seria o salvo-conduto, porque naquela época não havia sido deflagrada, executada essa requisição e instaurado o Inquérito Policial. A Parte não poderia vir e pedir, diretamente: “Por favor, tranquem o Inquérito.” Ainda não havia, como ela iria pedir? Pediu um salvo-conduto.

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Mas, já temos no pedido – porque já havia uma ameaça... Essa é uma inter-pretação doutrinária que estou fazendo.

DF CHALU BARBOSA: Dra. VERA, a concessão parcial diz respeito a que pedido?

DF VERA LÚCIA LIMA: A trancamento de Inquérito Policial que já estava praticamente... Já existia ameaça quando do ato que deflagrou este habeas corpus aqui, que foi para a concessão de um salvo-conduto em virtude de requisição do Procurador, à época, dos dados pessoais para viabilizar a instauração do Inquérito Policial.

DF CHALU BARBOSA: Creio que isso está superado pela concessão ex officio para trancar o Inquérito Policial.

DF VERA LÚCIA LIMA: Senhor Presidente, não estou dando concessão ex officio. Acho que, mesmo para os que não aceitam esse argumento que estou trazendo, de que esse pedido do trancamento do Inquérito Policial ... alguns talvez argumentem: “Isso não está implícito no pedido do salvo-conduto, então não poderia ser dado neste habeas corpus.”

Eu não entendo assim. Entendo que pode ser dado neste próprio habeas corpus, porque estamos dando uma convolação de pedido porque essa efetiva-ção da instauração ocorreu posteriormente à instauração deste habeas corpus, embora lá no início a ameaça já estava latente.

Mesmo para os que não entendem assim, que acham: “Teria que entrar com outro habeas corpus e agora, trancar-se o Inquérito Policial”. Para os que pensam assim, eu argumento, poderíamos dar de ofício, se quiséssemos.

DF CHALU BARBOSA: Vamos superar isso na conclusão, dizendo que a Turma, por unanimidade, decidiu conceder o habeas corpus, para a finalidade de ser trancado o Inquérito Policial.

A fundamentação fica no Voto da Relatora.

DF VERA LÚCIA LIMA: Creio que, tecnicamente, essa alternativa ficaria mais adequada, mais compatível. Eu poderia ficar vencida.

DF RALDÊNIO COSTA (RELATOR): Eu continuo acompanhando V. Exa., palavra por palavra as conclusões de V. Exa., na forma como concluiu seu Voto.

DF TANYRA VARGAS: O que disse o Dr. Procurador, pelo que eu entendi, ele era pelo trancamento total da Ação penal.

DF VERA LÚCIA LIMA: Eu também. É o Inquérito Policial. É isso

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que eu estou dando. O parcial que eu estou dando é porque, na realidade., ficou um pouco confusa a forma como foi proposto o habeas corpus, porque inicialmente, o pedido... houve uma convolação de pedido, que nós estamos interpretando como convolação de pedido preventivo, para um salvo-conduto, para um pedido de habeas corpus, que no próprio decurso da Ação transformou-se automaticamente, por consequência lógica desse pedido ele se converteu em um corretivo, porque aquilo que era uma ameaça passou a ser concreto.

O fato de ele pedir “Quero os dados pessoais dela.” Foi o primeiro “constrangimento”.

Retificação de decisão

DF CHALU BARBOSA: Eu vou proclamar da seguinte maneira: Por unanimidade a Turma concedeu o habeas corpus para a finalidade de ser trancado o Inquérito Policial, nos termos do Voto-Vista da Desembargadora Vera Lúcia Lima.

Voto-vista DF Vera Lúcia Lima

Relator o DF Raldênio Costa

Presidiu o julgamento o DF Chalu Barbosa

HABEAS CORPUS Nº 99.02.17850-2

RELATOR: JUIZ RALDENIO BONIFÁCIO COSTA

IMPTE.: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA (OAB-RJ Nº: 17.841)

IMPTDO: EXMO. SR. PROCURADOR DA REPÚBLICA GINO AUGUSTO DE OLIVEIRA LICCIONE

PACTE: CLAUDIA RIVOLLI THOMAS DE SÁ

PROC. REG. REP.: ALCIDES MARTINS

Despacho

Com o despacho de fls. 99 vieram as notas taquigráficas de fls. 100/138. Assim, aludo-me à decodificação das citadas notas do meu VOTO, que re-

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considerando o anterior de fls. 61/64, acompanhei o VOTO prolatado pelo Eminente Desembargadora federal Dra. Vera Lúcia Lima.

Rio de janeiro, 26 de novembro de 1999

Raldênio Bonifácio CostaRelator

HABEAS CORPUS Nº 99.02.17850-2/RJ

RELATOR: DES. FED. RALDÊNIO COSTA

RELATORA P/ ACÓRDÃO: DESª. FED. VERA LÚCIA LIMA DA SILVA

IMPETRANTE: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA

IMPETRADO: EXMO. SR. PROCURADOR DA REPÚBLICA GINO AUGUSTO DE OLIVEIRA LICCIONE

PACIENTE: CLAUDIA RIVOLLI THOMAS DE SÁ

ADVOGADO: FRANCISCO DAS NEVES BAPTISTA

Despacho

Retifique-se a autuação para a 5º Turma, conforme disposto no meu voto-vista.