DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una...

20
DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? DIVISIN TERRITORIAL DE AMAZON: ¿UN NUEVO DISCUSIN? WENDELL TELES DE LIMA 1 ADNILSON DE ALMEIDA SILVA 2 LUCILEYDE FEITOSA SOUSA 3 RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexªo a respeito da divisªo territorial na Amaznia, em particular no tocante s propostas de reordenamento do territrio do atual Estado do Amazonas, atravØs da aªo de polticos brasileiros que pleiteiam o apoio para a realizaªo de plebiscito sobre a criaªo de trŒs territrios federais e de outro projeto de decreto legislativo no qual versa a criaªo de uma nova Unidade Federativa com status de Estado, no caso, o do Solimıes, formado por mais de 20 municpios amazonenses. A construªo e formaªo de um novo territrio Ø sempre um importante eixo estruturador da histria brasileira com Œnfase nos processos de apropriaªo de espaos e na constituiªo material do pas. Assim, atualmente ainda se tem na conjuntura histrica brasileira a anÆlise dos discursos que impulsionam tais processos chamados de "ideologias geogrÆficas", presentes no estudo das aıes efetivas de incorporaªo e criaªo de espaos geogrÆficos como territrios e novos estados. PALAVRAS-CHAVES: Amaznia. Fronteira. Desenvolvimento regional. RESUMEN: Este artculo considera una reflexin con respecto a la divisin territorial en el Amaznia, particularmente de las ofertas del reordenamento del territorio del Estado actual del Amazonas, por el intermediario de la accin de los polticos brasileæos que abogan por la ayuda para la realizacin del plebiscito en tal oferta. El caso en la pregunta acerca a la pelea de la creacin de tres territorios federales, y a otro proyecto legislativo del decreto que busc la creacin de una nueva unidad federativa con el status del Estado, en el caso, del Solimıes, formado por mas de 20 ciudades de los amazonenses. La construccin y la formacin de un territorio nuevo son siempre un Ærbol importante del estruturador de la historia brasileæa con Ønfasis en los procesos de la apropiacin de espacios, y en la constitucin material del pas. As, todava el anÆlisis de los discursos que estimulan tales procesos llam actualmente ideologas geogrÆficas, los regalos en el estudio de las acciones se tiene en la incorporacin histrica brasileæa de la coyuntura eficaz y la creacin de espacios geogrÆficos como territorios y nuevos estados. LHAVE DE LAS PALAVRAS: Amaznia. Frontera. Desarrollo regional. 1 Mestre em Geografia pela Fundaªo Universidade Federal de Rondnia UNIR. Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Amazonas - UEA. [email protected] 2 Mestre em Geografia pela UNIR. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do ParanÆ - UFPR. Pesquisador do Nœcleo de Estudos em Espaos e Representaıes (NEER) [email protected] 3 Mestra em Desenvolvimento Regional pela Fundaªo Universidade Federal de Rondnia - UNIR. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do ParanÆ UFPR. Pesquisadora do Nœcleo de Estudos em Espaos e Representaıes (NEER). [email protected]

Transcript of DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una...

Page 1: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

DIVISÃO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? DIVISIÓN TERRITORIAL DE AMAZON: ¿UN NUEVO DISCUSIÓN?

WENDELL TELES DE LIMA1 ADNILSON DE ALMEIDA SILVA2

LUCILEYDE FEITOSA SOUSA3

RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão a respeito da divisão territorial na Amazônia, em particular no tocante às propostas de reordenamento do território do atual Estado do Amazonas, através da ação de políticos brasileiros que pleiteiam o apoio para a realização de plebiscito sobre a criação de três territórios federais e de outro projeto de decreto legislativo no qual versa a criação de uma nova Unidade Federativa com status de Estado, no caso, o do Solimões, formado por mais de 20 municípios amazonenses. A construção e formação de um novo território é sempre um importante eixo estruturador da história brasileira com ênfase nos processos de apropriação de espaços e na constituição material do país. Assim, atualmente ainda se tem na conjuntura histórica brasileira a análise dos discursos que impulsionam tais processos chamados de "ideologias geográficas", presentes no estudo das ações efetivas de incorporação e criação de espaços geográficos como territórios e novos estados.

PALAVRAS-CHAVES: Amazônia. Fronteira. Desenvolvimento regional.

RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente de las ofertas del reordenamento del territorio del Estado actual del Amazonas, por el intermediario de la acción de los políticos brasileños que abogan por la ayuda para la realización del plebiscito en tal oferta. El caso en la pregunta acerca a la pelea de la creación de tres territorios federales, y a otro proyecto legislativo del decreto que buscó la creación de una nueva unidad federativa con el �status� del Estado, en el caso, del Solimões, formado por mas de 20 ciudades de los amazonenses. La construcción y la formación de un territorio nuevo son siempre un árbol importante del estruturador de la historia brasileña con énfasis en los procesos de la apropiación de espacios, y en la constitución material del país. Así, todavía el análisis de los discursos que estimulan tales procesos llamó actualmente �ideologías geográficas�, los regalos en el estudio de las acciones se tiene en la incorporación histórica brasileña de la coyuntura eficaz y la creación de espacios geográficos como territorios y nuevos estados. LHAVE DE LAS PALAVRAS: Amazônia. Frontera. Desarrollo regional.

1 Mestre em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia � UNIR. Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Amazonas - UEA. [email protected] 2 Mestre em Geografia pela UNIR. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER) [email protected] 3 Mestra em Desenvolvimento Regional pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná � UFPR. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER). [email protected]

Page 2: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

2

A divisão territorial amazonense: breve reflexão

A �tese� da divisão territorial do atual Estado do Amazonas passou a ter

destaque na mídia regional a partir de 1997 quando os seus defensores disseram

que o entrave ao desenvolvimento das cidades interioranas estaria ligado ao

distanciamento de Manaus. E sem falar na estratégia de concepção geopolítica,

acerca da ocupação do espaço amazônico, tendo como suporte a minimização dos

graves problemas que afetam à região.

Nessa idéia de reconfiguração territorial, encontra-se o discurso de que o

Estado do Amazonas é demasiadamente grande em extensão, com isso, há uma

dificuldade de gerenciá-lo político-administrativamente e de acordo com Nogueira

(2001) isso tem a ver com essa �monstruosidade geográfica�.

Os graves problemas existentes nesse estado não estão somente ligados ao

crescimento econômico de seus municípios, nem dos ideais geopolíticos de

ocupação do território amazônico, aclamado pelos militares, mas, sobretudo, às

terras indígenas e unidades de conservação, tidos como elementos vitais à proteção

do gigantesco patrimônio biológico, os quais sofrerão possíveis conseqüências por

ocasião da redução territorial ou sobre os recursos naturais disponíveis.

Nesse sentido, Lima (2008) aponta uma importante contribuição ao auferir

que os discursos sobre a redivisão da Amazônia apresentam algumas

características marcantes tais como a preocupação crescente com a integração e

ocupação dos imensos espaços físicos da região em relação aos grandes centros

produtivos; a redução dos vazios demográficos com implementação de novo

ordenamento espacial, inspirado na política desenvolvida nos governos militares e

retomada na atualidade pelas elites regionais.

Esses discursos focalizam ainda o aproveitamento das reservas de matérias-

primas, a interiorização das ações governamentais e o fortalecimento da segurança

nas áreas de fronteira, bem como ações para determinar o desenvolvimento

regional e minimizar as enormes disparidades locais e regionais em relação a

outros estados da federação.

O princípio defendido pelos idealizadores da fragmentação, atendo-se à nova

reordenação territorial, visa atender diretamente seus interesses políticos, fazendo

Page 3: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

3

parte do discurso veiculado a necessidade de geração de novas divisas como

resultado da arrecadação de impostos em benefícios para as áreas arrecadadoras,

atualmente subaproveitadas suas potencialidades naturais e econômicas e, assim,

busca-se promover investimentos em transportes, energia e outras infra-estruturas

indispensáveis ao desenvolvimento regional.

Nessa perspectiva, há uma questão do poder de criar áreas de domínio

político, gerando novas condições de representatividade política, capazes de fazer

frente aos imensos desafios regionais. Dessa maneira, a estratégia de criação

dessas unidades federativas passa fundamentalmente pelos grupos de interesses

que visam à perpetuação do poder; embora se afirmem que através de ações

planejadas possam assegurar a melhoria dos indicadores da qualidade social e

econômica na região.

Em princípio, a análise aqui proposta se baseia nos pressupostos teóricos da

Análise do Discurso e da técnica de análise de conteúdo, enfatizando-se que as

propostas encaminhadas para votação no Senado Federal revelam manifestações

características de interesse em fragmentar territorialmente o Amazonas. Nesse

sentido, a interpretação de uma leitura crítica e perspicaz inerente ao tema

contribuirá para a discussão da necessidade material de realizar ou não uma nova

reconfiguração territorial na Amazônia.

Uma discussão acerca da reconfiguração territorial do Amazonas

Uma das questões sempre colocadas, por países possuidores de grandes

territórios, é a de que o (re)ordenamento espacial de algumas regiões deve ser

focalizado em virtude dos aspectos espacial ou geográfico, econômico, político e

social, constantes nos discursos diversos que possibilitem uma nova injunção de

redefinição das fronteiras para a criação de territórios e estados.

As concepções e os discursos sobre a criação de novas unidades federativas

repousam nas idéias de melhoria das condições de gerenciamento de porções

territoriais, especialmente àquelas com pouca densidade demográfica, bem como a

correlação entre economia local e desigualdades dentro de um espaço geográfico.

Page 4: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

4

Nesse contexto, Magnoli (1997) entende que os discursos se impõem pela

necessidade de gerenciar os espaços territoriais abrangentes e com pequenos

contingentes populacionais, seguindo, portanto, a lógica de inúmeros interesses de

poder político escamoteado em discursos ideológicos.

A propagação desses discursos ideológicos permeia questões como a dos

desequilíbrios regionais, tendo como causas a má divisão geográfica do país; porém

com força suficiente de se enquadrar na esfera da necessidade do desenvolvimento

local e regional.

A atual proposta de divisão e criação de novas unidades político-

administrativas no estado do Amazonas é de autoria do senador Mozarildo

Cavalcante, do estado de Roraima, com modificações do senador Jefferson Perez

(PDT/AM), publicado no Diário Oficial da União de 10/11/2000, substituindo a

criação do Estado Solimões, na calha do rio de mesmo nome, por três territórios

federais: Rio Negro, Solimões e Juruá.

A área proposta, ao desmembramento e formação de novas unidades

político-administrativas, corresponde aproximadamente 46% do território

amazonense, ou seja, 719 mil Km² distribuídos em 23 municípios habitados por 438

mil pessoas, com densidade demográfica de 0,6 hab/Km², de acordo com o Censo

de 2000 do IBGE. A extensão dessas unidades propostas equivale ao total das

áreas territoriais dos estados de Alagoas, Amapá, Roraima, Alagoas, Sergipe e

Espírito Santo; ainda representa superior a área dos estados da Bahia, Minas

Gerais, Mato Grosso do Sul, Maranhão ou França, caso a proposição seja

concretizada.

A proposição da criação desses três novos territórios federais seria

constituída pelos seguintes municípios: a) São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel

do Rio Negro e Barcelos, formando o Território Federal do Rio Negro; b) Atalaia

do Norte, Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Tonantins,

Amaturá, Fonte Boa, Jutaí, Alvarães, Uarini, Maraã, Japurá e Santo Antônio do Içá,

integrando o Território Federal do Solimões e c) Carauari, Itamarati, Eirunepé,

Envira, Ipixuna, Guajará e Juruá, formando o Território Federal do Juruá,

evidenciado pelo projeto que tramita no Senado Federal sob Parecer nº 952/2000.

Page 5: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

5

MAPA 01 - AMAZONAS � DIVISÃO ADMINISTRATIVA

�����

����

������

������

�����

����

������

���� �

�����

����

��

�� ����

���������� ���

���������������������

�������

���������

�����

�������

�� �����

��������

���������� �

���������

�����

�����

���������������� ���

�������

����

����� ���� �

���� �

�����������

�� ���

���� ��

� ���

������������

�������������������� �� ������

�����������

������

���� �� ��� � �� �

������� � ���

��� ����

� ���� ��� ��� �

�������

������ ��

����� �� ���������

�� �����

������� ��

������� ��

�� �������

�� ������

��������������������

������� ����������������

����

������ ������ ���

���������������

�����������������������������

����������������� ���

������������

������������

����� �������������������������������������������

!""# !""#

$!""# $!""#

%!""# %!""#

&!""# &!""#

'!""# '!""#

(!""# (!""#

)!""# )!""#

*!""# *!""#

+!""# +!""#

"!""# "!""#

+!""# +!""#

*!""# *!""#

%)!""#

%)!""#

%*!""#

%*!""#

%+!""#

%+!""#

%"!""#

%"!""#

& !""#

& !""#

&$!""#

&$!""#

&%!""#

&%!""#

&&!""#

&&!""#

&'!""#

&'!""#

&(!""#

&(!""#

&)!""#

&)!""#

&*!""#

&*!""#

&+!""#

&+!""#

&"!""#

&"!""#

' !""#

' !""#

'$!""#

'$!""#

'%!""#

'%!""#�%*

�%*

�%"

�%"

�&$

�&$

�&&

�&&

�&(

�&(

�&*

�&*

�&"

�&"

�'$

�'$

�$ �$

�& �&

�( �(

�* �*

" "

* *

��������

,-./0-1/�-�2-0340�1-5�467/08-9:;5�1/��-6</�1;���-1/5�1/����=���*"" " *"" >8

Elaborado a partir das informações do Banco de Dados do IBGE/MMA. Org. ALMEIDA SILVA, Adnilson. (2007).

A criação de novas unidades no Brasil se constitui na produção de novo

rearranjo territorial, produto da ação política e, como tal, não pode ser desprezada,

especialmente dada à singularidade existente numa região estratégica do ponto de

vista dos recursos naturais existentes, no qual se incluem a riqueza de elementos

presentes para o suporte da economia do sistema capitalista, a saber: animal,

vegetal e mineral.

Desse modo, a organização territorial tem profundos enraizamentos nas

ideologias subjacentes ao poder que emana da criação de novas unidades

federadas, sob vários aspectos, envolvendo explícita ou explicitamente questões

ideológicas, mesmo que isso aparentemente esteja totalmente dissociado da

realidade atual, mas nos bastidores da geopolítica encontram-se vivos, dinâmicos e

presentes na construção imaginária da sociedade tais como: segurança nacional,

desenvolvimento local e regional, melhoria das estruturas e perfis demográficos no

favorecimento de condições para fatores migratórios, melhoria das condições de

vida da população.

Page 6: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

6

A relevância da discussão em âmbito nacional sobre o imaginário geográfico

e a política de redefinição territorial parte da tentativa de se compreender a análise

dos discursos que impulsiona tal processo onipresente na história brasileira, ora

perpassa a simples e voluntariosa divisão de um espaço territorial, até porque o

território representa valor econômico dentro do sistema capitalista. Aponta-se no

estudo a força dos discursos políticos que pode produzir muitas significações e

sentidos e, pela sua função unívoca de relação interativa, necessita ser

cuidadosamente avaliada em suas materialidades e subjetividades.

O termo �ideologias geográficas�4 utilizado por Magnolli (1997) a partir do

conceito formulado por Moraes (1988) serve para designar os discursos que

dimensionam as políticas de redefinição geográfica de espaços regionais; assim

essas ideologias perpetuam a questão da organização espacial caracterizada nos

discursos de natureza econômica, social, cultural e política. Essa discussão é uma

tentativa de desmistificar as ideologias produtoras de um discurso acerca dos

�sentidos e materialidades�, conforme acentuam Gregorin e Baronas (2001) ao

refletirem no discurso geográfico essas propostas de redivisão do Amazonas.

É salutar destacar certa temeridade em abordar esse discurso diante da

complexidade oferecida pelo tema, pois essa divisão exige discussões em nível

nacional, podendo se tornar enganosas em diversas situações convenientemente

eivadas de subterfúgios, de imprecisão, ocultando situações e desnudando ações

que impliquem em impactos ao bem-estar social do povo amazonense. Tais

preocupações nos motivaram a analisar a produção do discurso, percebendo as

estruturas lacunares e ideológicas em seus diversos sentidos e presentes nos

enunciados políticos.

Ao tratar desse campo �político�, verifica-se a possibilidade de recebimento de

muitas críticas e objeções, porém estão sendo construídas no imaginário amazônico

e exige uma análise crítica e ampla de estudo sobre os propósitos de natureza

geográfica, cultural, econômica, política e regional. Sob a égide de tais aspectos, o

processo de investigação exige melhor detalhamento sobre essa questão, cuja

4 Na realidade a ideologia na Geografia é tratada desde as primeiras obras de Friedrich Ratzel, no Século XIX, portanto, não sendo de caráter exclusivamente de um único autor, assim também vai ser contextualizada, por exemplo em Yves LACOSTE em A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra.

Page 7: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

7

focalização interessa principalmente ao campo da geografia, da economia e da

regionalização.

Contudo, os marcos geográficos e políticos definem as conquistas do espaço

e do redimensionamento das mudanças na formação do território como importante

eixo estruturador da história brasileira, considerando-se a formação do estado e a

expansão territorial.

Nesse contexto, a dimensão histórico-cultural e produtiva do espaço

geográfico considera a questão da expansão territorial e do domínio de espaços

para a realidade produtiva no sistema capitalista, como também a sucessão de

acontecimentos que contribui na conjuntura histórico-cultural, através do espaço

produzido e intermediado pela materialidade social.

Os interesses na reconfiguração territorial do estado do Amazonas e sua

situação geopolítica relativa à Amazônia, como realidade objetiva enfoca as visões

sobre o território e o imaginário geográfico frente à floresta e aos interesses

internacionais. Através da análise dos discursos ideológicos sobre a ocupação

territorial de uma região, tida como de pequena densidade demográfica, permite que

quatro importantes considerações específicas sejam contextualizadas: a) O discurso

da discrepância em termos de densidade demográfica; b) O discurso da segurança

nacional das fronteiras da Amazônia; c) O discurso sobre a questão do

desenvolvimento local e regional; d) O discurso sobre as desigualdades regionais.

Para a Amazônia, as políticas de desenvolvimento e integração são

sustentadas nas estratégias de segurança nacional, assim no desenvolvimento

regional e local; porém devem ser inseridas na discussão questões socioambientais

e principalmente as populações indígenas e amazônidas secularmente

estabelecidas, de modo que a análise do discurso e a técnica de análise de

conteúdo sejam críticas em relação à problemática existente.

Nessa discussão, surge um elemento de grande significado geopolítico como

marca de afirmação territorial, presente no discurso oficial: a subjacente definição da

Amazônia desde à época do �integrar para não entregar�, como condição �sine qua

non� para ocupação dos imensos vazios demográficos. De igual modo, encontra-se

presente a idéia da implantação da Iniciativa de Integração da Infra-estrutura

Regional Sul-Americana � IIRSA (Figura 01), embora sua essência aparentemente

Page 8: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

8

possibilite resolver uma série de problemas de logística facilitando a vida de uma

população secularmente isolada; na verdade representa um avanço do sistema

globalizante e homogeneizador que não considera as especificidades e

peculiaridades da Amazônia.

FIGURA 01 � O IIRSA

http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/iirsa/IIRSA/Conteudo_do_Folder-IIRSA1.pdf. Sem Escala. Capturado em 01.05.2008.

Todos sabemos que o processo de redefinição territorial da forma como é

apresentado não será suficiente para resolver às precárias condições de vida da

população amazônica e contribuirá para o aprofundamento das desigualdades

sociais, além da expulsão ou incorporação dessas populações que conseguem

sobreviver às intempéries regionais, construindo um modo de vida, eminente

amazônico: uma população constituída por indígenas, caboclos e ribeirinhos.

A idéia da IIRSA atinge plenamente a região onde está sendo proposta a

reconfiguração territorial e a formação de três novas unidades administrativas,

favorecendo a real possibilidade do avanço da fronteira agrícola, da destruição da

biodiversidade e dos modos de vida existentes.

Page 9: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

9

As implicações da reconfiguração territorial e a fronteira

A justificativa atual na discussão separatista é que vai atender aos anseios da

população como pretensa unificação bolivariana, que se encontra num grande

distanciamento do que seria uma América Latina real, onde os povos poderiam se

aproximar pela cultura, naquilo que os unificam pelo menos culturalmente, todavia

isso passa a ter um significado de expansão do sistema econômico vigente.

Assim, a justificativa de criação de unidades federativas é explicada pelo

abandono do interior, vista como uma das causas objetivas desse movimento de

cisão territorial. A situação econômica sentida por vários municípios do Amazonas

juntamente com a grande extensão territorial do estado e as enormes distâncias em

relação à Manaus é colocada como fatores decisivos para essa divisão.

Na concepção de algumas classes sociais organizadas, a atividade

econômica será alavancada com a criação dessas unidades federativas, cuja

�estratégia� de substituição de um Estado por três territórios levaria o Governo

Federal a direcionar recursos diretos a essas regiões menos desenvolvidas.

A idéia da reconfiguração territorial traz em seu bojo o poder central para os

municípios, possibilitando à geração de recursos e infra-estruturas necessárias ao

desenvolvimento dessa porção territorial do atual Estado do Amazonas. Repete-se a

velha fórmula de não contar com a participação do povo, continuando o mesmo

onipresente modelo de desenvolvimento na história brasileira, baseado na

colonização por exploração predatória dos recursos naturais e a expulsão das

populações locais.

Por outro lado, é contextualizada na atual fase histórica a percepção empírica

de uma permeabilidade maior das fronteiras nacionais com afirmação de pactos de

cooperação entre países signatários, onde se tenta forçar uma união cada vez

maior, uma transposição da fronteira, ou seja, oferece-se certa elasticidade, além do

território nacional.

Aqui merece uma série de questionamentos: a militarização da fronteira, com

os países signatários do Pacto Amazônico, na qual ganha cada vez mais

importância no processo de globalização atual não seria um ato retrógrado? E a

criação de novas unidades federativas, onde o capital se instala em conformidade

Page 10: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

10

com seus próprios interesses, seria capaz de realmente impulsionar o

desenvolvimento da região amazônica?

Os vários exemplos de desmembramento e reconfiguração de unidades

federativas têm propiciado a existência de alterações profundas no contexto das

regiões, principalmente com impactos sócio-ambientais acelerando os

desflorestamentos devido ao avanço e a inserção do Capital sobre novas áreas

potencialmente rentáveis para a agricultura, pecuária, mineração, entre outras

atividades. Desse modo, produzem também sérias disfunções sócio-culturais em

populações ancestrais como as indígenas ou as secularmente constituídas como

ribeirinhos, caboclos e seringueiros. É mister entender que a criação dessas

unidades federativas tem subjetivamente em seu âmago a expansão do Capital para

atender os interesses não apenas do mercado regional, mas, sobretudo do

internacional.

A criação das novas unidades federativas serve em muitos momentos para

vilipendiar as situações sociais, a partir do discurso político-ideológico elaborado

pelos interesses das classes mais articuladas econômica e politicamente, de modo a

legitimar a perenidade das diferenças. Desse modo, Santos & Silveira (2001, p.254)

contextualizam:

[...] na medida em que, com o mercado chamado global, cada empresa busca satisfazer nos lugares onde as respostas aos seus reclamos é mais adequada tal demanda é errática e o território passa a ter, nas áreas atingidas por esse tipo de relações, uma dinâmica praticamente imprevisível no próprio lugar em que se exerce é também alienada, já que não precisa ter correspondência com os interesses da sociedade local ou nacional. Novas formas de compartimentação do território ganha relevo e são capazes de impor distorções ao seu comportamento: são as novas caras da fragmentação territorial.

Outro aspecto que merece consideração no processo de reconfiguração

territorial diz respeito ao combate às forças opostas do governo colombiano ou até

mesmo do narcotráfico podendo ser atendidas por políticas mais consistentes e

permanentes por parte dos Estados Nacionais do Pacto Amazônico.

Outra questão a ser considerada diz respeito ao novo entendimento sobre as

reestruturações e atuações das fronteiras frentes aos processos de globalização e

integração do continente sul-americano, encontrando-se em implementação à

formação de novos recortes territoriais. Desse modo, constata-se a existência de

Page 11: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

11

uma maior porosidade sobre as fronteiras, sendo essas concebidas como ponto de

união, e não mais de exclusão, entre os Estado-Nações.

Sob tal ótica, novas sub-regiões, novos poderes sub-regionais começam a se

estruturar em nosso país, sendo que a Amazônia é parte integrante dessa �nova

ordem�, e chamada a participar desse processo de forma ativa em muitos

momentos, porém não podendo ser negado sua importância enquanto provedora de

matérias-primas.

A entrada da Venezuela, como membro permanente do Mercado Comum do

Sul (MERCOSUL), configura assim o novo eixo de desenvolvimento e de saída do

país ao Caribe, bem como o surgimento de uma nova região voltada para a abertura

e novo entendimento das fronteiras brasileiras. Essa nova geopolítica vem se

configurando em nosso país, mesmo havendo resistências por parte de alguns

segmentos sociais, políticos e militares por diversas razões e interesses.

Essas constatações atuais de entendimento do território são fundamentais

porque ultrapassam a visão estadista, ou seja, vão além da compreensão do papel

tradicional desempenhado pelo Estado-Nação, ocorrendo à inserção de novos

agentes que pensam nos avanços da ocupação incentivada pelo sistema capitalista,

geralmente no âmbito das iniciativas externas, através da adoção de padrão

econômico atendendo às exportações e as explorações desenfreadas dos recursos

naturais.

Assim, temos a lógica de �economia de fronteira�, sendo o controle territorial

efetivado, conforme assegura Becker (2001, p.135) pela �intervenção em locais

estratégicos, de posse gradativa da terra (uti possidetis) e da criação de unidades

administrativas diretamente vinculadas ao governo central�.

A partir dessa constatação, torna-se evidente que os modelos de ocupação

territorial possuem dimensões distintas, fundamentadas nos princípios exógenos ao

território com ações de relações construídas a partir dos grandes centros

econômicos, representando o momento histórico específico; e a outra com caráter

endógeno, direcionado ao desenvolvimento da autonomia e dos interesses locais. A

interação desses diferentes olhares permite observar a existência dicotômica entre

exportação versus desenvolvimento local, na afirmação da mesma autora,

estabelecendo os grandes conflitos ainda em marcha na região.

Page 12: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

12

Essa dicotomia passa pelo gerenciamento territorial, produzindo uma

dinâmica territorial indistintamente conflituosa, pois representa de acordo com

Almeida Silva (2007, p. 88):

[...] o encontro dessas visões antagônicas, relativa no primeiro caso às redes de articulação externa, é direcionado a salvaguardar a produção e exportação; enquanto o endógeno se relaciona diretamente às grandes extensões de terra destinadas à subsistência das populações locais.

Nesse contexto, deve ser observado que o território possui um caráter

identitário, assim os agrupamentos humanos constroem suas identidades a partir

das relações dialéticas estabelecidas no território, estando ainda presentes os

valores como nacionalidade, apego à sua terra natal, entre outros, igualmente

relevantes. Dentro dessa perspectiva, as representações se apresentam também

como fatores relevantes na decodificação territorial, dando o caráter apontado por

Kozel (2004, p. 229):

[...] passarão a ser tratadas tanto como produtos como processos, mediando espaço real e os grupos sociais, entre a percepção e prática. Os produtos construídos a partir desses procedimentos se constituirão nas bases para a compreensão e análise das transformações sociais e espaciais.

A questão socioambiental: fator que não pode ser desprezado

A questão socioambiental é altamente complexa nos dias atuais; além da

pressão advinda de fatores externos, é também verificada internamente, sobretudo

em relação às várias territorialidades indígenas, conforme mapa 02. Assim como as

territorialidades de povos secularmente estabelecidos e ainda as unidades de

conservação existentes, as quais não podem ser desconsideradas nesse enfoque.

A preocupação com os povos indígenas começou a ser difundida no final dos

anos 1970, sendo que na Amazônia, no entanto, grande parte desses povos sofre

com a falta de demarcação de suas terras. Isso é verificado quando os povos

ribeirinhos, seringueiros, caboclos e quilombolas permanecem à margem do Estado

e são ameaçados em seu direito à territorialidade como aponta Diegues (2002, p.30)

que:

A ameaça sobre as formas de apropriação comunitária vem da expansão da grande propriedade rural voltada para agropecuária,

Page 13: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

13

das grandes empresas mineradoras, das políticas públicas (áreas naturais protegidas e dos grandes projetos). A situação desses sistemas tradicionais de acesso a espaço e recursos de uso comum começaram a ser ameaçadas com o processo relativamente recente de incorporação desses territórios pela expansão urbana industrial e da fronteira agrícola.

O processo de reconhecimento das terras indígenas é dado pela Fundação

Nacional do Índio � FUNAI, no entanto, observamos problemas de procedimentos de

regulamentação de suas terras que ocorrem morosamente por parte do poder

público, além de serem inúmeras vezes questionadas, mesmo depois de

reconhecidas, demarcadas e homologadas pelo estado.

Na visão do Estado, a terra indígena é um espaço homogêneo, meio de

produção, em cuja base física encontra distribuídos os recursos naturais, por isso

mesmo não é de propriedade do indígena; esse só possui o direito de usufruí-la,

logo tem uma dimensão distinta das propriedades privadas que são comercializadas.

Na concepção indígena, a terra é um mosaico de recursos materiais, morais e

espirituais intrínsecos em sua territorialidade. Na sua visão de mundo não se

encontra presente a dicotomia ser humano/natureza que permeia a visão da

economia de mercado urbano-capitalista. A questão territorial indígena é portadora

de dimensões sociopolíticas coletivas marcadas pela visão cosmogônica que o

território é sagrado, representa a vida; em contraposição à concepção de território

pelo Estado que não considera isso como elemento importante para o modo de vida

das populações.

Por tais razões, as terras indígenas no Brasil ainda não estão completamente

regularizadas, apesar de o preceito constitucional estipular que deveriam encontrar-

se legalizadas até o ano de 1993 e a morosidade institucional representada pelos

trâmites burocráticos contribui para a não-resolução da problemática. Desta

maneira, em junho de 1996, das 554 áreas, apenas 148 encontravam-se

demarcadas e registradas, correspondendo a um total de cerca de 45 milhões de

hectares, ou seja, pouco menos da metade da área total das terras indígenas.

Outras terras passam por diferentes fases de regularização: existem desde

áreas a identificar, geralmente associadas a grupos isolados; áreas delimitadas e

áreas demarcadas fisicamente, mas sem homologação e registro. As demarcações

são necessárias, mas não suficientes para a proteção das terras indígenas, que

Page 14: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

14

sofrem invasões de todos os tipos por diversos atores sociais, como empresas

mineradoras, madeireiras, garimpeiros, fazendeiros, entres outros,

conseqüentemente gerando inúmeros conflitos.

MAPA 02 - AMAZONAS: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E TERRAS INDÍGENAS

�����

������

������

������ � ����

�� ������ �� ��������

�����

��������

�����

����� ����� � �� ����

������

���������������

������

������

�� ��� �� ������

�������

��������

�������

�������

���� �� ����

���� ��

�� ������ � ���

���������

���� � ������

���� �����

������������������������ ���������� ����������

����� �����

����� �����

����� �����

���� ����

!���� !����

"���� "����

#���� #����

$���� $����

%���� %����

����� �����

%���� %����

$���� $����

�#����

�#����

�$����

�$����

�%����

�%����

������

������

�����

�����

�����

�����

�����

�����

����

����

!����

!����

"����

"����

#����

#����

$����

$����

%����

%����

�����

�����

!�����

!�����

!�����

!�����

!�����

!�����&�$

&�$

&��

&��

& �

& �

&

&

& "

& "

& $

& $

& �

& �

&!�

&!�

&� &�

& &

&" &"

&$ &$

� �

$ $

���������������������������������������� �����!"���������#�"���� "�"����

$�� � $�� '( �)*+,-*., * /*-01- .*2 134,-(*5672 ., �*38, .7 �*.,2 ., ����9���

Elaborado a partir das informações do Banco de Dados do IBGE/MMA. Org. ALMEIDA SILVA, Adnilson. (2007).

Outro dado preocupante com a reconfiguração territorial através da criação de

unidades federadas são as obras de infra-estrutura como estradas e usinas

hidrelétricas - UHEs, as quais impulsionam a colonização e contribuem para a

invasão de parte de terras indígenas, criando situações de grandes conflitos, como o

verificado na região do rio Atumã, onde se construiu a UHE Balbina. Essa UHE

provocou o alagamento do território dos Waimiri-Atroari, trouxe inúmeras doenças e

ainda outras graves conseqüências a esse povo, por essa razão deve ser

considerada como fator de preocupação com a fragilidade do ecossistema

amazônico, conforme observado por Paz (2006).

O impedimento ou a protelação na demarcação das terras indígenas, com o

pretexto de colocarem em risco à segurança nacional, merece ser analisada com

Page 15: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

15

maior profundidade até porque nos dias atuais essa tese volta a ganhar novamente

força, especialmente pelo episódio na Terra Indígena Raposa Serra do Sol em

Roraima, envolvendo indígenas e arrozeiros, sendo considerada uma verdadeira

camisa-de-força ao processo de desenvolvimento.

É preciso fazer uma leitura mais atenta, já que o avanço nas medidas de

regularização dessas terras serviu para assegurar o direito ancestral dos índios,

para pôr fim aos conflitos pela posse da terra, os quais, muitas vezes, se estendiam

por décadas. E para garantir a integridade territorial brasileira, inclusive a da

fronteira amazônica nos vários destacamentos militares há a presença de soldados

indígenas.

Vale lembrar que as terras indígenas são patrimônios da União, diversamente

das terras em poder de particulares que estão sendo transferidas para estrangeiros,

a exemplo das madeireiras asiáticas. Mais recentemente, alguns segmentos da

população brasileira contrários aos direitos indígenas afirmam que existem �terras

em demasia� para esses povos e que eles são improdutivos. Esse argumento serve

para confundir a opinião pública e reforçar os conflitos com a enorme legião de

trabalhadores rurais sem-terra existente no Brasil.

Sob tais aspectos, é necessário constatar que as terras indígenas não são

áreas de preservação ambiental, mas o fato de que ambas podem bloquear a

fragmentação fundiária, e, conseqüentemente, os impactos nocivos do uso da terra,

inscrevem-nas no campo das políticas territoriais de proteção como elementos vitais

na conservação do patrimônio natural existente nos ecossistemas amazônicos.

Todavia, as terras indígenas no contexto regional apresentam o menor índice

de antropização, possibilitando a preservação e conservação da floresta com sua

biodiversidade fauno-florística, contribuindo diretamente no equilíbrio ecológico da

região e do ciclo hidrológico, além de promover o seqüestro do carbono na

atmosfera, diminuindo o efeito estufa provocado pelas mudanças climáticas a nível

global.

Esses fatores parecem não ser entendidos pelos grupos de interesses na

reconfiguração territorial amazonense, pois buscam a velha estratégia que questiona

a manutenção das terras indígenas e o não-respeito e reconhecimento desses e de

outros povos existentes na Amazônia. Assim, a criação dos três territórios federais

Page 16: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

16

propostos poderá levar a uma corrida sem precedentes sobre as terras nas regiões

do Alto Rio Negro, Juruá, Purus e Solimões, a exemplo do que já aconteceu em

outras regiões do país e, com isso, poderá ocorrer à destruição e devastação da

floresta que em muitos lugares se encontra conservada.

A argumentação quanto aos povos amazônicos não serem produtivos tem

uma matriz ideológica relacionada a uma visão eminentemente econômica,

camuflando questões ambientais e sociais. Registra-se como exemplo que, sendo

paralisada a produção indígena, no mercado local da Amazônia Legal haverá,

indubitavelmente, fome, mesmo que haja disponibilidade de abastecimento vindo de

fora da área. Os custos estariam fora da capacidade financeira da população e as

vias de acesso são empecilhos ao pronto abastecimento.

Há que se considerar que o banimento tanto dos povos indígenas quanto dos

ribeirinhos significará a ruptura da identidade cultural amazônica tendo reflexo

também nas cidades, uma vez que parte dos produtos circulantes na economia

regional tem essas populações como produtoras e sua ausência implicaria na morte

dos valores culturais da região.

Com a redefinição territorial, a pressão exercida por vários atores sociais,

como: garimpeiros, posseiros, pelos grandes projetos mineralógicos e pelo setor

agropecuário, podem provocar conseqüências irreversíveis ao meio ambiente e ao

homem amazônico tradicional reduzindo a números insignificantes ou até mesmo

novos etnocídios. As novas unidades administrativas propostas para a

reconfiguração territorial amazonense devem ser entendidas através da estratégia

de fatores sociais na criação de suas próprias territorialidades. Entretanto, essas

criações podem ter um grau elevado de implicação para a região, sendo necessário

fazer uma série de questionamentos quanto à sua efetiva viabilidade, tanto social,

econômica, cultural, ambiental e política. Sobre tal consideração, Claval (2001, p.66)

observa que:

[...] A territorialidade fascina os geógrafos há geração. O espaço é uma categoria vazia, que não contém qualquer referência à sensibilidade, à recepção, ao sentimento, na vida real atribuem-se muito sentidos aos lugares onde se vive e às pequenas e grandes pátrias. A construção das identidades está intimamente ligada à organização territorial e a maneira como ela é percebida por quem é responsável por essa organização ou a experimenta.

Page 17: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

17

Uma das preocupações que devem ser exaustivamente debatida e

considerada é em relação ao patrimônio cultural dos povos indígenas, ribeirinhos,

entre outros, que poderão ser forçados a se retirar dos seus espaços

tradicionalmente ocupados, devido ao pretenso desenvolvimento que se imprimirá

com a criação desses territórios.

O patrimônio cultural dessas populações não pode ser simplesmente apagado

e excluído nessa perspectiva de reconfiguração territorial através da criação de

unidades administrativas. Para Sousa (2004) é importante compreender o homem

nesse espaço de possível reordenamento territorial, pois seu conhecimento

perpassa pelo entendimento das representações advindas dos mitos, da linguagem

e das estetizações presentes na paisagem amazônica.

É relevante também observar como serão disponibilizados os recursos

orçamentários e financeiros para a manutenção desses territórios, verificando-se

que o Estado Nacional, devido as suas peculiaridades, vem enfrentando uma série

de problemas implicando, muitas vezes, na diminuição dos recursos básicos e

essenciais para as populações.

Considerações finais não conclusivas

A proposição de desmembramento de porções territoriais na Amazônia e a

criação de novas unidades federativas, ainda que sejam importantes do ponto de

vista geopolítico, trazem consigo uma série de implicações que merecem ser

analisadas pormenorizadamente, em razão das peculiaridades regionais, sobretudo,

em relação aos impactos sociais, econômicos, ambientais e humanos.

Rondônia e Roraima são dois exemplos muito explícitos desses impactos,

logo após serem transformados em estados sofreram um violento e intenso

processo de rearranjo territorial, onde as grandes vítimas foram os indígenas e os

povos assentados a várias gerações no território, os quais foram alijados do modelo

de �desenvolvimento� capitalista, tornando-se encurralados, oprimidos,

desterritorializados e invisíveis, pois tiveram seus direitos violados.

Essas reconfigurações trazem em seu âmago a idéia da necessidade do

�desenvolvimento�, exigindo o aporte de Capital para a criação de infra-estruturas

Page 18: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

18

impactantes como hidrelétricas e abertura de estradas, produzindo inevitavelmente

uma exploração predatória dos bens naturais induzida por processos de colonização

igualmente predatórios, refletindo diretamente em conflitos entre os que chegam e

àqueles que moram há tempos na região.

Sob tais aspectos, teme-se que o discurso diante de um tema complexo

como a reconfiguração territorial do Amazonas possa produzir o acirramento de

conflitos e a concentração de poderes por parte de grupos organizados

economicamente, tendo como conseqüências o aprofundamento das desigualdades

existentes.

Essas preocupações são salutares e exigem uma análise aprofundada sobre

os mais diferentes campos do conhecimento e seus propósitos, devido à

complexidade e a singularidade amazônica. Outrora essa região passou por

situações extremadas de intervenção política, resultando em ações questionáveis,

como o caso da Estrada Transamazônica, entre outros empreendimentos

fracassados.

Sem dúvida, cabe à Geografia discutir, oferecer críticas e apontar caminhos

para o entendimento desse tema complexo que interessa ao povo brasileiro e

principalmente ao amazônico.

Portanto, a criação de novas unidades federativas deve priorizar como ponto

fundamental a gestão ambiental, favorecendo a implantação de políticas públicas

que assegurem às populações amazônicas a garantia da cidadania, educação,

saúde, valorização cultural, segurança alimentar, além de ações de usos

sustentáveis das reservas naturais como alternativas econômicas, proteção e

fiscalização de seu território, fortalecimento da organização social e de relações

públicas.

Constata-se que a proposta apresentada para a reconfiguração territorial

carece da existência de estudos específicos que comprovem a viabilidade

econômica da criação dessas novas unidades federativas, de modo que possam

favorecer o seu desmembramento de forma mais adequada possível, conduzindo a

um desenvolvimento que considere o ser humano e a natureza como elementos

indispensáveis nessa relação.

Nesse sentido, a problemática persiste em relação à criação dessas

Page 19: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

19

unidades federativas que almejam a ampliação de custos, com implantação de

medidas burocráticas e administrativas. E, geralmente, tais medidas não favorecem

o equilíbrio da situação política e econômica, sobretudo, porque aprofunda as

diferenças regionais.

Ressalta-se que para um anteprojeto com essa envergadura e importância

ser aprovado é necessário o cumprimento de requisitos fundamentais apoiados em

estudos técnicos histórico-geográficos, sócio-econômico e ambiental, com diretrizes

claras de uma ampla construção de desenvolvimento nacional e regional, sendo

imprescindível à participação da população-alvo, e, respeitada em seus direitos

mais elementares, sobretudo em sua territorialidade.

Temos certeza da polêmica redivisão territorial, uma vez que sempre esteve

na pauta política dos governos nas diversas esferas do poder. Insistir nessa

redivisão significa aumentar a representatividade político-regional, mas deve-se

estender esse diálogo a toda a sociedade nacional, principalmente pensando a

respeito do aprofundamento dos problemas existentes e geração de outros conflitos

ainda maiores na Amazônia.

Referências

ALMEIDA SILVA, Adnilson. Impactos socioculturais em populações indígenas de Rondônia: Estudo da Nação Jupaú. Dissertação de Mestrado. Porto Velho: PPGG/NCT/UNIR, 2007. 255p.

BECKER, Bertha K. Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários? Revista Parcerias Estratégicas n° 12 �Modelos e cenários para a Amazônia: o papel da ciência�. Brasília: CGEE/MCT, setembro de 2001. 135-159p.

CLAVAL, Paul. O papel da nova Geografia Cultural na compreensão da ação humana. In: ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato (orgs). Matrizes da Geografia Cultural. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.

DIEGUES, Antonio Carlos Santana. O mito da natureza intocada. São Paulo: Contexto, 2000.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991.

GREGORIN, Maria do Rosário e BARONAS Roberto. Análise do Discurso: as materialidades do sentido. São Carlos: Clara Luz, 2001.

Page 20: DIVISˆO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? … · RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente

20

KOZEL, Salete. As representações no geográfico. In: MENDONÇA, Francisco e KOZEL, Salete (orgs). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. UFPR, 2004.

LACOSTE, Yves. A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra. São Paulo: Papirus, 1989

LIMA, Wendell Teles de. Ideologias Geográficas: As Concepções sobre a Divisão Territorial do Estado do Amazonas: um Velho e Novo Debate. Dissertação de Mestrado. Porto Velho: PPGG/NCT/UNIR, 2007. 160p.

MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, Moderna, 1997.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias Geográficas: espaço, cultura e política no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1988.

NOGUEIRA, Ricardo José Batista. AMAZONAS: a divisão da �monstruosidade geográfica�. Tese de Doutorado. USP. 2001.

PAZ, Luciana Rocha Leal da. Hidrelétricas e Terras Indígenas na Amazônia: Desenvolvimento Sustentável? Tese de Doutoramento. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2006. 232p.

SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil território e sociedade no início do século XXI. 2ª ed. São Paulo: Record, 2001.

SOUSA, Lucileyde Feitosa. Navegar é preciso: barqueiros do rio Madeira, Cultura, Resistência e Sustentabilidade, Dissertação de Mestrado. Porto Velho: NCT/PGDRA, 2004. 200p.

SITE: http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/iirsa/IIRSA/Conteudo_do_Folder-IIRSA1.pdf.