DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO …‡ÃO... · El verdadero Díaz y la Revolución ......
Transcript of DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO …‡ÃO... · El verdadero Díaz y la Revolución ......
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FERNANDA BASTOS BARBOSA
DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO
PORFIRIATO ENTRE OS ANOS DE 1902 E 1920
Mariana- MG
Fevereiro de 2014
2
FERNANDA BASTOS BARBOSA
DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO
PORFIRIATO ENTRE OS ANOS DE 1902 E 1920
Mariana- MG
Fevereiro de 2014
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito total para obtenção do título de mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Estevam de
Oliveira Fernandes
5
Agradecimentos
Inicialmente, gostaria de agradecer aos meus pais, Ilze e Marcos, por todo o
apoio, presença, amor e carinho que me proporcionaram durante os anos de graduação e
mestrado em História. São pessoas que sempre me sustentaram, tornando-se meus
alicerces e fazendo com que eu seguisse em frente, forte. À tia Inilce, que torceu pelo
meu sucesso e à Natália, que sempre esteve ao meu lado com suas palavras de incentivo
e amor.
Agradeço ao meu orientador e amigo, professor Dr. Luiz Estevam de Oliveira
Fernandes, que a cada reunião fazia com eu ficasse mais encantada com o objeto da
pesquisa. Sempre ético, cuidadoso e atencioso, principalmente em nossos momentos de
crise existencial e acadêmica, tornou-se um modelo de profissional a ser seguido.
Agradeço também aos membros do GEHA – Grupo de Estudo de História das Américas
– que, por vários anos, proporcionaram-me importantes discussões sobre o tema.
Também não poderia deixar de mencionar, em especial, a Marcelle Braga, irmã que eu
ganhei em Mariana e que me ajudou nos momentos mais difíceis.
Agradeço imensamente ao professor Mateus Fávaro Reis e ao professor José
Alves de Freitas Neto pela leitura crítica desta dissertação. Tenho certeza que esse
trabalho receberá contribuições que farão com que eu me torne cada vez mais madura
nas pesquisas. Também não poderia deixar de mencionar o professor Marcelo Santos de
Abreu pelos comentários aos capítulos, e a Carolina Vieira pela atenciosa revisão deste
texto.
Deixo também meus sinceros agradecimentos à UFOP e ao Colegiado do
Programa de Pós-Graduação em História por todo apoio durante o período do mestrado.
Agradeço aos professores do PPGHIS, que fizeram com eu tivesse uma excelente
formação na área, e ao REUNI, pela bolsa de fomento para minha pesquisa. Sou muito
grata a todos que contribuíram para a finalização desta dissertação.
6
Sumário
Resumo........................................................................................................ 9
Abstract....................................................................................................................... 10
Introdução.................................................................................................................. 11
Apresentação do tema de pesquisa da dissertação...........................................................11
As fontes......................................................................................................................... 14
Principais perspectivas teórico-metodológicas............................................................... 16
CAPÍTULO 1- O conflituoso passado mexicano e a legitimação do
Porfiriato: a literatura testemunhal dos oitocentos..................................... 21
Da independência à República Restaurada: as guerras civis que assolaram o México...24
Os conflitos externos: as intervenções estrangeiras no México..................................... 25
A relação México-Estados Unidos.................................................................................27
O Segundo Império Mexicano e o respaldo francês....................................................... 29
Bernardo Reyes e a construção do herói: Porfirio Díaz como o ―hacedor‖ de uma época
.........................................................................................................................................31
Justo Sierra e a legitimação do Porfiriato....................................................................... 40
Díaz entre ―pacificador‖ e ―ditador‖: La sucesión presidencial en 1910, de Francisco I.
Madero …………………………………………………………………………………49
CAPÍTULO 2- Viva la Revolución [?]: as interpretações sobre o Porfiriato
na primeira fase do movimento revolucionário de 1910................................. 59
Barbarous Mexico: o governo de Díaz e a paz alterada................................................. 61
Turner e a crítica ao governo norte-americano............................................................... 74
Luis Lara Pardo e a tirania do governo........................................................................... 76
Francisco Bulnes: um porfirista frente à Revolução...................................................... 92
CONCLUSÃO: um panorama acerca do Porfiriato e suas interpretações .......................................................................................................................................105
8
Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre
a ideia, embora vaga, de que se está representando e que
o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro
modo não aplaude o público. Depois, as epopeias duram
pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um
apela supremo à suprema energia; em seguida, permite-
se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa;
nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro.
Agostinho da Silva
9
Resumo
Porfirio Díaz tornou-se presidente constitucional do México em 1877. Manteve-se
no governo, por meio de reeleições, até o ano de 1911, época em que renunciou devido à
eclosão da Revolução Mexicana (1910). O período correspondente aos seus anos de
governo é conhecido como Porfiriato. Sobre esta conjuntura existe uma ampla produção
histórica, desde o período contemporâneo à presidência de Díaz até o hodierno. O objetivo
da dissertação foi, a partir de uma literatura específica referente ao assunto e da utilização
de fontes primárias, pesquisar os modelos interpretativos sobre o governo de Don Porfirio
construídos entre os anos de 1902 e 1920, ou seja, entre a última década em que ele
permaneceu no cargo de presidente até o final da primeira fase revolucionária. As fontes
utilizadas para atingir tal objetivo foram seis obras impressas de indivíduos que escreveram
sobre o presidente e seus anos de governo: El General Porfirio Díaz, de Bernardo Reyes
(1902); México: su evolución social, compilada por Justo Sierra Méndez entre 1900 e
1902; La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, de Francisco
Ignácio Madero (1908); Barbarous Mexico, de John Kenneth Turner (1910); De Porfirio
Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial, escrita por Luis Lara Pardo em 1912 e
El verdadero Díaz y la Revolución (1920), de Francisco Bulnes. Nestes trabalhos
percebemos e procuramos explicar as transformações de um discurso, ou seja, como as
avaliações sobre o porfirismo modificaram-se desde a última década do século XIX até
1920. De grande pai da nação, como o interpretou a geração oitocentista de polígrafos, ele
passou a ser representado (principalmente durante a Revolução) como um ditador tirânico,
que concentrou em suas mãos uma grande parcela de poderes políticos e suprimiu a
dinâmica partidária existente no cenário público do país.
Palavras-chave: México; Porfiriato; Modelos avaliativos; século XIX; Revolução
Mexicana.
10
Abstract
Porfirio Díaz became constitutional president of Mexico in 1877. Remained in
government, through reelections, until 1911, at which time he resigned due to the
outbreak of the Mexican Revolution (1910). The corresponding to their years of
government period is known as the Porfiriato. About this conjuncture there is ample
historical production from the contemporary period the presidency Diaz to the meeting
today. The aim of this work was, from a specific literature on the subject and use of
primary sources, research the interpretive models over the government of Don Porfirio
built between the years 1902 and 1920; ie from the last decade that he remained as
president until the end of the first revolutionary phase. The sources used to achieve this
goal were six printed works of individuals who wrote about the president and his years
of government: El General Porfirio Díaz, by Bernardo Reyes (1902), Mexico: su social
evolución, compiled by Justo Sierra Méndez between 1900 and 1902; La sucesión
presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, by Francisco Ignacio Madero
(1908); Barbarous Mexico by John Kenneth Turner (1910); De Porfirio Díaz à
Francisco Madero: la sucesión dictatorial, written by Luis Lara Pardo in 1912 and El
verdadero Díaz y la Revolución (1920 ), by Francisco Bulnes. In these works we see
and try to explain the transformations of a discourse, ie, as the reviews of the porfirismo
were modified since the last decade of the nineteenth century until 1920. Great father of
the nation, as the nineteenth century interpreted the generation of polygraphs, he was
represented (especially during the Revolution) as a tyrannical dictator who concentrated
in their hands a great deal of political powers and deleted the existing party dynamics in
the scenario public of the country.
Key words: Mexico; Porfiriato; evaluative models; nineteenth century; the Mexican
Revolution.
11
INTRODUÇÃO
Apresentação do tema de pesquisa da dissertação
José de la Cruz Porfirio Díaz Mory nasceu em Oaxaca no ano de 1830. Aos treze
anos ingressou no Seminário Conciliador de Santa Cruz, mas se recusou a ordenar-se
padre e abandonou o local no ano de 1850, uma vez que foi cursar Direito no Instituto
de Artes e Ciências de seu estado natal. Neste período, entrou em contato com Benito
Juárez, seu professor de Direito Civil, optando pelas ideias liberais em voga no país.
Ainda jovem, Díaz combateu o governo do presidente conservador Antonio Lopez de
Sant‘Anna (Revolução de Ayutla, 1855), construindo, assim, o início de uma carreira
militar. Participou de importantes batalhas mexicanas, como a de Puebla, em 1862, e a
Guerra da Reforma, em 1867 – esta contra o imperador austríaco Maximiliano de
Habsburgo.
Em 1867, retirou-se do Exército nacional e foi trabalhar em um sítio próximo à
cidade de Oaxaca, mas a partir de dezembro do mesmo ano passou a figurar como
adversário de Juárez ao cargo de presidente da República1. Neste ano, Juárez ganhou as
eleições e governou o México até 1871, reelegendo-se. No segundo pleito, Díaz mais
uma vez saiu candidato, e novamente perdeu para Juárez. A partir deste momento, o
general passou a criticar a perpetuação do zapoteca no poder, crítica que posteriormente
recebeu de Francisco Ignácio Madero, devido aos seus vários anos no governo.
Assim sendo, Don Porfirio novamente concorreu à presidência. Nesta época, ao
ver a pretensão de Sebastián Lerdo de Tejada em se reeleger para a primeira
magistratura do país2, sublevou-se contra o governo na chamada ―Revolução de
Tuxtepec‖. Vitorioso contra as forças lerdistas na batalha em Tecoac, estado de Puebla,
1 A historiografia sobre o Porfiriato diverge a respeito do rompimento entre Juárez e Díaz. Alguns
historiadores afirmam que o primeiro, após a República Restaurada, não atendeu às demandas dos
militares que lutaram nas grandes batalhas do país, fazendo com que Díaz decidisse se alijar do governo.
Outros afirmam que a ambição do general, desde o retorno dos liberais ao poder, era tornar-se presidente
da República. Sobre o assunto, cf. COSÍO Villegas, Daniel. et al. Historia general de México. Cidade do
México: El Colégio de México, 2000, capítulo ―El liberalismo triunfante‖; KRAUZE, Enrique. Díaz:
Místico de la autoridad. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica S. A., 1987, capítulo ―Juárez y
Díaz‖. 2 Uma vez que Benito Juárez havia falecido em 1872 e Lerdo de Tejada, então presidente da Suprema
Corte de Justiça, assumira a presidência.
12
em fevereiro de 1877 Díaz assumiu provisoriamente a presidência da República e, em
cinco de maio do mesmo ano, tornou-se presidente constitucional. Seu respaldo advinha
dos setores militares do país. Ademais, Díaz havia conquistado grande popularidade
devido às batalhas que participou, principalmente a de Puebla3.
Foram trinta e um anos quase ininterruptos de governança. Em 1880, após o
término de seu mandato, o General Manuel González assumiu a primeira magistratura,
mas, em 1884, Díaz foi novamente eleito e, por meio de reeleições, administrou o país
até o ano de 1911, renunciando ao cargo e se exilando na França devido à eclosão da
Revolução Mexicana. O período correspondente aos seus anos de governo é conhecido
como Porfiriato.
Segundo o historiador Paul Garner, poucos governantes latino-americanos foram
tão mitificados como o presidente Díaz. Um estudo geral acerca de suas interpretações,
desde a própria produção oitocentista até as gerações profissionais atuantes, mostra-nos
como existem matizes e matrizes avaliativas sobre o Porfiriato, embora poucos estudos
que aprofundem tal tema4. Como explicou o historiador britânico, ―todos los mitos,
creados durante y después de la vida de Don Porfirio, tuvieron un origen y un claro fin
político, pero cada uno se fortaleció con base en una corriente historiográfica poderosa
(…).‖ (GARNER, 2003, s/p.).
A dissertação, portanto, é o resultado final de uma pesquisa que buscou mapear
os modelos interpretativos sobre o regime presidencial de Porfirio Díaz desde o ano de
1902 até 1920, uma vez que, como afirmou Garner, ―los ejemplos más virulentos del
‗antiporfirismo‘ en México se encuentran en los años 1920.‖ (2003, p. 18). A escolha
dos livros analisados justifica-se pela contribuição que deram para a criação de matrizes
avaliativas sobre o período entre 1876 e 1911, bem como por serem trabalhos que são
recorrentemente citados no âmbito historiográfico contemporâneo.
O objetivo foi compreender as transformações de um discurso, ou seja, como as
interpretações sobre o Porfiriato modificaram-se desde o final de seu governo até a
primeira fase do processo revolucionário (explicaremos no capítulo um o que estamos
chamando por primeira fase da Revolução Mexicana, a partir, principalmente, das
reflexões de Daniel Cosío Villegas). Sendo assim, buscamos compreender e explicar
3 A Batalha de Puebla foi uma vitória considerada tão importante para os mexicanos que o 5 de Maio é
feriado nacional no país, segundo o calendário pátrio. 4 Consideramos ―Matrizes avaliativas‖ as interpretações que foram se formando sobre o governo de Díaz
ao longo dos anos e gerações de escritores. Nos oitocentos percebemos uma forte matriz que, como
veremos, legitimava o governo porfirista, tecendo um discurso laudatório. Após a Revolução Mexicana,
houve a eclosão de uma segunda matriz, que passou a criticar o governo do general.
13
como uma ―lenda negra‖ sobre o porfirismo foi construída durante o levantamento de
1910 e como Díaz passou a ser interpretado como um ―ditador tirânico‖.
O escopo do primeiro capítulo foi compreender as interpretações do governo
durante a própria presidência de Don Porfirio. Como veremos, na análise de três fontes
impressas (das quais falaremos abaixo), Díaz foi representado como um grande estadista
que conseguiu pacificar o México frente a um passado caótico pós-independência,
cindido por intervenções estrangeiras e guerras civis. Tais conflitos por que passara o
país serão explicados detidamente também no capítulo um. Já no capítulo dois,
buscamos explicar como, após a Revolução Mexicana, o general passou a ser
interpretado como um ditador que oprimiu a população e suprimiu a atuação política
dos cidadãos no cenário político. A finalidade foi justamente discutir acerca destas
mudanças de avaliação e argumentos.
Embora haja uma bibliografia considerável acerca do Porfiriato, os estudos sobre
o tema são escassos em nosso país5. Este trabalho buscou inovar no recorte do objeto de
pesquisa, pois há uma contribuição ao mapeamento das matrizes avaliativas sobre o
governo do general. Como afirmaram Aurora Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio
Trillo: ―Irónicamente, hoy la historiografía del Porfiriato parece un árbol cuya rama
principal (historia económica) es más gruesa y frondosa que lo magro del tronco de la
historiografía general y lo prejuicioso de la conciencia histórica que todavía reina en la
concepción del periodo.‖ (GÓMEZ GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, pp.
16-17).
Além disto, ainda são necessárias teses na comunidade acadêmica, brasileiras e
internacionais, de trabalhos que pensem a ―historiografia geral‖ sobre o Porfiriato e a
influência dos trabalhos do início do século XX na historiografia recente6. Para tanto, é
necessário, inicialmente, entender como a historiografia revolucionária sobre o
Porfiriato foi construída e quais argumentos foram utilizados para deslegitimar o
governo de Don Porfirio. Os autores que pensavam e escreviam acerca do Porfiriato
estavam em diálogo, por exemplo, com as obras de Francisco Madero e John Kenneth
Turner, autores da geração anterior à Revolução e que, mesmo durante o governo do
5 Mesmo havendo uma grande produção histórica sobre o Porfiriato ela ainda é menor que a de outros
períodos históricos mexicanos como, por exemplo, a Conquista espanhola e a Revolução Mexicana
(TENORIO TRILLO; GOMEZ GALVARRIATO, 2006). 6 Sobre os temas a respeito do Porfiriato que constituem um campo fértil de pesquisa, uma vez que
existem poucos trabalhos sobre o assunto, ver: GÓMEZ GALVARRIATO, Aurora; TENORIO Trillo,
Mauricio. El Porfiriato: herramientas para la historia. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica,
2006.
14
general, já criticavam abertamente seu governo, qualificando-o como ―ditadura‖ ou
―despotismo tirânico‖.
Compreender como uma historiografia ―antiporfirista‖ foi construída (objetivo
do capítulo dois), refutando os argumentos que legitimavam o governo ainda no século
XIX (discutidos no capítulo um), é importante para entendermos as mudanças ocorridas
desde a produção histórica coetânea ao governo do general até 1920, uma vez que o
presidente passou a ser intitulado de ditador e/ou tirano, indivíduo que oprimiu o povo
mexicano. Os polígrafos, ao legitimarem o movimento revolucionário, deslegitimavam
o governo do general. ―El Porfiriato, empero, posee aún un estigma menos observable
políticamente: ha permanecido largo tiempo fuera de los tópicos interesantes.‖
(GÓMEZ GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, p. 14).
As fontes
Como dito acima, no primeiro capítulo analisaremos livros de três autores que se
destacaram por abordar o Porfiriato ainda durante seu governo, explicitando a
estabilidade, pacificação e ordem que Díaz gerou ao país. A primeira delas, México: su
evolución social, consiste em um estudo sobre a população mexicana ao longo de sua
história. Foi organizado entre os anos de 1900 e 1902 por um polígrafo mexicano
chamado Justo Sierra, que contribuiu com dois ensaios na obra: ―Historia Política‖ e
―La era actual‖. Nesta dissertação analisaremos este segundo ensaio, que buscou
compreender justamente o governo de Don Porfirio. O autor escreveu sobre o México
durante o Porfiriato legitimando o governo do presidente, mas não deixando de fazer,
em termos velados, uma crítica à perpetuação do primeiro magistrado no poder.
Em seguida, discutiremos o livro El General Porfirio Díaz, escrito em 1902 por
Bernardo Reyes. Considerado pela historiografia contemporânea como um importante
general porfirista [Falcón (ed. 1989); Guerra (ed. 1991); Benavides (ed. 1998); etc.], foi
durante muitos anos governador de Nueva León e chefe da zona militar do noroeste
mexicano, bem como ministro de Guerra do presidente por dois anos. Seu livro é
constituído de duas partes em que o autor escreveu tanto sobre os feitos militares de
Díaz, quanto sobre seus anos como presidente constitucional. Portanto, obra que é uma
15
biografia laudatória sobre Don Porfirio, gênero que possuiu campo fértil no século XIX.
(MALATIAN, 2008, p. 18).
Por conseguinte, La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional
Democrático foi escrito por Francisco Ignácio Madero em 1908 e publicado em 1909. O
livro consistiu em um texto político, contendo um programa de oposição ao governo,
que se valeu de episódios históricos como forma de justificar a necessidade de
mudanças no presente. O que percebemos foi uma transformação interpretativa sobre o
Porfiriato, uma vez que o autor criticou a permanência de Díaz no poder, qualificando-o
de ditador. Contudo, foco a ser explorado no capítulo, Madero não deixou de discutir a
situação de paz que pairava sobre o México durante o porfirismo, situação importante
para a população. Para o coahuilense, Porfirio Díaz havia pacificado o país.
Já no capítulo dois, analisaremos primeiramente o livro Barbarous Mexico
(1911), do periodista norte-americano John Kenneth Turner. Esta obra, como a de
Madero, demonstra uma mudança acerca das interpretações sobre o Porfiriato, refutando
os argumentos desenvolvidos nos oitocentos. De construtor de uma nação moderna,
como veremos representado em Reyes e Sierra, Díaz passou a ser a principal base de um
sistema de escravidão existente no país, além de sua imagem estar atrelada a um poder
ditatorial e autocrático. O livro, como explicaremos, teceu uma crítica aberta ao
presidente mexicano e a todos que elogiavam e legitimavam seu governo.
De Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, escrita
em 1911 e publicada em 1912 por Luis Lara Pardo é, segundo Garner, um dos
―ejemplos más virulentos del antiporfirismo en México‖ (GARNER, 2003, p. 18),
constituindo-se em um clássico desta literatura crítica ao governo. Seu livro também fez
uma censura aberta ao Porfiriato, contribuindo para a consolidação de uma
historiografia ―antiporfirista‖ durante as primeiras décadas do século XX. É interessante
perceber que, logo no início de sua obra, o escritor se colocou como o primeiro autor a
criticar Don Porfirio e seu governo, época que, para ele, Francisco Madero ainda tecia
elogios ao presidente.
Por fim, para fechar nossas hipóteses de pesquisa e o objetivo proposto na
dissertação, analisaremos a obra El verdadero Díaz y la Revolución de Francisco Bulnes
(1920). Don Francisco foi membro da elite porfirista, participando do grupo Científico.
Mesmo durante a administração de Don Porfirio o autor não deixou de criticar o
presidente, embora corroborasse com as reeleições do general. Em seu referido livro, o
engenheiro defendeu que o governo de Díaz foi ditatorial, mas é importante perceber
16
que Bulnes não acreditava na existência de um governo democrático no México, como
defendia Madero e Turner, por exemplo; além de crer (Bulnes) que os mexicanos
também não eram democráticos, assunto que será discutido. O que o autor argumentou
foi que o presidente foi um ―mal ditador‖, degenerando-se em tirano ao longo dos anos
no poder. Deste modo, a partir da análise das obras procuraremos demonstrar, como
dito acima, a mudança de discurso sobre a imagem de Porfirio Díaz, bem como de seu
governo. O escopo não é fazer um exame exaustivo das fontes estudadas, mas suscitar
elementos que nos ajudem a iluminar o problema da dissertação.7 Como veremos, a
formação de uma ―historiografia do autoritarismo porfiriano‖ não apenas influenciou as
primeiras gerações profissionais de historiadores, mas contribuiu para que o próprio
corpo do presidente Díaz não fosse liberado, até os dias de hoje, para ser enterrado em
solo mexicano. O cadáver do ex-presidente encontra-se em um cemitério francês. ―A
pesar dos esfuerzos de la familia, los restos de Don Porfirio siguen enterrados en París,
en el cementerio de Montparnasse. Esto simboliza, sobre todo, que el estado
posrevolucionario no ha aceptado el legado del régimen de Díaz.‖ (KRAUZE apud
GARNER, 2003, p. 25).
Principais perspectivas teórico-metodológicas
Primeiramente, é significativo deixar claro, por trabalharmos com as
interpretações sobre o Porfiriato a partir da leitura e estudo das fontes primárias, que
nosso objetivo não foi procurar uma verdade pura, essencial, sobre Porfirio Díaz e seu
governo, mas compreender como o presidente foi interpretado durante seu período
governamental e a Revolução Mexicana. O escopo não foi fazer uma dissertação
apontando correções sobre Don Porfirio, como se existisse metafisicamente um
personagem verdadeiro, cuja imagem foi distorcida ao longo dos períodos. Sobre esta
7 É importante destacar que, como veremos ao longo dos capítulos, achamos apropriado utilizarmos o
termo ―polígrafo‖ para qualificar os escritores analisados. Indivíduos múltiplos, os autores não possuíam
obras específicas de história ou ciência política, versando sobre vários assuntos e matérias. Reyes
escreveu sobre estratégias militares e o Exército nacional; Sierra produziu vários artigos para periódicos
mexicanos, além de ter se tornado editor em alguns deles. Madero provinha de uma importante família de
Coahuila e participava da política local. Turner, como Don Justo, também foi periodista e editor nos
Estados Unidos, escrevendo sobre vários temas. Bulnes foi professor de engenharia na Escola
Preparatória. Já Lara Pardo tinha livros sobre saúde social no México. Deste modo, optamos em fazer um
recorte e estudar as obras que tangeram a esfera política, principalmente no que se referiu ao Porfiriato;
mas é significativo sublinhar que eles também foram ensaístas, políticos, editores, professores, médicos,
etc.
17
questão fazemos uma crítica direta ao trabalho do historiador Paul Garner que, em seu
livro supracitado, analisou algumas passagens das obras dos escritores como momentos
de distorção da imagem do general, como se existisse uma imagem verdadeira do
presidente que foi sendo perdida e alterada durante as décadas. Sobre a obra de Turner,
por exemplo, ele afirmou:
El retrato de Turner compendiaba al antiporfirismo: acusaba a Díaz de
conspiración y traición, de inhumanidad, de brutalidad y duplicidad.
De acuerdo con Turner, Díaz era el ―asesino de su pueblo... y un
cobarde ruin y vil... El presidente de México es cruel y vengativo y su
país ha sufrido amargamente.‖ Era una imagen muy distorsionada y
Turner estaba preparado para usar anécdotas sin fundamento,
incluso irrisorias, para lograr un efecto sensacionalista. De hecho, las
distorsiones de Turner eran poco más que una caricatura. Como
evidencia de su inclinación a la crueldad, Turner citaba lo que él
aseguraba era un ―incidente‖ de la infancia de Díaz: ―Cuando su
hermano Félix lo molestaba por alguna trivialidad, Porfirio le ponía
pólvora en el nariz y le prendía fuego‖. (GARNER, 2003, pp. 17-18-
Grifo nosso).
O intuito, portanto, não foi a busca pela verdade sobre Porfirio Díaz ou, como
criticaria Michel Foucault (1996), nossa ―vontade de verdade‖, mas compreender as
transformações de um discurso, como as avaliações sobre o período porfirista
transformaram-se ao longo dos anos, entre o período final de seu governo e a primeira
década do movimento revolucionário. Quando se fala em ―distorção‖ de algum evento
histórico, como o fez Garner, há uma ideia de que, em contrapartida, existe uma
essência verdadeira, genuína, que foi ―mascarada‖ ao longo das épocas. É neste ponto
que está nossa crítica ao historiador britânico.
Por conseguinte, não podemos deixar de mencionar sobre o conceito de geração
utilizado em nosso trabalho, uma vez que, como veremos a partir do primeiro capítulo,
ele é uma chave de análise importante na dissertação. Como explicou Jean-François
Sirinelli, ao utilizarmos este conceito, muitas vezes temos o receio de cairmos em uma
generalidade acerca do que estamos estudando, já que podemos incorrer no
engessamento de toda uma pluralidade de pensamentos sintetizada ou unificada em uma
noção de ―geração de escritores‖. Entretanto, como afirmou, o uso deste conceito é
importante em nossas reflexões, pois ajuda a compreender discursos e ideias de uma
determinada época, principalmente a partir da experiência comum em acontecimentos
político-sociais. Deste modo, o conceito se torna um importante instrumento de análise
para o historiador.
18
Como questionou Sirinelli: o que faz surgir uma geração? Seria apenas a idade
próxima entre os indivíduos, fato puramente biológico? Uma geração surge, explicou,
―quando um estrato demográfico adquire uma existência autônoma e uma identidade
determinadas por um acontecimento inaugurador.‖ (SIRINELLI, 2010, p.133- Grifo
nosso). Sendo assim, para se entender a ideia de geração, não podemos apenas levar em
consideração o aspecto biológico dos indivíduos, ou seja, o fato de terem idades
aproximadas, nascendo em uma mesma época. Um evento inaugurador possibilita a
emergência de uma geração que compartilha ideias próximas, adquirindo uma
―existência autônoma‖, como afirmado. A faixa etária não é primordial ou único aspecto
que possibilita essa existência.
Como veremos, as gerações não necessariamente precisam se suceder, no
sentido de uma suplantar a anterior, pois, em determinada conjuntura, diante de vários
eventos, sempre podem coexistir várias unidades geracionais que se comunicam acerca
de determinados assuntos, sendo produzidos, assim, mais de um discurso ou
interpretações sobre eles. (SIRINELLI, 2010, p. 134). Como reiterou Alda da Motta,
não se pode contemplar uma geração de forma destacada, desconexa de qualquer
relação política com outros grupos, ―como uma espécie de unidade desconectada de
outras gerações e de seu tempo histórico.‖ (2010, p. 175).
Contudo, como explicou Karl Mannheim (1964) sobre o assunto, uma geração
não existe apenas devido ao fato dos indivíduos terem presenciado um dado ―evento
inaugurador‖ – para utilizar a expressão de Sirinelli –, mas é necessário, para que haja
essa identificação e autonomia demográfica, terem eles participado de alguma prática
coletiva, ou seja, terem compartilhado do acontecimento e, acima de tudo, refletido
acerca dele. Para Motta,
Mas o que estabelece uma relação entre aqueles que partilham de uma
mesma unidade geracional não são os conteúdos em si, mas as
tendências formadoras de um coletivo surgidas a partir da apropriação
desses conteúdos. Nesse sentido, o conceito de gerações rompe com a
idéia de unidades geracionais concretas e coesas e nos instiga a centrar
nossas análises nas intenções primárias documentadas nos conteúdos,
ações e expressões de determinados grupos, ao invés de buscarmos
caracterizar suas especificidades enquanto grupo (MOTTA, 2010, p.
177).
Além disto, não podemos deixar de mencionar que a ideia de geração também é
um instrumento de análise do próprio historiador e uma reconstrução que pode iluminar
seu problema de pesquisa. Estas discussões e reflexões são importantes uma vez que,
19
como veremos, ao utilizarmos a ideia de ―geração porfirista‖ nos oitocentos e ―geração
antiporfirista‖ após a Revolução Mexicana, não afirmamos que os polígrafos analisados
construíram suas interpretações por terem apenas uma faixa etária semelhante. Como
veremos no capítulo um, os indivíduos que legitimaram o Porfiriato, afirmando que ele
trouxe paz, estabilidade, progresso e modernização ao país, teciam seus argumentos não
apenas por estarem sob este regime presidencial e, ―logicamente‖, construírem um
discurso laudatório a seu respeito. O que analisamos foi a vivência e reflexão desses
escritores acerca das guerras civis e intervenções estrangeiras que assolaram o país até
1876, uma vez que todos participaram e refletiram sobre os conflitos intestinos. Este
passado mexicano ganhou destaque nos documentos pesquisados e, diante de um
período caótico e anárquico, como qualificavam, havia a esperança de que Díaz
mudasse os rumos do México.
Ademais, não podemos deixar de mencionar a ideia de experiência também
instrumentalizada na pesquisa. Para tanto, usamos as reflexões de Jacques Revel (2009)
e Reinhart Koselleck (2006). Como este explicou, ―todas as histórias foram construídas
pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atua[ra]m ou que
sofre[ra]m (2006, p. 306). Além disso, ―a experiência é o passado atual, aquele no qual
acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem
tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento que não
estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no conhecimento‖ (2006, p.309).
Como percebemos a partir da explicação acima, a noção de experiência foi
importante na pesquisa, pois o passado vivido e refletido ainda ganhava destaque para
determinado setor social no presente, para uma elite política porfirista. O acúmulo de
acontecimentos do passado ganhou uma relevância para se entender ou interpretar
determinados acontecimentos contemporâneos. “O que distingue a experiência é o
haver elaborado acontecimentos passados, é o poder torná-los presentes, o estar
saturada de realidade, o incluir em seu próprio comportamento as possibilidades
realizadas ou falhas.” (2006, p. 312- Grifo nosso).
Deste modo, como veremos, a experiência dos conflitos intestinos entre liberais
e conservadores no país e as intervenções da França e Estados Unidos fizeram com que
estes acontecimentos ganhassem destaque nas reflexões e obras de escritores
oitocentistas. Sob este passado caótico, a nação necessitava de um grande homem que
conduzisse o país gerando paz e progresso. A concentração de poderes nas mãos do
governante era legítima, pois era necessária em um momento de temor frente ao vizinho
20
do norte, principalmente no que tangia ao medo de perda da soberania nacional. O que
perceberemos – e procuramos explicar – é que após a Revolução Mexicana emergiu
uma nova geração de escritores que censurava o governo de Díaz, qualificando-o como
ditador, tirano, opressor, etc. Sendo assim, os conceitos de ―geração‖ e ―experiência‖
são chaves para embasar nossas explicações. Esta geração que chamamos de
―antiporfirista‖ não suplantou a anterior, mas dialogou profundamente com ela,
refutando seus argumentos.
Para Jacques Revel, a noção de experiência está ligada à uma noção contextual,
o que ele chamou por ―contextos da experiência‖ (2009, p. 73). Como explicou, ―quero
dizer que, porque um indivíduo ou um grupo de indivíduos faz o que faz, é necessário
reconstruir o contexto da experiência. Aliás, prefiro dizer, é preciso reconstruir os
contextos da experiência, porque creio que vivemos todos em vários mundos ao mesmo
tempo e que, portanto, não há contexto unificado, porém contextos que podem ser
parcialmente interferentes, parcialmente contraditórios.‖ (2009, p. 73- Grifo nosso).
Deste modo, para Revel não há um contexto unificado, mas contextos
multidimensionais, e eles são importantes na análise das experiências dos polígrafos.
Deixando explícitas algumas de nossas perspectivas teórico-metodológicas,
informamos que a dissertação está estruturada em dois grandes capítulos: um analisando
os livros dos três escritores mexicanos, Bernardo Reyes, Justo Sierra e Francisco
Madero; e o outro, os escritores que escreveram ainda no calor da eclosão do
levantamento revolucionário até 1920, John Turner, Luis Lara Pardo e Francisco
Bulnes. A opção por esta estrutura do trabalho, seis autores agrupados três a três em
dois capítulos, foi importante para estabelecermos eixos centrais entre as interpretações
sobre o governo do presidente construídas ainda durante o governo porfirista e após a
Revolução. Assim, acreditamos que ficaram mais perceptíveis ao leitor as diferenças,
semelhanças, diálogos, contradições e refutações entre as avaliações ao longo do tempo.
Em todo o trabalho buscamos expor os argumentos e reflexões dos autores,
bem como relacioná-los entre si na conclusão da dissertação. Nesta, retomamos os eixos
centrais dos capítulos no intuito de entender como esses livros se aproximaram ou se
afastaram em propostas, buscando refletir como tais obras contribuíram para a formação
de matrizes e matizes interpretativas sobre o Porfiriato. Diante de discursos tão díspares
ou tão próximos, existiam projetos políticos a serem legitimados, um ideal de governo a
ser seguido, bem como uma experiência vivida.
22
CAPÍTULO 1- O conflituoso passado mexicano e a legitimação do
Porfiriato: a literatura testemunhal dos oitocentos
La importancia de la larga permanencia de
Díaz en el poder solo puede entenderse en el
contexto de la temprana experiencia que
México tenía como un estado independiente.
En los 55 años que van de la consumación de
la independencia en 1821 a la primera vez
que Porfirio Díaz asumió la presidencia en
1876, la historia política de México había
sido turbulenta. No sería una exageración
decir que la nueva república sufrió una crisis
casi permanente durante la mayor parte de
ese período.
Paul Garner
O objetivo deste capítulo é discutir a interpretação do Porfiriato, bem como do
próprio presidente Porfirio Díaz, na obra de três importantes indivíduos que viveram e
escreveram durante seu regime governamental. O primeiro deles, Bernardo Reyes
Ogazón (1850-1913) nasceu em Guadalajara e iniciou sua carreira militar ainda jovem,
lutando sempre a favor do grupo liberal. Participou como soldado da guerra contra a
intervenção francesa no México (1864-1867), contestando o governo do imperador
Maximiliano de Habsburgo. Durante a presidência de Porfirio Díaz, assumiu o cargo de
governador do estado de Nueva León e, em 1900, foi nomeado ministro de Guerra. Para
esta qualificação, verificaremos em seu livro El General Porfirio Díaz, escrito em 1902,
como o governo de Díaz foi interpretado como um período de estabilidade necessário ao
crescimento do país.
Depois, passaremos à produção de Justo Sierra Méndez (1848-1912). Literato e
político, foi Ministro da Suprema Corte mexicana e, posteriormente, ocupou o cargo de
ministro de Instrução Pública e Belas Artes de Díaz. Científico8, acreditava que a
educação era sinônimo de fortificar o país. Publicou México: su evolución social (1900-
8 Os ―Científicos‖, como assim ficaram conhecidos, foram intelectuais da época de Porfirio Díaz que,
além de fazerem parte de seu governo, ocuparam importantes cargos como o Ministério de Hacienda,
Fomento e Relações Exteriores. Alguns de ―Los Científicos‖ foram José Yves Limantour, Justo Sierra
Méndez e Francisco Bulnes. Tais intelectuais foram amplamente influenciados pelo positivismo de
Augusto Comte.
23
1902), obra em três volumes, fartamente ilustrada, ―que era un catálogo del progresismo
porfiriano, fenómeno que abarcaba de la modernización del transporte a la reforma
educativa, sanitária, policial y carcelaria‖ (LOMNITZ, 2008, p. 450)9. Segundo Luiz
Estevam de Oliveira Fernandes, ―a obra dirigida por Sierra já era expressão do
positivismo comtiano, claramente definido‖. (FERNANDES, 2012, p. 41).
O terceiro escritor tornou-se adversário político de Díaz. Francisco Ignácio
Madero (1873-1913) vinha de uma família de fazendeiros importantes de Coahuila e, a
partir de 1908, passou a fomentar críticas ao governo. Lançou uma campanha
antireeleicionista para o pleito de 1910 e foi preso. Fugiu para tornar-se um dos líderes
da Revolução Mexicana, sendo nomeado primeiro presidente após a renúncia de Díaz,
em 1911. Seu principal trabalho foi La sucesión presidencial en 1910: el partido
nacional democrático, escrito em 1908 e publicado em 1909.
Embora durante o referido período histórico tenham existido vários outros
trabalhos que versaram sobre o governo de Díaz, a escolha das obras analisadas neste
capítulo justifica-se pela contribuição que deram para mudanças de matizes e matrizes
avaliativas sobre o Porfiriato. ―Ainda que não sejam trabalhos de História propriamente,
mas um misto de História contemporânea e de análise da situação política da época‖, ou
seja, testemunhos daquela conjuntura, são estudos recorrentemente citados no âmbito
historiográfico profissional. (BARBOSA; FERNANDES, 2011, pp. 92-93). Livros que
se tornaram canônicos, formaram opinião e instituíram uma memória sobre o
presidente.
O objetivo não é reduzir os trabalhos dos autores pensando-os como um
resultado de aspectos biográficos particulares (conquanto alguns pontos sejam
importantes e serão mencionados ao longo do capítulo). A intenção é explicitar de que
modo, a partir da memória e experiência de um passado caótico mexicano pós-
independência, marcado por guerras civis e intervenções estrangeiras, criou-se uma
imagem de Porfirio Díaz como o regenerador da nação mexicana, construtor de um país
moderno, que conseguiu estabelecer a paz interna durante sua ocupação da primeira
magistratura.
9É importante elucidar que entre 1900 e 1902 foi publicada no México uma obra organizada por Justo
Sierra intitulada México: su evolución social. Ele próprio possuiu, como explicado na Introdução, dois
capítulos no livro, denominados ―Historia política‖ e ―La era actual‖ que, posteriormente, foram
reeditados em 1940 sob o nome de Evolución política del pueblo mexicano, juntamente com o ensaio
México social y político. Neste trabalho utilizaremos a reedição da década de quarenta do século XX.
24
Em nenhum momento pretendemos dizer que os três autores mencionados
acima possuíram obras semelhantes. O livro de Reyes, como veremos, pode ser
considerado de grande apologia ao governo porfirista; já os de Sierra e, principalmente,
o de Madero são trabalhos que também possuem uma proposta de crítica ao regime
presidencial, devido à perpetuação de Don Porfirio no poder (mesmo que por meio de
reeleições) e a supressão dos partidos políticos no México.
Contudo, o objetivo que norteará este capítulo é, justamente, ressaltar que essa
geração que viveu durante o Porfiriato ainda possuía a memória de um passado
turbulento recente, marcado em Reyes e Sierra pela direta experiência dos conflitos
civis. Mesmo com a mudança de matriz avaliativa ocorrida com a obra de Madero,
como veremos, na qual ele passou a criticar a presidência mexicana (e isto será
discutido), o autor ainda considerava Díaz um indivíduo que proporcionou estabilidade
ao país, e isso poderia redimi-lo frente à História. Neste sentido, percebemos uma
alusão à ideia de que a História é o tribunal do mundo.
Veremos, a partir do livro do coahuilense, uma mudança de interpretação
acerca do Porfiriato, demonstrando uma forte crítica, embora muitas vezes velada, à
permanência de Díaz na presidência da República. Entretanto, mesmo tendo passado a
censurar veementemente o governo e apontá-lo como uma ditadura, vendo a figura de
Porfirio Díaz como um indivíduo ambicioso e não tanto patriótico, como qualificava
Bernardo Reyes, ainda percebemos que o caótico passado mexicano é mencionado e a
estabilidade interna que Díaz conquistou é reconhecida na obra. A crítica feita por
Madero, e posteriormente pela geração revolucionária da primeira e segunda década do
século XX – tema do segundo capítulo desta dissertação –, foi justamente a não
transição deste momento estável, pacífico, para o de um país mais livre, com dinâmicos
partidos políticos atuantes no cenário público.
Sendo assim, a crença na paz durante o Porfiriato, para quem estuda a
construção historiográfica sobre o governo de Don Porfirio, é fundamental para a leitura
das obras analisadas. Como sintetizou o historiador francês François-Xavier Guerra,
premissa da qual Mauricio Tenorio Trillo e Aurora Gómez Galvarriato (2006) também
compartilharam,
El porfiriato, antes de ser para los historiadores un período de
crecimiento económico y de cambios sociales fue primero que nada,
para aquellos que lo vivieron, la paz recobrada. La ―perspectiva
histórica‖ tan necesaria, falsea a veces la realidad; para nosotros y
para los actores de la Revolución, la paz porfirista es a menudo un
25
dato de base que sirve para explicar otros fenómenos de los que,
efectivamente, fue el origen. Pero, ¿quién podría decir lo que la paz
representó verdaderamente para los habitantes del México de fines del
siglo XIX? ¿Y por qué y cómo se alcanzó esta paz? Para los
mexicanos de la época, la paz fue el término de un período de
disturbios en la historia del país, mientras que para nosotros no es
frecuentemente, más que una premisa. (GUERRA, 1991, p. 212).
Buscaremos nas próximas páginas não apenas discutir autor por autor e
explicitar como cada um construiu sua argumentação para escrever sobre o Porfiriato,
mas entender que esta literatura que se consolidou durante o governo de Díaz e, que de
certa forma legitimou o governo, está marcada por esta ideia de México turbulento pós-
1810.
O capítulo será organizado em seis tópicos: uma introdução, uma breve
explanação sobre os principais acontecimentos até 1876 (para situar o leitor), três
estudos distintos – cada um abordando de forma mais detida um autor –, e uma
conclusão das análises feitas. Cabe ressaltar que o objetivo não é resumir obra por obra,
mas sim discutir, a partir de alguns pontos importantes e comuns entre as obras, como
cada escritor representou o governo e em que pontos eles diferem e em quais se
aproximam.
1. Da independência à República Restaurada: as guerras civis que
assolaram o México
Em 27 de setembro de 1821, o México tornou-se, oficialmente, um país
independente. Com a desintegração do Vice-reino da Nova Espanha, depois de onze
anos de conflito, a antiga colônia castelhana foi organizada, após uma regência
provisória, sob a forma de um Império, centrada na figura de Agustín Itúrbide. A
monarquia constitucional de Agustín I, como ficou conhecido, durou poucos meses e
em 17 de março de 1823, diante de várias sublevações no país e propostas de projetos
republicanos, o monarca abdicou da coroa e foi exilar-se na Europa (VILLORO,
2000)10
.
10
Um exemplo das várias sublevações que ocorreram no país foi o de 01 de janeiro de 1823, em que o
brigadeiro Antonio Lopez de Sant‘Anna propôs um projeto republicano ao México. Cf. COSÍO Villegas,
Daniel. et al. Historia general de México, capítulo ―El liberalismo militante‖.
26
Diante desta conjuntura, o jovem país passou a ser governado por um
triunvirato11
. Em 1824, a primeira República Federalista teve como presidente
Guadalupe Victoria, simpatizante do setor liberal. Por muitos anos, contudo, os
principais cargos da política mexicana foram disputados por dois grandes setores: o
liberal, mencionado acima, e o conservador.
À época, uma das grandes querelas da elite política foi: que Estado-nação
construir? Como tipos ideais, os conservadores, principalmente membros do Exército e
Igreja – além de muitos proprietários rurais –, defendiam um retorno da ordem
espanhola no México e a religião católica12
. Os liberais, ao contrário, ―creían en la
existencia de un indomable antagonismo entre los antecedentes históricos de México y
su engrandecimiento futuro y en la necesidad de conducir a la patria por las vías del
todo nuevas de las libertades de trabajo, comercio, educación y letras (…).‖
(GONZÁLEZ, 1994, p. 110). É importante matizar que esta ―pureza ideológica não era
sempre observada, tendo os ideais moderados um maior número de seguidores‖.
(FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 91).13
Embora os moderados fossem em maior
número no país, analisar a dicotomia – liberais versus conservadores – existente na
literatura política da época é importante para, posteriormente, explicar a legitimação do
Porfiriato durante seu período governamental.
Entre 1824 e 1856, quarenta e um presidentes ocuparam a presidência do
México. Ademais, entre 1829 e 1830 foi formado um triunvirato composto por Pedro
Vélez, Lucas Alamán e Luis de Quintanar. Apenas a partir de 1854 os conservadores
perderam, por alguns anos, a hegemonia da governança do país, devido à Revolução de
Ayutla contra o então ditador Antonio Lopez de Sant‘Anna14
. Com a renúncia e exílio
deste, a nação passou a ser conduzida por um presidente interino, adepto do setor
liberal: Martín Carrera. Este renunciou um mês depois e passou o cargo à Rómulo Díaz
11
Foram nomeados para o Supremo Poder Executivo Nicolás Bravo, Guadalupe Victoria e Pedro
Celestino Negrete. Os suplentes destes eram: Mariano Michelena, Miguel Domínguez e, futuramente,
Vicente Guerrero. 12
É importante destacar que não era homogêneo o desejo de retorno da Coroa espanhola ao país. Esta
ideia era defendida, principalmente, pela ala radical dos conservadores. 13
É importante salientar que o setor conservador e o liberal no México são entendidos neste texto como
tipos ideais. Não havia uma pureza de ideias no interior de cada um, sendo os indivíduos moderados em
maior número no país. Para um aprofundamento sobre este assunto ver: FERNANDES, L. E. O. Patria
Mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). 1. ed. Jundiaí: Editorial Paco,
2012. V.1. 320p. 14
Antonio López de Sant‘Anna foi presidente do país em onze mandatos. É conhecido na historiografia
mexicana por participar tanto de facções liberais, quanto conservadoras.
27
de la Vega, que, permanecendo como presidente interino por apenas três semanas, foi
substituído por Juan Álvarez – um dos principais participantes da referida revolução15
.
Em meados de 1857, Ignácio Comonfort foi eleito presidente do país e, no
mesmo ano, expediu a Constituição liberal mexicana. Os conflitos entre os dois setores
rivais ficaram ainda mais candentes, desembocando na chamada ―Guerra da Reforma‖.
Mas Don Ignácio não seguiu a Carta Magna, aceitando o desconhecimento da mesma
por parte dos conservadores na proclamação do ―Plano de Tacubaya‖, e, mudando de
lado, tornou-se adepto deste setor.
Sendo assim, o ministro da Suprema Corte de Justiça, Benito Juárez, assumiu a
primeira magistratura no lugar de Comonfort. A conjuntura era de quase
ingovernabilidade. O país estava cindido por guerras civis e a atmosfera era de
insegurança. Como escreveu Lilia Díaz, ―a exaltação em que vivia a sociedade fazia
temer a cada instante acontecimentos mais graves.‖ (L. DÍAZ, 2000, p. 597). Comonfort
abdicara da presidência acreditando ser impossível governar com a constituição.
Segundo González, ―a partir de enero de 1858 los partidos liberal y conservador se
traban en una guerra que habría de durar, en su primera fase, tres años.‖ (1994, p. 114).
Com tantos problemas internos, em 19 de janeiro de 1858 Juárez organizou e
estabeleceu seu governo em Guanajuato, estado central do país16
. Três dias depois, Félix
Zuloaga era designado na própria capital, por respaldo conservador, também presidente
do México. O país estava dividido, os estados de Jalisco, Guanajuato, Querétaro,
Michoacán, Nuevo León, Coahuila, Tamaulipas, Colima e Veracruz ficaram ao lado do
governo liberal, centrado na figura de Juárez. Já a capital, Puebla, San Luis Potosí,
Chihuahua, Durango, Tabasco, Tlaxcala, Chiapas, Sonora, Sinaloa, Oaxaca e Yucatán
defendiam os conservadores com o Plano de Tacubaya. Segundo L. Díaz, a guerra
afligia todo o território nacional. (L. DÍAZ, 2000, p. 601).
15
Como explicou González, ―el nuevo presidente [Álvarez] se propuso emprender con prudencia las
reformas reclamadas por la opinión liberal, pero no hubo día de su gobierno sin revueltas de signo
conservador, motivadas por la ‗ley Juárez‘, quien restringía fueros eclesiásticos, la ‗ley Lerdo‘, que
desamortizaba los bienes inmuebles en poder de corporaciones civiles y eclesiásticas, y la ‗ley Iglesias‘,
que prohibía a la Iglesia el control de los cementerios y el cobro de derechos parroquiales a los pobres.
Entretanto se había expedido la convocatoria para el Congreso Constituyente, y hechas las elecciones, la
asamblea constitutiva había empezado a trabajar en 1856.‖ (GONZÁLEZ, 1994, p. 113). 16
A primeira fase da Guerra dos Três Anos é marcada por vitórias militares do grupo conservador.
Juárez, diante dos acontecimentos políticos, foi obrigado a transferir seu governo de Guanajuato à
Guadalajara, sudoeste do México (localizada no estado de Jalisco). Posteriormente migrou para a cidade
de Veracruz, no estado homônimo que fica ao oriente do México, onde conseguiu reestabelecer seu
governo liberal, (GONZÁLEZ, 1994).
28
Outrossim, já no primeiro governo de Juárez, entre meados de 1859 e finais de
1860, foram promulgadas cinco leis – ―Leis da Reforma‖ – que separavam
definitivamente Igreja e Estado; tais leis fizeram com que a primeira perdesse muita
força no México ao proporem: 1) a nacionalização dos bens eclesiásticos; 2) o
fechamento dos conventos existentes no país; 3) o estabelecimento do matrimônio e
registros civis; 4) a secularização dos cemitérios e 5) a supressão de determinadas festas
religiosas. Tais leis obtiveram tanta repercussão que várias charges foram publicadas em
jornais da época mostrando a figura do presidente com a referida legislação em mãos.
Como sintetizou Lucas Furtado Albuquerque, ―(...) a Igreja foi submetida a ações
radicais, principalmente, com a lei de 1859, lei essa que tornava os bens eclesiásticos
propriedade nacional e suprimia as ordens religiosas.‖ (2006, p. 05).
2. Os conflitos externos: as intervenções estrangeiras no México
“(...) en sus tres primeras décadas de vida la nación tuvo
que hacer frente a las amenazas externas: en 1829, el
intento de reconquista; en 1836, la guerra de
independencia de Texas que por contar con apoyo
norteamericano se convirtió en internacional; en 1836,
la guerra con Francia, y la invasión norteamericana de
1846-1848. Con la excepción de la primera, en la que
salió bien librada, las otras fueron un desastre.”
Josefina Zoraida Vásquez
2.1. A relação México-Estados Unidos
Após a independência, o México chegou a ser o país mais extenso da América
hispânica. Amplo, mas sem grande organicidade entre as províncias, ainda no governo
de Augustín I, o Texas foi concedido a Moses Austin, banqueiro norte-americano, para
ser colonizado. Trezentas famílias da antiga Luisiana espanhola migraram para a
localidade e, segundo Luis González, ―el número de colonos creció rápidamente; llegó a
ser en doce años muy superior al de los mexicanos residentes en Texas. La mayoría de
29
los colonos provenía de Estados Unidos (...) y aspiraba a vivir libre de los impuestos y
la vigilancia de México.‖ (1994, p. 103).
Com a abdicação de Itúrbide e a proclamação da República, o Texas não sofreu
grande impacto, mas, em 1824, resultante da anexação à Coahuila pela Constituição de
Cádiz, a província começou a perder a autonomia política que até então havia
adquirido17
.
Por conseguinte, além da referida anexação – Texas-Coahuila, como ficou
conhecida –, a maioria dos colonos texanos procedia da região sul dos Estados Unidos
que, antes da Guerra de Secessão, era escravista18
. Em 16 de setembro de 1829, sendo
Vicente Guerrero o presidente do México, foi abolida a escravidão em toda a República
mexicana; tal medida causou grande mal-estar para os colonos da província, advindos
das regiões escravocratas do vizinho do norte.
Também, outro fator que corroborou para a insatisfação dos moradores do
Texas, além das medidas mencionadas acima, foi a lei expedida em 1830 por Anastasio
Bustamante, presidente do país neste ano. A nova lei federal de colonização enrijeceu a
política sobre colônias, outorgando que elas seriam controladas pelo Estado
(anteriormente, muitos empresários tinham autonomia na região, principalmente os
provenientes dos EUA). Além disto, também foram implantadas aduanas e fortes de
segurança, medidas que resultaram na eclosão de um conflito local contra as medidas
federais. Em 1833 o Texas conseguiu firmar um acordo de separação de Coahuila e, em
1836, após a derrota das tropas de Antonio Lopez de Sant‘Anna, a província tornou-se
independente do México, sendo, em 1845, incorporada ao território dos Estados Unidos
da América.
Com a anexação do Texas pelos norte-americanos, os mexicanos esperavam
que a extensão territorial de seu país chegasse até as margens do rio Bravo e não até as
margens do rio Nueces, limite inicialmente reconhecido. Os problemas de fronteira
fizeram com que um novo conflito fosse gerado. Os norte-americanos invadiram o país,
medida que durou até 1848, ano em que se firmou o ―Tratado de Guadalupe‖. Com o
resultado do Tratado, a nação mexicana perdeu, além do Texas, também as regiões do
17
Para um aprofundamento sobre a historiografia da colonização e independência do Texas cf.
VÁZQUEZ. Los primeros tropiezos. COSÍO Villegas, Daniel. et al. Historia general de México. Cidade
do México: El Colégio de México, 2000. 18
Guerra civil norte-americana que durou entre 1861 e 1865.
30
Nuevo México e a Nueva California. Segundo González, com a perda de mais de
cinquenta por cento do território:
La gente lúcida del país cayó en agudo pesimismo. Se llegó a pensar
que la nación vencida estaba en sus últimos momentos por incapaz de
gobernarse a sí misma y de defenderse de los ataques exteriores.
Lucas Alamán llegó al extremo de gritar: ‗perdidos somos sin remedio
si la Europa no viene pronto en nuestro auxilio‘. En treinta años de
vida independiente, México no había tenido paz, ni desarrollo
económico, ni concordia social, ni estabilidad política.‖
(GONZÁLEZ, 1994, p. 104- Grifo nosso).
Deste modo, como percebemos, as conjunturas explicitadas até o momento
causaram grande receio de perda da soberania nacional. Nas palavras de González, os
indivíduos caíram em um sentimento pessimista e temeroso, os conflitos internos e
externos ganhavam espaço nas obras de intelectuais, causando grande preocupação.
Após trinta anos de independência, o México ainda sofria com os eventos turbulentos
que abalavam sua vida política, social e econômica. Os tempos futuros não seriam
diferentes, como veremos, pois, entre 1863 e 1867, desenvolvia-se uma outra forma de
governo: começava o Segundo Império Mexicano.
2.2. O Segundo Império Mexicano e o respaldo francês
Além dos conflitos com os Estados Unidos, é importante destacar as tensões do
México com a França, que respaldou a vinda de um indivíduo europeu para governar o
país. Como explicado anteriormente, com a perda de poder, o setor conservador, no ano
de 1864, respaldou o ―Segundo Império‖ mexicano, do imperador europeu Fernando
Maximiliano de Habsburgo. O governo foi apoiado pelo Exército francês, centrado na
figura de Napoleão III. Com a invasão francesa no país e o estabelecimento da
monarquia, novamente o governo de Benito Juárez, então presidente, precisou se
estabelecer fora da capital. O presidente migrou para Paso del Norte e, mais uma vez, o
México teve dois governantes paralelos em atividade. Como reiterou Natália Priego,
In the same period the task of trying to construct a national identity
was further complicated by the persistent fear of attempted re-
conquest by Spain, and repeated interference in the country‘s
international affairs by France and Britain, which would culminate in
a large-scale invasion in 1861-1862 (initially supported by Spain and
Britain) which turned into an alliance with conservative groups in
1863 to re-establish monarchy in the person of an imported European
prince, Maximilian von Hapsburg. (PRIEGO, 2008, p. 474).
31
Esta forma de governo (monárquica) durou até 1867, ano em que as tropas
liberais conseguiram derrotar o arquiduque escolhido para governar e instaurar
novamente, e em definitivo, a república liberal – evento conhecido como ―República
Restaurada‖. Maximiliano foi julgado segundo a lei de atentado contra a independência
nacional e, em 15 de junho de 1867, foi sentenciado à pena de morte. Um mês depois
Juárez retornou à capital, respaldado pelos liberais e guiado pelas tropas militares do
general Porfirio Díaz: o triunfo da república se consumara (L. DÍAZ, 2000, p. 631).
Segundo Daniel Cosío Villegas,
La victoria política y militar del grupo liberal sobre el conservador
significaba el término de agrias disputas que con bastante frecuencia
se llevaron al campo de batalla. Parecía, pues, que, por primera vez en
su ya larga y agitada historia, México estaba libre de acechanzas
exteriores e interiores, y que, por lo tanto, iba a gozar de la paz y
tranquilidad necesarias para dedicar todo su esfuerzo y su tiempo a
salir de la pobreza, reanimando su economía con la explotación de sus
abundantes riquezas naturales. (COSÍO VILLEGAS, 1994, pp. 121-
122).
―Por conta de tantos conflitos internos e intervenções estrangeiras, um dos
grandes projetos liberais, quando de seu triunfo na condução do país em 1867, era o de
‗pacificar o México‘.‖ (BARBOSA, FERNANDES, 2011, p. 91). Diante do quadro
turbulento construído acima, a nação necessitava de estabilidade. Em 55 anos de
independência, como vimos, o país experimentou politicamente a forma imperial,
republicana, ditatorial e triunviral, passando pela presidência vários governantes
(FERNANDES; BARBOSA, 2011). Retornando à epígrafe, ―o México sofreu uma crise
quase permanente durante a maior parte deste período‖ (GARNER, 2003, p. 10). Como
resumiu este historiador,
Los inicios de la historia nacional de México estuvieron marcados por
brotes de proclama y reforma constitucional, pronunciamientos
militares y golpes de estado, faccionalismo y guerra civil, y
acentuados por guerras contra la invasión extranjera (de Estados
Unidos en 1847-1848 y de Francia entre 1862 y 1867). La estabilidad
política, medida por el cambio frecuente de gobierno y de ocupantes
de la silla presidencial, fue la pérdida más obvia por este grado de
turbulencia. Por ello, el contraste que representó la casi continua
ocupación de Porfirio Díaz de la presidencia durante los 31 años
posteriores a 1876 es considerable. (GARNER, 2003, p. 10- Grifo
nosso).
Para os autores que analisaremos abaixo, não havia no país estabilidade política
e autoridade governamental. O país necessitava de um presidente forte, um pater
32
patriae, que o fizesse progredir e prosperar: como veremos nas fontes estudadas, a
nação desejava paz. Em 1876 um general chamado Porfirio Díaz assumiu a presidência.
Este governou o México até o ano de 1911 com um curto interregno entre 1880 e 1884,
em que Manuel González esteve à frente do executivo. ―Naquelas décadas, esse
momento de estabilidade política que os anos do Porfiriato pareciam significar, não
passou despercebido.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 91).
Diante deste panorama geral esboçado acima, o objetivo do capítulo será
explicar como três indivíduos da elite mexicana, que viveram e escreveram sobre o
Porfiriato ainda durante seu governo, legitimaram seu regime presidencial. Seria
impossível detalhar e não haveria sentido em narrar toda a história política mexicana
desde sua independência à presidência de Porfirio Díaz. Optamos por mencionar,
portanto, os acontecimentos que foram recorrentemente mobilizados pelos autores aqui
analisados. No livro destes polígrafos, percebemos que passar por esta experiência
histórica de conjuntura conflituosa corroborou para enxergar no governo de Don
Porfirio a autoridade que necessitava o país para mudar e não perder sua soberania.
Sobre eles, falaremos abaixo.
3. Bernardo Reyes e a construção do herói: Porfirio Díaz como o
“hacedor” de uma época
O livro El general Porfirio Díaz de Bernardo Reyes teve como escopo construir
uma síntese da vida de Díaz, objetivando apresentar sua biografia pública – tanto como
general, quanto primeiro magistrado do país – à posteridade. O escritor visava
consolidar uma memória do presidente mexicano. Ao analisar a obra, percebemos que
Reyes construiu a interpretação do presidente como um herói que, após lutar em várias
guerras civis e intervenções estrangeiras, buscou, com seu patriotismo, regenerar um
país imerso em caos e anarquia.
Don Bernardo, como Díaz, foi um general mexicano que começou sua carreira
militar aos quatorze anos de idade, alistando-se contra a Intervenção francesa nos
grupos de guerrilhas de seu estado natal, Jalisco (SOTO, 1979, p. 01.). Além disto,
também participou contra os levantes indígenas de Lozada, conhecidos como ―batalha
de Mojonera‖, ocorrida em 1873. Segundo a historiografia sobre o Porfiriato, Reyes
ficou conhecido como um dos pilares do presidente (SOTO, 1979; GUERRA, 1991).
33
Durante o governo de Don Porfirio, o general atuou por muitos anos como
governador do estado de Nueva León, além de ter sido encarregado da zona militar da
região noroeste do país. Em 1896 foi nomeado pelo presidente à função de secretário de
Guerra, mas renunciou. Assumiu novamente o referido Ministério em 1900,
permanecendo no cargo até 1902, época em que terminou o livro.
Ao atentarmo-nos para os aspectos formais da obra de Reyes, vemos que ela é
constituída por duas assimétricas partes. A primeira e maior delas narrou factualmente,
ano a ano, os feitos militares de Porfirio Díaz nas batalhas sofridas pelo país,
demonstrando, assim, a importância que aquele passado turbulento tinha para sua
geração. Don Porfirio participara da maioria dos conflitos entre liberais e
conservadores, da mesma forma como Reyes. Este não deixou de descrevê-las e mostrar
como o país estava imerso em problemas políticos. Já na segunda parte do livro, o autor
descreveu, por períodos de mandatos presidenciais, os feitos de Díaz como governante
(após 1876).
Ao mencionar o ano de 1821, o tapatío focalizou a heterogeneidade nacional
pós-independência. Explicou que não havia um elemento dominador que desse unidade
ao país, e sim o conflito entre diversas facções que, como o mesmo escreveu,
―ocasionaron una anarquía tan desoladora, que llegó a hacer perder alguna vez hasta la
esperanza de la salvación nacional.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 09)19
.
Para Reyes, logo após a efetivação da independência, dois grandes partidos
possuíam proeminência: o ―republicano‖, possuindo ideias e propostas liberais; e o
―partido monarquista‖, defendendo os serviços espanhóis e propondo ideias
conservadoras, ancorado, principalmente, pelos militares e clérigos. Segundo suas
palavras, com o ―Plano de Iguala‖, Itúrbide tornou-se imperador, mas em pouco tempo
esta forma de governo foi desconhecida e ―comienza luego la separación de los bandos,
llamados conservador el que tenía tendencias a la monarquía, y liberal el que anhelaba
por la república.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 10). Citamos,
19
No século XIX mexicano vários setores da população possuíam ideias divergentes de nação. Segundo
Enrique Florescano, o discurso de ―unidade nacional‖ que foi construído alijou uma multiplicidade de
memórias históricas dos discursos oficiais. Como explicou, ―El Estado-nación, en lugar de aceptar la
diversidad de la sociedad real, tiende a uniformarla mediante una legislación general, una administración
central y un poder único. La primera exigencia del Estado-nación es entonces desaparecer la sociedad
heterogénea y destruir los ‗cuerpos‘, ‗culturas diferenciadas‘, ‗etnias‘ y ‗nacionalidades.‘‖
(FLORESCANO, 2001, p. 561). Para um aprofundamento sobre o tema ver: FLORESCANO, Enrique.
Memoria Mexicana. México: Taurus, 2001, capítulo IX. ―La construcción de la nación y el conflicto de
identidades‖.
34
Se suceden luchas entre ambos, en muchas de las cuales quedaban
mezclados, que no unidos, vencedores y vencidos, debido a
combinaciones efectuadas por el acaso de las revueltas. Surgían otras
nuevas, en que solo se trataba de asaltar el poder por una u otra
personalidad, que halagaba á sus parciales según su interés ó sentir
político, y así se llegó a la más horrorosa anarquía. En medio de ella,
presidiendo al país el general Antonio López de Santa Anna, hombre
que había afectado pertenecer una vez a un bando y mañana á otro,
según sus conveniencias del momento, pero con tendencias
manifiestas al monárquico, en donde sus vanidades eran mejor
satisfechas, en el año de 1846, después de una guerra tristemente
sostenida por ese general, que le valió hondas humillaciones, se
efectúa la separación de Texas de nuestro territorio, para quedar
anexada aquella gran porción de México á la República de los Estados
Unidos del Norte. (REYES, 1960 [1902], p. 10).
Novamente, para Reyes, o conflito entre estes dois grandes setores (liberal e
conservador) causava uma situação de ―horrorosa anarquia‖ ao país, em que muitos
governantes e personagens políticos apenas tinham como objetivo defender seus
interesses: ―y en cada partido, sin ideales bien definidos, sin jefes que pudieran
imponerse sobre las muchedumbres, bullían las pasiones exacerbadas por multiplicados
bajos intereses.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 10).
Além deste quadro interno, havia os conflitos com outros países. A perda do
Texas pelo então presidente Antonio López de Sant‘Anna não deixou de ser
mencionada. Falar sobre as guerras civis e intervenções estrangeiras para esta geração
que vivenciou tais conjunturas era importante e necessário. O tema tinha destaque nas
obras: qual seria o futuro do México? Segundo o autor, eram conjunturas que levaram o
país à anarquia e perda de mais da metade do território mexicano. O desejo era por
mudança, a nação necessitava se reerguer e se transformar, para não perder a soberania.
O México precisava de um grande homem, um herói. Ainda sobre os eventos políticos,
afirmou o escritor,
Tras la derrota, se firmó en la villa de Guadalupe el tratado de paz, en
Febrero de 1848, que nos hizo perder en favor del vencedor, además
de Texas, desde antes unido á la República del Norte, parte del
territorio tamaulipeco, Nuevo México y la alta California. Más tarde el
funesto Santa Anna vendía a nuestros vecinos La Mesilla, para que
redondearan sus posesiones.
No bien los invasores desocupaban nuestras plazas, cuando la guerra
civil, encendida en ambiciones personales, volvía entre llamas y
truenos a lanzar su alarido de destrucción. (REYES, 1960 [1902], p.
11- Grifo nosso).
35
O que podemos perceber, portanto, é que os conflitos internos e as intervenções
estrangeiras ganharam dimensão para a geração que vivenciou parte dos conflitos20
. Ao
escrever sobre o Porfiriato e diante deste passado, o México necessitava ―consolidar o
princípio de autoridade‖. Segundo o tapatío, a paz era base para a construção de uma
nação moderna, a ser erguida por Porfirio Díaz.
Como mencionado no parágrafo inicial deste tópico, o livro constituiu-se numa
biografia, gênero que possuía campo fértil no século XIX. (MALATIAN, 2008, p. 18).
Como afirmou Mary Del Priore, era a época ―da história dos grandes homens, motores
de decisões (...).‖ Ademais, nos oitocentos, ―a biografia assimilou-se à exaltação das
glórias nacionais, no cenário de uma história que embelezava o acontecimento, o fato.
Foi a época de ouro de historiadores renomados como Taine, Fustel de Coulanges e
Michelet, autor de excepcionais retratos de Danton e Napoleão.‖ (DEL PRIORI, 2009,
pp. 9 e 8).
O livro retratou a vida do general e presidente de uma forma linear, construída
em uma sucessão cronológica de acontecimentos e formando um trajeto coerente sobre
sua história. Como explicou Pierre Bourdieu, esta forma de escrita nos dá a impressão
de como se a vida se constituísse em um todo, provida de sentido, embora seja uma
concepção artificial, uma ilusão retórica. (BOURDIEU in AMADO; FERREIRA, 2006,
p. 184).21
No capítulo inicial do livro, o autor remeteu-se ao nascimento de Don Porfirio.
Ao mencionar este momento, Reyes relacionou a vida do futuro presidente a um dos
momentos históricos mexicanos mais importantes para a história nacional: a própria
independência do país. Na biografia, havia um significado e direção dos acontecimentos
(BOURDIEU, 2006). Escreveu o tapatío,
20
É importante destacar que os conflitos perdidos por Díaz e seu exército foram transformados por Reyes
em vitórias morais. Um exemplo específico foi o ocorrido em Mitla, em que disse o autor descrevendo a
perda da batalha pelas tropas do coronel: ―Aquel grupo de veteranos del 2º Batallón de Oaxaca, resto
glorioso, reliquia que había quedado de las compañías que, bravas en todas partes, habían sido el núcleo,
el nervio de acción de duras campañas y desiguales combates; aquel grupo, rodeando a su campeón
[Porfirio Díaz] que los había siempre llevado á la victoria, lo acompañó integérrimo, sublime á la hora de
la derrota, y se retiró organizado, dejando ver que los héroes también en la desgracia se muestran
admirables. ¡Ah, sí!, ¡más, muy más grandes que á la hora de los triunfos!‖ E na página seguinte
concluiu: ―La victoria no es una obligación, pero sí lo es el seguir sin desmayar nuestras banderas después
de que ella nos ha herido, como las siguió sin tregua el coronel Díaz, mostrándose cada día más esforzado
aún, como si se hubiera mejor templado con la caldeante llama del infortunio.‖ (REYES, 1960, pp. 58 e
59). 21
Como explicou Bourdieu, ―produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como
o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se
com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não
deixa de reforçar.‖ (BOURDIEU in AMADO; FERREIRA, 2006, p. 185).
36
Viene el general Díaz á la vida en el año de 1830; nace en Oaxaca el
15 de Septiembre de ese año, día que es aniversario de aquel en que
Hidalgo profiriera, con fulminante inspirado acento, en 1810, en el
pueblo de Dolores, el sublime grito de Independencia, que
repercutiendo atronador por valles y montañas, hasta los más
apartados confines del virreinato del México, levantó en armas á un
pueblo siervo, que tras de once años de lucha heroica, rompió las
cadenas que lo ataran por trescientos años á la metrópoli española,
para así formar una nación independiente y soberana.
¡Coincidencias inexplicables, pero que por su enlace magnífico hablan
de algo inescrutable y grande! Aparece el predestinado para defender
y transformar brillantemente á México, en ese aniversario glorioso del
grito heroico por su independencia. (REYES, 1960 [1902], p. 09-
Grifo no original).
Notamos no trecho acima que Don Bernardo ligou de uma forma linear a história
de vida de Díaz à própria história mexicana. Em 15 de setembro de 1810, o padre
Miguel Hidalgo y Costilla, conhecido no país como o pai da pátria, iniciou, segundo o
calendário nacional, o processo independentista do México, após ter, no povoado de
Dolores, proferido seu famoso grito: “Viva la Virgen de Guadalupe! ¡Abajo el mal
Gobierno! ¡Viva Fernando VII!”22
. Este evento histórico ficou conhecido como um
momento de sublevação de criollos e população local contra as autoridades do Vice-
reino da Nova Espanha. Com um tom encomiástico, o historiador Luis Villoro escreveu:
―a la voz del cura ilustrada, estalla súbitamente la cólera contenida de los oprimidos. La
primera gran revolución popular de la América hispana se ha iniciado.‖ (VILLORO,
2000, p. 504).
Ainda analisando o trecho supracitado, percebemos que Reyes utilizou os
conceitos ―coincidências inexplicáveis‖ e ―predestinado‖ para referir-se ao nascimento
do futuro presidente. Ao final do parágrafo, vemos que o autor optou pelo caráter
predestinado do nascimento de Díaz. Ou seja, o herói que, por antecipação, destinado a
grandes feitos, viria não apenas ―defender‖, mas ―transformar‖, modificar com
magnificência aquele México marcado por instabilidade e desordem, que o tapatío
mencionava em páginas anteriores (BARBOSA; FERNANDES, 2011).
Da ascensão de Díaz à presidência do país, ao voltar os olhos para trás, Reyes
enxergava um caótico passado nacional. De 1810 a 1876 o México estava mergulhado
em anarquia, devido, como mencionamos, aos conflitos internos e intervenções
estrangeiras. Assumir a primeira magistratura naquele contexto não era, para o autor,
22
Cabe mencionar que existem várias versões sobre o ―Grito de Dolores‖. Como o foco não é o seu
estudo e cotejo, optamos pela variante de maior circulação. Sobre o tema cf. VILLORO, Luis. ―La
revolución de independencia‖. In: COSÍO, Daniel Villegas et al. Historia general de México. Cidade do
México: El Colégio de México, 2000.
37
tarefa fácil. Qualquer estadista, mesmo que egrégio, ou algum afortunado vencedor,
sentir-se-ia desalentado, uma vez que reerguer a nação imporia ―tarefas titânicas‖,
gigantescas. Mas tal situação não desanimava Díaz, quem com o gênio do adivinho, a
predestinação do nascimento e o heroísmo das grandes lutas que sofrera o país,
enxergou com ―intuição profética‖, ou seja, podendo predizer fatos do futuro, um porvir
feliz:
El compromiso era solemne é imponía tareas titánicas, ante cuya
perspectiva se hubiera sentido anonadado cualquier estadista ilustre,
cualquier afortunado vencedor, pero no quien con el genio del vidente,
con la energía del gladiador, desarrollada en grandes luchas; con la fe
del triunfador, con la iniciativa del gobernador providente, y con el
amor á la patria del que hiciérase glorioso combatiendo á muerte por
ella, había medido de antemano, con olímpica serenidad y con
intuición profética, lo formidable de la empresa á que se arrojara, y
entrevisto con los ojos de la mente la realización feliz de sus proyectos
colosales…
Al solitario de Oaxaca en 1870, á fuerza de encender su pensamiento
en los grandes ideales patrióticos, habíase mostrado la visión de la
República feliz. Y el vidente se sintió impulsado, volando á realizar
los propios destinos, en busca de aquella anhelada prosperidad para
México. (REYES, 1960 [1902], p. 267).
A biografia de Reyes assemelhava-se ao gênero épico, apresentando os eventos
heroicos de Díaz. A construção da imagem do presidente e general equiparou-se ao
herói moderno, consagrado como matriz de pensamento a partir do livro de Thomas
Carlyle23
. Como explicou Débora Andrade, o historiador escocês compartilhava de
uma tradição oitocentista que se preocupava com as ações dos grandes homens no
processo histórico. ―As comunidades históricas recorrentemente apropriaram-se do
passado e das narrativas ancestrais na tentativa de legitimar ou compreender ações
presentes.‖ (ANDRADE, 2009, p. 229).
No início do livro Tratado de los héroes (ed. 1946), o escritor deixou claro seu
objetivo:
(...) a mi entender, la Historia Universal, la Historia de lo que los
hombres han realizado en este mundo es, en lo esencial, la Historia de
los Grandes Hombres que han actuado en él. Estos Grandes son los
23
Referimo-nos à obra On heroes, heroe-worship, and the heroic in history, publicado pela primeira vez
em 1841, ganhando uma edição em espanhol no ano de 1893.Foi historiador e ensaísta durante o reinado
de Vitória, no Reino Unido. O escritor foi influenciado pela filosofia alemã, possuindo fundamentação no
chamado ―Historicismo‖. Suas obras foram amplamente lidas entre os séculos XIX e início do XX. Como
explicou Andrade, ―no historicismo, a vida das nações seria criada e transformada pela ação dos homens,
assim como o sentido do mundo histórico seria gerado por ela. (RUEDIGER, 1991).‖ (2009, p. 246).
Sobre esta filosofía, também ver: RUEDIGER, Francisco. Paradigma do Estudo da História. Porto
Alegre: IEL, 1991; MATA, Sérgio. ―Elogio do Historicismo‖. In: VARELLA, F.; MOLLO, H.; MATA,
Sérgio da; ARAUJO, Valdei L. de. (Org.) A dinâmica do historicismo: revisitando a historiografia
moderna. Belo Horizonte: Argumentum, 2008.
38
conductores de hombres; los modeladores, los ejemplares y, en lato
sentido, los creadores de todo cuanto el común de las gentes se han
propuesto hacer o lograr; todo lo que vemos persistir de lo realizado
en el mundo, es propiamente el resultado material exterior, la
realización práctica y corpórea de los Pensamientos que residieron en
los grandes Hombres enviados al mundo: el alma de toda la historia
del mundo, podemos decirlo con toda razón, ha sido la historia de
estos hombres. (CARLYLE, 1946, p. 33).
Neste sentido, para Carlyle, a história universal foi definida como a biografia
dos grandes homens, estes detentores da característica de conseguirem modificar a
sociedade em que estavam inseridos – tanto no aspecto material, como moral e
espiritual. Esses importantes cidadãos enviados ao mundo tinham a tarefa de conduzir
os outros indivíduos, servindo sempre como modelo e exemplo a ser seguido e
admirado. O escritor menciona seis tipos de heróis, cada um aparecendo em uma
determinada época. O primeiro constituía-se como o Herói-Divindade e sua figura
maior foi representada por Odin, considerado deus nórdico da sabedoria, guerra e morte.
O segundo era o Herói Profeta, representado na figura de Maomé. Também destacava-
se o Herói-Poeta e Sacerdote, centrados na figura de Shakespeare e Martinho Lutero.
Por fim, Carlyle menciona o Herói-Literato, cujo exemplo foi Rousseau e o Rei,
representado nas figuras de Napoleão Bonaparte e Oliver Cromwell. O herói-rei foi
considerado pelo escritor como um dos tipos mais modernos e que agregava
características das classes anteriores de heróis. Por conseguinte, uma de suas qualidades
era guiar a nação a um momento de ordem, estabilidade, em oposição à desordem.
Como afirmou, ―a pesar de todo, el héroe surge, y se afirma realmente de tal modo que
todos confían en él.‖ (CARLYLE, 1946, p. 252).
Sendo assim, podemos inferir que a construção da imagem de Díaz reuniu
todas as qualidades dos tipos heroicos de Carlyle em Reyes: Don Porfirio era o homem
predestinado a transformar o México e guiá-lo à uma atmosfera de ordem e estabilidade.
Com ―intuição profética, como dito acima, ele guiaria a nação a um futuro feliz,
diferente do passado em que vivera o país. Seu caráter continha elementos de bravura e,
por patriotismo, sacrificava-se nas batalhas e ―tarefas titânicas‖. Utilizando as palavras
do historiador escocês, Díaz era o ―Homem Capaz‖ que sintetizava toda uma época.
Ao assumir a presidência, o que precisava Díaz fazer? Segundo Reyes,
―despertar el amor al trabajo é imponer el respecto á la ley, en un pueblo que había
nacido y vivido en el llameo de nuestras guerras extranjeras ó intestinas. (REYES, 1960
[1902], p. 269). Para o tapatío, o que movia Díaz a governar o México era seu
39
patriotismo, ou seja, seu desejo de conduzir para (e pela) a nação. Se o passado
mexicano era caótico, o presente era caracterizado por uma atmosfera de paz, progresso
material e ordem. Reyes acreditava em um bom futuro mexicano. O autor via na figura
do presidente o indivíduo que iria trazer prosperidade ao país.
Diante das reflexões acima, percebemos que a imagem de Díaz era importante
no que Reyes conceituou ―evolução salvadora‖ do México e sua população (1960
[1902], p. 273). Enquanto a presidência de Benito Juárez foi marcada por governos
paralelos, tendo sempre que migrar da Cidade do México a outros estados – como
explicado acima –, o Porfiriato distinguia-se pela ordem: o México evoluía com seu
governo. Como dizia o tapatío, o grito da locomotora, símbolo do progresso material
porfirista, era mensageiro de dias melhores.
Sobre o período governamental de Díaz, Reyes destacou o amor do presidente
pelo México, a transformação do país em uma nação moderna que, sob esse governo,
passou a vivenciar uma situação de paz, ordem e progresso material. Reproduzindo
trechos dos documentos oficiais, Don Bernardo destacou os grandes feitos materiais do
país, a construção das estradas de ferro, dos telégrafos, a construção de hospícios,
bancos, escolas, do Desagüe del Valle, que na época era símbolo de salubridade pública,
entre outros24
. Além disto, ―mientras el mundo aumentaba sus exportaciones, como sus
importaciones, a un ritmo anual del 3.6%, México lo hacía al 6.1% y 4.7%
respectivamente.‖ (KRAUZE, 1987, p. 108). O tapatío também dava ênfase na
organização da ―Hacienda‖ pública, ou seja, ao equilíbrio econômico dos egressos e
ingressos do país. Tal equilíbrio foi conseguido pelo presidente entre os anos de 1895-
1896 e Reyes descreveu da seguinte forma o episódio:
La obra estaba hecha, la nación regenerada; el México moderno
saludó gozoso á los pueblos cultos al entrar de lleno en la nueva era de
su historia, que señala la época de la gestión administrativa de que nos
hemos ocupado en los tres últimos capítulos de esta biografía;
biografía que ha necesitado extensas páginas, ya que se ha tratado
escribir la vida de un héroe y de un estadista que con sus proezas en la
guerra y en la paz ha fatigado los ecos de la Fama. (REYES, 1960
[1902], p. 313- Grifo nosso).
24
―Los tiempos en que para tener noticia de alguna parte del país se demandaba el transcurso de medio
mes, y de uno ó dos meses más para que alguna fuerza puesta en campaña llegara á ella, eran propicios,
naturalmente, á las revueltas; pero el telégrafo y el ferrocarril las hicieron difíciles y contribuyeron á
consolidar la paz y tranquilidad públicas, que atrajeron el capital extranjero para que viniera á derramarse
en nuestro territorio, erigiendo fábricas y talleres é innúmeras industrias.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 298)
40
Percebe-se que Reyes utilizou a noção de ―nação regenerada‖, ou seja, Don
Porfirio conseguiu, durante sua presidência, gerar novamente a nação mexicana;
reconstruiu um país estável, pacífico e moderno. Reiteramos: enquanto percebemos em
seus escritos que a primeira metade do século XIX, pós-independência, foi representada
como conflituosa, em que o governo de Benito Juárez, antes da República Restaurada,
por exemplo, foi itinerante, tendo que se instalar em vários estados devido às disputas
entre o grupo liberal e o setor conservador do país; a partir de 1876, já percebemos uma
estrutura organizada de governo, base para o desenvolvimento nacional nas obras do
autor. Ademais, a referência à fama do presidente não nos parece fortuita; novamente,
há uma indicação ao modelo épico da escrita biográfica nesses contextos nacionais,
caracterizada por um discurso laudatório e encomiástico. Quando o general escreveu a
respeito da reeleição de Don Porfirio em 1884, ficou clara a justificativa de que aquela
era uma vontade popular; em nenhum momento do livro, o autor qualificou o presidente
de ambicioso ou egoísta, conforme veremos, por exemplo, na obra de Francisco Madero
– e escritores analisados no capítulo dois. Para o autor, Díaz foi chamado pelo voto
público25
para retornar à primeira magistratura do país, posteriormente ao mandato de
González26
. As várias reeleições do presidente também se justificaram por uma vontade
popular, em nenhum momento o autor classificou o governo porfirista como ditatorial
ou despótico. A nação confiava no presidente e legitimava seus atos. Escreveu,
La Carta fundamental, que había sido reformada en el sentido de que
no fuese aceptada la reelección del Presidente de la República, sufrió
nuevas reformas, desde Octubre de 1887, contrariando aquel
principio; y en 1888 el General Díaz fue agraciado por el voto público
25
Neste ponto achamos importante destacar que mesmo Bernardo Reyes não sendo um crítico do governo
porfirista, existiu no México um movimento popular conhecido como ―Reyismo‖. Reyes possuía grande
popularidade no país e quando da notícia, em abril de 1909, de que eram candidatos para as eleições de
1910 Porfirio Díaz e Ramón Corral, muitos indivíduos passaram a almejar Reyes para o cargo, pedindo
que Don Porfirio reconsiderasse sua escolha. Segundo Artemio Benavides Hinojosa (1998), entre maio e
junho do mesmo ano vários clubes foram organizados tanto na capital, quanto nos estados, com a
proposta de que Reyes fosse o vice-presidente. Contudo, diante desta situação o próprio Reyes não tomou
nenhuma atitude, negando-se a encabeçar o movimento e partindo para Paris (a pedido do presidente) em
novembro de 1909. Como escreveu Benavides, ―frente a la elección presidencial de 1910, son los reyistas
los más importantes protagonistas, no el general Reyes que ‗no hizo entonces –ni nunca – acto público de
candidatura. Todo el episodio reyista permanece caracterizado por esta ambigüedad permanente: la de un
movimiento extremadamente popular, en que el candidato jamás quiso ponerse a la cabeza de sus tropas‘‖
(BENAVIDES 1998, p. 292). 26
―Cuando tanto anhelo habíase manifestado por la prosecución del General Díaz en el poder, desde que
se efectuara anteriormente el cambio de personal en el supremo gobierno, en 1880, era de esperarse que
en la renovación de 1884 fuese llamado por el voto público, nuevamente, á la Presidencia de la República
aquel ilustre gobernante.
Cierto malestar, que fue rápidamente tomando creces, hubo de experimentarse en la nación en los últimos
tiempos del período del General González; pero la esperanza en el general Díaz tuvo en suspenso los
ánimos, y su vuelta á la primera magistratura de la nación era esperada con ansiedades que parecían
desbordarse.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 282).
41
para seguir al frente de los destinos de la nación, sucediendo lo mismo
en cada uno de los períodos subsecuentes.
La opinión se pronunció resueltamente por la reelección, cuando
estuvo al frente del Gobierno el hombre que llegó á ser un símbolo de
prosperidad nacional. (REYES, 1960 [1902], p. 286).
Portanto, inferimos que Porfirio Díaz, na obra de Reyes, foi representado como
um herói, o indivíduo que conseguiu pacificar o México ou, como dito acima, tornar a
gerar um país que por tempos foi ameaçado de perder sua independência e soberania.
Em várias passagens do livro percebemos como Don Bernardo expôs a noção de que
houve uma ―segunda independência‖ mexicana sob o Porfiriato. Esse posicionamento
pode ser visto no trecho abaixo,
México en paz, ofreció tales seguridades al hombre y á sus intereses
que ello le dio fama, y llego á todas partes del globo la noticia de las
garantías que en el país se disfrutaban.
Se extendió la buena nueva, y el país aquel, de abolengo anárquico, se
presentó de forma tal ante la consideración de los otros pueblos, que
sabían de improviso el estado de su florescencia, que se reputó su
progreso maravilloso; y todas las miradas buscaron al promotor de sus
adelantos, al autor de la transformación nacional, y vieron al héroe de
una leyenda que sobre el removido, sangriento campos de luchas,
venía regando bienes, y hacía surgir del antiguo al brillante México
moderno. (REYES, 1960, [1902], p. 299).
―Para o tapatío, no cenário internacional das nações civilizadas, o México podia,
ao livrar-se de seu ―avoengo passado anárquico‘, desfrutar de um merecido lugar. Era
local de leis e instituições sólidas. Esta situação se devia ao herói Díaz e o povo anuava
com isso.‖ Desta forma, ―não só a população mexicana aplaudia a pacificação do
passado e projetava um ‗brilhante México moderno‘, como também todos os povos do
mundo já tinham ciência disso.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 97). Diante dos
sangrentos campos de batalha entre liberais e conservadores, Don Porfirio emergia
regando bens e fazendo florescer naquele solo, em que tantos indivíduos morreram, um
novo país. Diante de tanto sacrifício e bravura, apenas este grande homem poderia ter
empreendido todas as ações modificadoras à sua pátria.
4. Justo Sierra e a legitimação do Porfiriato
Justo Sierra, como dito acima, foi membro da chamada elite científica
porfirista. Participou ativamente da União Liberal Nacional, grupo criado no ano de
42
1892 que, mesmo apoiando e propagandeando as reeleições do presidente, não deixou
de criticar algumas posturas adotadas por ele. Como escreveu Luis González, ―fue un
grupo [os Científicos] que más de una vez censuró con mucha mano izquierda la obra
de Porfirio Díaz desde una plataforma política dada a conocer desde 1892 en famosa
convención.‖ (2000, p. 674). Para Garner,
El vehículo de desafío al poder ejecutivo, desde el interior del círculo
de asesores más allegados, fue la Unión Liberal Nacional, formada en
1892, que surgió del Consejo central porfirista que se formó el mismo
año para promover la tercera reelección de Díaz. Como lo explica
Charles Hale, no había contradicción en el apoyo a la tercera
reelección de Díaz y, al mismo tiempo, la propuesta de que la
reelección debía ser la excepción, pero no la regla. Como lo afirmó
Justo Sierra, abogado, periodista, primer secretario de Instrucción
pública después de 1905 y uno de los intelectuales más destacados de
la época, en el manifiesto de la Unión Liberal: ―Si la paz efectiva se
ha conquistado por medio de la vigorización de la autoridad, la paz
definitiva se conquistará por medio de su asimilación con la
libertad.‖27
(GARNER, 2003, p. 206).
Embora Sierra tenha criticado algumas posturas da presidência de Don Porfirio
e principalmente, em seus últimos mandatos, a falta de partidos políticos no México,
procuraremos compreender como no ensaio ―La era actual‖, encontrado no livro
México: su evolución social, o autor legitimou, em um primeiro momento, a
concentração de poder nas mãos do presidente – embora acreditasse ser tal medida
perigosa para o desenvolvimento de um governo democrático e um futuro abalizado na
liberdade [como percebemos na passagem supracitada]28
. Don Justo não deixou de
criticar a falta de liberdade política que existiu no México porfirista, mas, em certa
medida, justificou a necessidade de uma maior concentração de poder nas mãos de
Díaz. Para o intelectual, tal medida era necessária para acabar com os conflitos no país.
27
Este trecho do manifesto de Justo Sierra foi retirado por Paul Garner da obra de Charles Hale: The
transformation of Liberalism in Late Nineteenth-Century Mexico, autor de uma trilogia muito conhecida
sobre o liberalismo mexicano: Mexican Liberalism in the Age of Mora1821-1853 (1968), The
transformation of Liberalism in Late Nineteenth-Century Mexico (1989) e Emilio Rabasa and the
Survival of Porfirian Liberalism (2008). Diferentemente do que Jesús Reyes Heroles afirmou anos antes
em El Liberalismo Mexicano (1957-1961), Hale acreditava que o liberalismo e o positivismo não eram
totalmente opostos, sendo as ideias do segundo adotadas pelo primeiro durante a segunda metade do
século XIX. Criticando a proposta de Reyes Heroles, para quem o Porfiriato seria a negação do
liberalismo, Hale defendeu que, a partir de 1867 até 1878, o liberalismo no México se estabeleceu
principalmente como ―mito político unificador‖ (1991, p. 15), sendo posteriormente agregadas ideias
positivistas a ele. 28
Segundo Javier Garciadiego: ―en general, la relación de los intelectuales mexicanos de fines del siglo
XIX y principios del siglo XX con Porfirio Díaz no fue áspera. Articulado de una u otra manera bajo la
égida de Justo Sierra, secretario de Instrucción Pública, los intelectuales se beneficiaron del crecimiento
del aparato educativo, del desarrollo del periodismo moderno y de la estabilidad de un gobierno con
creciente solicitud de profesionales, imprescindibles a la modernización de la economía nacional.
(GARCIADIEGO, 2008, p. 31)
43
Segundo Valdir dos Santos Junior, ―em suas obras historiográficas, esse autor afirmava
a necessidade de ‗paz social‘ após anos de guerra civil. Nesses textos, o presidente
Porfírio Diaz era representado como a personificação desse ideal.‖ (2012, p. 05).
Como vimos na obra de Bernardo Reyes, Justo Sierra também mencionou as
tensões entre conservadores e liberais que assolaram o país. Descreveu a situação
política mexicana até o momento da República Restaurada:
La obra gubernamental era, empero, irrealizable sin finanzas, y la
creación de ellas parecía más irrealizable aún, por la dificultad
tremenda de la reorganización del país y nuestra falta absoluta de
crédito en el exterior, producida no sólo por la inmensa desconfianza y
el invencible recelo con que se venía nuestra tentativa de fundar un
verdadero gobierno, indiscutido en sus principios, consentido en sus
medios y nacionalmente aceptado en sus fines (cosa que, puede
decirse, era insólita en nuestra historia), sino por la entera y legítima
actitud que habíamos tomado frente a nuestros acreedores extranjeros,
considerando unos créditos como nulos de origen y otros sujetos a
revisión y a pactos nuevos. La considerable merma de la riqueza
pública, consecuencia de once o doce años de guerra no interrumpida;
la imposibilidad de definir sin estadística, ni incipiente siquiera, el
asiento del impuesto; la seguridad de encontrar obstáculos en
dondequiera que se intentara reintegrar a la Federación en el
aprovechamiento de sus recursos legales, retenidos por las
administraciones locales, que necesitaban vivir y que, en realidad,
administraban la bancarrota y capitulaban con la anarquía, autorizaban
todos los pronósticos pesimistas y mostraban el punto negro que
pronto se convertiría en el final desastre de nuestra nacionalidad:
nuestro pueblo que, como decía por entonces un preclaro poeta
mexicano, ―mandar no sabe, obedecer no quiere‖, iba fatalmente a la
impotencia y a la absorción norteamericana. (SIERRA, 1940, p. 267).
Analisando a citação acima, percebemos que Sierra afirmava estar o país com
problemas financeiros. Diante da conjuntura política e econômica por que passava o
México, qualquer obra do governo parecia irrealizável. As dívidas acumuladas no
exterior eram grandes e o país mostrava-se desorganizado. Para o escritor, a riqueza
pública estava desgastada, resultado ―de onze anos de guerra não interrompida.‖.
Ademais, em um país de tão grande extensão territorial, faltava organicidade entre os
estados e a federação: muitos caudilhos locais possuíam forte força política.
Deste modo, até o momento da República Restaurada, o México viveu em uma
atmosfera de finanças em bancarrota e anarquia; situação vislumbrada devido a tantas
guerras civis. Ao olhar para o futuro, havia pessimismo diante dos problemas internos.
Por conseguinte, os escritores demonstravam grande medo de perda da soberania
nacional. Sierra qualificava aquele momento histórico como ―anormal‖.
44
O autor descrevia o México pós-guerras civis da seguinte forma: ―el país estaba
desquiciado; la guerra civil había, entre grandes charcos de sangre, amontonado
escombros y miserias por todas partes; todo había venido por tierra (...).‖ (SIERRA,
1940, p. 280). O conflito entre liberais e conservadores deixara o México sob
―escombros‖. A miséria pairava sobre a população. ―Tudo veio por terra‖. As guerras
intestinas abalaram tanto o país que geraram transtornos (―desquicios‖) a ele: as
circunstâncias atrapalhavam a rotina do país. O passado mexicano, para Sierra, era
compreendido como o lugar dos conflitos permanentes e da paz acidental, eventual
(UZUM, 2010, p. 88). Tais características, para o escritor, precisavam ser modificadas.
Em seu ensaio Don Justo preocupava-se com a conjuntura política mexicana.
Como vimos, ele ―não acreditava que o quadro do passado, antes de Díaz, era apenas
caótico, como defendia Reyes, mas que havia destruído o México fisicamente. O texto
de Sierra reduz o país pré-Diaz a escombros e miséria, a um local onde nada mais
parava de pé.‖ Ou seja, ―como em um romance, o prólogo prenunciava o que estava por
vir: a reconstrução ocorrida durante o Porfiriato.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011,
pp. 98-99). O escritor analisou a história contemporânea sobre seu país com atenção.
Objetivando ser imparcial e valendo-se da crítica documental, legitimava o Porfiriato
através da comparação com o passado turbulento do país. Além disto, na opinião do
próprio autor, sua condição de observador-participante, ou seja, sua experiência por
estar vivenciando aquela época, autorizava-o e legitimava-o a dizer sobre o período
porfirista.
No prelúdio feito ao seu livro, Abelardo Villegas escreveu que, em 1878, o
advogado, juntamente com alguns conhecidos, organizou o periódico intitulado La
Libertad, que propunha justamente o fim das disputas entre os setores conservador e
liberal do país. Segundo o historiador, ―el periódico mismo eleva[va] el epíteto de
‗diario liberal conservador‘ y enfoca[va] la cuestión nacional con las armas del
positivismo comtiano y del organicismo spenceriano (…).‖ (VILLEGAS, 1985, p.
XIV). Como reiterou Santos Junior, ―em suas obras, Justo Sierra formulou uma
justificação histórica para o regime de Porfírio Diaz alicerçada em duas ideias centrais:
a ordem política e a mestiçagem. A primeira delas, em especial, obteve forte destaque
nas páginas de La Libertad.‖ (2012, p. 03).
Além do cenário interno descrito por Sierra, devido às disputas abaixo do Rio
Grande, a imagem que se formava do México no exterior, principalmente na vizinha do
45
norte, também era preocupante29
. Se a situação interna do país era de anormalidade,
escombros e transtornos, nas Relações Exteriores havia o medo de perda da soberania
nacional. O receio advinha da possibilidade de acusações como falta de governabilidade
e incapacidade administrativa interna. Escreveu o autor,
Estaba probado; México era un país ingobernable, los Estados Unidos
debían poner coto a tanto desmán, ya que Europa era impotente para
renovar la tentativa. Los sociologistas nos tomaban como ejemplo de
la incapacidad orgánica de los grupos nacionales que se habían
formado en América con los despojos del dominio colonial de España,
y el ministro de los Estados Unidos asumía una actitud de tutor altivo
y descontento ante el Ejecutivo revolucionario.‖ (SIERRA, 1940, p.
281).
Referindo-se a esta situação conturbada, Sierra escreveu que a vontade do povo
mexicano era a de que existisse paz no país: ―pocas veces se habrá visto en la historia de
un pueblo una aspiración más premiosa, más unánime, más resuelta.‖ (SIERRA, 1940,
p. 281). Tendo em vista tal aspecto, comparando com a obra de Reyes, Sierra também
tangeu a mesma questão da necessidade de pacificar o México – embora em seu
trabalho já encontremos certas críticas direcionadas ao governo, mesmo que veladas. Ao
falar sobre o regime presidencial de Porfirio Díaz, o autor escreveu que o presidente
estabeleceu seu poder sobre este desejo popular, unânime, de paz interna.
A população almejava tranquilidade. Como explicitou acima, o México estava
sob destroços. O desejo de pacificação ―escapava das fendas daquele enorme
amontoado de ruínas legais, políticas e sociais‖ (SIERRA, 1940, p. 282). Tal vontade
era comum entre os cidadãos mexicanos. A nação não mais aguentava viver imersa em
conflitos internos. Para Don Justo,
Se o México estava reduzido a escombros, desolado, a vontade da
nação por paz era diametralmente oposta. Sólida, firme, mas
representada por um buraco profundo que deveria ser preenchido pela
paz. Logo, a ―árvore da paz definitiva‖ tinha, por conseguinte, raízes
igualmente profundas, capazes de ocupar esse enorme espaço de
expectativa e ansiedade pela própria pacificação. Para que ela se
enraizasse, mesmo os pecados de origem que a geraram, como o
―sangue derramado dos irmãos‖, haveriam de ser perdoados. Com
Díaz, o México chegara a uma encruzilhada: pacificação completa ou
caos absoluto. (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 100).
Para que Díaz conseguisse gerar estabilidade ao país, o literato explicou que o
presidente fundou sua autoridade na fé e no temor dos mexicanos para com ele, ou seja,
segundo as ideias de Don Porfirio, era necessário que, ao mesmo tempo em que a
29
Percebemos em Sierra, como em Reyes e no próprio Madero, a preocupação de perda de soberania do
México frente aos Estados Unidos.
46
população do país tivesse fé em sua figura e em seu governo, não poderia deixar de
temê-lo (necessidade de um pulso firme, imprescindível em alguns momentos)30
. É
importante ressaltar que Sierra deixou clara a diferença entre temor e terror, sendo este
―instrumento de despotismo puro.‖ (SIERRA, 1940, pp. 282-283). Já em seu ensaio
México social y político, datado de 1889, percebemos uma defesa da necessidade de um
poder executivo forte no país, que não caísse em tirania, mas que conseguisse suprimir a
anarquia.31
(UZUM, 2013).
Como percebemos em seu ensaio [―La era actual‖], ―o temor era algo que
deveria ser perene como sentimento, mas não deveria ser exercido como poder o tempo
todo. Em momentos de tribulação, o presidente deveria ser implacável, até mesmo
impiedoso.‖ Contudo, ―passado o perigo, a normalidade deveria se instalar. O temor de
um novo momento no qual o rigor governamental tivesse que ser acionado encarregar-
se-ia de manter a paz.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 100).
Deste modo, podemos inferir que Don Justo utilizava-se da velha máxima
maquiavélica32
, já que acreditava que Díaz necessitava fundamentar sua autoridade na
fé e no temor da população para com ele. Assim, Don Porfirio não deveria utilizar este
poder recorrentemente, sem fundamentação. Mas, em alguns momentos, ele era
importante para Díaz ter legitimidade e ação para modificar a conjuntura mexicana,
mantendo a paz.
Ao falar sobre a volta de Díaz ao poder em 1884, Sierra também expôs, como
Reyes, a noção de que o ex-presidente voltou a ocupar a primeira magistratura devido à
vontade nacional, já que havia um medo no país de que este passasse novamente por
conflitos civis. A justificativa de a população ter outra vez o escolhido, segundo Sierra,
foi a expectativa de que Don Porfirio restabelecesse a ordem e procurasse nivelar as
finanças do país, ações que não foram efetivadas durante o governo anterior, do general
Manuel González33
. Como escreveu,
30
―La fe y el temor, dos sentimientos que, por ser profundamente humanos, han sido el fundamento de
todas las religiones tenían que ser los resortes de la política nueva. Sin desperdiciar un día ni descuidar
una oportunidad, hacia allá ha marchado durante veinticinco años el presidente Díaz; ha fundado la
religión política de la paz.‖ (SIERRA, 1940, p. 282). 31
Sobre o conceito de tirania, falaremos mais detidamente no capítulo dois desta dissertação. 32
Maquiavel explicou no capítulo XVII de O Príncipe que era desejável ao governante ser amado e
temido, pois os homens não ofendem um indivíduo que se faz receado, conseguindo ele, assim, conduzir
o país com sucesso. Para Maquiavel, ser temido pelo governante não era sinônimo de odiá-lo, uma vez
que o príncipe não podia proceder contra o povo sem uma justificação ou causa importante, mas sim
quando necessário (MAQUIAVEL, 1513). 33
Escreveu Sierra: ―El deseo verdadero del país, el rumor que escapaba de todas las hendiduras de aquel
enorme hacinamiento de ruinas legales, políticas, sociales, el anhelo infinito del pueblo mexicano que se
47
Algo así como una colérica unanimidad había vuelto al antiguo
caudillo de la revolución al poder; los acontecimientos de la capital
parecían indicio cierto del estado precario de la paz y de la facilidad
con que podría caerse en las viejas rodadas de la guerra civil; la
anarquía administrativa y la penuria financiera daban a la situación
visos de semejanza con la del período final de la legalidad de 76, y a
todos parecía que se habían perdido ocho años y que habría que
recomenzarlo todo; la opinión imponía el poder al presidente Díaz
como quien exige el cumplimiento de un deber, como una
responsabilidad que se hacía efectiva. (SIERRA, 1940, p. 287).
Para que Díaz conseguisse efetivar as tarefas que o país necessitava, era
imprescindível que ele concentrasse a maior soma de poderes em suas mãos. O autor
destacou quatro autoridades que eram necessárias ao presidente: a autoridade legal, ou
seja, o respaldo constitucional que ele possuía, uma vez que tinha sido eleito primeiro
magistrado mexicano; autoridade política, que para Sierra seria o poder de dirigir as
câmaras responsáveis pelas leis do país, bem como o governo dos estados mexicanos;
autoridade social, que o constituiria ―en supremo juez de paz de la sociedad mexicana
con el asentimiento general, ese que no se ordena, sino que sólo puede fluir de la fe de
todos en a rectitud arbitral del ciudadano a quien se confía la faculdad de dirimir los
conflictos‖ (SIERRA, 1940, p. 288). A quarta autoridade seria a moral, que consistia em
um modus vivendi de uma pessoa que se manifesta, externaliza-se, por um lugar, que no
caso de Don Porfirio, seria o México.
Deste modo, para Sierra, com toda essa autoridade em suas mãos o presidente
conseguiu estabelecer a paz no país:
(...) y era está, no huelga decirlo aquí, la última de las tres grandes
desamortizaciones de nuestra historia: la de la Independencia, que dio
vida a nuestra personalidad nacional; la de la Reforma, que dio vida a
nuestra personalidad social, y a la de la Paz que dio vida a nuestra
evolución total. Para realizar la última, que dio todo su valor a las
anteriores, hubimos de necesitar, lo repetiremos siempre, como todos
los pueblos en las horas de las crisis supremas, como los pueblos de
Cromwell y Napoleón, es cierto, pero también como los pueblos de
Washington y Lincoln y de Bismarck, de Cavour y de Juárez, un
hombre, una conciencia, una voluntad que unificase las fuerzas
morales y las trasmutase en impulso normal; este hombre fue el
presidente Díaz. (SIERRA, 1940, p. 289).
manifestaba por todos los órganos de expresión pública y privada de un extremo a otro de la República, a
pesar de su autoridad constitucional. Nadie quería la continuación de la guerra, con excepción de los que
sólo podían vivir del desorden, de los incalificables en cualquier situación normal. Todo se sacrificaba a
la paz; la Constitución, las ambiciones políticas, todo, la paz sobre todo. Pocas veces se habrá visto en la
historia de uno pueblo una aspiración más premiosa, más unánime, más resuelta. ―(SIERRA, 1940, p.
282). A população almejava paz. Como descreveu acima, o México estava sob escombros, das ―fendas
daquele enorme amontoado de ruínas legais, políticas e sociais‖, o desejo unânime era de pacificação do
país. A nação não mais aguentava viver imersa em conflitos internos. Pela paz se fazia e sacrificava tudo.
48
Como percebemos na citação acima, ―grandes homens guiam os seus países em
momentos de crise, fazendo surgir do caos uma regeneração capaz de dar sentido à
História, na medida em que a fazem avançar para um estágio mais evoluído que o
anterior.‖ Por conseguinte, ―no caso mexicano, a terceira etapa histórica, a Paz, teria
validado os degraus anteriores na escada da formação da Nação. Díaz coroava um longo
processo. Mais que coroar, dava sentido a eles.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p.
102). Como um herói moderno, Don Porfirio ―deu vida à evolução total‖ do povo. Foi o
grande homem, ou seja, o Homem-Capaz, para lembrarmos o conceito de Carlyle, que
modificou o país.
Sendo assim, o governo de Don Porfirio foi legitimado pela população
mexicana. Nas passagens acima, vemos que Sierra valeu-se da metáfora de um
organismo vivo para representar a história da pátria. O nascimento do México aconteceu
com sua independência da Espanha, após trezentos anos sob o jugo de sua Coroa; a
personalidade social foi adquirida durante a Reforma liberal, mas, todas estas etapas
tiveram efetividade com a pacificação realizada por Díaz. O presidente personificara
aquele momento histórico. No ensaio de Sierra, as medidas de Díaz eram necessárias
para a evolução histórica da nação.
Contudo, é imprescindível destacar que percebemos, por parte do autor, um
receio de que estes poderes delegados ao presidente prejudicassem a efetivação de um
governo democrático no futuro. Ele também atentava-se a isto. Quais seriam as
consequências desta atitude para o México? Entretanto, como veremos ao final do
trecho abaixo, Sierra não procura responder a indagação, mencionando apenas que a
população não estivesse equivocada com o ato. Como na época dos dictadores
clássicos, o país estava traspassado por uma atmosfera de crise que, neste sentido,
carecia de um indivíduo que concentrasse poderes em suas mãos para conseguir
contornar a situação. Don Porfirio não podia alterar leis, modificar o legislativo, mas
necessitava de competências que o ajudassem a reorganizar o México. Seu mandato não
durava apenas seis meses, como o de um dictador da Roma Antiga, mas aquela situação
governativa deveria ser passageira, pois o fim último da evolução no país deveria ser a
liberdade e a existência de uma dinâmica partidária, em moldes democráticos34
.
Citamos,
Y esa nación que en masa aclama al hombre, ha compuesto el poder
de este hombre con una serie de delegaciones, de abdicaciones si se
34
Falaremos mais detidamente sobre o conceito de ditadura nas próximas páginas.
49
quiere, extralegales, pues pertenecen al orden social, sin que él lo
solicitase, pero sin que equivocase esta formidable responsabilidad ni
un momento; y ¿eso es peligroso? Terriblemente peligroso para lo
porvenir, porque imprime hábitos contrarios al gobierno de sí mismos,
sin los cuales puede haber grandes hombres, pero no grandes pueblos.
Pero México tiene confianza en ese porvenir, como en su estrella el
presidente; y cree que, realizada sin temor posible de que se altere y
desvanezca la condición suprema de la paz, todo vendrá luego, vendrá
á su hora ¡Que no se equivoque!... (SIERRA, 1940, p. 289- Grifo
nosso).
Deste modo, a conclusão a que chega Sierra, após toda a explicitação do atual
governo, é que o regime de Díaz não podia ser considerado, devido a suas várias
reeleições, uma forma de despotismo clássico, ou seja, ilegítimo, duradouro e sem
respaldo popular. Deveria sim ser visto como uma ―ditadura social‖ ou um ―cesarismo
espontâneo‖, já que seu governo era respaldado pelos cidadãos do país e coerente com a
constituição35
. Segundo Sierra, ―para justificar la omnímoda autoridad del jefe actual de
la República, habrá que aplicarle, como metro, la diferencia entre lo que se ha exigido
de ella y lo que se ha obtenido.‖ (1940, p. 290). O México estava demudado.
Diante da análise feita por Don Justo, para este, durante o governo de Díaz, não
houve uma evolução política, já que foram suprimidos os partidos políticos e a dinâmica
dos mesmos no cenário público do país. Concomitante, o que o autor argumentou foi
que o México, em vista do período anárquico anterior, passou por grandes
transformações, tanto econômicas como sociais, e isso deveria ser levado em
consideração. Ou seja, para Sierra a nação estava em paz e havia um quadro de
evolução social (o que Bernardo Reyes descreveu como ―povo regenerado‖, 1960
[1902], p. 341). Explicou o advogado,
Pero si comparamos la situación de México precisamente en el
instante en que se abrió el paréntesis de su evolución política y el
momento actual, habrá que convenir, y en estos nos anticipamos con
firme seguridad al fallo de nuestros pósteros, en que la transformación
ha sido sorprendente. Sólo para los que hemos sido testigos del
cambio, tiene todo su valor: las páginas del gran libro que hoy
cerramos lo demuestran copiosamente: era un ensueño, –al que los
más optimistas asignaban un siglo para pasar a la realidad–, una paz
de diez a veinte años; la nuestra lleva largo un cuarto de siglo; era un
ensueño cubrir al país con un sistema ferroviario que uniera los
puertos y el centro con el interior y lo ligara con el mundo, que
sirviera de surco infinito de fierro en donde arrojado como semiente el
35
Como argumentou o autor, ―es un gobierno personal que amplia, defiende y robustece al gobierno
legal; no se trata de un poder que se ve alto por la creciente depresión del país, como parecen afirmar los
fantaseadores de sociología hispanoamericana, sino de un poder que se ha elevado, no sólo en el orden
material, sino en el moral, porque ese fenómeno es hijo de la voluntad nacional de salir definitivamente
de la anarquía.‖ (1940, p. 289).
50
capital extraño, produjese mieses opimas de riqueza propia; era un
ensueño la aparición de una industria nacional en condiciones de
crecimiento rápido, y todo se ha realizado, y todo se mueve, y todo
está en marcha y México: Su Evolución Social se ha escrito para
demostrar así, y queda demostrado.(SIERRA, 1940, p. 290- Grifo no
original).
O historiador Guy Rozat Dupeyron (2001) também concluiu que, para Sierra, o
México havia se tornado pacífico durante o Porfiriato, situação que nenhum governo
anterior conseguira; e isto fazia com que houvesse um quadro de evolução social. Para
Don Justo, apenas quem havia vivenciado os momentos de conflito interno e
testemunhara toda aquela transformação entendia o avanço e progresso que
experimentava o país. As atitudes e autoridade de Díaz eram legítimas, bastava agora o
México dar o passo à etapa da liberdade. Como percebemos, não havia um conotação
negativa na concentração de poderes nas mãos do presidente, já que tal medida era
necessária. O receio era de que aquela forma de governo se transformasse em um
despotismo clássico, ou seja, a permanência ilegítima de um governante no poder. Ou
mesmo a degeneração da governança em tirania (forma irracional e cruel de
administração). Ao vislumbrar a condição da nação e o passado do país, o advogado
surpreendia-se com as mudanças. O México estava completando sua evolução total.
5. Díaz entre “pacificador” e “ditador”: La sucesión presidencial en
1910, de Francisco I. Madero
Como apresentado na introdução, o último autor a ser analisado neste capítulo,
Francisco Ignácio Madero, foi um indivíduo proveniente de uma importante família do
estado de Coahuila, que por muito tempo participou do governo local. Sua principal
obra, La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, escrita em
1908 e publicada em 1909, é considerada pela historiografia mexicana como um
trabalho de crítica ao governo porfirista, contribuindo para a criação de uma matriz
avaliativa sobre este período histórico, uma vez que se referiu ao governo de Don
Porfirio como uma ditadura. Segundo Cláudia Wassermann, o livro ganhou grande
repercussão no cenário político. A primeira edição se esgotou rapidamente, possuindo
uma tiragem de três mil exemplares (WASSERMANN, 2007, p. 09). Acontecimento
que tornou o jovem escritor conhecido nacional e internacionalmente (CÓRDOVA,
1973). No livro do coahuilense, Díaz passou a ser um indivíduo ambicioso, que tomava
suas atitudes devido ao seu grande objetivo de alcançar a presidência, e não mais aquele
patriota que se movia em prol nação, como representou Reyes e Sierra.
51
Ao iniciar o livro, ainda nas páginas em que explicou o porquê de tê-lo escrito,
Madero discorreu sobre a existência de duas naturezas de ditaduras. A primeira foi
definida como ―franca e audaz‖ (2010 [1908], p. 16), cuja característica é interromper o
funcionamento democrático de uma população, desencadeando, posteriormente, uma
forte reação popular que a derrubaria do poder para restabelecer a liberdade no país. A
segunda, que é a que se passava no México, era a seguinte,
(...) cuando la dictadura se establece en el fondo y no en la forma,
cuando hipócritamente aparenta respectar todas las leyes y apoyar
todos sus actos en la Constitución, entonces va minando en su base la
causa de la libertad, los espíritus se vén [sic] oprimidos suavemente
por una mano que los acaricia, por una mano siempre pródiga en
bienes materiales, y con facilidad se doblegan y ese ejemplo, dado por
las clases directoras, cunde rápidamente, al grado de que pronto llega
á considerarse el servilismo, como una de las formas de la cortesía,
como el único medio de satisfacer todas las ambiciones……..las
ambiciones que quedan cuando se ha matado en los ciudadanos la
noble ambición de trabajar por el progreso y el engrandecimiento de
su patria, y solo se les ha dejado y se les ha fomentado la de
enriquecerse, la de disfrutar de todos los placeres materiales.
(MADERO, 2010 [1908], pp. 16-17- Grifo nosso).
Madero, segundo o trecho acima, criticou em seu livro uma retórica de
acatamento aos aspectos constitucionais, desenvolvida pelo governo. Para ele, a
Constituição apenas se estabelecia na forma, ou seja, na parte das aparências, camada
mais superior aos olhos. No fundo, de fato, o México passava por um momento de
ditadura que ia cada vez mais minando a liberdade da população, sem que esta se desse
conta, já que estava satisfeita com os progressos conquistados pelo país. A nação cada
vez mais se alijava das questões políticas e adormecia frente às conquistas materiais.
Como explicou:
La nación adormecida con el ruido de los silbatos del vapor, fuerza
propulsora de la industria; deslumbrada con las múltiples y admirables
aplicaciones de la electricidad; ocupada por completo en su desarrollo
económico, fiada en la palabra de su Caudillo, no volvió á ocuparse de
la cosa pública.
Las débiles voces de la prensa independiente no lograban hacerse oír
en medio de aquel ruido atronador. Todos pensaron en enriquecerse;
poquísimos se preocupaban de sus derechos políticos.
El General Díaz, en quien tanto confiaba la Nación, aprovechó esa
confianza para afianzarse en el poder, pues las riquezas que
desparramaba á manos llenas aumentaban los intereses creados á su
sombra. La indefinida reelección de los gobernadores hacía que su
administración echara hondas raíces, y todas esas raíces iban a
alimentar y a sostener el poder absoluto del General Díaz.
(MADERO, 2010 [1908], p. 144).
52
O objetivo do livro, portanto, era discutir esta situação pela qual passava o
México, e fazer com que os próprios cidadãos acordassem para essa realidade e, juntos,
tentassem modificar o futuro do país36
. Maravilhado com os avanços, o povo
despreocupou-se da coisa pública, ―perdendo as responsabilidades para com a pátria‖,
afirmava (2010 [1908], p. 17). A legitimidade construída por Madero em seu trabalho
adveio tanto da utilização de fontes oficiais, como do que dizia o povo mexicano, já
que: ―en estos casos [quando faltasse dados oficiais para comprovar algo] tendré que
atenerme á lo que dice la voz pública y en vez de hacer afirmaciones rotundas, sentaré
los hechos como muy probables.‖ (MADERO, 2010 [1908], p. 27).
Antes de escrever propriamente sobre o governo presidencial porfirista, ao
analisar ainda a ―Revolução de La Noria‖ e a de ―Tuxtepec‖, episódios já comentados
anteriormente, Madero entendeu estes acontecimentos como o resultado da ambição
pessoal do general – bem como dos militares que o apoiavam. Explicou o coahuilense
que, mesmo havendo um acordo (convênio de Capilla), após a vitória das forças
porfiristas em Tecoac, Díaz tornou-se presidente, desrespeitando a concordata37
. Desta
forma, ―había dejado de subsistir el Gobierno Constitucional que existía desde el año de
1857 y se había establecido en su lugar, una dictadura militar, un gobierno de hecho, á
la cabeza del cual se encontraba el General Porfirio Díaz.‖ (2010 [1908], pp. 109-110).
Don Porfirio se instalava no poder, iniciava-se uma forma de governo que manteve por
trinta e dois anos um mesmo indivíduo na primeira magistratura. Caso não houvesse
mudanças, a pátria estaria em perigo e as consequências seriam funestas ao México.
Citamos,
En su proclama de la Noria decía [Porfirio Díaz] que no tenía ninguna
ambición para ocupar puestos públicos y después de Tecoac ocupa la
Presidencia á pesar de los convenios de la Capilla.
Esto nos demuestra que no eran sinceros sus ofrecimientos de la Noria
y lo que quería era el apoyo de la Nación para llegar á la Presidencia.
Si proclamaba en sus planos revolucionarios el principio de no-
reelección, era porque comprendía que la Nación juzgaba como él,
que era peligrosa para los principios democráticos la reelección
indefinida de los gobernantes, y que proclamando este principio, lo
ayudaría en su lucha contra el gobierno, y eso era lo que él buscaba
por lo pronto, pues una vez en la silla presidencial, él sabría bien
36
É importante explicar que, ao final do governo de Díaz, os escritores começaram a discutir o fator
biográfico, que era a idade do presidente – tendo 78 anos em 1908. Como veremos, Francisco Madero
tinha o receio de que Ramón Corral, candidato a assumir a vice-presidência da República em 1910,
ascendesse à primeira magistratura caso Díaz morresse e, assim, perdurasse o princípio de poder absoluto
no México. O temor do coahuilense era justamente a continuação dessa situação no país por parte do
sucessor de Don Porfirio. 37
Para Madero, neste acordo o presidente da Suprema Corte mexicana, José María Iglesias, assumiria o
governo até que fossem marcadas as eleições.
53
conservarla, aun contra la voluntad nacional. (MADERO, 2010
[1908], pp. 117-118).
Uma das passagens mais importantes do livro foi a afirmação de Madero sobre
o objetivo fixo de Porfirio Díaz em assumir a presidência da República e,
posteriormente, permanecer na primeira magistratura do país. Como lemos no trecho
supracitado, as ações do general não eram sinceras e sua vontade era amparar-se na
nação, conquistando apoio para chegar à presidência. Tal elemento torna-se uma chave
de leitura significativa na análise da obra, uma vez que o coahuilense foi argumentando,
ao longo de seu trabalho, que os feitos de Don Porfirio se justificaram por essa ―ideia
fixa‖ do presidente em manter-se no poder38
.
Desta forma, fazendo um contraponto com as obras de Reyes e Sierra, Madero
interpretava os progressos materiais conquistados no México e o momento de paz que
desfrutava o país como resultados dessa vontade de Díaz em continuar na presidência da
República. As melhoras conquistadas pelo ex-general não eram movidas pelo seu
patriotismo e vontade de ver um México moderno, mas tudo, segundo o escritor, girava
em torno de sua ambição39
. Sobre os progressos materiais escreveu o autor,
Todo es muy cierto, nuestro progreso económico, industrial,
mercantil, agrícola y minero, es innegable.
Ya lo hemos dicho, el General Díaz hará al país todo el bien que le sea
posible, siempre que sea compatible con su reelección indefinida.
Pues bien, si es cierto que en el orden de libertades, todas eran un
estorbo para lograr su fin, por cuyo motivo ha logrado acabar con
ellas, no pasa el mismo con las cuestiones económicas, pues entre más
desarrollada esté la riqueza pública y mientras mayores sean los
intereses creados á su sombra, será mayor la estabilidad de su
gobierno.
Para llevar á cima esta obra, los dos factores más importantes han
sido: la paz y a oleada de progreso material que ha traído al mundo el
vapor con sus múltiples aplicaciones á la transportación y á la
industria. (MADERO, 2010 [1908], p. 221).
Para Francisco Madero, portanto, devido ao fato de o presidente ter passado
tantos anos ocupando a primeira magistratura mexicana, Díaz tornou-se a encarnação do
poder absoluto, suprimindo os partidos políticos e a dinâmica governamental fomentada
38
Segundo Madero: ―(...) resuelta que la Idea fija del Gral. Díaz, era, mientras no tenía el poder,
conquistarlo á toda costa y una vez en su posesión, no desprenderse de él por ningún motivo.
Para la realización de esta idea, no vacilará en promover sangrientas revoluciones; en perdonar á sus
enemigos desde que capitulen; en perseguir á sus amigos cuando constituyan un estorbo para sus fines; en
engañar á la Nación y aun a los amigos que lo ayudaron en sus levantamientos.‖ (MADERO, 2010
[1908], p. 119). 39
Além disto, para Francisco Madero os muitos progressos econômicos conquistados no México não
foram nem tanto ganhos próprios do presidente, mas sim um fenômeno conjuntural que estava ocorrendo
no mundo inteiro, resultado do desenvolvimento das ciências.
54
pelos mesmos. Além disto, explicou o coahuilense que a base em que se sustentava Don
Porfirio não advinha dos cidadãos mexicanos, mas sim das armas. Enquanto Reyes
conectou em sua obra a trajetória de vida do presidente à trajetória de vida do México,
ligando-a ao episódio conhecido como ―Grito de Dolores‖, exclamado pelo padre
Hidalgo; Madero remeteu-se ao segundo herói da independência, o padre José María
Morelos, mas desta vez para deslegitimar o governo de Díaz ao dizer que este não
laborava para o povo e nem emanava deste40
. Como escreveu Madero,
Pues bien, el poder absoluto del General Díaz, ha creado en México
una situación muy distinta á la soñada por Morelos.
El Jefe de la Nación en vez de ser siervo y de acatar los decretos del
pueblo, se ha declarado superior a él y ha desconocido su soberanía,
así es que el gobierno que tenemos actualmente, ni está nombrado por
el pueblo, ni sostenido por él. Su fuerza dinama de las bayonetas que
después de Tecoac lo llevaron al Palacio Nacional, y que aún lo
sostienen allí. (MADERO, 2010 [1908], p. 232).
Como falado no início do tópico e demonstrado até o momento, a obra de
Madero contribui para a criação de uma matriz interpretativa sobre o Porfiriato, que se
consolidou a partir da eclosão da Revolução Mexicana (principalmente, segundo Paul
Garner [2003], na década de 1920). A referida obra foi amplamente lida e retomada. Os
intelectuais e polígrafos, ao legitimarem o projeto revolucionário, deslegitimaram o
governo de Don Porfirio. Um exemplo disto é o livro de Luis Lara Pardo, analisado no
capítulo dois. Em 1912, ainda sob a efervescência do levantamento, escreveu De
Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, qualificando o
presidente de cruel, egoísta, indivíduo que muito fez para prostituir o povo mexicano.
Contudo, o final do livro de Madero pode abrir margem para a discussão que
foi proposta no início do capítulo, ou seja, a partir da interpretação e experiência de um
passado mexicano pós-independência turbulento, caótico, marcado por guerras
intestinas e intervenções estrangeiras, pensar como foi interpretado o Porfiriato por estes
escritores mexicanos. Madero, em determinado momento de seu livro, admitiu que, feita
a análise do governo por um ponto de vista racional, portanto sendo necessário tecer
críticas ao regime porfirista de poder despótico, utilizaria em um segundo momento
40
O padre José María Morelos é considerado o segundo herói da independência, lutando por ela entre
1811 e 1815. O próprio Madero escreveu no livro o que padre havia falado ao remeter-se ao Congresso de
Chilpancingo: ―Soy el sirvo de la Nación porque esta asume la más grande, legítima é inviolable de las
soberanías, quiero que tengan un gobierno dimanado del pueblo y sostenido por el pueblo.‖ (MORELOS
apud MADERO, 2010 [1908], p. 231).
55
também o critério sentimental. Percebemos que, de vilão, Díaz poderia ser redimido e se
tornar um dos maiores indivíduos lembrados pela humanidade41
.
O que escreveu o coahuilense sobre a paz conquistada no México,
La obra del General Díaz ha consistido en borrar los odios profundos
que antes dividían á los mexicanos y en asegurar la paz por más de 30
años, aunque todavía mecánica al principio, ha llegado á echar
profundas raíces en el suelo nacional, al grado de que su florecimiento
en nuestro país parece asegurado.
El General Díaz, con su mano de hierro ha acabado con nuestro
espíritu turbulento é inquieto y ahora que tenemos la calma necesaria
y comprendemos cuan deseable es el reino de la ley, ahora si estamos
aptos para concurrir pacíficamente á las urnas electorales para
depositar nuestro voto. (MADERO, 2010 [1908], pp. 287-288).
O que queremos demonstrar a partir da citação acima é que o coahuilense
qualificou o governo de Porfirio Díaz de ditadura, exercendo o presidente um poder
despótico no país. Contudo, é importante ressaltar que Francisco Madero não perdeu de
vista, no juízo final que fez do governo em seu livro, a estabilidade que o mesmo
conquistou, e o estado de paz que pairava sobre o México42
. O que criticou o
coahuilense foi a transformação deste estado de paz em outro que não contemplava mais
práticas governativas apoiadas na vontade da população.
Não podemos deixar de analisar que o autor acrescentou um elemento
significativo para nossa reflexão: o povo mexicano43
. Como explicou acima, o espírito
41
Explicou Madero ao dizer sobre sua mudança de análise no final do livro: “Quizá le haya extrañado el
juicio que al principiar este capítulo emitimos sobre el general Díaz [sobre ter o presidente conquistado
um ambiente de paz no país], encontrándolo poco de acuerdo con algunos de nuestros juicios anteriores.
La explicación es sencilla:
Ahora lo consideramos desde otro punto de vista: Ya no es la razón inflexible la que guía nuestro
criterio, sino el sentimiento que ve más hondo y más claro. Nosotros creemos que toda acción humana es
determinada por factores muy diversos y muy complejos.”(MADERO, 2010 [1908], p. 290- Grifo nosso). 42
Como escreveu o historiador Paul Garner, mesmo não apoiando politicamente o presidente, Madero
não deixou de tecer elogios ao governo do mesmo: ―Las alabanzas a Díaz por parte de sus
contemporáneos no llegaron exclusivamente de los que lo apoyaban políticamente. Quizás la más
improbable de las alabanzas a Díaz sea la de Francisco Madero, el hacendado de Coahuila que inició la
revolución que sacaría al viejo presidente del poder en 1910 y quien se convertiría en el primer
mandatario del México revolucionario después del exilio del dictador en 1911.‖ (GARNER, 2003, p. 22). 43
Ao analisar o conceito de povo na França e Espanha do século XIX, Juan Francisco Fuentes (2004)
explicou que, a partir das revoluções liberais, principalmente pós-revolução francesa (1789), o povo
ganhou protagonismo, tornando-se elemento importante do discurso político da época. Como afirmou, ele
tornara-se fonte de legitimidade das revoluções. Assim sendo, esta discussão também pode iluminar nosso
problema, pois, como vimos em Madero, e mostraremos nas obras de escritores analisados no capítulo
dois, o povo ganhou dimensão importante nos livros, adquirindo um status de agente político. Entretanto,
ao mesmo tempo que ele obteve esta condição, via-se a necessidade de o guiar, conduzir. Como dissertou
Eugenia Roldán Vera, nos primeiros anos após a independência do México, passou-se a evocar mais, na
literatura patriótica, a noção de povo; a partir de 1850 existiu uma tentativa de harmonizar as várias
concepções que o conceito possuía: ficava cada vez mais claro o discurso que afirmava residir no povo a
soberania nacional. Concomitante a estas transformações, a imprensa do país desenvolvia uma política de
retirar da população, por meio de uma ação pedagógica, o espírito turbulento e desobediente, fazendo-o
56
do povo, anterior ao mandato de Díaz, era turbulento, avesso à ordem e às leis regentes
no país; os conflitos foram constantes. A emergência de Don Porfirio à presidência da
República, devido aos seus feitos militares, foi importante para transformar a nação,
mostrando que o ―governo da lei‖ era algo essencial. Díaz conseguira esta mudança,
trouxe paz ao México. Seu problema foi não ter dado um passo a mais nos degraus da
História, ou seja, instaurar uma democracia amparada na liberdade. Sua ambição o
manteve na governança a ponto de atrofiar a atuação política dos cidadãos na esfera
pública. Escreveu:
Toda nuestra historia tiene cierto sello de grandeza que impresiona, y
ese sello no deja de tenerlo ni aun la misma Dictadura del General
Díaz, pues después de todo nuestro actual Presidente ha podido llevar
á cabo una obra colosal, y se ha rodeado de tal prestigio en el
extranjero y aun en el país, que se ha formado un pedestal altísimo, en
la cima del cual ostenta su bronceada figura, siempre serena, siempre
tranquila y con la mirada fija en los grandes destinos de la Patria.
El General Díaz no ha sido un déspota vulgar, y la historia nos habla
de muy pocos hombres que hayan usado del poder con tanta
moderación. (MADERO, 2010 [1908], p. 287).
Desta forma, a crítica de Madero foi direcionada à falta de liberdade política
que passou a existir no México porfirista. Para solucionar esta situação a proposta foi,
portanto, a criação de um partido político – Partido Nacional Democrático44
– que
pudesse concorrer nas eleições de 1910 e fomentar um ambiente de disputa com os
governantes nomeados pelo presidente, voltando o país a ter uma dinâmica governativa
respaldada pela vontade popular. A crítica, como veremos abaixo, foi, nas palavras de
Madero, ter o México passado de uma situação caótica, cindido por guerras civis, a uma
de servidão: o pêndulo da história novamente caía para um outro extremo. Citamos:
A consecuencia de nuestra larga era de guerras intestinas, en la cual
no se conocía más derecho que el del más fuerte, al fin tuvimos que
caer bajo el dominio del más poderoso y afortunado de los militares de
aquella época, que estableciendo una dictadura bajo las formas
republicanas, ha logrado extirpar de nuestro suelo el germen de las
revoluciones, pues al militarismo lo ha desprestigiado con 30 años de
paz y al pueblo le ha hecho crearse intereses materiales de tal cuantía,
que constituyen un factor importantísimo para alejarlo de las
revueltas.
El pueblo mexicano que antes era sumamente turbulento, es ahora el
más pacífico de todos los pueblos de la tierra, y no solamente respeta
respeitar os governos e as leis (VERA, 2007, 286-287). Sobre o assunto, falaremos mais detidamente no
próximo capítulo. 44
Cujos princípios eram o de não reeleição e liberdade de sufrágio.
57
con gusto la ley, sino que hasta respeta servilmente el principio de
autoridad.
Por otra parte, ningún gobierno había llegado á tener la gran
estabilidad y duración que ha tenido el actual.
De esto ha resultado, que de un extremo hemos caído en otro extremo.
Sí antes éramos turbulentos, ahora somos serviles.
Si antes éramos tan exigentes cuando se trataba de hacer respetar
nuestros derechos y siempre teníamos la carabina en la mano como el
supremo argumento, ahora obedecemos sin discutir las órdenes más
arbitrarias del más ínfimo representante de la autoridad. (MADERO,
2010 [1908], pp. 337-338).
No juízo final que Madero fez em La sucesión presidencial en 1910, Don
Porfirio poderia ser redimido pela História caso se colocasse abaixo da Constituição. O
país já estava estável, pacífico, bastava agora passar para a etapa da liberdade, como
também criticou Sierra de forma velada em seu livro. Era necessário o funcionamento,
no fundo, das leis, e o respeito à Carta Magna. O temor do coahuilense era que o
sucessor do presidente, que para Madero poderia ser Ramón Corral ou o general
Bernardo Reyes, fizesse perdurar o sistema de poder despótico no país. Os trechos
abaixo, que encerram nossa proposta de análise sobre o livro, foram escritos pelo autor
como sendo o que a população mexicana queria falar para Don Porfirio, ou seja, o país
estava pacífico, bastava agora estar livre da situação de servidão frente ao governo,
<<Hasta ahora con el pretexto de dar estabilidad al gobierno, de
transformar el espíritu turbulento de los mexicanos, de sofocar las
ambiciones malsanas, te has puesto arriba de la ley y arriba de tus más
solemnes compromisos sosteniéndote en el poder que has usado
discrecionalmente,
<<Pues bien, tu obra está terminada: has logrado dar a tu Gobierno
una estabilidad hasta peligrosa por su duración; de turbulento ha
trasformado el espíritu de tus conciudadanos en servil; has terminado
con todas sus ambiciones no solamente malsanas, sino también con las
de más buena ley.
<<¿Cuál es el objeto que persigues ahora con empeñarte en seguir con
este régimen de Gobierno?
(…)
<<Mientras que si por la estéril vanidad de demostrar que tienes más
poder que el pueblo, te empeñas en prolongar esta era de despotismo y
si en vez de declararte el representante de mis más caros intereses te
obstinas en defender los del círculo que le rodea, entonces habrás
comprometido el éxito de tu obra, pues las aspiraciones nacionales,
encontrando obstruidos los canales por donde deben encauzarse, se
desbordarán y arrastrarán cuanto encuentren, y hasta tú mismo
tiembla, pues te declararé mal hijo, y tu nombre será inscripto en la
historia como el de un ambicioso y afortunado militar que con
inmensos elementos á su disposición, sólo supo ser un tirano vulgar
que nunca cumplió sus promesas más solemnes, que con su desprecio
á la ley le hijo perder todo su prestigio; que con su ambición personal
58
llevo á sus conciudadanos á la servidumbre y la República á la
decadencia.>>(MADERO, 2010 [1908], pp. 345-346).
Assim sendo, percebemos em Madero uma alusão à ideia hegeliana de História
universal como tribunal do mundo, pela qual, frente à História, Díaz poderia ser
redimido se respeitasse a Constituição45
. A duração do governo já causava preocupação
e o sistema de governo poderia pender a uma tirania vulgar46
. Deste modo, se não
houvesse mudanças, a memória a ser lembrada do presidente, seria a de um indivíduo
ambicioso, que perdera seu prestígio e guiara a República ao abismo e decadência.
Como percebemos, Don Francisco mesclou duas concepções de história. Uma
projetiva, como mencionado acima, alertando o presidente e o povo das futuras
consequências da duração do Porfiriato para o país, e a história exemplar. Para embasar
suas afirmações, Madero procurava os exemplos no passado. Fazia menção, por
exemplo, a Augusto que, suprimindo as liberdades dos cidadãos em Roma, levou aquele
grandioso império à decadência. Como alertou:
Hay que desengañarse, vamos por una pendiente fatal, y nosotros no
podremos sufrir tantos años de decadencia como resistió Roma,
porque aquella gran República tenía una vitalidad asombrosa, y había
conquistado á todo el mundo, así es que no existía ninguna Nación
que pudiera atacarla; mientras que nosotros, somos un pueblo débil,
que tenemos por vecino á un pueblo poderoso que bien puede desear
ensanchar sus fronteras, invocando algún pretexto como lo sería el de
regenerar á nuestro país. En este caso, nuestra resistencia sería muy
débil y la pérdida de nuestra independencia segura (MADERO, 2010
[1908], p. 277).
Desta forma, a criação de partidos políticos era necessária ao país. A população
precisava acordar daquela atmosfera que a cristalizou e a fez adormecer. Diferentemente
de Roma, o México, sob o Porfiriato, iria se esfacelar mais rápido, e o temor da perda de
soberania voltava à cena. O presidente estava longe de assemelhar-se ao dictador
romano que, em um estado de necessidade, emergia para gerar ordem e, em seis meses,
45
Conhecemos a ideia de História como tribunal do mundo principalmente pela sua difusão a partir das
obras de Georg W. F. Hegel em Linhas fundamentais da filosofia do Direito. Não podemos reduzir e
simplificar a discussão afirmando, por exemplo, que Hegel escreveu sobre determinado assunto e Reyes
empregou suas reflexões. Nem que este utilizou um autor especifico para refletir sobre seus
posicionamentos políticos. As apropriações precisam sempre ser matizadas. Achamos importante
mencionar a ideia de História como tribunal do mundo a partir, principalmente, das explicações de Hegel,
mas sendo necessário ressaltar que este foi leitor de muitos outros autores como, por exemplo, gregos e
romanos, possuindo influência destes pensadores. Não temos o intuito de afirmar que a ideia se originou
com o filósofo alemão, bem como que os mexicanos aqui analisados utilizavam, de forma simplista, estas
ideias e conceitos. Achamos importante fazer esta ressalva nesta parte da dissertação. 46
O conceito de tirania será discutido detalhadamente no segundo capítulo, por ter se tornado recorrente
nos autores analisados. Madero não chega a considerar Díaz um tirano, embora tivesse receio que isto
acontecesse.
59
deixava o poder. O despotismo de Don Porfirio, sua permanência duradoura na primeira
magistratura, dava indícios preocupantes de se transformar em uma tirania. Sendo
assim, o livro do coahuilense consistiu em um texto político que continha um programa
de oposição ao governo, valendo-se de episódios históricos como forma de justificar a
necessidade de mudanças no presente. Os exemplos advinham da Grécia e Roma
Antiga. Continuar com um sistema ditatorial no México, sob o porfirismo, faria com
que o país acabasse em decadência, como aconteceu com Roma frente à Augusto, por
exemplo. Madero valia-se de Tácito e outros escritores para embasar seus argumentos e
criticar o Porfiriato. Entretanto, como discutimos e ressaltamos, os conceitos de
pacificação, ordem e estabilidade, não deixaram de ganhar dimensão na obra, mesmo
Madero construindo uma crítica explícita e aberta à Díaz. O passado caótico ainda
marcava a escrita destes polígrafos.
60
CAPÍTULO 2- Viva la Revolución [?]: as interpretações sobre o
Porfiriato na primeira fase do movimento revolucionário de 1910
Estudando os modelos avaliativos sobre o regime governamental de Porfirio
Díaz, o capítulo dois centrar-se-á na construção interpretativa do Porfiriato durante o
processo revolucionário mexicano, principalmente em sua primeira fase. Inicialmente, é
importante salientar que não pretendemos afirmar ser a Revolução Mexicana um
processo histórico homogêneo e unitário, nem que os revolucionários possuíam um
mesmo e único objetivo.
Para tanto, baseamo-nos, parcialmente, na tipologia desenvolvida pelo
historiador Daniel Cosío Villegas, que intitulou de ―fase destrutora‖ os anos de 1910 a
1920, cujo principal objetivo era dissolver os pilares do Porfiriato, entendido na época
como Antigo Regime; instaurando assim uma nova sociedade, implantada pela
Revolução. (COSÍO VILLEGAS, 2000 [1970]).47
Tendo em vista tais aspectos, propomos pensar, portanto, a interpretação do
governo de Díaz, bem como a construção da própria imagem do presidente na obra de
três polígrafos que escreveram a partir da década de 1910 até 1920. Época em que o
discurso histórico era o da busca pelo ―verdadeiro México‖, o ―México profundo‖,
Porfirio Díaz emergiu como um presidente afrancesado, que privilegiou certos setores
nacionais, dando as costas ao povo mexicano, e mascarando a real condição da
população mexicana com o objetivo de mostrar um México moderno e civilizado. De
47
Utilizamos nesta dissertação a tipologia desenvolvida por Cosío Villegas sobre as fases do movimento
revolucionário mexicano. Entretanto, não podemos deixar de mencionar que a mesma, como um tipo
ideal, possui elementos que podem ser problematizados. Parece-nos que é uma periodização que faz crer
que a revolução foi melhorando o país ao longo dos anos, gerando ordem e progresso ao México.
Contudo, devemos destacar, por exemplo, que entre 1926 e 1929 uma rebelião, conhecida como Cristera,
assolou a nação durante o governo do presidente Plutarco Elias Calles. Por conseguinte, em 1968 houve o
Massacre de Tlatelolco e, em 1994, ocorreu em Chiapas um levante neozapatista. Não desenvolveremos
aqui tais conjunturas, uma vez que não é o objetivo da pesquisa; mas não podemos afirmar, portanto, que
a revolução foi um movimento que culminou na estabilização do país, pois as conturbações políticas,
econômicas e sociais continuaram a ocorrer. Entretanto, é significativo destacar que as explicações de
Cosío Villegas sobre o período entre 1910 e 1920 possuem elementos que iluminam questões de nossa
pesquisa. Como afirmou, vários intelectuais, polígrafos, indivíduos do estado, etc., estavam preocupados
em construir novas bases para o país, afastando-se e deslegitimando-se, assim, o Porfiriato.
Além disto, destacamos dois livros que abordam as várias interpretações sobre o processo revolucionário
mexicano. São eles: BARTRA, Armando; CÓRDOVA, Arnaldo; GILLY Adolfo et al. Interpretaciones
de la Revolución Mexicana. Cidade do México: editorial Nueva Imagen, 1980. Nesta obra, cujo prefacio
foi produzido por Héctor Aguilar Camín, estão compiladas cinco diferentes visões sobre o levantamento
mexicano, cada uma fundamentada em uma perspectiva teórica diferente. O outro livro é BARRÓN, Luis.
Historias de la Revolución Mexicana. Cidade do México: FCE, CIDE, 2004. Este recente trabalho, que
tem o prefácio escrito por Friedrich Katz, discute a historiografia que se constituiu sobre a Revolução
desde sua própria eclosão, em 1910, até os dias atuais.
61
modernizador do país, como foi interpretado nas obras de Bernardo Reyes (1902), Justo
Sierra (1900-1902) e outros escritores não discutidos nesta dissertação48
, Don Porfirio
passou a ser considerado um presidente arcaizante, que cada vez mais concentrou
poderes em suas mãos e marginalizou grande parte do setor populacional. Como
afirmou Paul Garner, ―los ejemplos más virulentos del ―antiporfirismo‖ en México se
encuentran en los años 1920.‖ (GARNER, 2003, p. 18). Segundo Arnaldo Córdova,
Los grupos que tomaron el poder durante la Revolución de 1910 a
1917 sostuvieron, naturalmente, y aún siguen sosteniendo que el
período nacido con la Revolución constituye una edad histórica en sí
misma, que ha transformado, cumplidamente, las aspiraciones que el
pueblo mexicano manifestó, primero, con la Guerra de Independencia,
después, con la Reforma, y por último, con la propia Revolución;
mientras que el porfirismo es juzgado no solo como una verdadera
―Edad Media‖ que niega nuestra historia, sino como la más grande
traición a su sentido y a su significado, a sus héroes y a sus
tradiciones, principalmente a aquellos que hicieron posible la gesta
liberal de mediados del siglo XIX. (CÓRDOVA, 1973, p. 15).
Deste modo, a partir da análise de dois polígrafos mexicanos e um periodista
norte-americano, a proposta é explicar acerca da criação de um novo discurso sobre o
Porfiriato, durante o processo revolucionário no país49
. Os escritores estudados serão,
portanto, John Kenneth Turner, periodista estadunidense que, em 1911, publicou em seu
48
Ver: REYES, Bernardo. El General Porfirio Díaz. Cidade do México: Editora Nacional, ed. 1960;
SIERRA, Justo.México: su evolución social. Cidade do México: La Casa de España en México, ed. 1940;
TWEEDIE, Alec. Mexico as I saw it. Michigan: Michigan University Library, ed. 2011. Ethel Brilliana
Alec-Tweedie foi uma viajante inglesa que em 1900 e, posteriormente, em 1904, visitou o México e
chegou a conhecer o presidente Díaz. Em 1901, escreveu México as I saw it e, em 1911, época do
movimento revolucionário, a viajante acrescentou um apêndice abordando a situação por que passava o
país. Ao falar da ascensão de Díaz como governante, em 1877, ela o interpretava como a figura do grande
herói que liderava a nação. Ao descrever seu governo, a viajante argumentou que, diante de um México
desorganizado, Porfirio Díaz precisava administrar com ―mãos de ferro‖ para gerar estabilidade a um país
devastado. Como percebemos também em outros autores que escreviam à época, a rigidez de um governo
era necessária para erguer um país dos escombros de uma guerra civil (para lembrar os dizeres de Justo
Sierra). Para Tweedie, o general combateu os bandidos, gerou estabilidade e paz ao México, além de
torná-lo moderno: ―thus he started a new rule and a new life for old Mexico, the birth – so to speak – of
Modern Mexico, of which he may well be proud‖ (2011 [1911], p. 134). Como a própria autora
argumentou, sob o governo do general o México se viu nascer moderno. A anarquia fazia parte do
passado. O futuro do México deveria ser glorioso devido à estabilidade e paz conquistadas pelo
presidente. Deste modo, em 1911, diante desse novo quadro interno (eclosão da Revolução Mexicana), a
viajante revisitou seu livro escrevendo Díaz, the maker of modern Mexico. Afirmava que era necessário,
frente a tantas críticas ao governo, que algum historiador e governante fizesse justiça, em estudo, ao
governo daquele que, para ela, continuou sendo o maior homem do século XIX. Sendo assim, como
percebemos, houve na época uma grande circularidade de informações no exterior sobre o que acontecia
no México e muitos escritores também produziam textos acerca do porfirismo. Sobre o assunto ver:
YEAGER, Gene. ―Porfirian Commercial Propaganda: Mexico in the World Industrial Expositions‖.
In: The Americas, vol. 34, N. 2, out. 1977, pp. 230-243. 49
É importante acrescentar neste capítulo a análise dos argumentos de John Kenneth Turner na obra
Barbarous Mexico (1911), uma vez que o periodista é considerado pela literatura revolucionária como um
dos marcos do antiporfirismo. Seu livro foi amplamente lido e o autor manteve contato com Francisco
Madero durante a eclosão da Revolução. Sobre o assunto, falaremos mais abaixo.
62
país um livro intitulado Barbarous Mexico. Luis Lara Pardo, autor de Porfirio Díaz à
Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, livro escrito em 1911 e publicado
em 1912 e El verdadero Díaz y la Revolución, obra lançada em 1920 por Francisco
Bulnes.
A escolha dos três escritores mencionados acima também se justifica pela
recorrência da menção de seus livros em trabalhos historiográficos atuais, além de
serem obras que tiveram grande circulação e repercussão nos países em que foram
escritos. O objetivo dos autores foi mostrar o que estava ocorrendo no México e o
porquê da eclosão de um movimento tão amplo, que foi a Revolução. Como
perceberemos ao final do texto, diante da eclosão do movimento de 1910, os escritores
passaram a disputar uma memória a ser deixada sobre o governo de Díaz: teria ele sido
um vilão ou herói do México?
Barbarous Mexico: o governo de Díaz e a paz alterada
É importante recapitular que, até a discussão deste momento do trabalho, os
autores que se detiveram em escrever sobre o Porfiriato referiram-se a uma comparação
entre a situação do México pós-1810 até 1876 e o país de Porfirio Díaz para legitimar a
presidência deste. O livro pensado neste tópico, de John Kenneth Turner, oferece-nos
uma proposta interpretativa diferente dos autores explicitados, contribuindo para a
criação de uma nova abordagem sobre o assunto que, posteriormente, será retomada por
outros escritores. Como argumentaram Aurora Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio
Trillo (2006), o livro do periodista norte-americano é considerado um dos marcos da
bibliografia ortodoxa conhecida como ―antiporfirista‖. Tal matriz avaliativa ganhou
ênfase principalmente durante o período da Revolução Mexicana, embora já possuísse
contornos durante a própria presidência de Don Porfirio50
.
Segundo Rosalía Velázquez Estrada (2000) e Antonio Campos Arias (2011),
Turner possuía uma tendência de esquerda, participando do Partido Socialista de seu
50
Como vimos no capítulo um, os próprios escritores que legitimavam o Porfiriato, como foi o caso de
Justo Sierra, faziam uma crítica sutil ao governo, principalmente em relação à falta de partidos políticos
no país. Deste modo, não podemos homogeneizar o argumento de que, durante o governo de Díaz, os
escritores apenas elogiavam o presidente, construindo um discurso laudatório.
63
país51
. O jornalista mantinha contato com um grupo de amigos, também socialistas e a
favor do magonismo52
. Eram eles: P. D. Noel, indivíduo que cedeu sua casa para as
reuniões a favor da libertação dos irmãos Flores Magón, presos nos EUA; John Murray,
proveniente de uma rica família norte-americana, que passou a lutar pela ―causa social‖;
Job Harriman, indivíduo vinculado ao Socialist Party, sendo, posteriormente (1910),
candidato à vice-presidência dos EUA pelo Social Democratic Party. E, por fim,
Elizabeth Trowbridge e Hattie Gutiérrez, esposa de Lázaro Gutiérrez de Lara53
.
Harriman e Trowbridge participavam da ―Liga Defensora de los Revolucionários
Mexicanos‖, criada por Eugene Debs, importante líder socialista da esquerda norte-
americana a favor dos críticos do governo de Díaz que foram perseguidos no vizinho do
norte e um dos fundadores do IWW54
. Era neste ambiente efervescente que Turner se
encontrava e produzia seus trabalhos (VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000). Como
mencionou esta historiadora,
El ambiente que los socialistas vivían en ese momento era de
entusiasmo y hasta podríamos decir que festivo ya que en sus
míties (sic) no faltaban las flores, la música y los coros de los
militantes, eran sus mejores años, vencían obstáculos en su
campaña para politizar la sociedad norteamericana hacia un
cambio que beneficiara las mayorías, tenían influencia política,
periódicos bien organizados y con grandes tirajes, mantuvieron
buenas relaciones con las organizaciones sindicales sobre todo
con la IWW, y su lucha a favor de la libertad de expresión fue
una consigna cotidiana. (VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000, p.
80).
Turner fez várias viagens ao México, tanto durante a administração porfirista,
quanto na época dos governos revolucionários, e escreveu sobre ambos os períodos
seguindo o estilo da crônica periodista55
. Além disto, suas obras se encaixavam em uma
51
Sobre as orientações políticas de Turner e sua filiação na esquerda norte-americana ver: VELÁZQUEZ
ESTRADA, Rosalía. John Kenneth Turner autor de México bárbaro. In: Fuentes Humanísticas, México,
v. 10, n. 20, 2000, pp. 77-99. 52
Magonismo ficou conhecido como um grupo, de tendência anarquista, encabeçado por Ricardo e
Enrique Flores Magón, de crítica ao Porfiriato. Os irmão Magón por muito tempo direcionaram suas
críticas desde os Estados Unidos, onde ficaram presos. 53
Jornalista mexicano que residiu nos Estados Unidos e manteve contato com Turner. Também direcionou
fortes críticas ao porfirismo e foi citado em Barbarous Mexico como o indivíduo que ajudou o escritor a
ingressar no país e denunciar aquela realidade. 54
IWW é a sigla do Industrial Workers of the World, sindicato internacional com origem nos Estados
Unidos que teve seu auge em 1905. Possuía tendência sindical. 55
Segundo Campos Arias, a crônica periodista consiste em um estilo de escrita que mistura a notícia de
um determinado acontecimento com uma apreciação pessoal do jornalista, enriquecendo assim o evento
abordado. Ao mesmo tempo que a crônica informa, ela também narra algo, tendo que ter o escritor um
64
literatura de testemunho (até mesmo por causa de seu estilo jornalístico). O valor
testemunhal dos seus escritos formava uma opinião no leitor, produzindo um efeito de
crença naquela situação descrita56
. Era um ―muckraker‖, periodista cujo objetivo era
denunciar políticos e empresários corruptos, além da tentativa de mobilizar a sociedade
civil frente aos problemas que estavam acontecendo em seu e em outros países
(VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000, p. 79).
A primeira viagem do jornalista foi financiada pela própria Trowbridge, quem
também custeou, meses antes, uma viagem de Murray ao México. Muitas de suas
produções foram publicadas no The American Magazine, periódico de cunho
investigativo, Pacific Monthly e Appeal to Reason, principal órgão difusor do Partido
Socialista57
. Ademais, entrou em contato direto com Ricardo Flores Magón, Antonio
Villarreal, Librado Rivera e Manuel Sarabia, líderes do PLM, quando os entrevistou em
1908 para o jornal Record.
É importante mencionar a tese de David Brading (1980) acerca do que
intitulou ―tradição populista‖ de escritores norte-americanos. Para o historiador, Turner
pode ser inserido na vertente crítica que se atentou para a exploração dos mexicanos nas
grandes fazendas do país, ou seja, como as massas trabalhadoras do campo estavam
submetidas a uma situação de escravidão. Nesta mesma linha de tradição, que deu
importância à questão agrária, estava John Reed, jornalista norte-americano de
tendência esquerda que, em 1914, escreveu Insurgent México, livro que explicava o
movimento revolucionário do país vizinho. Ademais, o grande nome desta tradição,
segundo o historiador, foi Frank Tannembaum, autor que muito se valeu das obras de
Luis Wistano Orozco (Legislación y jurisprudencia sobre terrenos baldíos, 1895)
acerca do monopólio das grandes fazendas e da relação entre proprietários e peões, bem
como da obra de Andrés Molina Enríquez (Los grandes problemas nacionales, 1909),
quem se atentou para a questão agrária e latifundiária de seu país. Tannembaum
preocupou-se com a questão agrária e viu, na figura de Emiliano Zapata, um ícone
revolucionário. Segundo Brading, este autor foi importante na criação da ideia de uma
conhecimento profundo sobre o tema. Esse estilo jornalístico tem o objetivo de formar uma opinião em
seus leitores. (CAMPOS ARIAS, 2011, pp. 36-37). 56
Embora François Hartog atente-se em sua obra ―O Espelho de Heródoto: ensaio sobre a interpretação
do outro‖ sobre a obra de Heródoto, no século V a.C., refletindo, principalmente, sobre o mundo grego,
suas considerações teóricas sobre o valor testemunhal são importantes para nós. Sobre isto ver:
HARTOG, François. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a interpretação do outro. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1999. Sobre o assunto falaremos mais abaixo. 57
O Appeal to Reason foi um importante periódico de tendência socialista. Nele, publicavam importantes
escritores da esquerda norte-americana, como o próprio Debs, mencionado acima.
65
revolução popular de massa anônima, ou seja, que não possuía uma liderança
intelectual. Como escreveu: ―La Revolución Mexicana fue anónima. Esencialmente fue
obra de la gente común. Ningún partido organizado presidió su nacimiento. No hubo
grandes intelectuales que redactaran su programa, que formularan su doctrina, que
trazaran sus objetivos. (TANNEMBAUM apud BRADING, 1995, p. 23- trecho retirado
de Peace by Revolution). Por conseguinte, para Luis Barrón (ed. 2004), Turner está
inserido em um grupo de escritores que entendia a revolução a partir de uma
interpretação monolítica e unitária.
Não podemos deixar de destacar que, em 1911, Barbarous Mexico foi publicado
na forma de livro em Chicago e Londres, possuindo uma versão em espanhol apenas no
ano de 1955. A partir desta data, a obra foi resgatada, tornando-se um clássico da
historiografia revolucionária. (CAMPOS ARIAS, 2011, pp. 8-10). Na década de 1960,
tornou-se leitura obrigatória nos cursos de História do México. (VELÁZQUEZ
ESTRADA, 2000, p. 78). Entretanto, o livro já fazia sucesso no próprio Estados Unidos,
vendendo um milhão de exemplares e sendo, segundo Lomnitz (2009, s/p.), comparado
com o sucesso de vendas de Uncle Tom‟s Cabin, da escritora estadunidense Harriet
Beecher Stowe58
.
Turner iniciou o livro de 1911 explicando qual era seu objetivo. O autor deixou
claro que, abaixo do Rio Grande, eclodiu um movimento contra o presidente da
República e seu receio era que o governo estadunidense pudesse intervir na situação,
corroborando com o Porfiriato e agindo contra tal movimento. O público-alvo de seu
trabalho, portanto, era a sociedade civil norte-americana que, informada sobre as ―reais‖
condições por que passava o México, deveria pressionar o governo estadunidense para
que uma medida a favor de Díaz não fosse adotada.
O escopo do livro foi mostrar qual era o ―verdadeiro‖ México existente durante
os anos de 1876 a 1911. Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, Luis Wistano
Orozco, Andrés Molina Enríquez e John Turner ―marcan y deciden el inicio y futuro de
la historiografía del autoritarismo porfiriano (…).‖ (2006, p. 49). Tais autores foram
retomados e discutidos por escritores de gerações revolucionárias posteriores. O
governo das leis sob o Porfiriato era, para Turner, uma mentira, falsidade, além da
58
Não possuímos o artigo, mas Eugenia Meyer desenvolveu o assunto em seu trabalho. Ver: MEYER,
Eugenia. John Kenneth Turner, periodista de México. Cidade do México: Era, 2005.
66
Constituição liberal, promulgada em 1857, não ser cumprida pelo presidente. Como
indagou logo no início da obra:
What is Mexico?
Americans commonly characterize Mexico as "Our Sister Republic."
Most of us picture her vaguely as a republic in reality much like our
own, inhabited by people a little different in temperament, a little
poorer and a little less advanced, but still enjoying the protection of
republican laws—a free people in the sense that we are free.
Others of us, who have seen the country through a car window, or
speculated a little in Mexican mines or Mexican plantations, paint that
country beyond the Rio Grande as a benevolent paternalism in which
a great and good man orders all things well for his foolish but adoring
people.
I found Mexico to be neither of these things. The real Mexico I found
to be a country with a written constitution and written laws in general
almost as fair and democratic as our own, but with neither constitution
nor laws in operation. Mexico is a country without political freedom,
without freedom of speech, without a free press, without a free ballot,
without a jury system, without political parties, without any of our
cherished guarantees of life, liberty and the pursuit of happiness.
(TURNER, 1911, p. 09).
Como percebemos a partir do exemplo desta citação, em todo o livro Turner
tensionou a noção de um ―México real‖ e um ―México aparente‖, este sendo o que Díaz
e seu ―sistema‖, ou seja, seus partidários, desejavam mostrar ao mundo. Para o escritor,
qual era o verdadeiro país sob o governo do general? Segundo o periodista, uma
administração que possuía uma retórica legalista, que seguia uma constituição liberal,
mas, que de fato, não se cumpria. Aos viajantes que passeavam nos pomposos trens
construídos durante o governo de Don Porfirio e voltavam aos Estados Unidos
encantados com o que apreciaram, acreditando existir naquele país um bom governante,
um pater patriae, que queria proteger e cuidar de sua nação, colocando-se à frente dela
para abrigá-la em qualquer momento, Turner defendia que o que existia no país era
uma alta supressão de direitos individuais do povo mexicano, a falta de partidos
políticos atuantes no cenário público, alto controle da imprensa e, o que foi um dos
argumentos principais da obra: de que no México existia escravidão. Como afirmou
Campos Arias,
Esta obra [Barbarous Mexico] contribuyó globalmente en la
construcción posterior que esa visión monolítica hizo de la revolución,
particularmente en lo relativo a la leyenda negra del sistema porfirista,
frente al cual se habría levantado esa poderosa, épica y unitaria fuerza
revolucionaria. Por ello, su obra ha sido utilizada por interpretaciones
que han querido privilegiar en la lectura de la revolución la idea de
una profunda transformación, de cambios significativos más que de
67
continuidades, respecto de la etapa previa y por quienes se han
vinculado, desde perspectivas diversas, tanto a la conmemoración del
proceso revolucionario, como a exaltar su significación para la historia
de México. (CAMPOS ARIAS, 2011, p. 22),
Até o capítulo cinco do livro, Turner argumentou que, durante o Porfiriato,
existiu escravidão no México59
. O enfoque do autor, ao falar dos estados que possuíam
alta porcentagem de escravos no país, foi Yucatán e o Valle Nacional60
. Ele defendia
com autoridade tal afirmação justamente por ter viajado ao país e, lá, visto e ouvido
acerca deste modo de trabalho. Ou seja, o ver e ouvir algo produzem em Turner, como
em qualquer relato de viagem, um ―efeito de crença.‖ (Hartog, 1999, p. 274).
Entendidos como marcas de enunciação, embora não sejam as únicas do texto de
Turner, o ―ver‖, ―ouvir‖, ―dizer sobre o que eu vi e ouvi‖ e ―escrever‖ sobre isto,
produzem um impacto no destinatário da obra, fazendo-o crer no que se conta.
(HARTOG, 1999, p. 297). Para o periodista, ―every essential fact which I put down here
in regard to the slavery of Mexico I saw with my own eyes or heard with my own ears,
and heard usually from those individuals who would be most likely to minimize their
cruelties - the slave-drivers themselves‖ (TURNER, 1911, p. 12)61
.
É importante salientar que, além de Turner ter testemunhado acerca da
escravidão mexicana, os seis primeiros capítulos, nos quais ele discorreu sobre como
funcionava este sistema e como era a situação dos peões das cidades, são todos
compostos por diálogos. Isto gerou cada vez mais um efeito de verdade e crença sobre o
que o autor quis defender – outra forma de marca de enunciação. Os demais capítulos
não tiveram a mesma estrutura e as fontes utilizadas pelo periodista foram justamente as
notícias de jornais tanto do México, quanto do próprio Estados Unidos. O interessante é
59
Em 1909 Turner publicou uma série de artigos no periódico norte-americano The American Magazine,
cujo assunto seria a existência de escravidão em alguns países do México porfirista. Em 1911 ele uniu
estes artigos que se tornaram os cinco primeiros capítulos de seu livro, publicado em abril deste mesmo
ano, sob o título de Barbarous Mexico. Segundo Campos Arias, a referida revista começou suas
publicações no ano de 1906, com o objetivo de ―desenvolver um periodismo de investigação.‖ (CAMPOS
ARIAS, 2011, p. 35). Ademais, já em 1909, possuía uma tiragem de 300 mil exemplares mensais, ou seja,
havendo um grande público leitor. 60
Escravidão para Turner seria a propriedade que um indivíduo teria sobre outro, sendo até possível ele
ser transferido a terceiros. Além disto, acrescentou, ―Slavery is the ownership of the body of a man, an
ownership so absolute that the body can be transferred to another, an ownership that gives to the owner a
right to take the products of that body, to starve it, to chastise it at will, to kill it with impunity. Such is
slavery in the extreme sense. Such is slavery as I found it in Yucatan.‖ (TURNER, 1910, p. 16). 61
Novamente reiteramos: não podemos deixar de destacar que o livro de François Hartog se refere aos
trabalhos de Heródoto e, não sobre o século XIX. Entretanto, algumas discussões feitas no livro nos
ajudam a pensar a obra de Turner, principalmente quando este funda sua autoridade em um ―eu vi‖ como
funcionava o sistema de escravidão no México de Porfirio Díaz. As discussões colocadas por Hartog nos
ajudaram a refletir sobre muitos aspectos da construção narrativa da obra do periodista norte-americano,
mas é importante, como foi explicado, destacar que não é um livro que analise propriamente o oitocentos.
68
que a todo momento ele foi pedindo para que as pessoas, ao lerem sua obra, refletissem,
imaginassem o que era descrito, e tomassem uma atitude perante a situação por que
passava o país. Acreditamos ser também devido a estes fatores de disposição e
argumentação textual que Barbarous Mexico possuiu, à época, grande repercussão nos
Estados Unidos.
A interpretação que Turner foi construindo do México porfirista é estabelecida
em comparação com os Estados Unidos. Na passagem a seguir vemos como a situação
destes ―escravos‖ anacrônicos mexicanos é comparada com os trabalhadores norte-
americanos, tanto coetâneos à época do livro, 1910, quanto com os ―escravos‖ que
existiam na parte sul do vizinho do norte, antes da Guerra Civil norte-americana (1861-
1865). Citamos,
The Yucatan slave gets no hour for lunch, as does the American ranch
hand. He goes to the field in the morning twilight, eating his lump of
sour dough on the way. He picks up his machete and attacks the first
thorny leaf as soon as it is light enough to see the thorns
and he never lays down that machete until the twilight of the evening.
(…)
Over and over again I have compared in my mind the condition of the
slaves of Yucatan with what I have read of the slaves of our southern
states before the Civil War. And always the result has been in favor of
the black man. Our slaves of the South were almost always well fed,
as a rule they were not overworked, on many plantations they were
rarely beaten, it was usual to give them a little spending money now
and then and to allow them to leave the plantation at least once a
week. (TURNER, 1911, p. 35).
A obra de Turner, portanto, fez analogias e paralelos entre o México e os
Estados Unidos. A comparação entre os dois países tornava-se um elemento heurístico
para se entender a situação mexicana, além de tornar os fatos inteligíveis aos próprios
norte-americanos. Além disto, a obra do periodista não possuía o objetivo de ter um
rigor acadêmico. Por conseguinte, o contraste entre EUA versus México e a
simplificação do governo porfirista possuíam o intuito de comover o público leitor
(CAMPOS ARIAS, 2011).
É importante destacar, questão que será desenvolvida mais abaixo, que Turner
não se referiu, ao escrever sobre o Porfiriato, aos conflitos civis por que atravessou o
país até 1876 (explicados no capítulo um). Tal assunto, que foi abordado pelos outros
autores até aqui estudados, não possui relevância na obra do periodista. Turner pensou o
Porfiriato a partir do próprio governo do presidente, sem comparações com outros
períodos mexicanos; e a base para finalizar suas conclusões foram justamente essas
69
analogias com o vizinho do norte, mencionadas acima. Para o periodista, frente a um
país federalista, com uma constituição de fato vigente, liberdade individual, etc.
(características políticas dos Estados Unidos), o México emergia como a antítese destes
elementos.
O foco do tópico não é analisar a construção da interpretação dos mexicanos que
trabalhavam nas grandes fazendas do país. O importante é destacar que, para o autor, o
governo do México tinha participação no trato de escravos, sendo o culpado da situação
em que eram submetidos os trabalhadores. Uma questão social sobressaía-se na obra:
não havia um desenvolvimento do povo no México porfirista. Até mesmo uma situação
escravista ocorria no país, sob os olhos do próprio governante. Como escreveu, esta
instituição ―bárbara‖ que era a escravidão, algo que na Constituição era ilegal, existia no
México e era sustentada pelo Porfiriato. Segundo o periodista, ―I trust that my
exposition of the previous chapters has been lucid enough to leave no question as to the
complete partnership of the government in the slavery.‖ (1911, p. 109- Grifo nosso).
Como explicou Campos Arias,
En profundo contraste, Turner encuentra en México aún la presencia
de la barbarie, representada para él tanto por el sistema político
autoritario de Díaz, como por el sistema de explotación del trabajo
esclavo en las haciendas, que fueron la base de la crítica de su
Barbarous Mexico. En el primero, el sistema político, están por
completo ausentes la democracia y el conjunto de libertades
correspondientes a un sistema moderno y avanzado. En el relativo al
segundo, el sistema de explotación del trabajo, el avance de la
industrialización es muy incipiente, no se ha podido desarrollar a
plenitud, y se mantiene una forma de producción que en realidad
corresponde a una época anterior, la de un pasado que al periodista le
sorprende que aún subsista al otro lado de la frontera sur de los
Estados Unidos. Ese México bárbaro es el que hay que desaparecer
para volver posible una transformación que ponga a este país en una
ruta de evolución más acorde con los tiempos que corren en el mundo
más desarrollado, tanto en Europa como en Estados Unidos.
(CAMPOS ARIAS, 2011, p. 91- Grifo no original).
Após explicar a situação interna mexicana, percebemos que Turner não
acreditava ser o México um país nos moldes democráticos, moderno e civilizado, havia
resquícios de passado (como desenvolveremos abaixo). Para o autor, a culpa dessa
situação era do presidente Díaz e seus partidários governamentais. Sob tal governo, o
país via a prostração da população. Nas palavras do autor, nem em tempos da conquista
70
espanhola os peões e os escravos eram ―destruídos‖ e ―reduzidos a pedaços‖ como
durante o Porfiriato62
.
Como leremos na citação abaixo, a analogia histórica feita pelo norte-
americano para construir essa imagem de um presidente forte e central, mas nada
bondoso – como ocorria erroneamente no imaginário dos estrangeiros que visitavam o
México –, que possuía todo o poder em suas mãos – embora Turner acreditasse que ele
necessitava dos indivíduos que o cercavam para ter força no poder –, foi com Luis XIV:
a imagem do poder absoluto. Citamos,
It was at this juncture [o da consolidação do setor liberal en época da
República Restaurada] that General Porfirio Diaz, without any valid
excuse and apparently for no other reason than personal ambition,
stirred up a series of revolutions which finally ended in his capture of
the governmental powers of the land. While professing to respect the
progressive institutions which Juarez and Lerdo had established before
him, he built up a system all his own, a system in which he personally
was the central and all-controlling figure, in which his individual
caprice was the constitution and the law, in which all circumstances
and all men, big and little, were bent or broken at his will. Like Louis
XIV, The State - Porfirio Diaz was The State! (TURNER, 1911, p.
121).
Tendo em vista tais aspectos, para Turner, em 1876 emergiu um governo
pautado pela ambição pessoal de um indivíduo que, segundo o escritor, tornou-se a
corporificação do México, concentrando todos os poderes governamentais em suas
mãos. Enquanto Benito Juárez e Sebastián Lerdo de Tejada foram vistos como
governantes que respeitaram, de fato, a Constituição liberal de 1857, o governo de Díaz
foi visto como uma dissimulação, sendo apenas democrático e liberal retoricamente, e
não cumprindo, de fato, tais preceitos políticos. Como veremos no próximo tópico, Luis
Lara Pardo também mobilizou argumentos semelhantes em seu livro.
Deste modo, Turner, para interpretar o Porfiriato, valia-se de analogias
históricas. O autor se amparava em experiências e tornava vivos elementos e
conjunturas que o ajudavam a explicar aquela situação mexicana. A remissão era à
época da colonização espanhola que, durante trezentos anos, assolara o vice-reinado da
Nova Espanha, constituindo-se em um governo opressor. Além disto, o México era
administrado por um ditador que, como Luis XIV, concentrou todos os poderes em suas
62
Citamos: ―I do not wish to be unfair to General Diaz in the least degree. The Spanish Dons made slaves
and peons of the Mexican people. Yet never did they grind the people as they are ground today. In
Spanish times the peon at least had his own little patch of ground, his own humble shelter; today he has
nothing.‖ (TURNER, 1910, p. 120).
71
mãos, tornando-se a personificação do país, o Estado. Para completar sua interpretação,
a população era sintetizada na figura do escravo, uma condição de vida anacrônica nos
oitocentos. Como afirmou, vinculando todos estes elementos, as circunstâncias
beiravam o insuportável. A nação não mais aguentava esta atmosfera. O passado vinha à
tona, estava vivo na forma de resquícios, e preocupava o futuro do país. Onde o México
chegaria?
Uma das chaves mais importantes do livro, para sustentarmos nosso argumento,
foi quando Turner defendeu que havia, anteriormente ao governo de Díaz, paz no
México. Segundo o autor, não foi o presidente quem a consolidou – como afirmavam
vários escritores –, mas sim a desestabilizou, fazendo-a alterar durante seus mandatos.
Escreveu: ―the apparent quiescence of Mexico is entirely forced by means of club,
pistol and knife.‖ (TURNER, 1911, p. 162- Grifo nosso). Em comparação com os
polígrafos analisados, o periodista explicou que durante o governo de Benito Juárez, a
partir de 1867, este já promovera no país, em sua relação com o mundo, um ambiente
pacífico.
Such was Mexico forty years ago [republicano e constitucional]. Forty
years ago Mexico was at peace with the world. She had just
overthrown, after a heroic war, the foreign prince, Maximilian, who
had been seated as emperor by the armies of Napoleon Third of
France. Her president, Benito Juarez, is today recognized in Mexico
and out of Mexico as one of the most able as well as unselfish patriots
of Mexican history. Never since Cortez fired his ships there on the
gulf coast had Mexico enjoyed such prospects of political freedom,
industrial prosperity and general advancement.
But in spite of these facts and the additional fact that he was deeply
indebted to Juarez, all his military promotions having been received at
the hands of the latter. General Porfirio Diaz stirred up a series of
rebellions for the purpose of securing for himself the supreme power
of the land. Diaz not only led one armed rebellion against a peaceable,
constitutional and popularly approved government, but he led three of
them. For nine years he plotted as a common rebel. The support that
he received came chiefly from bandits, criminals and professional
soldiers who were disgruntled at the anti-militarist policy which
Juarez had inaugurated and which, if he could have carried it out a
little farther, would have been effective in preventing military
revolutions in the future - and from the Catholic church. (TURNER,
1911, p. 123).
As guerras civis, tanto anteriores ao governo do zapoteca, quanto a partir da
República Restaurada, não foram mencionadas no livro. O passado exposto pelo
periodista referiu-se à época da intervenção francesa em solo mexicano, o ―Segundo
Império‖, derrotado por Don Benito em 1867. O problema esboçado pelos mexicanos,
72
de um passado pós-independente caótico, cindido por guerras intestinas, em que o povo
possuía um espírito turbulento, não ganharam dimensão em seu livro.
Além disto, a população não desejava Díaz na presidência da República. Para
Turner, o general ascendeu à magistratura do país por meio da revolução que iniciara
contra Lerdo e, apoiado em armas, não no povo, tornou-se presidente. Assim,
permanecera no cargo contra a vontade da nação. E, completou: ―since no man can rule
an unwilling people without taking away the liberties of that people, it can be very
easily understood what sort of regime General Diaz found it necessary to establish in
order to make his power secure.‖ (TURNER, 1911, p. 124).
O conceito de ―povo‖ é importante no livro do periodista, como será para os
polígrafos analisados abaixo: Lara Pardo e Francisco Bulnes. Ao estudarmos sua obra, e
outros escritos do autor (como o fez Campos Arias em sua tese de doutorado),
percebemos que o conceito significou a vontade geral da população, que possuía a
legitimidade para se expressar ou decidir sobre as questões de seu país. Ademais, essa
ideia tinha uma conotação liberal, remetendo-se a uma noção incluinte, ou seja,
significando o conjunto das aspirações de uma coletividade (CAMPOS ARIAS, 2011,
p. 161).
Para Turner, portanto, quem sofreu as consequências de uma ambição pessoal
por poder foi o ―povo mexicano‖, sujeito à condição de escravidão. O autor escreveu
que não havia liberdades políticas no México, não existiam partidos atuantes no cenário
público e parte da população estava escravizada por grandes fazendeiros. A situação dos
peões das cidades e localidades rurais assemelhava-se ―the serfdom of Europe in the
Middle Ages.‖ (TURNER, 1911, p. 110). Ou seja, os eventos passados, mobilizados na
obra, mostravam um México retrógrado, atrasado e feudal. Politicamente, o país vivia
sob uma ditadura opressora. Não havia progresso e modernidade. Somado a estes
aspectos, o governo possuía o interesse de enriquecer as classes privilegiadas. Sob o
porfirismo, os mexicanos haviam perdido seu valor moral. Escreveu o periodista,
In other words, General Diaz, with a skill that none can deny, annexed
to himself all the elements of power in the country except the nation at
large. On the one hand, he had a military dictatorship. On the other, he
had a financial camarilla. Himself was the center of the arch and he
was compelled to pay the price. The price was the nation at large. He
created a machine and oiled the machine with the flesh and blood of a
people. He rewarded all except the people; the people were the
sacrifice. Inevitable as the blackness of night, in contrast to the sun-
glory of the dictator, came the degradation of the people—the slavery,
the peonage and every misery that walks with poverty, the abolition of
democracy and the personal security that breeds providence, self-
73
respect and worthy ambition; in a word, general demoralization,
depravity. (TURNER, 1911, pp. 124-125).
Sendo assim, para Turner, o México de Porfirio Díaz não era moderno e, não
foi o presidente o indivíduo que estabeleceu a paz no país, mas sim a abalou,
estremeceu. Existia um governo ditatorial, alimentado pelo sangue do povo –oprimido e
escravizado. As consequências eram funestas: a inexistência de uma democracia e a
desmoralização de um país. Temia-se pelo o que poderia acontecer no futuro. No livro,
o periodista criticou quem afirmava ser o presidente o pacificador do México, que sob
seu governo não existiam ―levantamentos revoltosos‖. É importante explicar que,
embora muitos escritores mexicanos se preocupassem em descrever o país pré-Díaz
como caótico, marcado por guerras civis e intervenções estrangeiras, Turner afirmava
que foi Don Porfirio quem desestabilizou a paz, desde a época em que começou a entrar
em conflito com o governo juarista. Era um ―sacrilégio‖ afirmar que Díaz foi o
promotor da paz no país. Citamos,
''Diaz, the peace-maker, the greatest peace-maker alive, greater than
Roosevelt!" chanted an American politician in a banquet at the
Mexican capital recently. And the chant was only an echo of louder
voices. I remember seeing, not long ago, a news item stating that the
American Peace Society had made Porfirio Diaz an honorary vice-
president, in consideration of his having brought peace to Mexico. The
theory seems to be that since the history of Mexico before Diaz was
full of wars and violent changes in the government and the history of
Mexico under Diaz has been without violent upheavals of far-reaching
effect, Diaz must necessarily be a humane, Christ-like creature who
shrinks at the mention of bloodshed and whose example of loving
kindness is so compelling that none of his subjects have the heart to
do anything but emulate him. (TURNER, 1911, p. 304).
Retomando a citação, Turner criticou, como explicado em parágrafo anterior,
quem afirmava ser o presidente o ―grande pacificador‖, o homem que gerou a harmonia,
tranquilidade e equilíbrio que o México sempre necessitou para sair da atmosfera
anárquica de tempos anteriores. Novamente o escritor se valia de paralelos históricos.
Para ele, os argumentos e discursos laudatórios possuíam tantos ecos e força, que o
presidente assemelhava-se quase a Cristo, ou seja, um indivíduo sempre justo, com um
caráter de prontidão, compaixão e zelo para com seus concidadãos, um Deus encarnado.
Ademais, era visto (erroneamente) como um presidente bondoso e, acima de tudo, que
possuía a sinceridade e o caráter humanitário. Por detrás destes discursos impensados
(ou muitas vezes mal informados), Turner enxergava um país marcado pela prostração
social e ambição política do primeiro magistrado.
74
No último capítulo do livro, intitulado ―The mexican people‖, o periodista
encerrou seus argumentos explicando sobre a situação da população mexicana sob o
governo de Díaz. Diante da concepção de progresso das civilizações, afirmava que o
México estava ―muito atrás dos Estados Unidos‖, mas era necessário entender esta
situação devido aos fatos históricos por que passou o país63
. Ao pensar a respeito do
povo, Turner não acreditava em uma inferioridade etnológica dos mexicanos, ou seja,
seu caráter não era inferior ao de outros povos. Se diante do progresso norte-americano
o território abaixo do Rio Grande era atrasado, quase feudal, tal situação era agravada
por três motivos:
Assuredly Mexico is behind us in the march of progress, behind us in
the conquests of democracy. But, in considering her, be just and
consider what the luck of history gave us in comparison to what it
gave the Mexican. We were lucky enough not to have the rule of
Spain imposed upon us for 300 years. We were lucky enough to
escape the clutch of the Catholic church at our throats in our infancy.
Finally, we were lucky enough not to be caught in our weakness at the
end of a foreign war, caught by one of our own generals, who, in the
guise of president of our republic, quietly and cunningly, with the
cunning of a genius and the remorselessness of an assassin, built up a
repressive machine such as no modern nation has ever been called
upon to break. We were lucky enough to escape the reign of Porfirio
Diaz. (TURNER, 1911, p. 338).
Como vimos no trecho acima, os motivos do atraso mexicano possuíam uma
base histórica (e não etnológica, como mencionado acima): trezentos anos de
colonização espanhola somados à atuação da Igreja Católica corroboraram para
atrapalhar a marcha de progresso do país. Sendo assim, a História explicava e dava
sentido aos acontecimentos do presente. Ademais, Turner indicava o grande agravante
da situação: o Porfiriato. Possuindo uma roupagem de governo republicano, este, na
verdade, era uma ―máquina repressiva‖ comandada pela ―falta de escrúpulos de um
assassino‖. Máquina esta, como escreveu o autor, lubrificada com o sangue e carne do
povo. O argumento de que o povo mexicano não era apto para a democracia não era
legítimo para o escritor, pois os cidadãos possuíam a necessidade, e eram capazes, de
aprender com a experiência. Era necessário implantar o sistema democrático no país,
para que assim, a coletividade aprendesse a viver sob esta forma governamental.
63
É relevante mencionar que a ideia de ―civilização‖ e ―progresso das civilizações‖ tornaram-se conceito e
expressão, respectivamente, de ordem no século XIX (den Boer, 2007, p. 105). O termo era objeto de
avaliação, mensuração, entre os intelectuais, existindo diferentes graus entre as nações do mundo. Sobre a
história do conceito ver: DEN BOER, PIM. Civilização: comparando conceitos e identidades. In: FERES
JUNIOR, João; JASMIN, Marcelo. ―História dos Conceitos: diálogos transatlânticos.‖ Rio de Janeiro: Ed.
PUC-Rio/Ed. Loyola: IUPERJ, 2007.
75
Deste modo, o periodista defendia uma república democrática, na qual o povo
tivesse liberdade política – valores norte-americanos que Turner possuía e defendia em
seu horizonte64
. Ao se deparar com a eclosão da Revolução Mexicana, Turner entendia
o movimento como uma união das massas para derrubar o governo ditatorial. A
coletividade deveria ser o agente de mudança no país. Para ele, o levantamento era
necessário e legítimo; o evento acabaria com o Antigo Regime e, assim, instauraria uma
nova sociedade, baseada na liberdade política e democracia. (CAMPOS ARIAS, 2011).
Ao se deslegitimar o Porfiriato, legitimava-se a revolução. Esta era vista como a solução
imediata para mudar as bases do país em um futuro próximo: ―under the present
barbarous government there is no hope for reform in Mexico except through armed
revolution. Armed revolution on the part of the decent and most progressive element is
strong probability of the early future.‖ (TURNER, 1911, p. 340).
Turner e a crítica ao governo norte-americano
Como mencionado, o livro de Turner não dialogou diretamente com os
mexicanos e a situação do país. O objetivo foi informar a população civil norte-
americana da opressão por que passava a nação abaixo do Rio Grande. Além disto, o
periodista queria deixar clara a participação do governo estadunidense nesta situação,
uma vez que, para ele, os EUA corroboravam com o Porfiriato e contra o movimento
armado de 1910. Ao mesmo tempo em que o livro fez uma crítica ao governo mexicano,
não podemos deixar de abordar a censura feita por Turner ao seu próprio país de
origem, criticando sua postura intervencionista. Citamos,
Again I come back to the question: What is the source of that
"influence upon journalism?" Why do citizens of the United States,
who profess a reverence for the principles for which their forefathers
of ‘76 fought, who claim to revere Abraham Lincoln most of all for
64
Como sabemos, a ideia de democracia possuiu variações ao longo dos anos e países. Contudo, não
podemos deixar de mencionar uma discussão específica sobre a Democracia nos EUA que estava
ocorrendo à época. A partir de 1890 começou a se desenvolver uma forte industrialização, crescimento
econômico acelerado e marcante divisão de classes nos EUA, que se tornava cada vez mais profunda: as
diferenças entre as classes média e baixa ganhavam força (WIEBE, ed. 1996). A prosperidade financeira
dos grandes empresários não foi dividida com os trabalhadores, e as divisões ideológicas (brancos x
negros; nativos x imigrantes; homens x mulheres) eram candentes, desencadeando movimentos sociais no
país (FERNANDES; MORAIS, 2010). Entre 1900 e 1920, período conhecido por ―era Progressista norte-
americana‖, várias críticas foram direcionadas às desigualdades e pobrezas advindas do crescimento
econômico, principalmente aos empresários e capitalistas monopolistas. O setor socialista defendia a
democracia social (PURDY, 2010). Foi em meio a esta efervescência política, marcada pela defesa de
liberdade e exercício dos direitos dos cidadãos, que Turner refletia sobre a questão mexicana, propondo o
desenvolvimento democrático naquele país.
76
his Emancipation Proclamation, who shudder at the labor-baiting of
the Congo, at the horrors of Russia's Siberia, at the political system of
Czar Nicholas, apologize for and defend a more cruel slavery, a worse
political oppression, a more complete and terrible despotism - in
Mexico? (TURNER, 1911, p. 248).
A partir da citação, percebemos que Turner fez alusão ao presidente que
governou os Estados Unidos à época da Guerra Civil e ficou conhecido como o ―Grande
Emancipador‖, Abraham Lincoln. Além da referência ao presidente da época da Guerra
Civil e da libertação dos escravos, o periodista também mencionou: o problema dos
braceiros do Congo, região que, no século XIX, ficou sob domínio do rei Leopoldo II,
da Bélgica; a colonização russa na Sibéria que, nos oitocentos, tornou-se um lugar de
deportação de exilados políticos; e mencionou também, o governo do imperador russo
Nicolau II. Estes exemplos demonstravam a crítica feita pelo escritor às formas de
imperialismo e modelos governamentais que não prezavam pela liberdade de sua
população.
A crítica, portanto, que Turner fazia aos Estados Unidos, era justamente à
atitude do governo, dos periodistas que elogiavam o Porfiriato e dos grandes
fazendeiros que possuíam negócios abaixo do Rio Grande, de aceitarem a situação por
que passava o México. O objetivo do escritor era fazer com que a população civil
estadunidense percebesse este apoio e também criticasse, impedisse, que o governo
americano interviesse contra a Revolução Mexicana. Como explicou Campos Arias, as
ideias de Turner perpassavam um progressismo radical, uma oposição de esquerda e
uma crítica anti-imperialista e intervencionista de um país sobre outro (CAMPOS
ARIAS, 2011, p. 12). ―Também podemos lembrar o caso paradigmático de 1898, em
que muitos intelectuais norte-americanos e latino-americanos se posicionaram frente ao
acontecimento em Cuba.‖ (BARBOSA; VASCONCELOS, 2012, s/p).
A justificativa que o autor apresentou, por parte de fazendeiros e editores de
periódicos que faziam apologias ao governo porfirista, era o interesse financeiro que
estes possuíam no país. Existiam negócios comerciais por parte dos Estados Unidos,
bem como o desejo de obter concessões de terras e privilégios em território mexicano.
Sobre este ponto podemos refletir acerca de uma questão: até onde, na obra de
Turner, o governo de Díaz foi visto como uma administração forte e autônoma? Devido
ao fato de os Estados Unidos possuírem interesses no México e acharem importante a
permanência de Díaz na presidência, em algumas partes o autor chegou a escrever que
77
Don Porfirio resistia no poder devido ao respaldo norte-americano. Segundo a citação
abaixo,
[Os norte-americanos] desiring to perpetuate Mexican slavery and
considering General Diaz a necessary fator in that perpetuation, they
have given him their undivided support. By their control of the press
they have glorified his name, when otherwise his name should be by
right a stench in the nostrils of the world. But they have gone much
farther than this. By their control of the political machinery of their
government, the United States government, they have held him in his
place when otherwise he would have fallen. Most effectively has the
police power of this country been used to destroy a movement of
Mexicans for the abolition of Mexican slavery and to keep the chief
slave-driver of Barbarous Mexico, Porfirio Diaz, upon his throne.
Still another step can we go in these generalizations. By making itself
an indispensable factor in his continuation in the governmental power,
through its business partnership, its press conspiracy and its police and
military alliance, the United States has virtually reduced Diaz to a
political dependency, and by so doing has virtually. (TURNER, 1911,
p. 254- Grifos no original)
A partir desta passagem, podemos inferir que os Estados Unidos respaldavam,
para Turner, o governo de Díaz, uma vez que possuíam interesses comerciais no país.
Para o escritor, o governo norte-americano ―mantinha Díaz no poder quando este já
deveria ter caído‖ (devido ao movimento revolucionário). O ponto nevrálgico foi a
afirmação do periodista de que ―os Estados Unidos teriam convertido virtualmente a
Díaz em um vassalo político, e em consequência, transformado o México em uma
colônia escrava.‖ Até que ponto, portanto, o presidente mexicano possuía tanta força ou,
teria ele se transformado em um vassalo nas mãos do governo norte-americano? Embora
não tenhamos buscado desenvolver este problema, deixando para uma pesquisa futura, é
interessante pensar a posição do governo de Díaz frente aos Estados Unidos. Da mesma
forma que o livro se constituiu como uma crítica aberta ao porfirismo, também teceu
censuras ao governo norte-americano. O apelo de Turner à sociedade americana era o de
não deixar que o governo contribuísse com o Porfiriato em abafar o movimento
revolucionário de 1910.
Luis Lara Pardo e a tirania do governo
De Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, escrita
em 1911 por Luis Lara Pardo e publicada em 1912 foi, segundo Paul Garner, um dos
―ejemplos más virulentos del antiporfirismo en México‖ (GARNER, 2003, p. 18),
78
constituindo-se em um clássico desta literatura e contribuindo para sua consolidação. A
própria ―Comisión Nacional para las celebraciones del 175 aniversario de la
Independencia Nacional y 75 aniversario de la Revolución Mexicana‖65
considerou, em
1985, o livro supracitado como uma obra fundamental para o estudo do movimento
revolucionário66
.
Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, a obra foi escrita ainda sob as
metrallas calientes da Revolução que eclodiu no país em 1910. Este evento era, para
Lara Pardo, o início de um movimento que fazia cair os pilares do que ele qualificara de
Antigo Regime (1912, p. 02). Ao analisarmos o conceito utilizado pelo escritor, não
podemos deixar de comentar a analogia com revolucionários franceses de finais do
século XVIII, que denominaram o período anterior à Revolução neste país com o
mesmo epíteto. O levantamento, para Lara Pardo, era percebido como a consequência
da concentração cada vez maior de poderes nas mãos do presidente.
Percebemos, neste ponto, uma primeira semelhança com a obra de John Turner,
periodista que utilizou o mesmo qualificativo para se referir ao Porfiriato. A Revolução,
para ambos, foi vista como um movimento de mudança, devido à falta de liberdade
política e a concentração de poderes nas mãos do presidente. Era necessário que se
desenvolvesse a democracia no México. Podemos encontrar esta matriz de pensamento
nas obras de Alexis de Tocqueville. Embora os referidos autores não o tenham citado,
podemos inferir que refletiam acerca da Revolução Mexicana a partir de uma
apropriação do tropo tocquevilleano. No ano de 1856 escreveu O Antigo Regime e a
Revolução (L'Ancien Régime et la Révolution), cujo objetivo era encontrar as causas da
Revolução Francesa. Para ele, as origens do levantamento estavam no interior do que
ele chamou de Antigo Regime, uma vez que a monarquia cada vez mais suprimia as
liberdades políticas da população, além de desprivilegiar as camadas mais pobres.
Tocqueville, ao pensar a conjuntura francesa, via rupturas, mas também
permanências entre os períodos pré e pós-revolucionário, principalmente no que se
referiu à centralização administrativa do Estado. Contudo, o movimento, para ele,
trouxe elementos novos à sociedade. Embora este escritor tenha interpretado a
revolução como um movimento anárquico em seu país, Turner e Lara Pardo não
entendiam o levante mexicano como uma etapa caótica, mas sim como algo que iria
trazer as modificações necessárias. Se Díaz não saía do poder, era necessário que a
65
Comissão do Instituto Nacional de Estudos Históricos da Revolução Mexicana. 66
Ver: http://www.bicentenario.gob.mx/bdb/bdbpdf/dePorfirioDiazAFranciscoMadero/prologo.pdf
79
população se mobilizasse e o tirasse da presidência. Deste modo, os conceitos utilizados
por Tocqueville foram instrumentalizados (e apropriados) pelos escritores analisados.
Frente à eclosão do levantamento, e para legitimá-lo como um movimento de mudança
(e progresso), era necessário mostrar as rupturas de um período ao outro. Explicitar que
o ―Antigo regime‖ ficara no passado tinha relevância.
O escritor nasceu na Cidade do México, capital do país, no ano de 1873,
falecendo em 1959. Formou-se médico, mas dedicou sua carreira ao periodismo, sendo
colaborador em importantes jornais como, por exemplo, El imparcial e El mundo
ilustrado. Fora do México, morou na França, onde foi correspondente do Excelsior e,
em Nova Iorque, chefe de redação do La Prensa (COMISIÓN, 1985)67
. Em 1887
começou a escrever no Diário del Hogar, cujo diretor era Filomeno Mata, grande crítico
de Díaz e seu governo. Ademais, segundo uma revista eletrônica mexicana, Lara Pardo
tornou-se chefe de redação do El Imparcial e, em 1909, fundou Actualidades, periódico
antiporfirista e defensor da democracia no México (CAMBIO DIGITAL, 2012). Seu
livro supracitado foi publicado pela Polyglot Publishing & Commercial Co., editora
norte-americana, uma vez que o autor estava exilado no país por problemas políticos
com o governo de Díaz, principalmente por suas críticas no Actualidades68
.
67
Não podemos deixar de nos atentarmos ao fato de que muitos escritores mexicanos direcionaram suas
críticas ao Porfiriato a partir dos Estados Unidos. Havia um grande intercâmbio entre eles e alguns setores
norte-americanos, como o socialista. Muitos indivíduos partiram em exílio voluntário para o vizinho do
norte. A vertente crítica, e posteriormente revolucionária, do magonismo, por exemplo, tinha muita força
entre os americanos. Como os mencionados no tópico acima, muitos indivíduos corroboravam com a
causa mexicana, mantendo contato com as lideranças do Partido Liberal Mexicano (como foi o caso de
Turner). Ademais, o periódico socialista Appeal to Reason foi um importante veículo de difusão das
ideias e lutas mexicanas, principalmente magonistas. Como explicou Velázquez Estrada (2000), a partir
de 1903 muitos oposicionistas começaram a chegar nos EUA, com o intuito de criticar o Porfiriato; a
maioria se concentrava em cidades sulistas e do Oeste, como Saint Louis (Missouri), Laredo e San
Antonio (ambas no Texas). Madero mantinha contato com Jesús Flores Magón e Camilo Arriaga,
afastando-se do radicalismo de Enrique Flores Magón. Por conseguinte, Lara Pardo também enxergava
nos EUA uma possibilidade de crítica aberta ao governo de Díaz. Como vimos, levar em consideração
este intercâmbio de ideias é importante. Vários intelectuais e polígrafos faziam da fronteira entre os
países algo fluido e encontravam na nação acima do Rio Grande um espaço mais aberto de crítica ao
governo. Para um aprofundamento ver: RAAT, W. Los revoltosos. Rebeldes mexicanos en los Estados
Unidos 1903-1923. Cidade do México: FCE, 1988. 68
Embora Lara Pardo seja considerado um importante escritor da literatura revolucionária, ainda são
poucas as informações e trabalhos acadêmicos sobre ele e sua produção. Não conseguimos obter a
informação do porquê de seu exílio nos Estados Unidos, mas apenas a menção do fato em seu próprio
livro e em uma nota sobre ele feita pelo periódico online Cambio Digital. Ademais, durante a pesquisa,
não encontramos notícias sobre a editora que publicou a obra, qual perfil de publicação ela possuía, entre
outros aspectos.
80
Sua obra fez uma crítica aberta ao Porfiriato, contribuindo assim para a
consolidação de uma historiografia ―antiporfirista‖69
. É importante perceber que, logo
no início de seu livro, o escritor se colocou como o primeiro autor a criticar Don
Porfirio e seu governo, época que, para ele, Francisco Madero ainda elogiava o
presidente. Citamos:
Mi independencia me trajo al destierro. Mío es el honor de haber sido
el primero en atacar por su base el régimen de Porfirio Díaz,
rechazándolo en principio públicamente en la ciudad de México,
cuando el gran dictador en la plenitud de su poder imponía el pánico;
cuando los revolucionarios de ahora eran porfiristas, y cuando D.
Francisco Madero cantaba himnos á la grandeza del caudillo. (LARA
PARDO, 1912, p. 03- Grifo nosso).
Nesta passagem do texto vemos que Lara Pardo deslegitimou a crítica do
coahuilense, já que este, ao final de seu livro La sucesión presidencial en 1910: el
Partido Nacional Democrático, afirmou que Don Porfirio havia proporcionado
estabilidade, paz e progresso ao México (sobre isto, dissertamos no capítulo um deste
trabalho). Deste modo, o médico se colocou como o primeiro a fazer uma crítica severa
e aberta ao Porfiriato, censura que, como afirmou, ―atacou desde sua base o regime‖.
Sentia-se honrado, ou seja, sua conduta pessoal, baseada na moral, coragem e
honestidade, fá-lo-ia ser o primeiro a construir uma tradição de crítica ao porfirismo70
.
Como percebemos, no cume de seu poder, Díaz, referido no trecho como ditador,
impunha o pânico ao país: a situação vivenciada por seus concidadãos era de desespero,
pavor. A nação não mais aguentava aquela conjuntura.
O objetivo do capítulo um – Cómo llegó al poder Porfirio Díaz – foi mostrar a
transformação das ações de Don Porfirio desde chefe liberal e republicano a caudilho
revolucionário e, posteriormente, de presidente constitucional a ditador vitalício. Para o
escritor, Díaz, no ano de 1876, era o que ele chamou de ―militar de prestígio mediano‖,
já que os indivíduos que o defendiam como o melhor general que o país tivera
extrapolavam nas afirmações.
O futuro presidente, na literatura oitocentista (escritores que viveram durante o
Porfiriato e escreveram sobre ele), era, para Lara Pardo, ―ungido como um semideus‖
69
Cabe reiterar neste capítulo que a categoria ―antiporfirismo‖ é retomada no texto a partir das
explicações de Paul Garner em seu livro Porfirio Díaz, del héroe al dictador: uma biografia
política(2003). 70
A definição de honra no trecho acima é entendida como uma virtude, e não procedência, nascimento.
Sobre o assunto e distinção entre as duas significações ver: BRAVO OLMEDO, Valentina. La re-
significación del honor durante la primera mitad del siglo XIX en Latinoamérica. Cuadernos de Historia
Cultural, Crítica y Reflexión, vol. 2, Viña del Mar, 2012, pp.7-11
81
(1912, p. 07). Como a analogia com Cristo, que Turner criticou, o médico censurava as
representações do presidente como um grande homem ou um deus encarnado. Neste
sentido, percebemos que o presidente, pelos escritores que o elogiavam, era consagrado
com o qualificativo de herói, um mortal divinizado. O que o autor criticava era que
outros indivíduos também tinham o direito de glória, desconstruindo, assim, a imagem
de grande e inatingível homem da figura do presidente71
. O herói desenhado por
Bernardo Reyes, como vimos no capítulo um, agora recebia novos contornos: passava a
ser um indivíduo normal, que possuía, ademais, a ambição de permanecer no poder.
Escreveu Lara Pardo,
Desde 1893, en que las finanzas mexicanas arrojaron el primer
sobrante; desde que se vió á la República Mexicana pasar por varias
crisis políticas y económicas, como las de 1884 y 1892, sin grandes
convulsiones y sin que se resolviera el conflicto en el campo de
batalla; desde que las estadísticas fiscales empezaron á pregonar que
teníamos comercio exterior, producción agrícola y minera; que los
mexicanos podíamos trabajar y vivir en paz (cosas que los virreyes
españoles tenían bien sabidas); el general Díaz se proclamó el gran
hacedor de México, y gastó muchos millones de pesos en que los
portavoces de la opinión pública gritaron a los cuatros vientos del
globo el nuevo evangelio: Díaz, como Jehová, hizo á México de la
nada.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 20).
Percebemos, portanto, a crítica feita aos argumentos que defendiam Díaz como o
grande, e quase único, construtor do país. Para Lara Pardo, tanto o próprio Don Porfirio,
quanto os ―porta-vozes da opinião pública‖, como os intitulou, pagos pelo presidente
para mostrá-lo e representá-lo como um grande governante, construíram tal imagem. A
crítica do médico era sobre o discurso que afirmava ser Díaz o indivíduo que ergueu o
país ―do nada‖. Os porfiristas, para o escritor, viam o presidente como um Jeová, ou
seja, como um deus que construiu o mundo em sete dias, Porfirio Díaz conseguira
reconstruir uma nação72
. De forma irônica, o engenheiro criticava estas afirmações:
71
―Más de todas maneras, los pregoneros de la gloria porfiriana, tuvieron ocasión de ensordecer con sus
clarinadas; los heraldos de la grandeza gubernamental dejaron oír por todas partes sus fanfarrias, y el país
entero, atónito, subyugado por lo que no había visto jamás, creyó que, efectivamente, el general Díaz era
el hacedor de todos esos bienes, que, como el caudillo hebreo, había guiado al pueblo á través del
desierto, haciendo brotar el agua de las rocas, y lo había llevado á la tierra de promisión, en donde por
obra de milagro el maná divino caía del cielo en lluvia perenne.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 65). 72
Em algumas versões da Bíblia Sagrada o nome de Deus era mencionado como Jeová. Ademais,
percebemos que esta crítica se assemelhou e muito à de Turner, embora Lara Pardo não tenha citado a
obra do periodista. Como podemos inferir, a crítica ao governo de Díaz deslegitimava sua figura de herói
e deus encarnado. O presidente dissimulava, ocultava suas ambições e era um indivíduo comum e
imperfeito. Para os autores, seu caráter humanitário, bondoso e patriota fora construído por escritores que
arquitetaram um discurso laudatório acerca do porfirismo. Sendo assim, percebemos que uma nova matriz
avaliativa começava a se formar e ganhar força.
82
México libre no realizó el más leve progreso sino cuando él general
Díaz le enseñó á vivir en paz. Todo lo demás, todo el período de
nuestra historia que se extendía desde el amanecer del 16 de
Septiembre hasta el día de Tecoac era negro, lúgubre, era una
fermentación como la de los pantanos, una descomposición social que
infestaba con su hálito á todo el continente. (LARA PARDO, 1912,
pp. 21-22).
Deste modo, como vemos no trecho supracitado, Lara Pardo deslegitimou os
argumentos de que desde a independência o país viveu imerso em uma atmosfera onde
não existia paz e progresso, e que esta conjuntura apenas se transformou sob o
Porfiriato. Como afirmou, estes argumentos não passavam de um suporte, sustentáculo,
ao governo. Defendia: ―(…) esa noción, que tanto cuadraba con la estabilidad del
sistema porfirista, es una de tantas imposturas que sirvieron de sostén al solio del
tirano.‖ (LARA PARDO, 1912, pp. 21-22). A tirania possuía um elemento de
crueldade, opressão, em que o presidente governava com um poder ilimitado, abusando
do mesmo para com a população. Citamos:
Si benevolencia y generosidad habían sido los rasgos aparentes del
gobierno de Díaz antes de llegar él á la cumbre de la autocracia, una
vez en ella no se guardó ni siquiera de cubrir las apariencias. Bajo los
oropeles de la abundancia y prosperidad comenzaron a aparecer la
crueldad, la intransigencia, la ambición sin límites y el egoísmo del
césar. Entonces pudo verse que las verdaderas características de su
régimen eran dos: exterminio y prostitución. El exterminio dejó de
cubrirse con el ropaje hipócrita del bien público. Ya no se exterminaba
sólo en nombre de la paz, los intereses nacionales y el bien social: ya
los lugartenientes enarbolaban á cara descubierta, en sus expediciones
asoladoras, el estandarte del porfirismo. (LARA PARDO, 1912, p.
100- Grifo nosso).
Após a leitura de toda a obra, por ser uma literatura político-testemunhal sobre a
conjuntura mexicana do início do século XX, Lara Pardo não mencionou autores
específicos que indicassem a ideia de tirania de que se valeu. O conceito, como
percebemos, ganhou uma dimensão importante para qualificar o Porfiriato. Deste modo,
uma das hipóteses refletidas na dissertação foi pensar a querela entre autores ―antigos‖ e
―modernos‖ sobre o referido conceito; para isso, iremos discorrer sobre o clássico
quadro taciteano a respeito do termo (MOMIGLIANO, 2004). Em As Raízes Clássicas
da Historiografia Moderna, Arnaldo Momigliano atentou-se em discutir as leituras da
obra de Tácito desde a antiguidade até o século XIX, mostrando como uma tradição
sobre suas ideias formou-se ao longo dos períodos – principalmente sobre a qualidade
do tirano.
83
Tácito refletiu em algumas de suas obras sobre o governo imperial e a tirania.
Discutiu sobre o assunto em seus Anais e Histórias. No primeiro, focalizou-se nos
governos de Tibério e Nero, imperadores romanos posteriores a Augusto. Já nas
Historiae, escritas por volta dos anos 100 a 110 d. C., atentou-se desde a queda de Nero
à morte de Domiciano. Em seus escritos, o autor analisou as características indesejáveis
do tirano, bem como as consequências acarretadas por uma destruição de liberdade por
parte do governante (MOMIGLIANO, 2004, p. 166). Analisando a figura do tirano por
um viés psicológico, ele se constituía como um governante ganancioso e sua
administração era acompanhada pela desmoralização.
Como sabemos, as leituras e usos das obras de Tácito possuíram oscilações
durante os períodos analisados por Momigliano, bem como cada país possuiu
especificidades em suas interpretações. Entretanto, segundo o referido autor, ―Tácito
transmitiu a antiga experiência de tirania a leitores modernos.‖ (2004, p. 182). Ou seja,
o tirano ainda adquiria o status de corrupto, hipócrita e cruel (2004, 167). Não queremos
afirmar que Lara Pardo foi leitor direto da obra taciteana, e que utilizou toda uma
linguagem desenvolvida pelo historiador romano. Também não asseguramos que Tácito
tenha sido o principal escritor a se atentar sobre a tirania. Contudo, pensando a questão
da tradição construída ao longo dos anos, o arquétipo de tirano antigo, especificamente
o desenvolvido por Tácito, pode iluminar nosso problema. Como percebemos no trecho
supracitado do médico, o governo de Díaz foi permeado por crueldade, ambição e
egoísmo. Além disto, uma de suas marcas foi o extermínio da população. Díaz
dissimulava, para o autor sua administração foi marcada pelas aparências, vestidas com
uma roupagem hipócrita de bem comum e discurso de pacificação. Sendo assim, as
consequências daquele governo eram preocupantes. Se por um lado Tácito não defendia
uma revolução como mudança, veremos mais abaixo que o escritor mexicano apenas
veria uma transformação no México sob o levantamento da nação. Apenas a Revolução
seria capaz de mudar as bases políticas e sociais de seu país.
Embora o médico tenha criticado a postura de Madero, percebemos que sua obra
se aproximou muito, em alguns temas, da do coahuilense. Para o primeiro, o presidente
também era um ditador que revestia seu governo com uma forma republicana. Segundo
o escritor, Don Porfirio apenas dissimulava, tendo como objetivo a perpetuação no
poder, e esta, sua ambição máxima. Não havia, para Lara Pardo, atitudes patrióticas em
Díaz. Cada vez mais o presidente foi concentrando poderes em suas mãos, ao ponto de
aquela situação ficar insuportável para o povo mexicano. Para ele, a nação não mais
84
conseguia tolerar: ―(...) la situación del país se hacía cada vez más angustiosa. Ya se
perdía la esperanza de que el general Díaz dejara el poder jamás, y todo el mundo se
preguntaba hasta cuándo se prolongaría un estado de cosas que tocaba los límites de lo
insoportable.‖ (1912, p. 125).
Para mostrar o dissímulo e ocultamento dos planos reais de Don Porfirio, Lara
Pardo utilizou a metáfora de uma esfinge que, petrificada, sem expressão e enigmática,
escondia todos seus planos ambiciosos: ―(…) su política de extermínio, de degradación
y prostitución se limitó a ir absorbiendo poder, y todas las modificaciones importantes
que hizo a la constitución fueron eminentemente liberticidas y tendieron á incapacitar
más y más al país para gobernarse por sí mismo.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 96). Como
a esfinge que o escritor mencionava, Don Porfirio aparentava governar de forma legal,
seguindo a constituição, mas, no fundo, ou seja, na situação menos exposta ao olhar dos
cidadãos, apenas tomava suas atitudes para cada vez mais alimentar sua ambição e se
fixar no poder73
.
Se para autores contemporâneos a Díaz, como foi o caso de Bernardo Reyes,
Justo Sierra e até mesmo o de Francisco Madero, o presidente havia pacificado o país,
edificado um novo México, estável e de progresso material, no livro de Lara Pardo Díaz
se transformou no mais abominável tirânico (o presidente não era visto apenas como um
ditador, como afirmavam Madero e Turner, mas como um tirânico, ou seja, um valor
cruel era agregado ao seu governo). Lara Pardo leu as obras de Sierra e Madero; sobre
o primeiro, ainda que o considerasse como um importante indivíduo que defendeu o
ensino laico em todo o país, criticou-o por ser um suporte do governo porfirista, o que o
fez ―arrojar su talento y su valer moral á los pies del dictador.‖, tornando-se um
73
―Más todavía al finalizar su tercer período presidencial, Díaz obraba con aparente moderación y
benignidad, exageradas por una pose de magnanimidad. Mientras ordenaba al general Reyes el exterminio
de todos los elementos perturbadores en la frontera; mientras se deshacía de sus enemigos por
procedimientos muy semejantes á los de los señores feudales, mientras enviaba tropas á las comarcas
inquietas con órdenes de no traer prisioneros, daba muestras de sensibilidad extraordinaria llorando en
público cada vez que hablaba al pueblo, y hasta llegó a suspender la aplicación de la pena de muerte por
delitos del orden común. Es que todavía entonces no se sentía absolutamente seguro en la dictadura;
todavía pensaba que es más fácil engañar al pueblo que vencerlo, y que una crisis cualquiera podría en
poco tiempo poner en peligro su gobierno. Y por eso, aun habiendo absorbido los poderes federales y de
los estados, y centralizado el gobierno en su persona, conservaba todas las apariencias de legalidad, fingía
acatar la constitución y gobernar con ella, y su gobierno podría pasar ante el observador poco atento é
ignorante de la trama en que se había bordado todo aquello, como un verdadero gobierno republicano.‖
(LARA PARDO, 1912, pp. 52-53).
85
cúmplice do poder despótico, principalmente ao legitimar o governo em seus ensaios
(LARA PARDO, 1912, p. 74).74
Para o médico, as guerras civis que cindiram o México não deixaram o país
imerso em uma anarquia, como afirmavam alguns polígrafos da geração anterior.
Segundo a citação abaixo, Lara Pardo explicou os principais conflitos internos por que
passara o país: o início do processo independentista, com o Grito de Dolores, o Primeiro
Império Mexicano, a Revolução de Ayultla e a Guerra da Reforma, como movimentos
de uma coletividade contra os privilégios de uma determinada classe. ―Ha sido una
lucha [referente às guerras civis], que no termina todavía, de la gran masa social
amenazada de exterminio, contra los privilegios de casta y de clase; lucha estimulada y
fomentada por el caudillaje.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 23).
El padre Hidalgo lanzando el grito: ''A coger gachupines"; Iturbide
poniendo á la cabeza de su plan de Iguala el principio de igualdad de
derechos, civiles y políticos entre europeos y americanos; la caída de
Iturbide derrumbando una nobleza exótica; la revolución de Ayutla
contra la putrefacta burocracia santanista; la guerra de Reforma que
acabó finalmente con los fueros militares y clericales; no han marcado
otra cosa que las diversas etapas del continuo batallar contra
privilegios que tuvieron su raíz en el sistema colonial español (en el
organismo social español, más bien) y que han opuesto eterno valladar
á la consolidación de los intereses mexicanos. La revolución de 1910
ha sido también contra los privilegios de una oligarquía tiránica,
rapaz, que pesaba sobre la industria, sobre la agricultura y el
comercio, hasta el punto casi de ahogarlos. Y como esos privilegios
eran seculares y habían sido incontestados, y como las clases
privilegiadas eran muy poderosa y las oprimidas muy pobres é
ignorantes, la lucha tuvo que ser prolongada, reñida, indecisa durante
largas épocas, salpicada de episodios salvajes, iluminada de
heroísmos, arrasadora á veces hasta no dejar piedra sobre piedra,
interrumpida por treguas cuando el pueblo agotado, sangrado,
desfallecido, buscaba reparo de sus fuerzas, ó cuando las clases
desposeídas de alguna de sus ventajas importantes, se veían
impotentes para reconquistarlas. (LARA PARDO, 1912, pp. 23-24).
Retomando o trecho supracitado, para Lara Pardo, estes conflitos internos que
atravessaram o país foram guerras contra os privilégios de casta, que tiveram origem
desde a conquista espanhola e a implementação de seu sistema colonial. Durante a
independência, as sublevações eram em oposição às vantagens dos espanhóis de
nascimento – conhecidos como guachupines–; durante o rápido período monárquico, o
74
Citamos: ―Hubo liberales distinguidos que no negaron al general Díaz el poder que ansiaba, hasta le
ayudaron á obtenerlo y se convirtieron en cómplices de muchos de sus más censurables actos de
despotismo: pero no permitieron que la educación popular cayera en manos de la iglesia, ni que la
enseñanza oficial dejara de ser rigurosamente laica.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 74).
86
esforço de Agustín Iturbide era contra os privilégios dos europeus frente aos
americanos. Posteriormente, a saída do poder do primeiro imperador deu lugar à atuação
de uma elite liberal. Já a Guerra da Reforma, era interpretada como a ação do setor
liberal em contraposição aos privilégios eclesiásticos. Até mesmo a própria Revolução
de 1910 foi explicada como um conflito do povo em combate aos privilégios de uma
―oligarquia tirânica‖.
Sendo assim, para o autor, o discurso de que Díaz havia pacificado o país frente
a um passado caótico, era um mito, entendido na obra como uma verdade construída
sem fundamento. Tais conjunturas eram percebidas contra os privilégios que um setor
possuía sobre o outro e eram um desenvolvimento natural e necessário do país, já que
traziam melhoras e aprimoramentos ao mesmo. A raiz de tudo isto era histórica,
encontrada no período colonial e, por possuir uma cicatriz muito profunda, um tronco
muito grosso, seria necessário que a população se sublevasse por vários anos; mesmo
que tais insubordinações fossem traspassadas por interregnos.
Contudo, destacamos que o escritor entendia o governo de Benito Juárez, contra
o qual Díaz se sublevou juntamente com outros militares, como uma administração que
já havia gerado a estabilidade política e social que a nação precisava. Para Lara Pardo,
Don Porfirio não possuía legitimidade em roubar o poder. O país, sob o benitismo, já
vivia em uma atmosfera sem levantamentos nacionais e os transtornos futuros não
teriam grande relevância no México, alterando seu vigor:
Cuando el general Díaz llegó al poder, México existía ya como nación
libre y constituida. En once años de lucha había conquistado su
soberanía. Libre ya, rechazó victoriosamente un intento de
reconquista. Había sufrido tres guerras extranjeras, en los intervalos
de las cuales luchó y padeció mucho para llegar a constituirse. En
1872 cuando Juárez, reelecto por última vez, logró derrotar á los
rebeldes de la Noria, pudo considerarse consolidada la república y
asegurada la estabilidad social. Los trastornos que vinieron después
serían breves y no afectarían la vitalidad del país, que había
sobrevivido á más de medio siglo de anarquía. (LARA PARDO, 1912,
p. 22- Grifo no original).
Se, como discutimos no capítulo anterior, para Justo Sierra houve uma evolução
social e um progresso material no México sob o governo de Díaz, para Lara Pardo a
base do governo do presidente era justamente o extermínio e a prostituição da
população, ou seja, a perda de seu valor moral. Não havia uma evolução social no país,
muito menos política. Para fundamentar suas afirmações, o autor utilizou um trecho de
diálogo entre Don Porfírio e um indivíduo chamado Dr. Felipe Gutiérrez. O conteúdo da
87
conversa, reproduzida no livro a partir do que Gutiérrez contara ao médico, disse
respeito à ordem que o presidente deu ao primeiro para fuzilar os indígenas que fossem
contra a vacinação de febre amarela75
. Esta forma de escrita, em diálogo, causava um
grande impacto no leitor. Deste modo, gerava-se um efeito de verdade e crença que
fazia com que o argumento de que o Porfiriato era permeado pelo terror para com a
população fosse consistente.76
O progresso material de que tanto se falava no período era um fenômeno da
época, e não uma conquista do presidente, dizia Lara Pardo. Se havia uma onda de
desenvolvimento no México, este fenômeno não foi específico do país, uma vez que
também ocorria em outras nações. Além disto, o nivelamento dos pressupostos
econômicos ocorrido entre os anos de 1895-1896 era mérito do ministro de Fazenda,
Jose Yves Limantour77
, e não de Don Porfírio – diferentemente do que defendia Reyes
em sua obra de 190278
.
75
Embora Lara Pardo seja um escritor pouco estudado, a maioria dos trabalhos sobre ele centram-se sobre
sua atuação como médico e higienista. Suas pesquisas, na época, referiam-se aos acompanhamentos dos
índices de mortalidade materno-infantil no país, sobre a prostituição da mulher e sobre as campanhas
contra a febre amarela, desenvolvidas entre 1903 e 1911 pelo governo. A higiene urbana era entendida
como higiene social e o assunto era amplamente discutido. Sobre os temas mencionados ver: AGOSTINI,
Claudia. ―Las mensajeras de la salud. Enfermeras visitadoras en la ciudad de México durante la década de
los 1920. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, México, no 33, jan.-jun. 2007, 32
p.; NÚÑEZ, Fernanda La prostitución y su represión en la ciudad de México (siglo XIX), prácticas y
representaciones. México: Gedisa, 2002, 219p.; AGOSTONI, Claudia, Curar, sanar y educar:
Enfermedad y sociedad en México, siglos xix y xx. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
Instituto de Investigaciones Históricas/Benemérita universidad autónoma de puebla, 2008. Essa
dissertação procura entender a crítica feita por Lara Pardo ao Porfiriato. A dimensão política de seus
escritos é o foco de nossa pesquisa. 76
Citamos parte do diálogo, possuindo na obra um valor testemunhal dos acontecimentos: ―-Lleva V.-le
dijo el general Díaz-plenos poderes: si los índios resisten, fusíselos; lê aseguro que nadie lê exigirá
responsabilidad por ello, por supuesto siempre que me avise personalmente cada vez que recurra á esa
medida.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 102). 77
José Yves Limantour também foi considerado da elite científica do Porfiriato e, em 1893, assumiu o
cargo de secretário de Fazenda e Crédito Público, permanecendo até a renúncia do presidente Díaz, em
1911. 78
Argumentava, por exemplo, Bernardo Reyes sobre o progresso econômico do país. Para ele, as
conquistas mexicanas eram resultado das atitudes de Díaz. Sob os pés do lendário presidente,
predestinado a retirar a nação da anarquia e fazer prosperar a República, a paz foi recobrada e o progresso
econômico floresceu, gerando trabalho aos cidadãos, expansão da indústria, agricultura, exportação de
produtos, entre outros fatores: ―El presupuesto de 1876 fue de poco más de diez y nueve millones, y el de
1896 había ascendido á más del doble. El capital habíase formado y el crédito fue hecho; y para responder
á los compromisos nacionales, el trabajo en todas su manifestaciones se levantaba potente en la
República, y enviaba sus productos al cambio en alas del vapor, multiplicaba el comercio, y hacía renacer
todas las industrias, y robustecía la agricultura, y ampliaba la minería, encendía el espíritu de las artes y
reanimaba las ciencias. Sí, el trabajo, el redentor de todas las servidumbres humanas, á la sombra de la
paz conquistada, transformaba a la nación al soplo de su aliento vivificante y aparecía la prosperidad en
aquella República cuya anarquía había caído, revolcándose en la impotencia, á los pies del legendario
Porfirio Díaz; en la República, cuyos apartados pueblos se pusieron en contacto por medio de las vías
ferroviarias, que al mandato del gobernante se extendieron en el territorio mexicano; cuyas relaciones
interiores se vigorizaron con el fácil y con el provechoso comercio de productos y de ideas; cuya
88
Por conseguinte, no âmbito político, Díaz poderia ter dado liberdade municipal
aos nacionais, mas preferiu concentrar todos os poderes em suas mãos. Novamente o
escritor mencionava o juarismo: se a ambição do general não fosse tão grande, o
equilíbrio dos pressupostos poderia ter sido realizado no próprio governo de Don
Benito, caso houvesse tempo para implementar a ação niveladora. Como percebemos,
Turner e Lara Pardo, ao se posicionarem acerca do Porfiriato, comparavam-no com um
passado recente mexicano: a República Restaurada. Conhecido como o Benemérito do
México, e até das Américas, o ex-presidente era confrontado com as atitudes de Díaz,
deslegitimando a ação de Don Porfirio e regalando à Juárez o epíteto de restaurador de
um país nos moldes republicanos: ―Si á Juárez lo hubiesen dejado el clericalismo
traidor, primero, y el militarismo ambicioso después, gobernar en paz durante cuatro
lustros ¿quién podrá negar que aquel hombre probo, rodeado de hombres probos
eminentes; aquel sagaz político y patriota sincero, no hubiese llegado al mismo punto
veinte años antes? (LARA PARDO, 1912, pp. 58-59- Grifo nosso).
Se na geração anterior percebemos que Díaz foi representado como um grande
promotor de progresso no país, para Lara Pardo o governo do presidente remetia o
México ao atraso. Havia um retrocesso do país a uma conjuntura quase Vice-reinal. Don
Porfírio atendia os interesses estrangeiros; para benefício exterior, os mexicanos eram
submetidos à ―escravização ou extermínio‖ (1912, p. 82), como também afirmou
Turner. Se o que definia um bom governo para o escritor era o melhoramento da
―situação individual, política e social dos nacionais‖ (1912, p. 82), por oposição, o
Porfiriato era visto como uma má administração: ―sólo los gobiernos coloniales de la
peor especie tienen por único fin la explotación ilimitada, imprudente, precipitada y
desordenada de los recursos propios, en beneficio de los extranjeros, y la esclavización
o el exterminio de los nacionales.‖ (1912, p. 82).
Em 1900, ao finalizar o século XIX, Lara Pardo afirmava que o poder de Díaz já
não tinha limites. A crença pregada no país era a de que o pulso forte do presidente foi
necessário para guiar o México a um futuro brilhante, diferentemente do passado
anárquico sob o qual vivia a população. Fazia-se crer que os desejos da nação estavam
resumidos, sintetizados, na ideia de não perturbar a paz conquistada durante o Porfiriato
e que, portanto, as atitudes de Díaz eram legítimas. Com estes argumentos, o tirano,
como qualificou o escritor, sustentava-se na primeira magistratura. Como escreveu,
prosperidad, en fin, se inició sonriente en nuestro cielo al abrirse al hombre todas las fuentes del trabajo y
al abrirse á todos los extraños las barreras nacionales.‖ (REYES, 1960, pp. 312-313).
89
(…) su poder [de Díaz] ya no tenía límites. Todos los anhelos de la
nación parecían condensarse en uno: el de no turbar la paz que tan
fructífera había sido y que –tanto se nos había inculcado esa creencia
– era el cimiento indispensable sobre el cual se levantaría en un
porvenir no lejano una república grande, respetable, dichosa. No
había más que una aspiración: dejar que la mano firme del general
Díaz nos llevara hacia el futuro, que veíamos iluminado por un divino
resplandor auroral. (LARA PARDO, 1912, p. 78- Grifo nosso).
Lara Pardo compartilhava a ideia de que para um governo se sustentar, os
interesses do governante deveriam estar de acordo com os desejos e vontades da nação
(1912, p. 79), o que, para ele, não ocorria no México. ―Si al llegar á ese período, el
general Díaz hubiese querido efectivamente ser el hacedor de un México respetable y
próspero; si hubiese tenido la sabiduría para lograrlo o al menos el patriotismo para
intentarlo, se contaría hoy, sin duda alguna, como el más grande, justo y prudente de los
gobernantes de la América latina.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 79).
Como pudemos perceber, o médico teceu uma forte crítica ao governo de Díaz,
visto por ele como uma tirania. Segundo Momigliano, ―um dos aspectos da tirania era
impor uma escolha difícil entre a adulação e o protesto vazio (...).‖ (MOMIGLIANO,
2004, p. 168). Ou seja, a adulação, o discurso laudatório, era uma característica comum,
sentida por Lara Pardo naqueles escritores que defendiam o Porfiriato e viam em sua
figura o governante que edificou um novo México, imerso em caos até 1876. Tais
argumentos, como comentou, apenas serviam como sustentação à permanência de Díaz
no poder. Ao deslegitimar o Porfiriato o escritor também legitimava a Revolução, como
fez Turner. Aos olhos de ambos, o levantamento viria instaurar uma nova sociedade,
pautada nos moldes democráticos e na liberdade política, acabando com o ―Antigo
regime‖ ditatorial que assolara o país por trinta e dois anos.
É importante destacar que, embora compartilhassem muitas ideias, Lara Pardo
foi um grande crítico de Madero, como explicitamos no início do tópico. Para o
primeiro, Don Francisco também ambicionava a presidência ou a vice-presidência da
República. Suas atitudes não eram justificadas por patriotismo, mas por vontades
pessoais. Com o coahuilense no poder, o México permaneceria na mesma situação
político-social. Uma vez na primeira magistratura, seu governo seria uma continuidade
da postura política de Díaz: ―Es evidente que Madero, al organizar ese partido [Partido
Nacional Democrático], tenía la intención única de utilizarlo como medio para llegar á
la presidencia –o cuando menos á la vicepresidencia. Es claro que toda esa agitación
90
política no tenía por objeto luchar contra una autocracia, sino derribar al autócrata.‖
(LARA PARDO, 1912, pp. 142-143).79
Ao final do livro, o autor fez um apelo à população mexicana para que abrisse
os olhos e mudasse seu destino. Ao resumir o que foi o Porfiriato, dizia: ―(…) su
gobierno fue el virreinato pacífico por el exterminio y la opresión: pomposo y
deslumbrante, provechoso para los extranjeros, pero que dejó hondas llagas en la patria,
las cuales no puedan curar las generaciones futuras.‖ (LARA PARDO, 1912, pp. 96-
97). Sendo assim, o governo fez tão mal ao país e sua população que nem mesmo as
atitudes das gerações futuras poderiam curar as feridas ocasionadas. Como Turner, Lara
Pardo enxergava a revolução como algo necessário para se produzir uma mudança
efetiva no âmbito político, econômico e social. Escreveu:
La nación mexicana tiene en estos momentos [1911] en sus propias
manos su destino, y es indispensable que todas las voces sinceras se
oigan, antes que las tremendas pasiones de partido cierren los ojos á
toda luz, los oídos a todo clamor, y México ruede cierta y
irremisiblemente al abismo.
Si la revolución de 1910 ha de ser eficaz en algo, debe producir
irremisiblemente un gobierno mejor que el autocrático del general
Díaz. (LARA PARDO, 1912, p. 273).
Deste modo, o médico alertava seus concidadãos de que o destino do país estava
em suas mãos. As vozes sinceras, ou seja, a parte da coletividade que não possuía
interesse em conseguir benefícios com o levantamento, mas lutava e defendia um
melhoramento nacional, precisavam ser ouvidas. Se não houvesse uma mudança, o
México estaria fadado a cair em um abismo, sem possibilidade de reparo. Como
percebemos, a transformação apenas poderia emanar do povo. A explicação de Paolo
Colliva no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco
Pasquino, ajuda-nos a compreender a importância que a coletividade adquiriu nas obras
até o momento analisadas. Como afirmou,
79
Segundo Luis Barrón, à época da Revolução, e principalmente após o assassinato de Madero,
começaram a aparecer no país muitos livros apologéticos sobre este. Ao mesmo tempo em que existia
uma literatura que passou a legitimar o processo revolucionário e deslegitimar o maderismo (como vimos
com Lara Pardo); outras vertentes teciam um discurso laudatório sobre o jovem coahuilense, intitulando-o
de ―Caudilho da Democracia‖. Alguns exemplos de escritores são: Rafael Martínez e Carlos Samper
(Páginas de verdad y de justicia. Madero, el sembrador de ideales. Alborada democrática. La decena roja.
Epílogo de una infamia. Ante la historia-1913); Manuel Márquez Sterling (Los últimos días del presidente
Madero- 1917) e Stanley Ross (Francisco I. Madero. Apostle of Mexican Democracy). (BARRÓN, 2004,
pp. 33-34). Como percebemos, paralelamente a escritores que criticavam o jovem presidente
revolucionário, interpretando-o como um ambicioso (como também veremos nos escritos de Francisco
Bulnes), existia uma literatura que elogiava seus feitos, qualificando-o de ―Caudilho da Democracia‖.
Deste modo, uma tradição que o legitimava também foi sendo gestada neste período.
91
Foi só com a redescoberta romântica do Povo, já em coincidência com
uma visão política nacional, que identificava o Estado com a nação e,
portanto, dava novo e maior valor a tudo que compunha a realidade
nacional, que ele começou outra vez a ser sentido como possível
sujeito de vida política. Mas a sua revelação havia de estar depois
concretamente ligada aos grandes processos de transformação
econômico-social iniciados com a era industrial no século XIX e com
a consequente formação de grandes partidos políticos populares.
(COLLIVA in BOBBIO; MATTEUCCI; PSQUINO, 2010, 987).
Unido, o povo ganhou uma dimensão importante na obra de Lara Pardo – e
Turner –, pois constituiu-se em sinônimo de câmbios, ―sujeito da vida política‖. Estava
nas mãos da população retirar a pátria da prostração que a assolou por muitos anos.
Compreendido dentro de uma visão considerada teleológica, uma vez que passou a
pensar ―os problemas‖ e ―as mazelas sociais‖ do Porfiriato como causas da Revolução,
o governo não mais era analisado no interior de uma tradição liberal que começou com
Juárez e Lerdo de Tejada, como avaliou a geração anterior, mas como o motivo do
levantamento popular de 1910. Um movimento que, para os escritores, iria transformar
o México de uma vez por todas, instaurando novas bases.
Contudo, o status do povo na obra precisa ser analisado e discutido. Para Lara
Pardo, a população mexicana não tinha educação cívica, uma vez que não praticava seus
direitos políticos. Diante da falta de liberdade política no México, o povo não conseguia
vislumbrar as consequências daquele sistema ditatorial no futuro. Como afirmou, a
prosperidade e o progresso, desenvolvidos por Díaz, dominaram o povo e este,
deslumbrado, ficou apático, indiferente aos problemas do país – o que Madero
qualificou de ―povo adormecido‖. Citamos:
Nada hay más propicio para dominar a los pueblos que la prosperidad.
La vieja regla castellana ―pan y toros‖ ha de realizarse siempre donde
quiera que haya un pueblo habitualmente pobre y oprimido. Por eso
todas las grandes tiranías marcan su paso en la historia con un reguero
de esplendores: los templos faraónicos, los palacios de Babilonia, las
grandezas de los césares; las magnificencias del papado en la Edad
Media, el brillo de la corte de Trianón. El pueblo que ha sido siempre
pobre y oprimido cambia con mucho gusto su libertad por un pedazo
de pan que calme su hambre, por un puñado de cobre que alivie su
miseria, porque en los pueblos que han sido esclavizados, como en las
especies animales domésticas, se atrofia el instinto que a los animales
aptos para la vida libre, hace preferir la libertad á todos los otros
bienes. (LARA PARDO, 1912, p.65).
O que percebemos, segundo a citação acima, é que, para o médico, o progresso
no país não era resultado do patriotismo do presidente, mas sim de sua ambição por
permanecer no poder, característica da tirania. Suas ações eram destinadas à
92
coletividade, para que esta trocasse sua liberdade pelos bens conquistados no país. A
História servia como exemplo: Lara Pardo citava as grandes construções feitas pelos
Faraós no Egito antigo, os luxuosos palácios da Babilônia, localizada na região
mesopotâmica, as riquezas dos imperadores, do Papado, e a corte francesa à época de
Luis XV que, no século XVIII, construiu o suntuoso Petit Trianón, localizado no parque
do Palácio de Versalhes. As conjunturas mencionadas foram marcadas pela tirania dos
governantes e pela pobreza e opressão da população que, encantada com todo o
esplendor, trocava sua liberdade por um ―pedaço de pão‖ e entretenimento, tamanha sua
miséria80
. São considerados ―lugares de memória‖ – para lembrar a expressão de Pierre
Nora (1984) – do despotismo e marcam, desde o romantismo, a imagem de um poder
central, que estigmatizava as classes desprivilegiadas. Para o escritor, se a população
não tomasse uma atitude, diante de tantos acontecimentos históricos semelhantes, a
opressão continuaria, gerando efeitos desastrosos ao México.
Embora, como vimos, o povo tenha ganhado um status de dinamismo na obra,
de sujeito da ação política, ele ainda era considerado como ignorante e apático e,
portanto, necessitava de grandes homens, que o guiasse ao caminho que levaria o
México a uma mudança81
. Se, para Lara Pardo, o início da Revolução não possuía
coesão, era necessário que um chamado fosse feito e que a multidão, conduzida,
transformasse as bases nacionais pelas vias de uma levantamento popular82
. Como
afirmou:
No será un caudillo quien nos salve. No necesitamos caudillos. Lo que
necesitamos urgentemente, es un puñado de hombres verdaderamente
honrados, verdaderamente patriotas que marquen a las multitudes el
camino; que refrenen el radicalismo destructor y ayuden á la
“conservación” de un gobierno y sostengan su legalidad (he dicho la
conservación, no el apoyo incondicional, servil, criminal que autoriza
todas las violaciones á la ley, el saqueo de los fondos públicos y el
exterminio de los ciudadanos) (…). (LARA PARDO, 1912, p. 283).
Deste modo, como lemos no trecho supracitado, o livro foi um chamado ao povo
que, guiado por ―homens verdadeiros honrados‖, patriotas, salvasse seu país. A tirania
80
A expressão ―pan y toros‖ é uma versão espanhola do ―pão e circo‖ romano. Foi formulada pelo liberal
Arroyal Lion no século XVIII como crítica ao governo. 81
―Más que la apatía y la ignorancia, la tiranía privó a los mexicanos de la posesión y explotación de las
riquezas propias.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 88). 82
―Las fuerzas revolucionarias carecían de cohesión; estaban muy lejos de formar núcleos disciplinados;
no había en lo absoluto organización militar. Por revolucionado que estuviese el país, por más que el
descontento fuese general y que la vida de muchos pueblos se hubiera hecho intolerable, la nación no
siguió á Madero en el primer período de la revolución. La mayoría de los mismos que acompañaron á
Madero en su propaganda antireeeleccionista (sic) se abstuvieron de ir con él a la revolución, que
consideraban preñada de riesgos gravísimos para la patria.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 201).
93
porfirista deveria ser derrubada, antes que prejudicasse completamente a nação. Como
um chamado, o livro dialogava com o povo que, unido, deveria mudar os rumos do
México. A nação precisava ser salva.
Francisco Bulnes: um porfirista frente à Revolução
Francisco Bulnes (1847-1924) formou-se em engenharia. Além de exercer sua
formação, foi autor de artigos em vários periódicos do país, bem como importante
político do Porfiriato (RODRÍGUES KURI, 1990; RUIZ RAM, 2013).83
Em 1920
escreveu um dos seus mais importantes e polêmicos livros, intitulado El verdadero Díaz
y la Revolución. Para tecermos a análise desta obra, é importante considerar a trajetória
política do autor ainda antes do movimento revolucionário, uma vez que Bulnes, como
mencionado acima, participou do governo de Díaz sendo deputado e senador, além de
membro do grupo denominado Científicos. Segundo Victório Muñoz Rosales (2009),
mesmo permanecendo trinta anos no governo porfirista, Bulnes não ocupou cargos
importantes nas Secretarias de Estado, como aconteceu, por exemplo, com Justo Sierra
e Bernardo Reyes84
.
El verdadero Díaz y la Revolución foi escrito durante a administração de
Venustiano Carranza, época em que o autor estava em exílio voluntário por problemas
políticos com o governo revolucionário. Primeiramente o escritor morou em Nova
Orleans, Estados Unidos, e, em seguida, La Habana, capital de Cuba. Bulnes retornou
ao México em 1921, após a morte do presidente85
. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 34)
Segundo Jiménez Marce, seus livros tangeram as interfaces da história e da
política (2003, p. 07). O escritor ficou conhecido por ser um polemista de sua época, ou
seja, ―Bulnes pone en movimiento las creencias consagradas en los catecismos
históricos de la patria.‖ (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 09). Sua proposta, enquanto
83
Algumas de suas principais obras foram: El porvenir de las naciones latinoamericanas ante las
recientes conquistas de Europa y Norteamérica. Estructura y evolución de un continente. México, de
1899; El verdadero Juárez y la verdad sobre la intervención y el imperio, escrita em 1904; La Nación y el
Ejército en las guerras extranjeras: as grandes mentiras de nuestra historia, também do ano de 1904 e
Los problemas de México, de 1926. 84
Bulnes participou da Câmara dos Deputados por trinta anos, sendo eleito quinze vezes ao posto. Neste
tempo, representou os estados da Cidade do México, Morelos e Baja California. (JIMÉNEZ MARCE,
2003, p. 32). 85
O escritor partiu para o exílio voluntário porque, em 1915, escreveu uma nota periodista criticando
Carranza. (JIMÉNEZ MARCE, 2003).
94
estudioso, foi criticar as visões naturalizadas da história e política de seu país, adotando
uma visão não maniqueísta do passado e seus eventos.86
No ano de 1904, Bulnes escreveu, como mencionado em nota de rodapé, El
verdadero Juárez y la verdad sobre la intervención y el imperio, desconstruindo a
figura heroica e mitológica do benemérito mexicano. O livro recebeu várias críticas e
muitos autores escreveram em resposta às afirmações do engenheiro. Segundo Miranda
Pacheco, a crítica de Bulnes à Juárez provocou tensão no interior do próprio governo
porfirista, pois Díaz legitimava seu governo a partir de dois pilares históricos: a tradição
liberal juarista e sua Reforma, datada de 1859 (mencionamos o acontecimento no
capítulo um desta dissertação). Como sintetizou Guillermo Zermeño,
De hecho, la operación histórica bulnesiana se realiza en espacios
múltiplos que oscilan entre la política y el periodismo, entre la
asamblea legislativa y el tribunal jurídico, entre la confrontación
documental y las artes de la persuasión que durante ese período, al
parecer, están fuertemente atravesadas por el arte de la oratoria cívica
desarrollada frente a la tribuna. La participación de Bulnes es
suficientemente relevante como para atraer la mirada de otros
interlocutores afines o rivales políticamente. La particularidad de estas
polémicas es que se elige a la historia como tribunal para dirimir las
diferencias políticas. Lo relevante, sin embargo, es observar cómo, a
propósito de la política, la historia científica se va abriendo paso
durante ese período. (ZERMEÑO apud JIMÉNEZ MARCE, 2003, p.
10).
Don Francisco, embora não tenha sido um crítico tão radical do Porfiriato como,
por exemplo, Luis Lara Pardo, não foi um ―incondicional‖ de seu governo, ou seja, um
absoluto porfirista que não teceu críticas ao presidente (RODRÍGUEZ KURI, 1990).87
Em seu livro supracitado, o engenheiro defendeu que o governo de Díaz foi ditatorial,
mas é importante perceber que Bulnes não acreditava na existência de um governo
democrático no México, além de não aceitar a ideia de que os próprios mexicanos
fossem democráticos.
Para o autor, ao analisar as formas de governo no mundo, nunca existiu em
algum país uma verdadeira democracia, plena, governada para o povo e pelo povo
(diferentemente do que pregou Lincoln em seu discurso de Gettysburg – embora o
86
Para Sergio Miranda Pacheco (2001), a vertente dominante no México durante o Porfiriato foi a
empirista, ao invés de uma vertente mais interpretativa do positivismo. Para ele, Bulnes interpretou o
passado com uma concepção mais crítica, recebendo várias desaprovações de outros escritores. Segundo
Jiménez Marce, o escritor foi criticado – embora ele não diga exatamente por quais autores ou grupos –
por produzir discursos apaixonados. (2003, p.13). 87
Contudo, embora tenha feito várias ponderações críticas ao Porfiriato, é considerado pela historiografia
profissional como um importante elemento da cultura política daquele governo.
95
escritor não o mencione). Segundo Bulnes, a finalidade dos governos sempre foi
privilegiar a classe governante em detrimento da governada, constituindo um quadro de
soberania dos mais aptos (BULNES, 1920). Esta forma de governo manifestou-se de
várias formas: teocracias, cesarismos, aristocracias e o que ele intitulou de ―falsas
democracias‖. Ou seja, governos que se denominavam democratas, mas que, no fundo,
apenas vestiam seu sistema político com essa falsa roupagem. Deste modo, acusar Don
Porfirio por não ter sido um democrata, não era válido para ao autor. A principal tese de
Bulnes não foi defender que Díaz havia sido um ditador, o que, para ele, não tinha um
status negativo; mas sim um ―mal ditador‖. Foi sobre este caráter malévolo do governo
que o escritor dissertou em seu livro. Como escreveu,
La imbecilidad se muestra en creer posible que la forma de gobierno
de un país, dependa de la voluntad de un hombre. La forma de
gobierno depende exclusiva y indeclinablemente de la forma del
pueblo. Largo tiempo lleva la sabiduría de las naciones de haber
anunciado la gran verdad de aspecto eterno: ―Los pueblos tienen los
gobiernos que merecen (…). Deturpar y condenar al general Díaz por
no haber ejecutado lo imposible: ser presidente demócrata en país de
esclavos, sobrepasa o lo permitido en estupidez (…). Las verdaderas
democracias nunca han existido.‖ (BULNES, 1920, pp. 23-24).
Como vemos, Bulnes citou Joseph de Maistre (Os povos têm os governo que
merecem) para fundamentar sua afirmação sobre o caso mexicano. Filósofo do século
XVIII, Maistre defendeu, após a Revolução Francesa, um pensamento reacionário.
Diante do levantamento no país, o escritor entendia que as monarquias católicas
poderiam evitar a desordem causada pelo movimento de 1879. Sendo assim, defendeu
uma ideia de ordem, que influenciou amplamente, por exemplo, Auguste Comte.
Segundo António Chaves, ―o que de facto o autor [Maistre] pretend[ia] impor e[ra] a
ideia segundo a qual a liberdade não existe enquanto valor absoluto, pois cada povo tem
características específicas determinando que esteja mais bem ou menos bem preparado
para a democracia.‖ (CHAVES, 2010, s/p). Don Francisco não defendeu o sistema
monárquico, mas valeu-se de algumas ideias do francês e achava uma estupidez,
imbecilidade, afirmar que a forma do governo mexicano dependeu apenas das vontades
de Porfirio Díaz. Se o México não vivenciava um sistema democrático, este fato era
causado pela configuração de seu povo. Sobre isto discorreremos mais abaixo.
Ao analisar a situação do México antes do governo do presidente, Bulnes não
acreditava que existissem partidos políticos no país, mas sim ―facções‖. Explicava: ―(...)
96
caracteriza a las facciones todo lo rastrero, todo lo perverso, todo lo asqueroso, puesto
que tienen por genio tutelar la trinidad, de la envidia, la codicia y la mentira.‖
(BULNES, 1920, p. 17). Para ele, o México, até 1876, significava a ―fome‖ (―hambre‖)
de uns grupos por poder e riqueza; gerando o que Bulnes qualificou de ―anarquia‖ –
como também qualificaram Reyes, Sierra e Madero. Segundo Jiménez Marce (2010), o
autor descreveu o século XIX como desordenado, desmembrado (sem organicidade) e
miserável, situação que acabou quando um homem forte ascendeu ao poder: Porfirio
Díaz. Diante dessa atmosfera caótica, o país necessitava de um ditador que conseguisse
causar ordem e disciplina ao país. Tal sistema (ditatorial), para ele, não possuía um
aspecto negativo, sendo necessário ao México naquele momento88
.
Para Jiménez Marce:
Bulnes señalaba que la situación anárquica por la que México había
pasado durante una buena parte del siglo, se debía a la falta de
organismos sólidos que rigieran al país. Por ello es que era necesario
establecer una dictadura que permitiera mantener estable a la nación,
mientras se creaban los medios necesarios para fortalecer las
instituciones políticas. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 36).
Ainda segundo o mesmo autor, Bulnes entendia o ciclo político dos países
latino-americanos da seguinte forma:1º) Período anárquico: época em que a expressão
política era de ordem militar e religiosa, 2º) Período ditatorial: caracterizado por uma
política personalista, centrada na figura de um homem forte que, no caso mexicano, era
Porfirio Díaz e 3º) Período democrático: caracterizado por um ordenamento
econômico89
. Como defendia Bulnes, no México não existiam condições para o
desenvolvimento do terceiro estágio político. A primeira etapa foi marcada desde as
guerras pela independência do México até 1884, época em que se iniciava a segunda
fase do governo de Don Porfirio, perdurando até 1911. Para o engenheiro, como lemos
acima, a ditadura era importante para permitir a ―manutenção estável da nação,
enquanto se criavam os meios necessários para se fortalecer as instituições políticas.‖
88
Quais eram, para Bulnes, os atributos de um bom ditador?: ―dar paz solida al país, capaz de gobernar la
conciencias gravemente estropeadas por la anarquía, dar seguridad a todo el pueblo contra las empresas
de los malhechores, del orden común; hacer justicia de Califa; dotar a la nación de una buena
administración pública; procurar un progreso económico que determine gran bienestar material en la
sociedad, particularmente en las clases populares. (BULNES, 19120, p. 26). Deste modo, o problema de
Bulnes foi não ter tomado tais atitudes, constituindo-se em um mal ditador e se transformando em um
tirânico. 89
É importante nos posicionarmos acerca do trabalho de Jiménez Marce. Após a leitura do livro de
Bulnes, não concordamos que o Científico defenda a etapa democrática unicamente como um período de
ordenamento econômico. Este aspecto pode estar inserido na tipologia desenvolvida pelo engenheiro, mas
um país nos moldes democráticos abarca, para ele, aspectos mais amplos (e principalmente políticos)
como veremos abaixo.
97
Sendo assim, o Porfiriato era legítimo, porém, deveria ser um sistema político
passageiro. O grande problema foi o sistema ter degenerado e se tornado uma tirania,
como explicaremos mais abaixo.
O que Bulnes via no México, e na maioria dos países latino-americanos, era
justamente um ciclo: governos que passavam de uma ditadura a facções e, de facções a
uma nova ditadura, ou seja, a emergência de um governo centralizado e forte que
suprimisse as épocas desordenadas. Para o escritor, as críticas dos acusadores do
porfirismo não possuíam fundamento. O que criticavam em Díaz não eram argumentos
suficientes: ter ele sido um ditador que não seguiu a legislação do país, não respeitou o
sufrágio universal e a Carta Magna; burlou as eleições; suprimiu o poder local em
detrimento do poder central, entre outros aspectos. Sendo assim, segundo Bulnes, a
crítica centrava-se no que Díaz nunca poderia ter sido: um presidente constitucional de
uma República Mexicana.
Abandonando a teoria sobre o que deveria ser o governo (tipo ideal), as
repúblicas reais, ―de carne e osso‖, eram, para ele, um equilíbrio entre ―amos‖, ou seja,
entre os poderosos de uma determinada classe governante – o escritor criticava os
abstracionismos teóricos. Desta forma, o México nunca possuíra um governo
democrático, uma vez que o povo mexicano também não era democrático.90
O conceito
de Democracia para o engenheiro era entendido como a ação da população na esfera
pública, na tomada de decisões de um país, e não a ação primeira de um caudilho sobre
todos os assuntos. Como afirmava, uma nação que precisava do consentimento
presidencial para praticar sua soberania, não era democrática. O que percebemos é que,
para o polígrafo, a forma de governo emanava do povo, e não do presidente91
.
É importante salientar que há um dado histórico na análise do engenheiro. Para
ele, como vimos, uma nação que obedecia a vontade primeira de um governante, não
90
Desde a proclamação da independência no país, o México experimentou governos que tinham como
origem a força. Mesmo Ignácio Comonfort, criador da Constituição de 1857, e Francisco Madero,
importante revolucionário do levantamento de 1910, seguiram esta prática. Segundo Bulnes, foram
revoluções, a de Ayultla para o primeiro e a Mexicana para o segundo, que os colocaram como candidatos
à nação. 91
Durante o século XX, como percebemos, a ―Democracia‖ (com suas várias nuances) tornou-se uma
forma de governo importante, ganhando destaque e valor nos livros aqui analisados. Nas três obras
discutidas desejava-se seu desenvolvimento no país, tido como um modelo de governança. Por
conseguinte, propunha-se uma maior participação dos cidadãos nas questões políticas e a coletividade, o
―povo‖ (mesmo que guiado), ganharia destaque. Como apontamos no capítulo um, no século XIX a
―República‖ tinha um status significativo; conceitos como soberania, centralismo estatal, liberalismo,
entre outros, eram focos de discussão. No século XX, outros valores ganharam maior dimensão. A
democracia associava-se à participação política, desenvolvimento de partidos na esfera pública, sufrágio
universal entre outros elementos.
98
era democrática. Contudo, explicou que o motivo que fez os mexicanos tornarem-se
obedientes foi justamente terem passado pela experiência de trezentos anos de
colonização. A conquista espanhola em solo mexicano fez com que a ―alma‖ do povo,
para usar a expressão do autor, permanecesse, ao longo do tempo, em ―profundo
servilismo‖ (1920, p. 57).
Como podemos analisar e apreender, os três autores trabalhados neste capítulo
buscavam em uma conjuntura histórica – a conquista espanhola e seu sistema colonial –
a razão para determinado acontecimento no presente. Turner interpretava o atraso
mexicano como consequência dos trezentos anos de colonização que sofrera o país. Para
Lara Pardo, as guerras contra os privilégios de castas possuíam a mesma origem e, por
terem deixado uma cicatriz profunda no México, acabaram perdurando até 1911. Bulnes
enxergava o servilismo de seus concidadãos, a causa por não serem considerados
democráticos, como uma característica de sua identidade. A condição de submissão
havia impregnado na alma mexicana, ou seja, na esfera mais profunda dos indivíduos; e
isto não corroborava para a implementação de um sistema democrático no país92
.
Retornando à lógica de pensamento utilizada por Bulnes, o único governo que o povo
merecia até aquele momento, que possuía organicidade e fluidez, era o ditatorial93
.
Quando participou do governo de Porfirio Díaz, Bulnes apoiou algumas
reeleições do presidente. A partir da análise de um discurso que proferiu em 1903, na
Segunda Convenção da União Liberal, cujo objetivo era justamente sustentar um de
seus pleitos, o engenheiro, embora legitimando o Porfiriato, deixou clara ―la
contradicción interna del régimen.‖ (KRAUZE, 1987, p. 93). O discurso, além de
atentar para a preocupação de uma permanência de Díaz no poder, e as consequências
que isto poderia gerar, também defendeu uma posição civilista, já que, para Rodríguez
Kuri (1990), havia grande temor por parte de Bulnes e dos Científicos de que Bernardo
92
Como afirmou, a população apenas perceberia esta condição em que vivia quando se tornasse mais
civilizada. Civilização e verdade andavam juntas para Bulnes, ambas ideias expressadas em suas obras.
Por este motivo seus livros possuíam o objetivo de busca pela verdade de determinado acontecimento.
Ademais, para Bulnes, procurar a verdade também era um símbolo dos países civilizados. A concepção
bulnesiana de verdade se inseria no âmbito do relativismo; não sendo, portanto, uma verdade absoluta,
mas que poderia mudar durante as épocas (MARCE, 2003, pp. 63 e 72). 93
Sobre esta parte, não podemos deixar de mencionar o livro Salvar la nación: intelectuales, cultura y
política en los años veinte, de Patricia Funes. Ao analisar escritores no século XX, a historiadora afirmou
que, no começo desta época, intelectuais e polígrafos possuíam como escopo de análise em seus países –
a autora analisou o caso latino-americano – o povo, as características da alma nacional, etc. A questão
social ganhou uma dimensão importante nas obras e, segundo ela, havia uma preocupação sociológica
que buscava entender as patologias da sociedade (FUNES, 2006, pp. 73-75). Como podemos inferir, os
autores aqui analisados, principalmente Bulnes, preocupavam-se em buscar as origens dos problemas
mexicanos e viam, na colonização espanhola, a causa de muitas mazelas contidas no povo.
99
Reyes sucedesse o general na presidência. Como sabemos, o tapatío possuía certa
popularidade no país, enquanto o grupo encabeçado por Limantour era desprovido de
forte base social (BENAVIDES, 1998)94
. Segue abaixo o trecho do discurso de Bulnes
do ano de 1903,
El progreso, él crédito y la paz dependen de Porfirio Díaz.
Porfirio Díaz es mortal.
El progreso, el crédito y la paz morirán con él.
Para Kuri, este discurso que Bulnes proferiu na Câmara dos Deputados já
possuía uma defesa da institucionalização e formação de partidos políticos no país,
antes de sua crítica de 1920. O documento justificava a reeleição de Porfirio Díaz, mas
não deixava de tecer críticas ao governo. Como afirmou o historiador, Don Francisco
―planteó nítidamente la encrucijada a la que estaba llegando el país.‖ (RODRÍGUEZ
KURI, 1990, s/p).
O que o Díaz deveria proporcionar ao futuro do México? Para o engenheiro, "La
nación quiere partidos políticos; quiere instituciones; quiere leyes efectivas; quiere
lucha de ideas, de intereses y de pasiones." (Discurso de Bulnes à Câmara dos
Deputados em 1903 in Rodríguez Kuri, 1990, s/p). Como afirmava, o personalismo
político havia se tornado um problema no México, não havia organizações e dinamismo
partidário. Nesse sentido, como afirmou no silogismo acima, o sucessor de Don Porfirio
deveria ser a lei, o presidente necessitava agir para o desenvolvimento dos organismos
políticos; o que seria importante para o futuro do México. Criticava em seu livro,
El país era suyo, como una cosa, y las cosas no hablan, ni proponen, ni
manifiestan deseos, ni sienten, ni perturban con impertinencias la
augusta serenidad de sus dueños. Los nombramientos debían caer
sobre quien menos se esperaba, de este modo, el ―Supremo‖ hacía
sentir que su poder no emanaba de la nación, sino de sí mismo y que
más bien la nación era la que había emanado y debía seguir
94
Sobre estas questões da possível sucessão de Díaz ao cargo da presidência, em que os candidatos
cotados eram Bernardo Reyes e José Yves Limantour ver: BULNES, Francisco. El Verdadero Díaz y la
Revolución. México: Editorial Hispano-Mexicana, 1920; BENAVIDES Hinojosa, Artemio. El General
Bernardo Reyes: vida de un liberal porfirista. Monterrey: Ediciones Castillo, 1998; KRAUZE, Enrique.
Porfirio Díaz: Místico de la Autoridad. Cidade do México: FCE, 1987 e RODRÍGUEZ KURI, Ariel.
Francisco Bulnes, Porfirio Díaz y la Revolución Maderista. Estudios de Historia Moderna y
Contemporánea de México, UNAM, v. 13, 1990, pp. 187-202. IN:
http://www.iih.unam.mx/moderna/ehmc/ehmc13/172.html. Acessado em: 19 d fev. de 2010. Horário:
22h32min.
100
emanando, en su desarrollo, del capricho del amo de un universo no
irrevocable, porque estas siempre ponen límites a la omnipotencia.
(BULNES, 1920, p. 194).
Portanto, o problema do governo de Díaz não foi seu caráter ditatorial, como
anteriormente explicado. O que causou a queda de seu regime foi a dificuldade do
governo em promover novas lideranças, uma vez que a maioria dos políticos possuíam
idade avançada (o que muitos historiadores chamam de conflito de gerações). A
ditadura havia se degenerado. Don Porfirio acreditava que o México era seu, nomeava
os indivíduos para os cargos políticos e mantinha uma gerontocracia que não
comportava novos políticos atuando na esfera pública. Ademais, para benefício próprio,
um dos objetivos do presidente era fomentar a divisão de homens poderosos, como fez
com Limantour e Reyes.95
Com referida atitude, o ―Supremo‖, como intitulava Bulnes,
nunca possuiria um rival que o tirasse da primeira magistratura:
Los datos anteriores [dados da idade dos políticos e administradores
do governo de Díaz], prueban que el programa político del general
Díaz, practicado desde 1893, no era el de un gobierno progresista, sino
el de un gobierno siniestra y tontamente conservador, porque no se
había propuesto contener las ambiciones individuales, dentro de los
límites que las hacen extremadamente saludables y necesarias para la
conservación de la vida social, sino que había resuelto matarlas
enteramente, con la cual hacía política de ataúd para su país.
Las consecuencias de esta falta de renovación, fueron los enormes
desaciertos que derrocaron a la Dictadura, precipitando en irreparable
ruina a la nación. (BULNES, 1920, p. 358).
O que fez com que Díaz fosse considerado um mal ditador? Para o escritor, Don
Porfirio também não fez com que a nação progredisse em sua vida material, como
especificado no trecho supracitado. Como pensava, o progresso de um povo deveria
medir-se pela situação das classes populares. No México porfirista, ―(...) al llegar la
dictadura a su apogeo, la mayoría del pueblo mexicano se aproximaba al nadir
sepulcral, por la miseria más que nunca cruel y desvergonzada.‖ (1920, p. 218). O povo
era marginalizado e muitas pessoas viviam distantes da modernização e progressos
materiais. Deste modo, além da crítica aos aspectos políticos do Porfiriato, explicada
acima, Bulnes também discutiu acerca da situação social do povo mexicano.
Para Don Francisco, o México era um país de famintos (―hambrentos”), de
miseráveis. Valendo-se das ideias de Alexandre von Humboldt, naturalista alemão que
viajou por vários países, este fator era um obstáculo ao desenvolvimento do progresso
95
No livro, Bulnes criticou a perpetuação de Díaz no poder, dizendo que o presidente cultuava a ―ninfa
Reelección Perpetua.‖ (BULNES, 1920, p. 193).
101
da população. Díaz e Limantour, seu ministro de Fazenda, deveriam ter se atentado a
este problema social. A fome no país, explicava, era causada por fatores geográficos: a
inconstância das chuvas e o esgotamento das terras, uma vez que o cultivo extensivo do
maíz (milho) era grande no México. ―De tanta omnipotencia, jamás salió una ley en
favor de los desamparados; se concebía el progreso, pero sin los miserables, y para ellos
en treinta años, no hubo ni un aumento de salario, ni un aumento de piedad.‖ (BULNES,
1920, p. 365).
Ao falar sobre a obra econômica do porfirismo, afirmou que Don Porfirio não
possuía projeto inicial. Para o escritor, foi a deusa Fortuna, ou seja, o acaso, a junção de
ocorrências que não dependiam de suas ações, que o presenteou com um
desenvolvimento financeiro, principalmente com a ajuda de investimentos estrangeiros.
As estradas de ferro, símbolo do progresso porfiriano, não foram uma arquitetura do
presidente, e sim o resultado de apoio norte-americano. ―La minería mexicana, durante
la época del señor Limantour como secretario de Hacienda, se desarrolló asombrosa y
inesperadamente, por descubrimientos científicos extranjeros, que indicaron al capital
extranjero la oportunidad de operar en México.‖ (BULNES, 1920, p. 226).
Após a análise do livro, mapeamos que o escritor também foi leitor de Nicolau
Maquiavel, como percebemos no parágrafo acima. Além de afirmar ter a ―deusa
Fortuna‖ contribuído para o desenvolvimento econômico do porfirismo, retirando das
mãos do presidente o sucesso de determinados setores do país (mineiro, ferroviário,
entre outros), Bulnes também se referia à Díaz, em algumas passagens, como
―Príncipe‖, que, na obra do florentino, era o governante do principado: o governo de
uma só pessoa96
. Além disto, o engenheiro não deixou de afirmar que o despotismo
porfirista se degenerou em uma tirania, em que, para ele, era uma forma de governo
irracional e perigosa para o país97
. Este fora o grande problema do Porfiriato, que o fez
derrocar por si próprio.
Na última parte do livro, Bulnes analisou a eclosão do movimento
revolucionário. Criticou a afirmação de alguns escritores que entendiam a Revolução
como a agitação que derrubou o governo porfirista. Para ele, o governo ditatorial de
96
Como sabemos, Maquiavel defendia duas espécies de governo: as monarquias e as repúblicas: ver:
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996; ___________Discursos
sobre a primeira década de Tito Lívio. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007. 97
Na obra de Maquiavel, as formas de governo, ―monarquia‖, ―aristocracia‖ e ―democracia‖, possuíam
derivações que se constituíam em maus governos. Que eram as espécies degeneradas: a ―tirania‖, a
―oligarquia‖ e a ―demagogia‖, respectivamente. Esta tipologia foi partilhada por Aristóteles e Políbio, e
utilizada pelo florentino, embora com algumas ressalvas. Sobre o assunto ver: MAQUIAVEL, Nicolau. O
Príncipe. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996,
102
Díaz já não existia de forma orgânica no país há muitos anos. Deste modo, caso o
Porfiriato ainda fosse um sistema político com fluidez interna, não seria derrubado por
um levantamento revoltoso. Díaz e seu governo caíram por si só. Como explicou
Jimenez Marce, toda nação, segundo Bulnes, deveria passar pelos três estágios
políticos: a anarquia, a ditadura e a democracia (e foi neste momento que Díaz havia
falhado). Sua ambição de perpetuar-se na presidência acabou fazendo com que ele
perdesse legitimidade. Como ironizou, depois de ter sido considerado o ―Héroe del
Crédito‖ e ―Héroe de la Paz‖, o presidente pretendeu ser o ―Héroe del Continuismo‖ e
foi justamente tal atitude que o fez perder o vigor político. (BULNES, 1921, p. 336).
Para o escritor, o problema de Díaz foi ter se tornado um tirano, como
mencionado no início do tópico. A tiranía não podia ser, para ele, um governo orgánico
em nenhum país, pois ―en el despotismo, la voluntad racional del déspota es ley de la
nación; en la tiranía, la voluntad irracional del tirano es ley de la nación.‖ (BULNES,
1920, p. 352). Como afirmou Jiménez Marce (2010), a tirania para Bulnes significava
opressão do povo mexicano para um governante se manter no poder. Diferentemente de
um governo legal, que baseava sua autoridade na confiança que a população depositava
nos mesmos, a fim de que buscassem sua felicidade e progresso.
Não havia renovação política no país. Como a metáfora de um corpo, renovação
é vida e, se não há renovação, o organismo pode adquirir enfermidades que tendem a se
tornarem mortais. ―El estado, es un organismo vivo que debe obedecer a la ley de
renovación. En los países libres, el pueblo renueva por medio del sufragio popular todo
el servicio político, y el administrativo es lentamente renovado, conforme a leys sabias
dictadas por experiencia popular.‖ (BULNES, 1920, p. 356).
Utilizando o símbolo de um cadáver, o Porfiriato foi envelhecendo e se tornando
senil, como o próprio presidente ao longo dos anos. De ditador, déspota – conceitos
utilizados como sinônimos e sem conotação negativa – Díaz tornou-se um tirano. A
permanência no poder fez do governo um organismo velho, doente, que após a
Conferência Creelman, morreu98
.
Creelman foi o entrevistador do presidente quando este, em 1908, concedeu a
famosa entrevista para a Parson‟s Magazine, dizendo que não iria se candidatar para as
próximas eleições no país e que apoiaria a organização de partidos políticos na esfera
pública. Entretanto, no ano de 1909 o presidente novamente saíra candidato ao mandato,
98
―En el camino que estaba pisando Díaz, había pruebas de locura rematadas de omnipotencia.‖ [14
Proyecto del general Reyes, c. 9, e. 17, f. 16.].
103
ganhando as eleições. A Conferência foi vista por Bulnes como uma estupidez. Após a
afirmação de que não iria mais se candidatar, o presidente permitiu que vários grupos
abrissem campanha contra a ordem social estabelecida, fazendo o possível ―por sacudir,
despertar, exaltar, enloquecer a la clase popular.‖ (BULNES, 1920, p. 426)99
. Tal
medida de Don Porfirio fez com que o México caísse em uma agitação do povo, em um
caos social, voltando à época de anarquia. Ironizava:
El Cesar experimentaba deliciosos espasmos de ambición, al ver cómo
por su repentino libertinajismo político incendiário, todo,
absolutamente todo lo básico de la sociedad, acumulado por
constructoras épocas, era atacado, remolido, escupido, fecalizado;
menos él, menos su séptima relección, menos su aurora boreal y
austral que lo circundaba como el hombre que había hecho una
nación, y que iba a tener el inefable placer de desmoronarla.‖
(BULNES, 1920, p. 426).
99
Como em Lara Pardo, também percebemos em Bulnes que o povo, visto como uma massa na
Revolução, foi influenciado por determinados grupos ou intelectuais demagogos. O objetivo do capítulo
dois não foi conceder uma discussão sobre o status do povo em cada obra. No entanto, percebemos que
este conceito foi importante aos polígrafos do século XIX e que a ideia de massa, multidão, a ser guiada e
educada por grupos ou intelectuais, possuía indícios também em outros países, tornando-se um fenômeno
da época. Ao analisar o caso do Uruguai em 1900, principalmente a partir da obra Ariel, de José Rodó,
Antonio Mitre afirmou que, ao analisar o grande movimento migratório para a região (ocorrido entre
1860-1900), Rodó se aproximou de uma vertente aristocrática que refletia sobre a ampla participação do
povo no governo e suas consequências. A referida vertente, na Europa, possuía nomes como Ernest
Renan, Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Gustave Le Bon e Ortega y Gasset. Havia, segundo o
cientista político, o receio de uma ―barbarização‖ da sociedade por uma massa anômica e insistia-se na
necessidade do povo ser educado. Rodó tinha o receio do desenvolvimento de uma tirania das multidões,
mesmo defendendo o sistema democrático. A solução que achava para a conjuntura era o
desenvolvimento de uma ―aristocracia consentida‖. Citamos trecho do livro: ―Não há, pois, dúvida de
que o que deveria interessar aos povos latino-americanos, preocupados com a preservação de sua
soberania, é, precisamente, a expansão e fortalecimento do sistema democrático, evitando, isso sim, os
‗excessos‘ que poderiam advir do rápido crescimento das massas urbanas e da frágil constituição das
elites locais.‖ (MITRE, 2003, p. 114).
Também podemos citar o caso argentino de meados do XIX. Esteban Echeverria e sua
preocupação com a criação da nação argentina. O autor defendeu uma independência com tendências
democráticas, contudo, não nutriu grandes simpatias, como afirmou Ricupero, pelos setores populares. As
massas eram vistas como insensatas. Deveriam ser educadas por grupos esclarecidos. Como escreveu
Bernardo Ricupero ao analisar as obras do escritor, como El Matadero e Dogma socialista: ―um dos
principais erros dos unitarios teria sido precisamente o de estabelecer o sufrágio universal. Até porque ‗as
massas só possuem instintos; são mais sensíveis que racionais; querem o bem, mas não sabem onde se
encontra; desejam ser livres, mas não conhecem o caminho da liberdade‖‘ [trecho retirado de Dogma
socialista y otras páginas políticas]. Incapaz de identificar seus verdadeiros interesses, a multidão seria
facilmente ganha pela demagogia de inescrupulosos caudilhos. Ou, mais precisamente, os semibárbaros
setores populares teriam se convertido na principal base social do rosismo. (RICUPERO, 2007, p 226).
Echeverria também possuía influencias europeias, principalmente de franceses como Victor Hugo,
Felicité Lamenaais, François Guizot, Adolphe Thiers e de italianos como Jean-Lois Lerminier, Pierre
Leroux e Saint-Beuve, conhecidos como carbonários. Para uma análise da obra El Matadero de E.
Echeverría ver: FREITAS NETO, José Alves de. ―A formação da nação e o vazio na narrativa argentina:
ficção e civilização no século XIX‖. In: Esboços, v. 15, n. 20, 2008, pp. 189-204.
Sobre o assunto ver: MITRE, Antonio. O dilema do centauro: ensaios de teoria da história e pensamento
latino-americano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003 e RICUPERO, Bernardo. As nações do romantismo
argentino. In: MÄDER, Maria Elisa; PAMPLONA, Marco A.. ―Revoluções de independências e
nacionalismos nas Américas: região do Prata e do Chile‖. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
104
Segundo Jiménez Marce (2003), Bulnes refutou os argumentos de uma narrativa
oficial que colocava o governante como um herói que fazia grandes coisas ao país,
sendo o impulsionador de grandes ações que forjavam toda uma nação. Aspectos desta
narrativa vemos nas obras de Reyes, Sierra, entre outros polígrafos que não
mencionamos nesta dissertação. Além da desconstrução do herói, como também o fez
Lara Pardo, o livro de Bulnes foi permeado por ironias que, segundo Hayden White, é
uma forma de escrita que atinge justamente esse discurso de construção e culto ao herói.
Díaz, para Bulnes, deveria ser visto como um homem normal e não como um
demiurgo100
. Citamos:
Ahora bien, es importante señalar que el texto de Bulnes se caracteriza
por su tono irónico. Cuando se aplica el escepticismo propio de la
ironía a la historia, se tiende a destruir los elementos heroicos
presentes en el discurso histórico. Para White, la utilización de a
ironía representó el ocaso de la época de los héroes y de la capacidad
de los hombres para creer en el heroísmo. La ironía, entendida como
antiheroísmo, se constituyó en la antítesis del romanticismo, que
mostraba, en todo su esplendor, el heroísmo de la historia y de los
héroes. En el contexto bulnesiano, la ironía se convierte en el arma
que permite destruir los principios falsos en los que se asentaba la
creación de los héroes. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, pp. 103-104).
Ao deslegitimar o Porfiriato e afirmar que Díaz transformou-se em um tirano, o
escritor não legitimou o processo revolucionário, visto por ele como uma volta a um
período anárquico mexicano101
. Como mencionamos no início do tópico, durante o
governo de Carranza, Bulnes optou pelo exílio voluntário em outros países. O México
voltara ao retrocesso: para o autor, ―era evidente que las acciones de los revolucionarios
habían provocado la anarquía y destrucción del sistema que había creado el porfiriato, lo
que llevaría al país de nueva cuenta al retroceso del que ló había sacado él régimen del
general Díaz.‖ (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p.33). Bulnes, segundo Fernando Curriel,
percebia a Revolução como um declínio no processo civilizatório do México, o país
100
Segundo a filosofia de Platão, o demiurgo era uma divindade que criava, dava forma ao mundo
material. Ver: PLATÃO. ―Timeu‖. In: Timeu, Crítias. Belém: Universidade Federal do Pará, 1986. 101
Não podemos deixar de mencionar que Bulnes também foi grande leitor das obras do francês Hippolyte
Taine (1828-1893). Considerado um historiador conservador e adepto do positivismo, estudou o
desenvolvimento das sociedades a partir de três critérios: o meio, a raça e o momento histórico. Defendia
em seus livros que o povo necessitava de uma educação política para que, assim, não caísse em
argumentos de demagogos – premissa da qual Bulnes era adepto. Este afirmou que faltava consciência
política e histórica aos mexicanos. A educação era importante para a população para que, assim, esta não
fosse influenciada pelo chancletismo intelectual, uma literatura intelectual pobre, realizada a partir de
interesses individuais. Ademais, Taine foi um dos estudiosos que interpretou a Revolução Francesa
lembrando seus momentos de terror, e não dos heroísmos de seus personagens. Don Francisco entendia o
movimento mexicano como selecionista, um levantamento que também matava inocentes (1920, pp. 03-
04). Se a tirania porfirista era vista como uma infecção que deveria ser abatida, a revolução não era o
melhor meio de mudança para o país.
105
voltava aos tempos anteriores, época em que imperava a desordem causada pelas
facções. (CURRIEL apud JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 46). Don Francisco não era
simpatizante das ideias de Madero e da Revolução.
Até os dias de hoje a historiografia sobre o Porfiriato – e também sobre o
movimento revolucionário – divide-se a respeito de uma avaliação das obras do
engenheiro. Entendido como um ―neoporfirista‖102
, como afirmou Garner (ed. 2003);
um crítico do governo, como defenderam Tenorio Trillo e Gómez Galvarriato (2006), o
escritor cinde opiniões e ganha qualidades como: ―Bulnes, el venenoso‖; ―El intelectual
inconforme‖, entre outras denominações. Não buscamos aqui enquadrar o engenheiro
em alguma categoria, uma vez que percebemos ser sua obra complexa e cheia de
nuances. O importante foi mostrar como o autor desenvolveu seus argumentos sobre o
Porfiriato e como construiu algumas críticas referentes ao período, principalmente
denunciando a emergência de uma tirania no país. Contudo, não podemos afirmar que
Bulnes entendia o despotismo, a ditadura porfirista, como um sistema ruim, já que ele
era importante à época para o México.
O autor, ao final de sua vida, não deixou de ser um conservador, criticando o
levantamento de 1910. Suas obras censuravam os governos revolucionários e sua
experiência nas guerras civis por que passou o México até 1876, a percepção da
dificuldade em se estabelecer uma nação soberana, forte e livre nos oitocentos (EMMA
RUIZ, 2013). Era importante para Bulnes entender a conjuntura da primeira década do
século XX como uma volta ao caos, quando da renúncia de Díaz e a pulverização do
movimento. Como afirmou Emma Ruiz Ham: ―las opiniones que tuvo hacia el
movimiento armado que encabezó Francisco I. Madero fueron de rechazo. Cuando éste
le pidió su opinión sobre la política del momento, no ofreció respuesta.‖ (RUIZ HAM,
2013, s/p). Portanto, como dito no início do tópico, para entender o livro do engenheiro
proposto nesta dissertação, é importante pensá-lo como político do Porfiriato, bem
como um indivíduo que participou das conjunturas do México no século XIX.
102
Categoria que marca o resgate do Porfiriato não tanto com a demonização que o período ganhou após a
revolução, mas com uma nova avaliação do governo. Garner, em sua obra mencionada, incluiu a obra de
Bulnes como uma das primeiras que fez uma análise equilibrada do governo. Não concordamos muito
com os argumentos do historiador, uma vez que o autor tratou rapidamente sobre o científico em seu
livro, não discutindo suas hipóteses, as formas de governo e os autores em que se pautou para desenvolver
sua análise sobre o Porfiriato.
106
CONCLUSÃO
Um panorama acerca do Porfiriato e suas interpretações
Como explicado na Introdução, o objetivo da dissertação foi, a partir da análise
de livros de polígrafos que escreveram sobre o Porfiriato durante o regime presidencial
de Porfirio Díaz e a Revolução Mexicana, estudar as mudanças de matrizes
interpretativas entre finais do século XIX (1900) até a primeira fase do levantamento de
1910 (1920). Trabalhar com estes câmbios de avaliação e discurso é importante para os
estudos sobre o tema, uma vez que as pesquisas são escassas no ambiente acadêmico.
Em linhas gerais, procuramos, no primeiro capítulo, mapear a criação de alguns
matizes interpretativos sobre o porfirismo durante seu próprio período governamental
até o início da Revolução Mexicana (1900-1910). Concluímos que tais aspectos de
escrita e avaliação sobre o Porfiriato estavam marcados pela memória e experiência de
uma geração que possuía a imagem de um México caótico pós-independência (1821).
Tal instabilidade por que passou o país durante anos teve como causa várias
intervenções estrangeiras, como a dos Estados Unidos, em 1848, que resultou na perda
de mais da metade do território nacional, e a francesa, que instaurou o ―Segundo
Império‖ mexicano (anos de 1864 a 1867). Ademais, como vimos, desde 1821
emergiram dois grandes setores no país, o liberal e o conservador que, como tipos
ideais, eram opostos e possuíam ideias de construção nacional antagônicas. Enquanto
este propunha a centralização e a construção de uma nação mexicana católica, os
liberais defendiam o federalismo, a existência de um Estado laico e pautado na
igualdade dos cidadãos perante a lei.
Tais perspectivas encontramos em trabalhos de vários escritores mexicanos,
como foi o caso de Bernardo Reyes (1902), Justo Sierra (1900-1902) e até mesmo o de
Francisco Madero (1908), analisados detidamente em cada tópico do capítulo um.
Embora possuíssem ideias e argumentos divergentes sobre o governo, um ponto de
aproximação que percebemos central em suas obras foi a afirmação de que Porfirio Díaz
estabeleceu a paz no país. Além disto, havia um grande temor dos mexicanos,
explicitado em seus escritos, de que, frente à potência vizinha do norte e sob tais
situações internas conturbadas, achando-se o México em uma conjuntura de quase
107
ingovernabilidade devido a todas as agitações, os norte-americanos acabassem
ultrapassando a fronteira do Rio Grande e destituindo a soberania nacional.
Deste modo, ao se construir uma interpretação do Porfiriato, estes escritores
estavam pautados em uma experiência de passado anárquico pós-1810 e possuíam a
expectativa de que o presidente seria o edificador de um país moderno e pacífico,
trazendo paz e progresso aos seus concidadãos. Como afirmou Paul Garner,
La primera administración de Díaz parecía estar destinada a compartir la
experiencia, incluso el destino, de todos los gobiernos previos del siglo XIX,
afectada por la persistencia de los conflictos internos y por las hostilidades
internacionales que habían sido características de la mayor parte de la historia
del México independiente. Para 1876, después de casi una década de gobierno
liberal durante la república restaurada desde 1867, el país carecía aún de las
necesidades básicas para lograr la estabilidad política (…).‖ (GARNER, 2003,
p. 75).
Bernardo Reyes escreveu uma obra considerada por historiadores atuais como
―porfirista‖. O autor não qualificou o governo mexicano de ditatorial; além de exaltar os
feitos do presidente e enxergá-lo como um herói (assunto discorrido no capítulo). Para
ele, Díaz tornou a gerar um país que, por muitos anos, estava ameaçado de perder sua
soberania nacional. Considerava a administração de Díaz como a conjuntura que trouxe
uma nova independência ao país. Don Porfirio, para o tapatío, reconstruiu o México, e,
no palco da História, sua figura estava destinada a ser lembrada como um grande
homem. Um dos objetivos de seu livro foi consolidar uma memória heroica do
presidente a ser deixada para as gerações futuras.
A obra de Justo Sierra, embora o autor acreditasse ser perigosa a perpetuação
de Porfirio Díaz no poder, principalmente pelo receio de perda de liberdade em um
momento futuro do país, considerou o governo como um ―cesarismo espontâneo‖ ou
―ditadura social‖. Sendo assim, a autoridade do presidente estava respaldada pelo povo
e não pela sua vontade única, sua ambição. Deste modo, nossa proposta foi
compreender e explicar que o autor não entendia a concentração de poderes nas mãos do
general como uma atitude ruim, uma vez que a nação precisava de um homem firme,
um pater patriae, que suprimisse as conturbações nacionais e colocasse o país nos
trilhos do progresso.
Como vimos em sua obra, o próprio conceito de ditadura como uma forma
pejorativa de governo precisou ser discutida e problematizada, pois não encontramos, na
instrumentalização do conceito, a conotação negativa que ele usualmente contém. Como
um dictador romano, em tempos de conflitos era necessário a emergência de um grande
108
homem com pulsos firmes. Esta situação não duraria apenas seis meses, como em
Roma, mas também não poderia ser uma condição perpétua no país. De qualquer modo,
no presente, o desequilíbrio entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, concentrando
poderes no primeiro, era legítimo. Dos escombros das guerras civis entre conservadores
e liberais, Sierra via emergir uma nação que caminhava rumo à modernização. O
México estava salvo, o povo passava por uma evolução social. O país estava pacífico e
esta condição fincara raízes em solo pátrio, dando vivacidade a todos os momentos
históricos nacionais.
Já para Don Francisco Madero, não foi o povo (como foi para Sierra e Reyes)
que respaldou o governo, mas sim as armas que sustentavam o porfirismo; além da
―ideia fixa‖ – para utilizar as palavras do autor – do presidente em continuar sempre
ocupando a primeira magistratura. Como explicado, o coahuilense dirigiu uma crítica
aberta ao Porfiriato, intitulando-o de ditadura (com uma conotação negativa,
diferentemente de Sierra) e contribuindo para a criação de um novo discurso sobre o
governo. Contudo, o aspecto que acreditamos poder aproximar tais escritores foi
justamente o fato da experiência e memória de um passado mexicano marcado por
guerras civis e instabilidade política.
O próprio Madero, que fomentou uma crítica profunda ao governo, não deixou
de tocar neste assunto ao final de seu livro. Embora atualmente ele seja considerado o
―caudilho da Revolução‖, percebemos que, em sua obra, o coahuilense foi contra a
eclosão de um movimento revolucionário – optando pela criação de um partido
democrático. A grande preocupação do autor era: a emergência de um movimento deste
tipo (revolucionário) faria com que o México novamente caísse em uma atmosfera de
guerras civis, que tanto assolou a nação em épocas passadas. Para o escritor, o país
estava em paz, necessitava apenas estar sob o governo da lei. Se o primeiro magistrado
mudasse sua postura política seria reconhecido como o maior governante de todos os
tempos. Escreveu:
Si por el contrario, á la muerte del General Díaz la Nación no tolera
más á su sucesor y por cualquier motivo que sea se levanta en armas
contra él, volveremos á la era de revueltas intestinas con su
inseparable cortejo de vicisitudes, y con la amenaza constante de la
intervención extranjera, que aunque nos encontraría más fuertes,
porque el hecho de que la Nación hubiera reaccionado demostraría
que aunque mal empleadas, tenía aún grandes energías, no por eso
dejaría de ser un gran peligro, por lo menos, para la integridad de
nuestro territorio. (MADERO, 2010 [1908], pp. 277-278- Grifo
nosso).
109
As críticas que começaram a surgir sobre o Porfiriato na primeira década do
século XX foram justamente sobre a permanência de Díaz no poder, à falta de liberdade
política e de partidos existentes no país; mas nenhum dos autores estudados acima
conseguiu deixar de se referir à estabilidade que o presidente proporcionou ao México,
ao ambiente pacífico que se experimentava em solo nacional. Estes elementos devem
ser levados em consideração para quem estuda o Porfiriato. Como afirmaram Aurora
Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio Trillo:
En efecto, la paz es el centro de la política y sociedad del Porfiriato y,
curiosamente, no ha merecido más comentario que la burla. Es decir,
los historiadores no hemos creído en la paz porfiriana, aunque, por lo
que se lee en documentos y panfletos, la clase política porfiriana y la
gente común, dependiendo del lugar donde se encontrara, creían en
ella. Varios movimientos locales apelaban al presidente, al de la paz,
en nombre de, o chantajeando a, la paz. Pero la paz no ha sido bien
vista historiográficamente, por fingida, por ser un logro menor, una
cosa solo real en el México urbano y en la seguridad de caminos,
―caminos de hierro‖ y carreteras. (TENORIO TRILLO; GÓMEZ
GALVARRIATO, 2006, p. 47).
Para os historiadores acima mencionados, atentarmo-nos para esses discursos
sobre a paz porfirista é importante. A historiografia atual, ainda muito marcada por uma
postura de análise pejorativa sobre o governo de Díaz devido à Revolução Mexicana,
utiliza o termo pax, para ―darle un dejo de ironía romana, de paz impuesta (...).‖ (2006,
p. 19). Deste modo, o capítulo procurou mapear os argumentos que foram utilizados
para legitimar o Porfiriato. Como percebemos no trecho supracitado, estudar o discurso
sobre a pacificação do México é relevante, uma vez que a classe política a almejava e,
acima de tudo, acreditava em sua existência. A análise destes elementos é significativo
em nossas reflexões como historiador.
Afirmar que o Porfiriato possuiu legitimidade apenas porque os escritores
viviam sob o governo de Díaz e, desta forma, não podiam o criticar, carece de uma
sofisticação analítica. O objetivo foi justamente demonstrar como o próprio passado do
país ganhou relevância para os polígrafos oitocentistas discutidos, e pautou uma escrita
e interpretação sobre o porfirismo. Como vimos no capítulo dois, os principais
argumentos instrumentalizados por estes escritores foram refutados pela geração
seguinte e a avaliação antiporfirista e pró-revolucionária ganhou força durante o século
XX, tornando-se quase uma premissa, ou seja, algo indiscutível. Deste modo, voltar aos
oitocentos e reconstruir as interpretações sobre o governo é importante para os estudos
desse período histórico. Como sintetizou Garner,
110
El porfirismo pone de relieve, sobre todo, la longevidad del régimen,
particularmente en contraste con sus predecesores en el México del
siglo XIX, y su éxito al lograr una estabilidad y una paz políticas por
un periodo de casi 35 años. El Porfirismo también enfatiza las
cualidades personales que justifican que Díaz haya monopolizado el
oficio de gobernar durante más de 30 años: inter alia, su patriotismo,
su heroísmo, su dedicación, su sacrificio personal, su tenacidad y su
valentía. (GARNER, 2003, p. 14).
Já no capítulo dois, o objetivo foi, a partir da análise de livros de indivíduos
que escreveram sobre o Porfiriato durante a Revolução Mexicana, estudar as mudanças
de matriz avaliativa que ocorreram entre 1910 e 1920. Buscando colocar em diálogo as
obras analisadas, percebemos que John Kenneth Turner (1910), Luis Lara Pardo (1912)
e Francisco Bulnes (1920) teceram críticas profundas ao porfirismo, contribuindo para a
construção de uma lenda negra sobre o governo, que possuiu ecos durante grande parte
do século XX. A emergência de qualificativos como ―ditadura‖, ―tirania‖, argumentos
como ―concentração de poderes‖, ―degeneração do sistema político e social‖, entre
outros, ganharam uma dimensão importante nas obras, diferentemente, por exemplo, da
geração anterior – que mobilizava conceitos como os de ―pacificação‖, ―estabilidade‖,
―progresso‖ e ―modernidade‖. Para Garner,
Una de las principales consecuencias de la revolución mexicana fue la
destrucción del culto del porfirismo y su sustitución por un
antiporfirismo igualmente poderoso. Sin embargo, el antiporfirismo
no fue un producto exclusivo de la revolución [podemos pensar a obra
de Madero, de 1908 e Andrés Molina Enríquez, de 1909], aunque se
expresó con mayor fuerza después de 1911, en lo que devendría la
interpretación estándar, ortodoxa y pro revolucionaria. Según el
antiporfirismo, él régimen de Díaz era el ejemplo máximo de la
tiranía, la dictadura y la opresión, el mismo don Porfirio era
condenado por su corrupción, su autoritarismo y su traición a los
intereses de la nación. (GARNER, 2003, p. 15).
O livro de Turner teceu uma crítica aberta ao presidente mexicano a partir dos
Estados Unidos. O Porfiriato, para ele, foi pilar da escravidão no país. Díaz era um
indivíduo ambicioso que queria permanecer na primeira magistratura da República (o
que, de certa forma, também afirmou Francisco Madero). O presidente concentrava
tantos poderes em suas mãos que ele próprio havia se tornado a personificação do
México, a corporificação da ditadura. Assim, o povo sofria sob seu governo e seu
sangue se tornava a engrenagem da máquina porfirista. Para o periodista, o país era
atrasado, assemelhando-se à Idade das Trevas europeia; ao longo do livro, muitas
passagens fizeram analogias às instituições da Idade Média, produzindo uma ideia de
que o México não era moderno sob o governo de Díaz, muito menos pacífico. Os
111
Yaquis de Sonora, indígenas da região, eram enviados a Yucatán sob condições
escravocratas e, para ele, o governo de Díaz corroborava com esta situação.
O objetivo de Luis Lara Pardo, explicado logo no início de seu livro, foi pensar a
causa que levou à eclosão da Revolução Mexicana, bem como à renúncia do presidente
em 1911. O autor, em tempos porfiristas, foi um desterrado por problemas políticos com
Díaz e, também em solo norte-americano, decidiu refletir acerca da situação por que
passava seu país. O médico defendia o argumento de que o levantamento de 1910
marcou o fim do Antigo Regime, utilizando como matriz de pensamento os
acontecimentos que levaram à Revolução Francesa. Como afirmou:
Sólo nosotros, los que hemos, vivido la existencia de ese pueblo
admirable, que conocemos sus sufrimientos, sus vicios y sus virtudes;
sus debilidades y su fortaleza; su portentosa resistencia al dolor, su fe
sencilla y ardiente; sólo nosotros podemos explicarnos el preceso (sic)
lento que condujo á Porfirio Díaz desde el gobierno constitucional
hasta la más abominable tiranía, y por qué este pueblo ha realizado un
movimiento revolucionario que no tiene paralelo en la historia latino
americana, si no es en la caída del chileno Balmaceda. (LARA
PARDO, 1912, pp. 04-05).
Sendo assim, Lara Pardo foi demonstrando ao longo da obra como Díaz era um
presidente tirânico, opressor da nação mexicana e que forjou uma democracia que, ―na
verdade‖, apenas funcionava como artifícios retóricos para mantê-lo no poder. No
capítulo intitulado ―El mito del Caos‖, o autor foi a todo o tempo refutando a ideia de
que Díaz era o construtor de uma nação moderna, o regenerador do país, argumentos
mobilizados por muitos autores que escreveram nos oitocentos.
Já Francisco Bulnes participou do governo de Don Porfirio sendo deputado e
senador, além de membro da chamada elite científica. O engenheiro criticou tanto a
carreira militar de Díaz, quanto seus conhecimentos em ciência política. Sobre isto,
disse que Díaz achava ser possível a existência de um único partido independente no
México, sendo que, para Bulnes, tal situação se configurava em uma autocracia. E
complementou: ―el general Díaz, era un político que antes de degenerar, había
entendido la política de los dictadores guiado por el instinto de su ambición, pero
respecto a la política de otras formas de gobierno [como a democrática], si abría a la
boca era para lanzar un desatino‖ (BULNES, 1921, p. 383).
Como tentamos mostrar, existiram nuances entre os autores pesquisados,
principalmente analisando os pressupostos políticos de cada um. Turner e Lara Pardo
enxergavam a ditadura como um sistema ruim, imposto à população por meio da
112
ambição do presidente que, amparado em armas e dispositivos repressivos, mantinha-se
na primeira magistratura contra a vontade nacional. Premissa da qual Bulnes
discordava. Para este, o país necessitava desta forma de governo, além de ser, no país, a
única configuração com organicidade no presente. Para o engenheiro, foi a degeneração
do despotismo em tirania o grande pecado do general. Este se tornou um mal ditador e
sua administração se transformou em um governo irracional, senil (como o próprio Díaz
tornara-se ao final de sua vida). O governo degenerava-se ao mesmo tempo que Don
Porfirio envelhecia.
Ademais, outro ponto de divergência entre os autores foi acerca da Revolução
Mexicana. Para Bulnes ela não possuía legitimidade, sendo interpretada como um novo
período caótico da história mexicana. Se nos oitocentos a nação passou por grandes
problemas internos e intervenções estrangeiras, em 1910 o país retrocedera a um
ambiente de agitações, em que muitas pessoas foram mortas devido ao processo
revolucionário. Isto explica o ponto de interrogação no título do último capítulo da
dissertação, pois o engenheiro não defendia e legitimava a eclosão do movimento. Deste
modo, não podemos homogeneizar o argumento de que todos os escritores pós-
Revolução foram a favor do levantamento; as afirmações sempre precisam ser
matizadas. Entender as posturas políticas de Bulnes implicam pensar o autor como
participante da elite porfirista, bem como dos conflitos intestinos de seu país. Como
afirmou Emma Ruiz Ham,
Tras haber vivido su infancia en un país cuya reciente independencia
política costó difíciles enseñanzas en el intento por construir una
nación libre y soberana, siendo testigo de diversos sucesos
decimonónicos, tales como la Intervención francesa, el
establecimiento del Segundo Imperio, la restauración de la República,
entre otros, y, finalmente, después de criticar, participar y ver
derrumbado el régimen porfirista, encontró [Bulnes] su muerte el 22
de septiembre de 1924, también en la Ciudad de México. (RUIZ
HAM, 2013, s/p).
O que percebemos, a partir da citação acima, é que a experiência e testemunho
dos problemas mexicanos interferiram na interpretação de Bulnes no que se referiu à
interpretação do presente político sob o qual vivia. Como mencionado, Don Francisco
participou e criticou o Porfiriato, mas, após a eclosão da Revolução, não interpretou tal
conjuntura como um movimento legítimo, uma vez que a comparava aos problemas
políticos anteriores, agitações que vivera desde sua infância, como afirmou a autora.
Segundo Rogelio Jiménez Marce (2003), durante um período curto de tempo Don
113
Francisco foi diretor do periódico La Libertad, que, como vimos, criticava fortemente
os conflitos civis que existiam no país. Justo Sierra, como mencionado no capítulo um,
também foi um importante membro deste jornal.
O que pretendemos mostrar, portanto, é que a experiência foi um elemento
significativo na interpretação político-contemporânea destes polígrafos. Como refletiu
Marce, a memória histórica destes indivíduos ganhava uma dimensão privilegiada no
momento de se discutir e refletir acerca das questões do presente (JIMENEZ MARCE,
2003, p. 206). Díaz, para Bulnes, pecara, mas não por ter sido um ditador, medida
necessária ao México, mas por ter se tornado um tirano. ―Las opiniones que tuvo hacia
el movimiento armado que encabezó Francisco I. Madero fueron de rechazo. Cuando
éste le pidió su opinión sobre la política del momento, no ofreció respuesta.‖. Ademais,
―para el tiempo en el que Venustiano Carranza se hizo cargo de la administración del
país, Bulnes decidió partir de México, ante las sospechas de ser perseguido por el
gobierno del coahuilense [já que direcionava muitas críticas a ele]. (RUIZ HAM, 2013,
s/p).
Entretanto, os dois primeiros polígrafos discutidos no último capítulo– Turner
e Lara Pardo – enxergavam na Revolução, e apenas nela, a possibilidade de mudança
radical e de construção de um novo México, de uma nova sociedade (pautada na
democracia e liberdade). O povo, guiado por indivíduos esclarecidos, deveria instaurar
as novas bases do país. É interessante perceber que, aos autores que no calor da
Revolução ainda tentavam defender o governo do general, afirmavam que os críticos
não tinham legitimidade em censurar o Porfiriato, pois teciam suas críticas sob o
empenho do presidente, por anos, em conseguir estabelecer a paz no país – como
percebemos, os mesmos conceitos e argumentos eram sempre mobilizados:
―pacificação‖, ―caos‖, ―anarquia‖, ―estabilidade‖, ―modernização‖, entre outros.
James Creelman, por exemplo, afirmava em 1911 que muitos indivíduos
reprimiam Díaz estando eles já sob um ambiente nacional pacífico, estável e próspero.
Antes de criticar, dizia o periodista, era necessário comparar a situação mexicana
anterior e posterior ao regime de Don Porfirio, para, assim, perceber todas as melhorias
que este grande herói conseguira trazer ao México. Como afirmou, os críticos pró-
revolucionários não haviam passado por todos os problemas mexicanos, não sendo
testemunhas dos eventos históricos. Eles haviam nascido em uma geração que desfrutou
de grande tranquilidade nacional e, deste modo, não podiam criar uma censura legítima
114
a respeito. Aos autores, principalmente a Turner, com quem dialogou diretamente,
Creelman escrevia:
The immensity of this feat can hardly be understood in these days of
Mexican orderliness and progress. For many years the robbers had
been so bold that they seized villages and forced loans from them,
sometimes burning the public buildings and occasionally carrying of
the officials and holding them for ransom. (CREELMAN, 2011
[1911], p. 369).103
Sendo assim, gerações de escritores construíam suas interpretações sobre o
Porfiriato e a Revolução. Como escreveram Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, ―la
más de las veces el apego involuntario a la historiografía de la Revolución ha producido
o que John Womack (1971) denominó precursorismo: todo en el Porfiriato era visto o
ignorado en tanto antecedente a la Revolución.‖ (2006, p.13). Após a eclosão do
movimento, segundo Javier Garciadiego, os intelectuais da época porfirista foram
substituídos por novas gerações que buscavam construir uma nação que se alijasse do
período anterior: os ―Ateneus‖ (1909), a ―Geração de 1925‖, os ―Contemporáneos‖
(década de 1930), são alguns exemplos. ―El número de nuevos intelectuales que
surgieron con la Revolución fue enorme, prácticamente cada facción contaba con su
pequeño grupo de intelectuales, y cada cabecilla contaba con su intelectual de
cabecera.‖ (2010, p. 33).
Ao ser legitimado o processo revolucionário, e com a preocupação de se
construir um Estado com novas bases, Turner e Lara Pardo deslegitimavam o Porfiriato.
Mas, como vimos no capítulo um, tais mudanças começaram ainda durante o próprio
governo de Díaz (Sierra, em certa medida, fazia uma crítica velada ao presidente, com o
103
Em 1911, Creelman publicou um livro intitulado Díaz: master of Mexico. A obra dialogou
explicitamente com a de Turner, resultando em uma disputa política acirrada. O primeiro periodista
adotou uma postura de defesa e legitimação do governo de Porfirio Díaz. Ao referir-se ao escritor de
Barbarous Mexico como um sensacionalista que inventou fatos acerca do país e do governo
(principalmente no que tangeu ao argumento de Turner sobre existir escravidão no México), Creelman
defendeu o Porfiriato. Também argumentando sobre a existência de um passado caótico pós-
independência no México, uma vez que este passou por várias intervenções estrangeiras e guerras
internas, o porfirismo foi visto como um momento de pacificação do país, bem como de prosperidade e
progresso. Para ele, sob o governo de Díaz, ―a nacionalidade mexicana emergiu das cinzas do passado‖
(CREELMAN, 1911). Sobre as divergências entre Turner e Creelman ver: LOMNITZ, Claudio.
―Cronótopos de uma nação distópica: o nascimento da dependência no México porfiriano tardio‖.
In: MANA, vol. 15, n.1, 2009, pp. 91-125; BARBOSA, Fernanda Bastos; Vasconcelos, E. H. B. de.
Porfirio Díaz Under the Foreign Eye: The Representation of the President and his Government Years by
American and British Writers (1901-1911). Delaware Review of Latin American Studies, v. 13, p. 01-32,
2012.
115
receio de tanta concentrações de poderes em suas mãos). A partir de 1911 disputava-se
uma memória a ser deixada do grande general: havia sido ele herói ou vilão?
O que percebemos, portanto, é que, a partir da Revolução Mexicana, um novo
modelo e interpretação sobre a conjuntura analisada se consolidou, embora esta
afirmação precise sempre ser matizada104
. As gerações posteriores, principalmente
acadêmicas, foram amplamente marcadas por estes argumentos desenvolvidos e
explicitados no início do século XX. Como afirmamos na introdução, esta formação de
uma historiografia do autoritarismo porfiriano influenciou, como veremos abaixo,
gerações profissionais de historiadores, como também contribuiu para que o corpo de
Díaz ainda esteja enterrado em solo francês, não sendo liberado para o enterro no
México.
Deste modo, em 1911 as avaliações sobre o Porfiriato ganharam novos
contornos, passando a censurar veementemente o governo do general e se constituindo
como uma nova matriz avaliativa. De grande pai da nação ele passou a ser interpretado
como um ditador tirânico que concentrou em suas mãos uma grande parcela de poderes
políticos e suprimiu a dinâmica partidária existente no cenário público do país.
Podemos mencionar nesta parte, a título de exemplificação, as representações
nacionais a partir do muralismo pós-revolucionário. Para Camilo de Mello
Vasconcellos, que estudou a arte mural exposta no Museu Nacional de História do
México (MNHM) entre os anos de 1940 e 1982, a disposição de apresentação da
história nacional mexicana mostrava, em suas salas de exibição, como o Porfiriato era
interpretado como sendo a causa da Revolução Mexicana e o período que esta destruíra
para assentar uma nova sociedade. Além disto, como vimos na literatura de testemunho
(exemplos de Turner e Lara Pardo), o governo de Díaz foi interpretado no museu como
um período feudal da história pátria. Como afirmou o historiador, ―para tirar o país
daquele sistema ‗feudal‘, fenômeno na verdade de atraso, era necessário, portanto, uma
revolução que alterasse por completo toda aquela estrutura injusta imposta aos
camponeses mexicanos.‖ (VASCONCELLOS, 2007, p. 169)105
.
O que percebemos, portanto, é que a imagem do Porfiriato como um governo
ilegítimo dentro da história mexicana ganhou força, tanto na literatura político-
testemunhal, como analisamos na dissertação, como nos murais pós-revolucionários,
104
Trabalhar com categorias – ―porfirista‖, ―antiporfirista‖, etc. – é saber que elas sempre podem ser
desconstruídas e problematizadas. 105
Esta concepção foi apresentada na obra O Feudalismo Porfirista de Juan O‘Gorman, de 1973.
(VASCONELLOS, 2007, p. 165).
116
espalhados pela cidade do México e expostos no MNHM. A memória que se perpetrava
era de um governo ditatorial, afrancesado, que privilegiava determinados setores
nacionais, em detrimento das classes populares. O Porfiriato passou a ser visto através
de uma forma teleológica: o governo de Díaz foi a causa da Revolução, cujo objetivo
era acabar com este governo opressor. Ademais, ele não era mais analisado dentro de
uma tradição liberal iniciada com Benito Juárez e Sebastián Lerdo de Tejada.
A(s) geração(ões) de historiadores da década de 1950/1960, sendo José Valadés
e Daniel Cosío Villegas dois dos mais proeminentes escritores, cujos principais
trabalhos foram El porfirismo: história de un régimen (1941-1948) e História Moderna
do México (1955-1972), respectivamente, ainda admitiam, segundo Garner, um enfoque
historiográfico antiporfirista pós-revolucionário. A tese sustentada pelos autores era a de
que a Revolução Mexicana foi consequência da concentração cada vez maior de poderes
nas mãos de Don Porfirio. Para Garciadiego, analisando a intelectualidade mexicana em
tempos revolucionários, o próprio Villegas deve ser entendido como participante da
―Geração de 1915‖, ano considerado o mais violento da Revolução. Os escritores desta
época estavam preocupados com a ―reconstrucción del país, para lo cual diseñaran
aventuradas políticas y crearon novedosas instituciones.‖ (2010, p. 33).
Além de criticar os aspectos políticos do governo, Cosío Villegas106
dissertou
sobre a existência de desigualdades sociais no país, sendo mais acentuada no México
que em outras sociedades da época. Ademais, censurou o conflito geracional nos cargos
políticos e a dificuldade de novos indivíduos se inserirem no cenário público mexicano
(crítica também feita por Francisco Bulnes [1920], Octavio Paz [1950], GUERRA [ed.
1991], etc.). Para Garner, ―desde el punto de vista de Cosío Villegas, la época de Díaz
debería verse, de manera fundamental, como una aberración dentro de la lenta
evolución de México hacia la libertad política durante el siglo XIX.‖ (2003, p. 19- Grifo
nosso).
Entretanto, embora o referido historiador criticasse tais aspectos do governo de
Díaz, não deixou de admitir que houvesse, à época, uma melhoria no setor econômico.
106
O historiador Daniel Cosío Villegas (1898-1976) foi um dos maiores especialistas do período
porfirista. Possuiu uma vasta produção acerca do assunto que influenciou outros historiadores, como
Enrique Krauze. Seus principais trabalhos foram: Porfirio Diaz en la revuelta de La Noria (1954), em que
analisou a sublevação do general Díaz contra a reeleição de Benito Juárez à presidência da República em
1871; La Constitución de 1857 y sus críticos (1957), em que escreveu sobre os críticos da constituição
liberal promulgada em 1857, Justo Sierra e Emilio Rabasa; El porfiriato. Vida política exterior
(constituído por dois tomos, um de 1960 e o outro de 1963); El porfiriato. La vida política interior
(constituído também por dois tomos, um de 1970 e o outro de 1973), em que nestas obras Cosío Villegas
escreveu sobre a situação política interna e externa do governo de Don Porfirio.
117
O México progredia, foram construídas estradas de ferro, redes telegráficas, bancos,
portos, etc. A economia mexicana se desenvolveu, cobrindo grande parte do território
nacional. Afirmou Don Daniel,
Paralelamente [aos problemas políticos], las comunicaciones postal,
telegráfica y aun telefónica se ampliaron hasta cubrir muy buena parte
del territorio nacional. Se hicieron obras portuarias considerables en
Veracruz, Tampico y Salina Cruz. Avanzado el Porfiriato, se creó una
serie de bancos que hizo posible un ensanchamiento de la agricultura,
la minería, el comercio y la industria. En suma, el país en su conjunto
mejoró su economía en un grado y una extensión nunca antes visto.
(COSÍO VILLEGAS, 2000, p. 131- Grifo nosso).
Em termos gerais, o historiador Enrique Florescano107
, como Villegas, também
criticou a concentração de poderes nas mãos do presidente. No capítulo de seu livro
Memoria Mexicana (2001), intitulado ―La construcción de la nación y el conflicto de
identidades‖, o historiador dissertou sobre a redução dos poderes estatais e municipais
frente ao governo central, além do desequilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário. Afirmou Florescano:
La ambición de poder de Porfirio Díaz transformó el sueño
republicano en una dictadura. En unos cuantos años, las libertades y
derechos constitucionales, el equilibrio entre los tres poderes y la
autonomía de los gobiernos estatales y municipales fueron avasalladas
por él poder sin límites del presidente. Es verdad que los conflictos
entre los intereses regionales y los asentados en la capital del país
comenzaron desde el nacimiento de la república federal, pero se
acentuaron durante el gobierno de Porfirio Díaz. (FLORESCANO,
2001, p. 566-Grifo nosso).
É interessante perceber nestes autores (tanto em Cosío Villegas quanto em
Florescano, não afirmando serem os únicos e nem com o propósito de reduzir suas
obras) certo equilíbrio historiográfico acerca do Porfiriato. Ao mesmo tempo em que
eles consideravam o governo de Díaz uma ―ditadura‖ que cada vez mais concentrou
poderes nas mãos do presidente e que, de certa forma, suprimiu poderes locais em
detrimento da centralização política, ambos admitiram que houve a consolidação de um
107
O historiador mexicano Enrique Florescano (1937- ), embora possua trabalhos sobre vários períodos
da história do México, tem importante produção sobre o período de governo de Porfirio Díaz como, por
exemplo, Imágenes de la patria a través de los siglos (2005) e Memoria mexicana, ensayos sobre la
reconstrucción del pasado (2000). Neste trabalho o autor discute, nos capítulos finais, a relação
centralização de poder versus poderes locais na segunda metade do século XIX. É importante ressaltar
que Florescano participou, juntamente com Daniel Cosío Villegas, do projeto Historia General de México
(1976), embora o primeiro tenha dissertado sobre as reformas bourbonicas e não o período aqui estudado.
Deste modo, pensar interpretações sobre o porfirismo a partir da noção de geração foi significante na
pesquisa. Como percebemos, os historiadores se comunicavam e formavam projetos juntos, tecendo
avaliações semelhantes sobre determinado período histórico. Não queremos afirmar que suas obras são
iguais, mas é importante perceber a circularidade de ideias que havia entre eles.
118
Estado mexicano forte e um desenvolvimento econômico amparado em um progresso
material (discurso construído desde a geração porfirista). Florescano afirmou em seu
livro, por exemplo, que Don Porfirio ―fue el constructor del primer Estado fuerte y
moderno del siglo XIX. Su habilidad política generó un largo periodo de paz y produjo
crecimiento económico y riqueza.‖ (2001, p. 570). Ou seja, novamente os mesmos
conceitos aparecem como chave de interpretação do Porfiriato. Desta forma,
percebemos que tradições interpretativas foram sendo construídas ao longo das épocas e
gerações de escritores.
Os trabalhos históricos destas primeiras gerações profissionais, principalmente
até a década de 70 e 80 do século XX, ficaram marcados pela querela, explicitada
acima, entre um governo tanto ―modernizador‖, quanto ―arcaizante‖. ―Hubo rastros de
esta ortodoxia [revolucionária antiporfirista] que predominaron incluso en el análisis
más eruditos y profundos que aparecieron en México después de 1940 (…).‖
(GARNER, 2003, p. 18):
Lo que dejaron escrito Ricardo García Granados, José C. Valadés o don
Daniel y su equipo fue, primero, una valiosa colección de datos y
cronología; segundo, una suerte de “acto contrición” casi personal, siempre
comenzado con la premisa de la maldad o incorrección del Porfiriato y
terminado con un insospechado respeto y indecisión ante la nota moral del
régimen. Por ello, aún hoy, todo lo nuevo que se escribe difícilmente podría
caracterizarse como revisionismo [pois tange esta mesma dualidade entre
modernizador e arcaizante]. Todo es, por más post esto y post lo otro que se
presente, una simple aclaración, un apunte o una acotación a esos datos y a
esta indecisión moral de los viejos maestros: en total un conjunto de trabajos
que no le quitan al periodo en cuestión su sitio todavía marginal en el total
de la historiografía mexicana.
Si la ambigüedad política y moral frente al Porfiriato ha permanecido es
porque no es fácil aceptar las dolorosas lecciones de la historia. (GÓMEZ
GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, pp.16-17- Grifo nosso).
O que acreditamos, portanto, é que as interpretações sobre o Porfiriato em
tempos revolucionários ainda possuem força na historiografia atual. Segundo Garner, a
partir da década de 1990 as interpretações sobre o governo de Díaz passaram por novas
modificações. Com o desencantamento do paraíso revolucionário que mostraria o
verdadeiro México mascarado pelos anos de porfirismo, além da permanência por
setenta e um anos do PRI no governo, os historiadores começaram a reavaliar o período
119
entre 1876 e 1911e repensar tal herança pós-revolucionária acerca do referido período
histórico108
.
Em 1929 foi criado no México o PNR, Partido Nacional Revolucionário que,
em 1946, modificou seu nome para PRI, Partido Revolucionário Institucional. Este
partido permaneceu no poder até 2000, ano que Vicente Fox Quesada, candidato à
presidência do México pelo PAN, Partido da Ação Nacional, ganhou as eleições.
Foram mais de setenta anos de poder hegemônico e grande parte da intelectualidade
mexicana passou a criticar o governo priista e sua permanência na governança do país.
Polígrafos como Octavio Paz (1950/1968), Enrique Krauze (1987), e até mesmo Gómez
Galvarriato e Tenorio Trillo (2006), entre vários outros, criticaram o domínio do partido
na política mexicana.
Krauze, considerado um dos maiores especialistas sobre o Porfiriato e, por
muitos anos, aluno de Cosío Villegas, criticou em seus trabalhos interpretações
historiográficas que propunham uma total ruptura entre porfirismo e o levantamento de
1910, bem como uma mudança da estrutura do país após a Revolução. Seu revisionismo
contra esta historiografia pejorativa é influenciada por questões políticas do México,
principalmente por ser um profundo crítico do PRI. Segundo Garner,
[Krauze] ha sido un miembro influyente del grupo asociado con la
revista Vuelta (que incluía, antes de su muerte en 1998, al premio
Nobel Octavio Paz) que se oponía a la continua dominación del
Partido revolucionario institucional (PRI) en la política
contemporánea. Krauze observa paralelos significativos entre la era de
Díaz y el dominio absoluto del PRI en la política mexicana. Para
Krauze, la continuidad entre el porfirismo y el priismo se encuentra en
que ambos mantenían una forma perniciosa de autoritarismo liberal.
Sostiene que desde la revolución, México ha experimentado sólo una
transición superficial de una dictadura personal a una dictadura de
partido (…). (GARNER, 2003, p. 26- Grifo no original).
108
O próprio Camilo de Mello Vasconcellos explicou que, em 2003, por exemplo, o Museu de História
Nacional sofreu alterações, principalmente após a perda de hegemonia do PRI no poder, e a vitória do
PAN. Como afirmou o historiador ao visitar as novas exposições, a sala que era conhecida como a
Ditadura Porfirista, anterior à Revolução e causa desta, transformou-se em Sala Hacia la Modernidad
(1867-1910). Tais medidas corroboram com nosso argumento de que, frente ao desencanto com o PRI e
sua permanência por 71 anos no poder, constituindo-se em uma ditadura de partido, como muitos
intelectuais afirmaram, novas avaliações foram feitas sobre o Porfiriato, voltando os olhos com mais
cuidado para este período histórico. Como escreveu Vasconcellos: ―Comparando a antiga concepção
museológica referente a esse período específico da História Mexicana, assiste-se à transmutação do antigo
ditador em um grande modernizador, com imagens de época que buscam testemunhar esta nova visão.
Esta operação é um grande exemplo da construção de uma memória calcada no presente e para atender
aos reclamos do momento político que o México vem atravessando.‖ (VASCONCELLOS, 2007, p. 194).
Entretanto, acreditamos que uma interpretação pejorativa sobre o governo de Don Porfirio ainda possui
força no cenário histórico atual.
120
Deste modo, o que percebemos é que, ao afirmar não ter havido uma drástica
ruptura entre o governo de Díaz e a Revolução Mexicana, Krauze não deixou de tecer
críticas ao governo porfirista. A proposta do historiador foi mostrar que, permanecendo
setenta e um anos no poder, mesmo que por meio de reeleições (totalmente discutíveis,
como foi o caso da disputa eleitoral entre Salinas de Gortari e Cuauhtémoc Cárdenas,
em 06 de julho de 1988109
), o governo priista também agiu de forma autoritária,
concentrando poderes em suas mãos e diminuindo a dinâmica partidária no país; ou
seja, o México vivenciou primeiramente uma ditadura pessoal e, posteriormente, de
partido. A nova proposta tinha como principal tese a permanência, e não completa
ruptura, de muitos aspectos do Porfiriato durante a Revolução Mexicana. Reflexão da
qual Tenorio Trillo e Gómez Gavarriato compartilharam. Como afirmaram,
Las columnas que sostenían la leyenda negra del Porfiriato (...) han
ido cayendo poco a poco. No porque el Porfiriato fuera en verdad el
paraíso perdido, sino porque él régimen posrevolucionario
gradualmente se alejó del edén prometido. (GÓMEZ
GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, p. 14).
Concomitante a isto, não percebíamos trabalhos que aprofundassem as
interpretações do Porfiriato em tempos revolucionários, como elas começaram a ser
construídas, em quais escritores os autores se embasaram (como, por exemplo, em
Madero), quais as analogias feitas com Díaz para exemplificar sua presidência, com
quem esta geração de escritores dialogou, quais argumentos foram refutados e/ou
construídos, entre outros aspectos. O objetivo foi mostrar como esta geração refutou o
discurso e argumentos da geração de escritores contemporânea ao governo porfirista
(principalmente a respeito do conceito de ―pacificação‖).
Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo (2006), como para o próprio Garner,
embora exista uma ampla produção historiográfica acerca do referido período histórico,
poucos trabalhos pensam como elas foram produzidas. Os dois primeiros historiadores,
escrevendo sobre a situação historiográfica atual, explicaram que existem dois grandes
consensos sobre o porfirismo: ao mesmo tempo em que ele é representado como uma
época que gerou progressos materiais ao México, modernizou o país e promoveu uma
estabilidade interna, é visto como uma ditadura que, além de suprimir os direitos dos
cidadãos, não cumprindo com as propostas da Constituição liberal de 1857, nomeava os
109
Durante as eleições presidenciais de julho de 1988, houve uma falha no sistema informativo de
contagem de votos no país. Após a volta do sistema, Cuauhtémoc Cárdenas, candidato do Partido da
Revolução Democrática (PRD), havia perdido a disputa para Salinas de Gortari, concorrente do PRI.
121
aspirantes aos cargos do poder Legislativo, além dos magistrados (como vimos em
alguns trechos das obras de Cosío Villegas e Florescano)110
.
Deste modo, como tentamos demonstrar nesta última parte da dissertação,
conhecer as matrizes avaliativas sobre o Porfiriato é importante para compreendermos
elementos interpretativos em obras de escritores atuais. O que percebemos muitas vezes
é uma ausência de reflexão de historiadores acerca dessas construções, de como houve
mudanças sobre a imagem do presidente e seu governo ao longo dos períodos. O
objetivo foi mapear a historiografia que se consolidou a partir dos oitocentos e como a
mudança para uma interpretação ―antiporfirista‖ no século XX, principalmente após a
eclosão do processo revolucionário, ainda admite traços na produção histórica
contemporânea, mesmo que tenha ocorrido mudanças a partir da década de 1990. Como
vimos, de herói que conduzia a nação ao caminho do progresso, Díaz passou a ser visto
como um tirano, que acossou a população mexicana, principalmente os mais pobres.
Atualmente, como afirmaram Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, duas grandes
visões sobre o porfirismo permanecem consolidadas: Don Porfirio é visto tanto como
um modernizador, que elevou as cifras econômicas do México, quanto um ditador
arcaizante, que acumulou poderes durante trinta e um anos de mandato. Como
buscamos discutir, desconstruir esses consensos é significativo e importante para os
estudos sobre o Porfiriato. Não existiram ao longo dos anos distorções a respeito de uma
imagem genuína do presidente que se perdeu com o passar do tempo (como deixamos
claro no início deste trabalho). Entretanto, voltar aos períodos estabelecidos e pesquisar
a construção interpretativa sobre o porfirismo nos mostra como existiram e existem
várias possibilidades de interpretações, cada uma pautada em projetos e conjunturas
políticas diferentes. Desconstruir visões formadas, premissas consolidadas foi o foco da
pesquisa.
110
En esencia, había, y hay, un cierto consenso en que el Porfiriato fue una dictadura más o menos
opresiva, aunque en el carácter represivo del régimen hay un enigma aún por resolver si vemos el
Porfiriato en el contexto de las dictaduras del siglo XX en el mundo y en México.
Hay también un consenso en la idea de que el régimen porfiriano significó progreso económico, creación
de instituciones, desde fábricas y patentes hasta leyes fiscales y bancos; que tanto, cómo y para quién, es
aún incierto, no obstante la nueva historia económica del Porfiriato. (GÓMEZ GALVARRIATO;
TENORIO TRILLO, 2006, p. 18)
122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AGOSTONI, Claudia. Curar, sanar y educar: Enfermedad y sociedad en México,
siglos xix y xx. México: Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de
Investigaciones Históricas/Benemérita universidad autónoma de puebla, 2008.
_________________. ―Las mensajeras de la salud. Enfermeras visitadoras en la ciudad
de México durante la década de los 1920. Estudios de Historia Moderna y
Contemporánea de México, México, n. 33, jan.-jun. 2007, 32 p.
BARBOSA, Fernanda Bastos; Vasconcelos, E. H. B. de. Porfirio Díaz Under the
Foreign Eye: The Representation of the President and his Government Years by
American and British Writers (1901-1911). Delaware Review of Latin American
Studies, v. 13, p. 01-32, 2012.
BARRÓN, Luis. Historias de la Revolución Mexicana. Cidade do México: FCE, CIDE,
2004.
BARTRA, Armando; CÓRDOVA, Arnaldo; GILLY Adolfo et al. Interpretaciones de
la Revolución Mexicana. Cidade do México: editorial Nueva Imagen, 1980.
BENAVIDES Hinojosa, Artemio. El General Bernardo Reyes: vida de un liberal
porfirista. Monterrey: Ediciones Castillo, 1998.
BOBBIO, N.; MATEUCCI, N. Diccionario de Política. Cidade do México: Siglo XXI,
1991.
BOBBIO, N. A teoria das formas de governo na história do pensamento político.
Brasília: Editora UnB, 1980.
BOURDIEU, P. ―A ilusão biográfica.‖ In: In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta
de Morais (Coord.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
BRAVO OLMEDO, Valentina. ―La re-significación del honor durante la primera mitad
del siglo XIX en Latinoamérica‖. Cuadernos de Historia Cultural, Crítica y Reflexión,
vol. 2, Viña del Mar, 2012, pp.7-11.
BULNES, Francisco. El verdadero Díaz y la revolución. Cidade do México: Coma,
1920.
CAMPOS ARIAS, Antonio. John K. Turner, ¿„Precursor radical‟ de la revolución?
Dissertação de Mestrado. Cidade do México: Universidad Autónoma Metropolitana,
fevereiro 2011.
CARLYLE, Thomas. Os heróis e o culto dos heróis. São Paulo: Cultura Moderna, s/d.
CHAVES, António Rego. Joseph de Maistre, hoje. Considerações sobre a França. 2010.
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/40191573/Joseph-de-Maistre-hoje-
%C2%ABConsideracoes-sobre-a-Franca%C2%BB. Acessado em: 10 nov. de 2013.
Horário: 16h17min.
123
CÓRDOVA, Arnaldo. La ideología de la Revolución Mexicana: la formación del nuevo
régimen. Cidade do México: Ediciones Era, 1973.
COSÍO Villegas, Daniel. Historia Moderna de México: El Porfiriato, Vida Económica.
Cidade do México: Editorial Hermes, 1965.
CREELMAN, James. Díaz, master of Mexico. Lexington: Cornell University Library,
2011.
DAHER, Andréa; MARQUES, Arnaldo. ―Entrevista com Jacques Revel‖. In: Topoi, v.
10, n. 18, jan.-jun. 2009, pp. 67-76.
DEL PRIORE, Mary. ―Biografia: quando o indivíduo encontra a História‖. In: Topoi,
v.10, n.19, p. 7-16, jun/dez 2009.
DÍAZ, Lilia. ―El liberalismo militante‖. In: COSÍO VILLEGAS et al. Historia general
de México. Cidade do México: El Colegio de México, ed. 2000.
ESTRADA, Rosalía. John Kenneth Turner autor de México bárbaro. In: Fuentes
Humanísticas, México, v. 10, n. 20, 2000, pp.
FALCÓN, Romana. ―Logros y límites de la centralización porfirista‖. In: BLÁZQUEZ
DOMÍNGUEZ, Carmen et al. El dominio de las minorías: República Restaurada y
Porfiriato. Cidade do México: El Colegio de México, 1989.
FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; BARBOSA, Fernanda Bastos. Pacificar a
história: passado, presente e futuro nas formas de pensar a política mexicana na
transição do século XIX ao XX. Revista História da Historiografia, Ouro Preto, número
7, nov./dez. 2011, pp. 90-112.
FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus Vinícius de. ―Os EUA no século
XIX‖. In: KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século
XXI. São Paulo: Contexto, 2010.
_____________________. Patria mestiza: a invenção do passado nacional mexicano
(séculos XVIII e XIX). Jundiaí: Editorial Paco, 2012.
FLORESCANO, Enrique. Memoria Mexicana. México: Taurus, 2001.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
FUENTES, Juan Francisco. ―Mito y concepto de pueblo en el siglo XIX: una
comparación entre España y Francia‖. In: historia contemporánea 28, 2004, pp. 95-110.
FUNES, Patricia. Salvar la nación: intelectuales, cultura y política en los años veinte
latinoamericanos. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006.
GARCIADIEGO, Javier. Los intelectuales y la Revolución Mexicana. In:
ALTAMIRANO, Carlos (dir.); ―Historia de los intelectuales en América Latina‖ (vol.
II). Buenos Aires: Katz Ediciones, 2010.
GARNER, Paul. Porfirio Díaz: del héroe al dictador, una biografía política. Cidade do
México: Planeta, 2003.
124
GONZÁLEZ, Luis. ―El período formativo‖. In: COSÍO VILLEGAS et al. Historia
mínima de México. Cidade do México: El Colegio de México, ed. 2000.
GUERRA, François-Xavier. México: del Antiguo Régimen a la Revolución, I. Cidade
do México: FCE, 1991.
HALE, Charles. La transformación del liberalismo en México a fines del siglo XIX.
Cidade do México: Vuelta, 1991.
HARTOG, François. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
JIMENEZ MARCE, Rogelio. ―La concepción de Francisco Bulnes sobre la evolución
política de México en el siglo XIX‖. In: Anais da XIII Reunión de Historiadores de
México, Estados Unidos y Canadá. Santiago de Querétero, 2010. Disponível em:
http://13mexeuacan.colmex.mx/index_titulo.html. Acessado em: 10 nov. de 2013.
Horário: 15h29min.
______________________. La pasión por la polémica: El debate sobre la historia en la
época de Francisco Bulnes. Cidade do México: Instituto Mora, 2003.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.
KRAUZE, Enrique. Porfirio Díaz: Místico de la autoridad. Cidade do México: Fondo
de Cultura Económica S. A., 1987.
LARA PARDO, Luis. De Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial.
Nova Yorque: Polyglot Publishing & Commercial Co., 1912.
LOMNITZ, Claudio. ―Cronótopos de uma nação distópica: o nascimento da
dependência no México porfiriano tardio‖. In: MANA, vol. 15, n.1, 2009, pp. 91-125.
Available from:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
93132009000100004. (Accessed: August 14, 2012).
_________________. Los intelectuales y el poder político: la representación de los
científicos en México del porfiriato a la revolución. In: ALTAMIRANO, Carlos (dir.);
MYERS, Jorge (dir. do volume). ―Historia de los intelectuales en América Latina‖ (vol.
I). Buenos Aires: Katz Ediciones, 2008.
MADERO, Francisco I.. La sucesión presidencial en 1910: el partido nacional
democrático. Coahuila, 1908.
MALATIAN, Tereza Maria. ―A biografia e a história‖. In: Cadernos CEDEM, Franca,
vol. 01, n. 01, 2008. In:
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/cedem/article/viewFile/518/414.
Acesso em: 25/04/2013.
MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. São Paulo:
Editora Martins Fontes, 2007
125
___________. O Príncipe. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996.
MATA, Sérgio da. ―Elogio do Historicismo‖. In: VARELLA, F.; MOLLO, H.; MATA,
Sérgio da; ARAUJO, Valdei L. de. (Org.) A dinâmica do historicismo: revisitando a
historiografia moderna. Belo Horizonte: Argumentum, 2008.
MAY, H; McMILLEN, N.; SELERS, C.. Uma reavaliação da história dos Estados
Unidos: de colonia à potencia imperial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1990.
MEYER, Eugenia. John Kenneth Turner, periodista de México. Cidade do México: Era,
2005.
MIRANDA PACHECO, Sergio. ―Francisco Bulnes y la discusión sobre la
historiografía en México a comienzos del siglo XX‖. In: IZTAPALAPA 51, julio-
diciembre de 2001, pp. 181-192. Disponível em:
http://148.206.53.230/revistasuam/iztapalapa/include/getdoc.php?rev=iztapalapa&id=76
6&article=783&mode=pdf . Acessado em: 10 nov. de 2013. Horário: 18h20min.
MITRE, Antonio. O dilema do centauro: ensaios de teoria da história e pensamento
latino-americano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003
MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru:
Edusc, 2004.
MOTTA, Alda Britto da; WELLER, Wivian. ―A atualidade do conceito de geração na
pesquisa sociológica‖. In: Revista Sociedade e Estado, Vol.25, n. 02, Mai-Ago 2010,
pp. 175-184.
MUÑOZ ROSALES, Victórico. ―El positivismo escéptico de Francisco Bulnes‖. In:
Anais do Simpósio de Filosofia Mexicana. Cidade do México, México, 2009. Link:
http://pt.scribd.com/doc/182398816/Texto-Munoz-positivismo-Bulnes. Acessado em:
10 nov. de 2013. Horário: 16h17min.
NORA, Pierre. ―Entre memória e história: a problemática dos lugares‖. In: Projeto
História. São Paulo, n. 10, dez. 1993, pp. 07-28.
NÚÑEZ, Fernanda La prostitución y su represión en la ciudad de México (siglo XIX),
prácticas y representaciones. México: Gedisa, 2002, 219pp.
PLATÃO. ―Timeu‖. In: Timeu, Crítias. Belém: Universidade Federal do Pará, 1986.
PRIEGO, Natalia. ―Symbolism, solitude and modernity: science and scientists in
porfirian Mexico‖. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2,
p. 473-485, Abr.-Jun. 2008.
PURDY, Sean. ―O século americano‖. In: KARNAL, Leandro. História dos Estados
Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010.
REYES, Bernardo. El General Porfirio Díaz. Cidade do México: Editora Nacional,
1960.
126
REYES Heroles, Jesús. El Liberalismo mexicano. 3 vols. Cidade do México: UNAM,
1957-1961.
RICUPERO, Bernardo. ―As nações do romantismo argentino‖. In: MÄDER, Maria
Elisa; PAMPLONA, Marco A.. Revoluções de independências e nacionalismos nas
Américas: região do Prata e do Chile. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
RODRÍGUEZ KURI, Ariel. ―Francisco Bulnes, Porfirio Díaz y la Revolución
Maderista‖. In: Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, UNAM, v.
13, 1990, pp. 187-202. IN: http://www.iih.unam.mx/moderna/ehmc/ehmc13/172.html
Acessado em: 19 d fev. de 2010. Horário: 22h32min.
ROZAT DUPEYRON, Guy. Las orígenes de la nación: pasado indígena e historia
nacional. Cidade do México: Universidad Iberoamericana, 2001.
RUEDIGER, Francisco. Paradigma do Estudo da História. Porto Alegre: IEL, 1991.
RUIZ HAM, Emma Paula. ―Francisco Bulnes: um escritor controvertido‖. In: Instituto
Nacional de Estudios Históricos de las Revoluciones de México, 2013. Disponível em:
http://www.inehrm.gob.mx/Portal/PtMain.php?pagina=exp-obra-de-bulnes. Acessado
em: 10 nov. de 2013. Horário: 16h35min.
SIERRA, Justo. Evolución Política del Pueblo Mexicano. México: La Casa de España
en México, 1940.
SILVA, Agostinho da. ―Monotonia‖. In: SILVA, Paulo N. da (Org.). Citações e
pensamentos de Agostinho da Silva. Alfragide: Casa das Letras, 2009.
SIRINELLI, Jean-François. ―A geração‖. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta
de Morais (Coord.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
SOTO, Miguel E. ―Precisiones sobre el reyismo.
La oportunidad de porfirio díaz para dejar el poder‖. In: Estudios de Historia Moderna y
Contemporánea de México, Álvaro Matute (editor), México, Universidad Nacional
Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Históricas, v. 7, 1979, p. 105-133.
Disponível em: http://www.historicas.unam.mx/moderna/ehmc/ehmc07/083.html
Acesso: Dia: 20/out./2011
TENORIO Trillo, Mauricio; GÓMEZ GALVARRIATO, Aurora. El Porfiriato:
herramientas para la historia. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2006.
TURNER, John Kenneth. México Bárbaro. Cidade do México: Grupo Editorial Tomo,
2010.
TWEEDIE, Alec. Mexico as I saw it. Michigan: Michigan University Library, 2011.
UZUN, Julia Rany Campos. ¡A mis lectorcitos, la nación! A construção das memórias
mexicanas através dos manuais escolares durante o governo de Porfirio Díaz (1876-
1911). Dissertação de mestrado.Campinas, São Paulo, 2013.
127
VALADÉS, José. El porfirismo: Historia de un régimen. Cidade do México, UNAM,
1999.
VASCONCELLOS, Camilo de Melo. Imagens da Revolução Mexicana: O Museu
Nacional de História do México. São Paulo: Alameda, 2007.
VERA, Eugenia Roldán. ―‗Pueblo‘ y ‗Pueblos‘ en México, 1750-1850: un ensayo de
historia conceptual‖. In: Historia Contemporánea 28, 2004, pp. 95-110.
VILLORO, Luis. La revolución de independencia. In: COSÍO Villegas, Daniel. et al.
―Historia general de México‖. Cidade do México: El Colégio de México, 2000.
WASSERMAN, Claudia. ―Os programas políticos e trajetória pública dos candidatos à
sucessão das oligarquias no México, Brasil e Argentina no começo do século XX‖. In:
Revista de história comparada, volume 1, número 1, jun./2007, pp. 01-32.
WOMACK, John. Mexican Political Historiography. Investigaciones contemporáneas
sobre historia de México: memorias de la tercera reunión de historiadores mexicanos y
norteamericanos, Oaxtepec, Morelos, 4-7 de noviembre de 1969. Austin: University of
Texas Press, 1971, pp. 478-492.
ZORAIDA VÁZQUEZ, Josefina. ―Los primeros tropiezos‖. In: COSÍO VILLEGAS et
al. Historia general de México. Cidade do México: El Colegio de México, ed. 2000.