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    149ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005 p. 149-158

    EntrevistaEduardo Subirats

     

    por Silvia Carcamo

    Há quase trinta anos, o filósofo e ensaísta Eduardo Subirats, nascido emBarcelona em 1947, vem desenvolvendo uma teoria crítica da cultura na

    qual se integram visões da ética, da estética e da política. Contra la razón destructiva   e Figuras de la conciencia desdichada , livros do fim da década de1970, já são manifestações plenas da “crítica radical” proposta pelo autor.

    A notável ressonância da sua obra a partir da segunda metade dosanos 1980 e 1990 se deve, em parte, às suas intervenções críticas naspolêmicas sobre vanguardas e cultura pós-moderna que agitaram o mundointelectual da época. Sobre esses assuntos, foram publicados no Brasil Da vanguarda ao pós-moderno   (1985), Paisagens de solidão (1987) e Vanguarda,mídia, metrópoles   (1993). Conhecimentos verdadeiramente eruditos das

    vanguardas internacionais conjugados com a experiência latino-ameri-cana – particularmente a brasileira – permitiram a Subirats um distan-ciamento em relação ao olhar eurocêntrico para valorizar a contribuiçãoda América Latina à civilização moderna. Em A penúltima visão do Para- íso. Ensaios sobre memória e globalização   (2001) – seu livro mais recentelançado no Brasil –, notamos o resgate da memória como traço marcantedas melhores manifestações da modernidade latino-americana. E é preci-samente a memória que nos leva a outro núcleo das reflexões de Subirats:a crítica ao colonialismo e aos projetos de dominação que propõem odespojo das culturas como estratégia de destruição dos povos. Nesse sen-tido, poderemos encontrar em El continente vacío  (1994), seu ensaio sobrea dominação colonial na América, o germe de Memoria y exilio , livro pu-blicado no fim de 2003 e sobre o qual conversamos com o autor. Subirats,que atuou em várias universidades do mundo, é atualmente professor epesquisador da Universidade de Nova Iorque. A entrevista a seguir foirealizada em 24 de outubro de 2004.

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    Silvia Carcamo – Em Memoria y exilio, livro publica-

    do pela editora Losada no fim de 2003, você apre-senta um juízo condenatório da conquista da Amé-rica, mas, além disso, confere atualidade à violên-

    cia da conquista. Como deve ser pensada essa vio-

    lência no contexto da globalização? Você estabele-ceria alguma diferença entre aquela violência iniciale o extermínio de culturas da nossa época?

    Eduardo Subirats – Em Memoria y exilio e, antes desselivro, em El continente vacío , tratei de reconstruir os dis-cursos constitutivos do processo colonizador da América:discursos teológicos da conversão e “depressão” do índio,formulados programaticamente pela Igreja romana em

    seu papel de “Mãe de Impérios”. Mas também discursos jurídicos e tecnocientíficos construídos a partir daquelemodelo teológico fundamental. Essa “razão colonial”, ori-ginada histórica e discursivamente na teologia da Guer-ra santa e da conversão forçada, é a matriz do colonialismoilustrado e moderno. Um nexo que os estudos pós-colo-niais norte-americanos negam sistematicamente. Paracitar um exemplo importante, a Instauratio magna da ci-ência empírico-crítica de Bacon é uma instituição tão po-

    derosa quanto a Propaganda Fide  da Igreja romana, quesuplantou na definição dos imperialismos tecnocientíficosmodernos. Enfim, em ambos os ensaios, deixo clara a con-tinuidade histórica entre o colonialismo arcaico e teocráticoespanhol, o colonialismo ilustrado inglês e o colonialismopós-colonial contemporâneo.

    Isso significa um juízo condenatório? De forma alguma!É preciso adotar uma atitude intelectual firme contra as

    práticas militares do colonialismo hoje na Colômbia ou noIraque como continuação das práticas de ontem (esse é otema do livro coletivo América latina y la Guerra global , queacabo de lançar no México), e é preciso recusar as estraté-gias acadêmicas do pós-colonialismo norte-americano quevêm afastando sistematicamente a atenção dos aspectosconstitutivos do colonialismo hispânico e da atualidadecrucial desse problema nos dias de hoje, em benefício deinconsistentes teorias das representações e reciclagens

    semióticas que reproduzem a velha teoria missionária damestiçagem nos slogans do hibridismo.

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    Silvia Carcamo  – O tema da memória ocupou o centrodos debates das últimas décadas na América Latina. Você

    se refere a uma “memória negada, exilada” nas culturashispânicas. Que efeitos esta negação produziu?

    Eduardo Subirats – Distingo dois momentos. Em El 

    continente vacío , refiro-me às estratégias de destruiçãode memórias, línguas e objetos artísticos sistematica-mente programadas pela Igreja católica, primeiro emsua “guerra santa” contra o Islã na Península Ibérica ena Europa Central, e mais tarde em sua “guerra justa”contra os índios na América. Em Memória y exílio, refi-ro-me a um momento ulterior: a negação, eliminação ealienação de todas aquelas correntes do pensamentomoderno que tiveram um conteúdo crítico e eman-cipador, trate-se quer do humanismo “judaizante” deLuis de León, do misticismo “iluminista” de inspiraçãoislâmica e judaica como o de Juan de la Cruz, quer dosintelectuais ilustrados do século XVIII na Espanha eem Portugal, e em suas colônias da América. No séculoXX, essas estratégias do exílio foram centrais em todaa América Latina. Seu símbolo não só é a repressãodos Estados fascistas do século XX, mas também as

    estratégias pós-modernas de deslocamento oubanalização dessa tradição crítica com nomes tão im-portantes como José María Arguedas, Roa Bastos ouGuimarães Rosa, de um lado, e ensaístas comoMariátegui ou Darcy Ribeiro, de outro, entre muitasoutras experiências do século passado.

    Silvia Carcamo – Por que razão foi ignorada a tradiçãodo exílio se, na sua opinião, ela representa o melhor do pen-

    samento espanhol?

    Eduardo Subirats – O caso espanhol é de uma conti-nuidade sem fissuras do absolutismo teocrático e im-perial dos Habsburgos até o absolutismo decadentedos Bourbons nos séculos XVIII e XIX, e deste ao“absolutismo” regeneracionista, nacional-católico e fas-cista do século XX. Nem na Espanha, nem em Portu-gal se podia tolerar uma reforma ilustrada do pensa-

    mento nos séculos XVII ou XVIII, como não se podiapensar em uma reforma liberal do Estado ou dos sis-

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    temas educativos um século mais tarde, porque issoteria afetado a continuidade dessa tradição de intole-rância. Em Memoria y exílio , analiso dois casos que meparecem fundamentais nesse sentido, e que nunca fo-ram estudados com a intensidade que merecem: Simón

    Rodríguez, na América, e Blanco White, na Espanha.Esses intelectuais são testemunhos claros do fracassoda modernidade nessas regiões, e a sua crítica aindahoje tem força vigente.

    Silvia Carcamo  – O que existe de autobiográfico

    na maneira de conceber a memória no exílio? Como

    incidiu a experiência de Eduardo Subirats no pen-samento e nas posições assumidas em Memoria y exilio ou El continente vacío, seu livro de 1994?

    Eduardo Subirats  – Fugi da Espanha quando aindaera estudante: o ambiente intelectual das universida-des espanholas nos anos 1970 e 1980 era asfixiante.Formei-me em Paris e em Berlim. Quando voltei paraBarcelona, em 1979, a nova geração que tinha assu-mido o poder político e cultural deu provas de estar à

    altura de seus mestres falangistas. Em 1981, fui ex-pulso de um modo sujo da Universidade de Barcelona.Fui para Nova Iorque e, depois de um breve períodoem Madri, onde todas as minhas experiências foramnegativas, refugiei-me no Brasil. Aí vivi anos muitoenriquecedores. Posteriormente, passei longas tempo-radas na Venezuela e no México, com aterrissagensforçadas em Madri que não merecem comentários. Fi-nalmente, assentei-me em Princeton. Na Espanha, sou

    “persona non grata”, o que de qualquer forma é umaconstante histórica. Madri não admite a independên-cia intelectual, muito menos a crítica. O mundo filosó-fico e hispanístico espanhol é retrógrado e fechado. Nãoexiste pensamento em espanhol em um sentido forteda palavra, precisamente por causa dessa tradição re-pressiva.

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    153Eduardo Subirats  ·  MEMORIA Y EXILIO

    Silvia Carcamo – Você não teme fazer aproximações nun-ca antes pensadas: Américo Castro e Darcy Ribeiro; Juan

    Goytisolo e José María Arguedas; José María BlancoWhite e Simón Rodríguez. Essas combinações são uma“provocação”, uma maneira de desestabilizar os esque-

    mas de um certo ambiente acadêmico?

    Eduardo Subirats – Isso não é uma provocação. É umensaio, uma experiência. Claro, Memoria y exilio des-monta os “cambalachos” de uma hispanística incon-sistente, incapaz de entender as limitações insti-tucionais e conceituais da ilustração ibérica, ou de es-tabelecer nexos entre a espiritualidade de El Zohar o el sufismo   com o misticismo cristianizado de Juan de laCruz ou Teresa de Ávila, e que não se atreve a contem-

    plar abertamente a decadência espanhola a partir doséculo XVIII. O livro foi furiosamente atacado pelaimprensa espanhola precisamente por colocar em ques-tão seus preconceitos engessados. Por outro lado, mos-tro algo perigoso para essas pessoas: que existem milmaneiras mais coloridas e reflexivas de ler e compre-ender a história intelectual e artística latino-america-na e ibérica, uma vez rompidas as amarras desse

    empoeirado casticismo espanhol. Mas isso não é umaprovocação. É uma libertação. Toda crítica é, em últi-ma instância, libertadora.

    Silvia Carcamo  – Em seu livro, o exílio tem a força de

    uma metáfora capaz de convocar vários sentidos. Um

    deles se refere à expulsão de uma língua, como é o casodos zapotecas no México atual? De que modo o intelec-

    tual deve operar ali?

    Eduardo Subirats – É importante recordar que a lín-gua espanhola se constituiu no decorrer de uma longahistória de exclusões e expulsões. Nebrija, seu gramáticofundador, foi antes de tudo um “expurgador” do cas-telhano: ele se impôs como tarefa eliminar os compo-nentes léxicos e gramaticais árabes e judaicos que ocontaminavam. Juan de Valdés já fez essa crítica. E naAmérica, o trabalho de destruição das línguas históri-cas por parte dos “letrados” hispânicos foi sistemático.

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    A propósito, a sua política de uniformidade e regulaçãosegue adiante hoje através do colonialismo dos meioseletrônicos e da indústria editorial. Isso não criou nemcriará nações hispano-cristãs, como costumam dizeros guardiães do velho imperialismo ibérico. Criou sim

    essa inquebrantável unidade de gramática, poder edogmatismo intelectual que tornou impossível o de-senvolvimento de um pensamento literário ou filosófi-co que pudesse alcançar, mesmo que só de longe, aintensidade espiritual de um Maimônides, de umAverroes ou de um Ramon Lull.

    O que fazem hoje os intelectuais que falam e escre-vem nas línguas históricas da América é o que podeme devem: resgatar poeticamente as palavras, restaurá-

    las e atualizá-las, e fazer isso contra a maré da comercia-lização da literatura em espanhol, a banalizaçãomidiática da cultura e a persistência de políticas colo-niais e racistas dentro das Américas. Conheci obrasfascinantes a esse respeito no México. Há um verda-deiro renascimento de línguas vernáculas nesse sentido.Chiapas é um modelo. Com grandes dificuldades polí-ticas e econômicas, certamente. Mas essa é uma gran-

    de tarefa.

    Silvia Carcamo  – Onde situar Memoria y exilio no

    conjunto da sua obra?

    Eduardo Subirats – O centro da minha obra é a críti-ca filosófica e cultural. É a “teoria crítica”, como vocêenfatizou. Crítica filosófica que se tem articulado so-bretudo em torno de questões epistemológicas (El alma 

     y la muerte ), culturais (La cultura como espectáculo) e es-téticas (Linterna mágica). Mas, ao mesmo tempo, sem-pre me debati com a realidade imediata que me rodea-va: o mundo cultural espanhol, a deriva da Europaneoliberal e pós-moderna, a crise sustentada da Amé-rica Latina. El continente vacío integra esses momentos.É um livro filosófico cujo problema central é a consti-tuição da consciência moderna, mas partindo da ex-

    pansão colonial dessa consciência na América como

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    seu princípio constituinte. Isso me coloca em um con-flito radical com o main stream  norte-americano. Pri-meiro, porque considera o colonialismo ibérico comoum “colateral damage” do colonialismo inglês. Segun-do, porque pretendem enjaulá-lo nos limites de uma

    teoria da representação. E por último, porque não de-sejam se ver envolvidos em uma crítica que, em últimainstância, poria em questão as estratégias de coloniza-ção que implicam a “globalização” e a “hibridização”latino-americana. Com relação a Memoria y exilio, tra-ta-se, no fundo, de uma análise da decadência hispâni-ca e latino-americana, e um aviso sobre a necessidadede dar uma guinada enérgica na direção e marcar no-vos rumos clara e veementemente críticos, renovado-

    res e libertadores, se é que, no futuro, queremos respi-rar livremente.

    Silvia Carcamo – Como se pode chegar a problematizar,

    à luz de Memoria y exilio, o campo do hispanismo?

    Eduardo Subirats  – A conclusão pragmática e cons-trutiva de Memoria y exilio são as “Sete teses contra ohispanismo”, que acabo de apresentar em Florianópolis,

    e o que foi feito em Londres, México, Salamanca, Hofftrae inclusive na Columbia University, em Nova Iorque.Essas teses enfocam a necessidade de uma reformaradical das categorias diretrizes que organizam a his-tória das culturas ibéricas e latino-americanas emamplo sentido, que compreende as expressões literárias,artísticas e filosóficas, assim como as constelações polí-ticas que a atravessam. Você poderá considerá-las pro-

    vocadoras: ponho em questão a falta de perspectivas e ovazio intelectual que atravessa o hispanismo dominan-te. Essas teses fazem, além disso, uma defesa do huma-nismo, de um humanismo crítico que nessa era dos “pós”e das “desconstruções”, bem como do cinismo que osinspira, é tão ameaçador para o “establishment” corpo-rativo da academia, do mesmo modo que o foi para odogmatismo eclesiástico na era imperial clássica do sé-culo XVI.

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    Silvia Carcamo – Apesar das visões negativas so-bre o rumo tomado pelo Ocidente, você não deixa

    de pensar uma saída utópica, como podemos apre-ciar na sua última intervenção no Brasil, durante ociclo de conferências sobre o pensamento latino-

    americano no Centro Cultural Banco do Brasil. O que

    você pode comentar sobre essa utopia?

    Eduardo Subirats – Não, utopia, não! A palavra uto-pia se converteu em um sucedâneo da transcendênciacristã. É uma promessa trivializada de felicidade emum “não-lugar”, em vez de prometê-la no velho “além”dos missionários da cruz. Está claro que tampouco setrata do lamento e do choro. Da negatividade fossilizadados relatos masoquistas do deslocado, do marginali-

    zado, do espoliado, do assassinado, que é a outra carado niilismo cristão. E do conservadorismo acadêmico,acertadamente chamado ‘subalterno’.

    Dizer não ao não-ser quer dizer reivindicar o não-lugar de uma esperança volátil: não quer dizer buscara salvação em u-topos, ou seja, em nenhuma parte. Querdizer resistência, rebeldia e crítica. Significa quererpermanecer e prevalecer no ser da realidade atual doaqui e agora. Esse é o significado profundo de Espíritono sentido de Ruah  ou de Pneuma , quer dizer, a energiavital e intelectual necessária para dar um sentido hu-mano real a um mundo progressivamente descons-truído e progressivamente desumanizado.

    Por outro lado, fiz em julho, efetivamente, uma con-ferência no Rio de Janeiro e em Brasília sobre a Améri-ca Latina. O resultado é um longo ensaio que publica-rei, junto com as teses, sob o título “Viaje al final del

    Paraíso”.  Suponho que o título é por si mesmo elo-qüente. Refere-se a um final. Mas reivindica o signifi-cado espiritual de Paraíso, que não é a lenda cristã daculpa e da condenação do espírito (a condenação sa-cerdotal do Eros). Ali postulo a necessidade de reto-mar a tradição intelectual crítica latino-americana quea academia corporativa norte-americana e a indústriacultural européia enterraram debaixo de uma avalan-cha de patéticas veleidades narcisistas e produtos lite-

    rários descartáveis.

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    Silvia Carcamo – Memoria y exilio será publicado no Brasil?

    Eduardo Subirats – Publicar, tornar-se público, é di-fícil no contexto cultural hispânico, resistente a qual-quer postura crítica e inovadora que não seja avaliada

    por alguma instituição. Na Espanha, fecharam-me qua-se todas as portas. A edição madrilense de El continente vacío foi “liquidada” alguns meses depois da publica-ção, depois que investidores ligados ao Opus Dei defe-nestraram o seu editor Mario Muchnik. Memoria y exilio pôde vir à tona porque conheci Carlos Ortega, editorde Losada, outro dos escassos editores que não sãoagentes imobiliários, e sim verdadeiros intelectuais. NosEstados Unidos, as coisas são mais sofisticadas.

    Princeton University Press me disse há alguns anosatrás: seu livro El continente vacío é bom, mas éeurocêntrico. Com isso, queriam dizer que não mencio-nava nenhum dos pós-colonialistas anglo-saxões queelevaram o modelo colonial inglês a paradigma uni-versal do bom colonialismo, e que consideram, impli-citamente, a América Latina como as Índias ociden-tais. Spivak é um exemplo patético que conta com umaplêiade de lúgubres prosélitos latino-americanistas.Com relação a Memoria y exílio , posso contar uma his-tória ainda mais engraçada. A editora Palgrave meescreveu: muito obrigado, mas o senhor não se encaixana “nossa linha”. Para ensaístas hispânicos ou hispa-nistas, não se admitem mais de quatro termos: femi-nismo, homossexualidade, estudos culturais e pós-colonialismo. Parece uma taxonomia borgiana. Mas nãocreia que estar “in line” significa somente formar em

    linha, como no exército. Se você obedece a essas linhas,e não passa dos limites, significa também que tem defazer fila, como nas alfândegas, à espera da vez paraentrar no clube dos publicados. Esses alinhamentos sedecidem, aliás, na própria academia e nas instituiçõesque financiam a investigação. É um circuito perfeitode controle fechado. Nele já não é necessária a censuraporque a produção corporativa das humanidades jáestá homologada “geneticamente” antes de ser conce-

    bida. O pós-modernismo batizou sacramentalmente

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    esse sistema como idade pós-intelectual. O resultado éum eterno déjà vu , e um soporífero espírito gregário decorpo, de incorporação burocrática de uma inteligênciainstitucionalmente “deserotizada”, como nas ordens re-ligiosas do Império cristão. Mas, em última instância, o

    resultado terminal desses controles é uma proibiçãointeriorizada do espírito crítico, que desde Montaigneaté Adorno concebeu o ensaio como meio de experimen-tação literária e de liberdade expressiva.

    Quanto ao Brasil, dois dos meus livros, Da vanguar- da ao pós-moderno  e A penúltima visão do paraíso , forampublicados primeiro no Brasil, e só mais tarde no Méxi-co. Mas não, no Brasil não foram publicados nem El continente vacío , nem Linterna mágica , nem Memoria y exilio .

    Grossos demais, caros demais. Uma pena, porque issome permitiria tornar mais intensa a minha relação inte-lectual com uma cultura que admiro e amo. Obrigadopor suas perguntas.

    Tradução: Flavia Ferreira dos Santos