Artigo Final

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As Fases Metodológicas do Direito Processual Civil Brasileiro e os Conceitos de Ação, Jurisdição e Processo. Ainne Christie Paranaguá de Souza e Tainá Oliveira Castro Graduandas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Área do Direito: Civil; Processo; Teoria Geral; Resumo: Este trabalho tem por objetivo caracterizar os diferentes modelos de Estado e suas respectivas fases processuais, bem como a atuação do juiz e das partes na condução do processo. Para tanto, este será apresentado como um todo, sendo conceituado sob diferentes perspectivas e relacionado ao atual estado Constitucional Democrático. Ademais, também serão analisadas suas etapas principais, as quais são ação e a jurisdição. No que tange a primeira, esta é analisada a partir de diferentes teorias elaboradas por importantes processualistas, que debatem acerca de assuntos como o limite de seu exercício, sua relação com o direito material, bem como sua abordagem no Código de Processo Civil atual e no que entrará em vigência no próximo ano. Relativo ao conceito de jurisdição, por sua vez, serão abordados de forma minuciosa seus elementos constitutivos. Palavras Chaves: Modelos de Estado, fases processuais, processo, ação, jurisdição.

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As Fases Metodológicas do Direito Processual Civil Brasileiro e os

Conceitos de Ação, Jurisdição e Processo.

Ainne Christie Paranaguá de Souza e Tainá Oliveira Castro

Graduandas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Área do Direito: Civil; Processo; Teoria Geral;

Resumo: Este trabalho tem por objetivo caracterizar os diferentes modelos de Estado e suas

respectivas fases processuais, bem como a atuação do juiz e das partes na condução do

processo. Para tanto, este será apresentado como um todo, sendo conceituado sob diferentes

perspectivas e relacionado ao atual estado Constitucional Democrático. Ademais, também

serão analisadas suas etapas principais, as quais são ação e a jurisdição.

No que tange a primeira, esta é analisada a partir de diferentes teorias elaboradas por

importantes processualistas, que debatem acerca de assuntos como o limite de seu exercício,

sua relação com o direito material, bem como sua abordagem no Código de Processo Civil

atual e no que entrará em vigência no próximo ano. Relativo ao conceito de jurisdição, por

sua vez, serão abordados de forma minuciosa seus elementos constitutivos.

Palavras Chaves: Modelos de Estado, fases processuais, processo, ação, jurisdição.

Abstract: This article aims to characterize the different models of state and their respective

procedural stages, as well as the judge's action and the parties to the process of driving. There

fore, it will appear as a whole, being conceptualized from different perspectives and related to

the current democratic constitutional state. In addition, they will also be examined its main

stages, which are action and jurisdiction.

Regarding the first, it is analyzed from different theories developed by major procedural

experts debating about issues such as the limit of their exercise, their relationship with the

right equipment as well as its approach in the current Civil Procedure Code and which will

become effective next year. Concerning the concept of jurisdiction, in your turn, will be

addressed in detail its constituent elements.

Key Words: Statemodels, procedural stages, process, action, jurisdiction.

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SUMÁRIO:1. Introdução - 2. As mudanças no paradigma processual e seus influxos sobre os diferentes modelos de Estado - 3. Conceito de Jurisdição e sua adaptação ao Estado Democrático de Direito - 4. A ação: Diferentes acepções do termo e seus desdobramentos ao longo do processo - 4.1. As condições da ação e sua relevância ao novo Código de Processo Civil - 5. O processo no Estado Democrático: modelo cooperativo e princípio do contraditório. - 5.1. O processo como método de produção de norma jurídica. - 5.2. O processo como ato jurídico complexo. - 5.3. O processo como conjunto de relações jurídicas. - 5.4. O processo como procedimento em contraditório - 5.5. O processo e sua relação com essencial com a Constituição. - 6. Ação, Jurisdição e Processo: A busca pela tutela dos direitos.- 7.Conclusão - 8. Bibliografia

1. Introdução

O presente artigo tem por objeto o estudo do processo, neste sentido, buscou-se traçar

um elo comparativo entre as fases processuais e os diferentes modelos de Estado, que

evoluíram no decorrer da história, culminando no atual modelo de Estado: o Democrático

Constitucional. Por intermédio dessa relação, será possível analisar a influência que os

estágios do Processo Civil como um todo exercem sobre os conceitos de ação, jurisdição e

processo.

Tal análise é de demasiada importância frente à atual mudança na conjuntura

processual com o advento da criação de um novo Código de Processo Civil, que entrará em

vigor no ano de 2016 e mudará parte do cenário jurídico.

Diante disso, almejando um estudo mais específico do objeto e mais amplo quanto à

cognição, o presente artigo irá tecer acerca não somente da conjuntura histórica do processo,

como também a respeito de seu conteúdo que é formado pelo direito de ação e, a partir deste,

fornece jurisdição efetiva. Destarte, ambos os conceitos (ação e jurisdição), devem ser

compreendidos de acordo com a perspectiva jurídica atual e futura.

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2. As mudanças no paradigma processual e seus influxos sobre os diferentes

modelos de Estado

A constante evolução dos modelos de Estado de direito ao longo da história, decorre

do surgimento de novos anseios da sociedade. Levando-se em conta o fato de o Direito, e

consequentemente, o processo, estarem intimamente ligados ao momento cultural da

sociedade, as novas demandas sociais implicaram no despontar de novas fases processuais a

fim de acompanhar estas transformações, tanto na esfera de organização social, quanto ao que

tange o regime político correspondente. Tal progresso observa-se nas transformaçõesdo

Estado Constitucional, caracterizado pela separação entre os poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, com o intuito de evitar a concentração de poder e pautada no sistema de freios e

contrapesos (checkand balances), no qual um poder limita o outro.

Esse modelo estatal tem como princípio básico a legalidade, sendo assim, tanto o

Estado quanto os particulares encontram-se sujeitos às leis promulgadas e devem respeitar

ahierarquia normativa, cujo topo corresponde a uma Constituição soberana. Por intermédio

dessa Constituição, institui-se um Estado de direitos fundamentais, que visa proteger o

cidadão não somente individualmente, mas também de maneira política e social. O primeiro

Estado a ser caracterizado como Constitucional foi o Estado Constitucional Liberal. A partir

deste o modelo Constitucional transpôs inúmeras transformações que caracterizaram as fases

posteriores denominadas de Estado Constitucional Social eEstado Constitucional

Democrático, que se estabelece atualmente.

Antecedente ao modelo Constitucional de Estado existiu o denominado Estado

Absolutista. Este caracterizou-se basicamente pela concentração de poder nas mãos do

monarca, bem como pela excessiva intervenção econômica, através do sistema econômico

mercantilista. Neste modelo estatal, o Estado se confunde com a figura do monarca, cuja

legitimidade pauta-se na crença do poder divino dos reis, no fato de o rei ser considerado o

representante de Deus, e pelo uso da força. Este também é marcado pelo tratamento desigual

da lei, uma vez que uma determinada parcela da sociedade era privilegiada com direitos em

detrimento dos deveres onerosos a outra. Tal característica refletiu na fase processual

característica desse tipo de estado, denominado Fase Praxista.

O praxismo corresponde à pré-história do direito processual civil, durante essa fase

metodológica do processo, os conflitos intersubjetivos eram resolvidos por intermédio da

autotutela ou autodefesa, ou seja, de maneira privatista. Isso ocorria porque o Estado

encontrava-se incapaz de lidar com os conflitos entre as partes, uma vez que a jurisdição era

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um sistema posto com o intuito de tutelar direitos subjetivos particulares. Além disso, não se

vislumbrava o processo como um ramo autônomo do direito, mas como um mero apêndice do

direito material. Destarte, o processo foi concebido como uma mera sequência de atos

destinados a permitir a aplicação do direito material violado.1

Assim, não se levava em consideração a relação jurídica existente entre os sujeitos

(relação jurídica processual), nem a participação dos litigantes (contraditório). Em suma,

durante essa fase de sincrética, o direito de ação derivava diretamente da violação do direito

material, sendo, portanto, um desdobramento do direito subjetivo. Ou seja, não provada a

violação, inexistia o direito de ação.

No que tange a participação das partes (autor e réu), ressalta-se que o processo era

visto como um direito exclusivo delas, ao qual se submetiam voluntariamente e

estabeleceriam um “contrato”. Dessa forma, na formação processual encontrava-se o

Litiscontestatio que as vinculava. Sobretudo, não havia percepção da relação jurídica existente

entre os sujeitos (relação jurídica processual), nem a necessidade de se permitir a participação

dos litigantes (contraditório). Em suma, o processo era inteiramente privado e as partes

utilizavam o Estado apenas como instrumento declaratório de seus direitos e, quando

necessário, como fonte de coação para fazer cumpri-los.

No século XVIII, a partir do abalo sofrido pelo Estado Absolutista, que contrastava

com os interesses burgueses, surgiu O Estado Liberal de direito, cuja base teórica tem parte

fundamentada nas ideias difundidas por Locke e Monstequieu.

A consolidação desse novo modelo, por intermédio da classe burguesa, determinava

que o Estado possuísse uma ordem normativa responsável por limitar o poder político. Dessa

forma, exigiu-se que a política fosse o exercício de uma ação normatizada, o que resultou na

elaboração da ideia do Estado de Direito. Nesse sentido, Bonavides2 evidencia que

“Foi assim – da oposição histórica e secular, na Idade Moderna, entre a

liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca – que nasceu a primeira

noção de Estado de Direito, mediante um ciclo de evolução histórica e

decantação conceitual [...] A pugna decide-se no movimento de 1789,

quando o direito natural da burguesia revolucionária investe no poder o

terceiro estado.”

1 Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. Vol. I. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. P. 389.2 Paulo Bonavides, A constituição aberta. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 41

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Esse modelo de Estado de direito era baseado em uma concepção eminentemente

liberal, que condicionava o Estado à liberdade de seus cidadãos, vinculada ao princípio de

legalidade. Sendo assim, subordinavam-se as funções do Estado às decisões de uma

assembleia legislativa. Em suma, transferiu-se a concentração decisória das mãos do monarca,

como havia no Estado Absolutista, para a lei.

Ademais, durante o Estado Constitucional Liberal estabeleceu-se a dicotomia entre o

público, relacionado ao Estado (direito à cidadania, representação política, etc.), e o privado

(direito à vida, liberdade, individualidade, propriedade, etc.). Essa dicotomia possibilitou ao

indivíduo buscar a materialização de suas conquistas frente a um Estado que assume uma

postura de não intervenção, cuja função fundamental se reduzia a ordem e a segurança

pública. Sendo assim, estabeleceu-se um Estado mínimo, que deveria intervir minimamente

na vida econômica e social dos indivíduos, atuando de maneira abstencionista e promovendo

a garantia dos direitos inatos ao homem (direitos fundamentais).

O liberalismo promoveu um Estado cuja Constituição tornou-se o fundamento de

validade do direito posto que, aos olhos do cidadão revolucionário, marcaria a passagem de

dois momentos essenciais: o de ruptura com a ordem em que se encontrava o antigo regime e

o construtivo, que definiria a nova ordem através do Poder Constituinte. Sendo assim, na

perspectiva do Estado Liberal de direito, as liberdades individuais teriam como aparato o

alicerce constitucional.

Ressalta-se que, não somente através da Constituição, a vida em sociedade exigia o

estabelecimento de normas capazes de regular os atos de seus componentes e promover a

ordem jurídica. Nesse contexto, destaca-se que, no Estado regido pelo liberalismo, tal ordem

dependia estritamente da autoridade legisladora, o que resultou em sua primazia em relação

aos demais poderes estatais. Assim, o Poder Legislativo assumiu precedência em detrimento

do Poder Judiciário que, na prática, encontrava-se “politicamente neutralizado”. Tais

características são inerentes à fase processual em que se encontrava o Estado Liberal, sendo

esta denominada de Fase Processualista.

O processualismo tem seu início demarcado pela teorização do processo. O que antes

era mera técnica, agora é desvelado e estudado como ciência. O primeiro passo desta

cientifização processual ocorre pela forma sistemática em que se estabelece a autonomia do

direito processual com relação ao direito material. Pioneiro na estabilização da ideia de

autonomia do processo, Oscar Bulow afirmou que relação processual e direito material não se

confundem, uma vez que uma pode existir sem a outra.

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A ação deixa de ser considerada mero apêndice do direito material, como fora na fase

praxista, para se tornar um direito autônomo de ir à juízo. No entanto, como afirma Daniel

Mitidiero, o excesso de autonomia aferida ao processo resultou em isolamento ao direito

material, tornando- o cada vez mais distante de seu objetivo de tutelar o direito, apegando-se a

formalização de forma exacerbada. Tal fato culminará em uma fase processualista posterior

denominada de instrumentalismo, que será caracterizada adiante.

A fase processualista vinculada ao Estado Liberal levou também a ascensão o

principio da legalidade, tornando a lei um ato supremo e vedando qualquer decisão contra

legem. Sendo assim, os juízes não poderiam invocar direito algum que colidisse com a lei,

limitando a movimentação dos tribunais em um “quadro jurídico-político pré-constituído” e

buscando fortalecer o princípio da segurança jurídica.

Nota-se que, o poder judiciário assumiu posição passiva e neutra, fortalecida pelo

domínio das partes em relação aos atos processuais. Logo, o mesmo possuía papel apenas

reativo, atuando quando provocado e nos limites impostos pela legislação, fazendo do “poder

de julgar” um fenômeno apenas declaratório. Por conseguinte, a ausência de interferência

direta do juiz sobre o desenvolvimento processual, tornou os litigantes os verdadeiros árbitros

do processo.

2.1 Do Liberalismo ao Estado Democrático: Evolução processual e ascensão do

formalismo-valorativo atual

As ideias abstratas nas quais se baseava o Estado liberal de direito, principalmente as

que se referiam ao exercício das liberdades e igualdades formais, bem como a propriedade

privada, culminaram por fundamentar práticas sociais, caracterizadas na história como de

maior exploração do homem pelo homem. Apesar dos cidadãos terem alcançado o ideal de

liberdade em face do Estado, através de um documento formal que lhes garantia uma gama de

direitos (de 1ª geração), viu-se que tais garantias reduziam-se ao campo meramente formal.

Observou-se que, no que tange o paradigma constitucional do Estado liberal de direito, a

condição de vida humana não melhorou muito em relação ao estado anterior, pelo contrário, a

alteração aconteceu apenas para as classes sociais mais privilegiadas.

Destarte, os indivíduos passaram a buscar isonomia material, que deveria ser garantida

mediante a alteração do papel desempenhado pelo Estado. Emergiu-se, pois, a necessidade da

passagem do Estado Liberal de direito para o Estado Social, diante da necessidade de

superação do individualismo exacerbado e a busca por uma sociedade mais equânime. Sendo

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assim, o abstencionismo estatal, que antes era regra, deveria ser substituído pela dupla atuação

do Estado a fim de garantir a igualdade: aumentando a intervenção nas relações contratuais e

aderindo obrigações que o comprometesse com prestações públicas a favor de todos os

cidadãos.

A partir do século XIX, o Estado, agora Social, passou a redirecionar suas funções e,

além da manutenção da paz e da segurança pública, viu-se responsável por atender anseios de

cunho socialista. As inúmeras lutas populares ampliaram direitos civis, como: fiscalização do

Estado por meio de organizações sociais (associações, partidos políticos, sindicatos), direito à

informação, bem como a inserção dos não possuidores de patrimônio (propriedade) no

processo político-eleitoral. Ademais, criaram direitos sociais referentes ao trabalho, lazer,

saúde e educação e direitos das minorias (mulheres, idosos, índios, negros). Logo, o Estado

social de direito se revelou em “um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem

estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa humana” 3.

Esse novo paradigma que exsurge, não modificou somente o que diz respeito aos

direitos individuais, uma vez que, até mesmo o principio da separação dos poderes estatais foi

reinterpretado. O Poder Legislativo, além da função que já desempenhava, passou a exercer

atividades de controle, de modo a efetivara fiscalização da Administração Pública e da

atuação econômica estatal. O Poder Executivo, por sua vez, recebeu atributos legislativos e

jurídicos, de maneira que pudesse intervir direta e imediatamente na economia e na sociedade,

em prol do interesse coletivo, social, público ou nacional. Quanto ao Poder Judiciário, este

deixou de realizar a tarefa mecânica de aplicação legislativa, por meio de subsunção

automática dos fatos. Agora, pois, não se limitava a ser apenas a boca da lei (bouche de laloi).

Inicia-se uma nova fase metodológica processual, o Instrumentalismo, verificando que

o processo, embora independente, é instrumento de pacificação social, não podendo se

desvincular da ética nem de seus objetivos sociais, econômicos e políticos. O direito

processual, portanto, devia privilegiar a importância dos resultados da experiência dos

jurisdicionados com o processo, valorizando a instrumentalidade deste. Sendo assim, após

finalmente conquistar sua autonomia científica e abandonar a fase sincrética, na qual

desenvolveram-se institutos e conceitos de ciência processual de suma importância, percebeu-

se a necessidade de estudar o processo em função de seus resultados, e não mais como um fim

absoluto em si próprio.

3 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 115

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Durante a fase instrumentalista, passou-se a almejar maneiras de efetivar o sistema

processual, tornando-o apto para servir como verdadeira e competente via à "ordem jurídica

justa". Os pressupostos internos passam a dar espaço a novos escopos: o social, vinculado a

paz social e a educação do povo, e o jurídico, relacionado a afirmação da autoridade do

Estado e a busca da vontade concreta do direito. Em suma, o processo civil, não poderia mais

se conformar em ser mera técnica, baseado exclusivamente em formas, uma seguida da outra.

Nesse contexto, caberia ao juiz ser o porta voz do direito (labouche dud roit), por

intermédio de métodos como a sistêmica, a histórica e análise teleológica, capazes de libertar

o sentido da lei da vontade subjetiva do legislador, em prol da vontade objetiva da própria lei,

a fim de materializar o direito que a mesma representa diante dos programas e tarefas sociais.

Exigia-se, pois, que o Poder Judiciário realizasse aplicação construtiva do direito material

vigente, com o intuito de alcançar seu fim último na perspectiva do direito positivo. Logo,

através de sua função jurisdicional, concretizaria o direito e garantiria a justiça no caso

concreto sob o principio da igualdade.

O Estado Social de direito, aliado à fase Instrumentalista que o caracterizou gerou,

sobretudo, o aumento da justiça distributiva e a proliferação de novos direitos, em especial

coletivos, realizando um verdadeiro movimento em busca do acesso à justiça. Além disso, os

tribunais tiveram modificado seu significado sociopolítico, dando espaço a “novos campos de

litigação”. Com relação a isso, Boaventura destaca que: “a distinção entre litígios coletivos

torna-se problemática na medida em que os interesses individuais aparecem, de uma ou outra

forma, articulados com os interesses coletivos.”4

À vista disso, o processo a luz do instrumentalismo tem como seus destinatários não

mais os operadores do direito, os juristas, mas sim os jurisdicionados, que são os verdadeiros

alvos da função jurisdicional. Demanda-se um processo apto a solucionar as crises do direito

material e bom o suficiente para atender os que dele necessitam diariamente.

As ideias socialistas que culminaram com a maior preocupação social, característica

do modelo de estado anterior, trouxeram também consigo o ensejo de uma maior participação

política, do qual se sobressai o Estado Democrático Constitucional. Este é, portanto, o

resultado da evolução histórica do Estado Social com a “internalização do valor participação

na formação das decisões estatais.” 5

4 Boaventura de Sousa Santo, Maria Manoel Leitao Marques; Joao Pedrozo, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: O Caso Português. 2ª Ed. Porto: Afrontamento.1996. P. 34. apud Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P. 107 5Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P. 107.

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O Estado Democrático de Direito é a consolidação dos direitos adquiridos através dos

modelos anteriores, Liberal e Social, tendo sua legitimidade fundamentada na Constituição, a

qual reúne todas as diretrizes que o constitui, tornando inválido tudo o que estiver presente no

Estado que não esteja em conformidade com a mesma, e a garantia geral de vigência e

eficácia dos direitos fundamentais, que compreendem os individuais, coletivos, sociais e

culturais.

Suas principais características são o embasamento no regime democrático e no

princípio da soberania popular, manifestada por meio de representantes políticos; a igualdade

de todos perante a lei, no que implica completa ausência de privilégios de qualquer espécie; e

o “império da lei”, no sentido da legalidade que se sobrepõe à própria vontade

governamental.6

No que tange à fase processual, o Estado Democrático é predominado pelo

formalismo-valorativo, “no qual o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno

cultural.” 7 A técnica se torna mera forma para se atingir o principal objetivo, que a tutela

adequada, tempestiva e efetiva dos direitos. Não se preocupa apenas com a realização do

direito material, mas com um processo que se forme embasado em valores, como a justiça, a

igualdade e a segurança, resguardados pela Constituição.

Dessarte, no formalismo-valorativo, O juiz, de mero porta-voz da lei, torna-se

essencial, aumenta-se o ativismo judicial, confiando ao mesmo à direção substancial, e não

apenas formal do processo.8 No entanto, as partes e o juiz formam uma comunidade de

trabalho, a partir de uma relação de simetria, onde todos participam em cooperatividade, cada

um com sua função, a fim de garantir a tutela dos direitos.

A cooperatividade citada anteriormente torna-se possível através do diálogo,

característica inerente ao sistema democrático e que reflete-se no processo através do

princípio do contraditório. Como afirmado por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira9:  

“Essa conseqüência, por outro lado, reforça-se pela percepção de uma

democracia mais participativa, com um conseqüente exercício mais ativo da

cidadania, inclusive de natureza processual. Ora, a idéia de cooperação há de

implicar, sim, um juiz ativo, colocado no centro da controvérsia, mas

6Augusto Zimmermann, Curso de direito constitucional. 2ª Ed. Rio de Janeiro: LumenJuris , 2002. P.64.7Marco Felix Jobim, Cultura, Escolas e Fases Metodológicas do Processo. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. P. 968Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Poderes do juiz e visão cooperativa do processo, cit. P. 92, apud Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P.1179 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Efetividade e Processo de Conhecimento. In: Do Formalismo no ProcessoCivil. 2003, p. 253. (b)

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também a recuperação do caráter isonômico do processo, com a participação

ativa das partes. O diálogo assim estimulado substitui com vantagem a

oposição e o confronto, dando azo ao concurso das atividades dos sujeitos

processuais, com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto na

valorização da causa.”

Sendo assim, e notável a relação, como dito logo no início deste tópico, que a

organização política e estatal impere sobre o judiciário, e logicamente, sobre o processo. A

cada modelo de Estado transposto, nota-se a necessidade de adequação das fases

metodológicas de processo às demandas sociais e ideológicas pertinentes, reforçando a ideia

do Direito como produto da cultura humana:

“Processo é cultura, ligado ao exercício do poder e ao estágio de avanço

político de uma determinada civilização. Portanto, a técnica somente serve à

ideologia, compreendida em seu sentido de valores que informam as leis

processuais.” 10

3. Conceito de Jurisdição e sua adaptação ao Estado Democrático de Direito

Atualmente, em suas relações sociais, o homem está sujeito a diversas situações capazes

de manifestar conflitos de interesses. Tais conflitos poderão, em alguns casos, ser resolvidos

entre as próprias partes, quando ambos os envolvidos fazem concessões e possibilitam um

acordo, não necessitando de intervenção jurídica. No entanto, em outros casos, devido à

resistência de uma parte à exigência de outra, surge a necessidade de que o Direito atribua a

um terceiro imparcial a resolução desses conflitos, por intermédio da atividade processual. A

essa função de realizar o Direito de modo não apenas imparcial, mas também com disposição

para tornar-se indiscutível, dá-se o nome de Jurisdição.

Diante da dinâmica evolução da ciência jurídica e dos modelos processuais, no decorrer

da transitoriedade das formas estatais, tornou-se necessário também a adequação do conceito

de Jurisdição a nova demanda da realidade social.

O conceito tradicional de Jurisdição relaciona-se com “a função do Estado que tem por

escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade dos

órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a

10 Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P.66

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existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva” 11. No entanto, o mesmo já

não abarca as peculiaridades do momento jurídico vivido pelo Estado Democrático

Constitucional.

No atual contexto, é exigida do órgão jurisdicional uma postura mais ativa e criativa para

a resolução dos problemas12, já que a doutrina jurídica chegou a um consenso de que texto e

norma não se confundem, tornando imprescindível a atividade interpretativa por parte do Juiz,

não podendo este atuar como mero portador da “vontade concreta” da lei.

Ademais, a ideia de que, na atividade jurisdicional, o Estado tem por função a

substituição da vontade das partes não é ideal ao conceito de Jurisdição, já que este vem

perdendo espaço em detrimento das novas possibilidades de se obter a resolução dos litígios,

como a arbitragem e através dos equivalentes jurisdicionais, como a autocomposição, a

mediação e outros.

A autocomposição é um meio alternativo de pacificação social, que pode ocorrer fora ou

dentro do processo jurisdicional, no qual os conflitantes fazem concessões mútuas a fim de

solucionar o conflito. Pode ainda ser observada quando uma das partes sacrifica seu interesse

próprio e submete-se a pretensão da outra de maneira voluntária, resolvendo o litígio de

maneira altruísta. A fim de estimular a autocomposição, utiliza-se a mediação, que consiste

em uma técnica não-estatal na qual há a presença de um terceiro, mediador, que conduz as

partes à solução do conflito. O mediador atua no sentido de fazer com que os contendores

encontrem as causas do problema e tentem saná-las.

Vale ressaltar que, tais equivalentes não se confundem com Jurisdição por lhes faltarem

definitividade e insuscetibilidade de controle externo, já que essas decisões podem ser revistas

pelo poder judiciário.13

A arbitragem, ao contrário, não possibilita controle judicial em sua sentença, apenas em

relação à sua validade. Sendo assim, uma sentença arbitral não pode ser revogada ou

modificada quanto ao seu mérito, apenas anulada por vícios formais. Essa técnica consiste na

solução de conflitos na qual os litigantes buscam uma terceira pessoa, que deve ser de sua

confiança e dotada de imparcialidade, que será responsável por substituir a vontade das partes

e determinar uma forma de resolver o problema apresentado. Portanto, a arbitragem deve ser

considerada uma atividade jurisdicional não-estatal.

11 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, Vol II, Ed. Bookseller. 3ª Ed. P.08.12 Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil. 11ª Ed. Salvador: JusPodivm, 200. P. 95.13Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de Direto Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 98.

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Por conseguinte, as técnicas citadas reforçam a ideia de não exclusividade estatal para a

solução dos conflitos de interesses, demonstrando que o conceito de Jurisdição não está

obrigatoriamente vinculado ao conceito de Estado-nação.

No atual modelo de Estado, o conceito mais adequado de Jurisdição, é a “função

atribuída a terceiro imparcial, de realizar o Direito de modo imperativo e (re)construtivo,

reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente formuladas, em

decisão insuscetível de controle externo”.14

A partir dessa definição é possível destacar os elementos mínimos que a constituem.

Entre eles está a heterocomposição, característica que consiste na substituição da vontade das

por um terceiro imparcial e estranho ao conflito, incumbido de deliberar uma solução para o

litígio.

A Jurisdição também constitui-se minimamente como manifestação de um Poder,

impondo-se de maneira incisiva na aplicação do Direito às situações concretas. Tal Poder

advém do Estado, no entanto, não necessariamente deve ser exercido por ele, já que este

autoriza o desempenho da função jurisdicional por outros agentes privados, como observado

na arbitragem.

Além disso, entre os principais elementos jurisdicionais, está a criatividade da norma jurídica,

o que significa dizer que na jurisdição, a partir do processo de interpretação do texto da lei,

cria-se a norma que se adequa ao caso concreto. Sendo assim, os problemas jurídicos não

podem ser resolvidos apenas como uma operação dedutiva, uma vez que há, sobretudo, uma

tarefa de produção jurídica incumbida aos tribunais. Destarte, os mesmos devem interpretar,

construir e distinguir os casos, para que finalmente cheguem as suas decisões.

“Ao decidir, o tribunal cria. Toda decisão pressupõe ao menos duas

alternativas que podem ser escolhidas. Mas a decisão não é uma

delas, mas algo distinto delas (é algo novo) [...].” 15

Outro ponto inerente à jurisdição é o de que esta se caracteriza de maneira essencial

como técnica responsável pela tutela dos direitos e pela impossibilidade de controle externo, o

que significa que a última decisão tomada sobre a situação concreta não se submete ao

controle de nenhum outro poder.16Em suma, a jurisdição somente é controlada pela própria

jurisdição.

14 Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil. 11ª Ed. Salvador: JusPodivm, 200. P. 15315Ídem, P. 70.16Ídem, P. 75.

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No mais, através da junção de seus elementos mínimos, a jurisdição tem por objetivo

editar a norma jurídica a fim de tutelar as necessidades do direito material e,

consequentemente, alcançar seu escopo magno jurisdicional, sendo este a pacificação social.

4. A ação: Diferentes acepções do termo e seus desdobramentos ao longo do

processo

A partir do momento em que a veda-se a busca por justiça de forma autônoma,

admitindo-se a autotuela em raras exceções, torna-se cabível ao Estado prover meios para que

se torne possível a restauração do direito lesado. Um destes meios é o processo, através do

direito de ação.

A ação, em uma das várias acepções do termo, é o “direito de provocar a jurisdição,

direito ao processo, direito de instaurar a relação jurídica processual. Trata-se da ‘pretensão à

tutela jurídica, que se exerce contra o Estado para que ele preste justiça. ’17 Em uma relação

jurídica decorrem direitos e deveres para os seus sujeitos. Por exemplo, ao exercer o direito de

ação, o autor confere ao Estado a obrigação de manifestar-se sobre o pedido formulado e

prestar a tutela efetiva, tempestiva e adequada dos direitos.

Na relação jurídica processual do atual Estado Democrático de Direito, há a formação

de uma comunidade de trabalho entre juiz, partes, serventuários, auxiliares de justiça e todos

aqueles que atuam a fim de que se obtenha, como supracitado, a tutela dos direitos. No que

tange aos direitos e deveres que permeiam essa relação, no novo Código de Processo Civil,

artigo 10, é afirmado de forma tácita que ao juiz cabe o dever de debates, o que significa que

“o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do

qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria

sobre a qual deva decidir de ofício.”

Às partes, por sua vez, conforme assinalado por Leonardo Cunha cabe “(a) o direito de

ser ouvido; (b) o direito de acompanhar os atos processuais; (c) o direito de produzir provas;

(d) o direito de ser informado regularmente dos atos praticados no processo; (e) o direito à

motivação das decisões; (f) o direito de impugnar as decisões. Para que tudo se realizasse,

seria preciso a ciência das partes.” 18

17 Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil. 11ª Ed. Salvador: JusPodivm, 200. P. 17518 Leonardo Carneiro da Cunha, O princípio contraditório e a cooperação no processo. Disponível em: <http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/o-principio-contraditorio-e-a-cooperacao-no-processo/>. Acesso em: 22 maio. 2015.

Page 14: Artigo Final

O juiz, no entanto, não possui somente deveres. A ele são atribuídos poderes para

exercício das funções jurisdicionais. No uso desses poderes é que ele determina o

comparecimento da testemunha, gerando para esta o dever de comparecer. Sem os poderes de

que está investido, o juiz jamais teria condições de desempenhar sua tarefa.

As partes também não possuem somente direitos, dispondo também de faculdades,

como a de reinquirir testemunhas na audiência de instrução e julgamento, e deveres como o

da boa-fé e o de arcar com os custos processuais. Suportam ainda ônus, devendo praticar

determinados atos para evitar prejuízo.19

Tal relação jurídica processual descrita acima é possível, como dito anteriormente,

através do exercício do direito de ação, a fim de que se obtenha do judiciário o respaldo a um

direito subjetivo lesado ou a resolução de um conflito de interesses qualificado por uma

pretensão resistida.

Destarte, pode-se afirmar que o processo e o direito material encontram-se ligados por

um “nexo de finalidade20”, em uma relação circular, na qual “o processo serve ao direito

material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele.” 21

No entanto, afirmar que processo e direito material encontram-se unidos por um “nexo

de finalidade” não significa que o mesmo tem como objetivo apenas declarar um direito

material existente. Como afirmado por Pontes de Miranda, é característico do processo

volatilizar a certeza do direito material, ou seja, o direito enquanto demanda ao judiciário,

torna-se apenas expectativa, mesmo que esteja positivado no ordenamento material. Como

dito também por Ovídio Araújo Baptista da Silva: “o processo é uma máquina diabólica de

criar expectativas.”

O direito material ao ser interpretado no processo produz um novo direito. Esta é a

ideia base da teoria circular dos planos de Carnelutti, na qual o processo serve para efetivar o

direito material e este serve ao processo, na medida em que é o direito material que dá ao

processo seu sentido. Assim é possível perceber que existe relação entre os institutos do

direito material e processual, entretanto, essa se dá de forma circular, ou seja, sem a existência

de qualquer subordinação ou hierarquia, mas sim, de complementaridade.22

19 Anderson Novaes Vieira; Nina Zinngraf Pizl et AL, Natureza jurídica da ação e do processo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3078>. Acesso em: 22. maio. 2015.20 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil. 8ªEd. Rio de Janeiro: Forense, 2007. P. 25 apud Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P. 100. 21 Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P. 191.22 Nelson Mancini Brandoliz, As relações recíprocas entre direito material e direito processual. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2391/1915/>. Acesso em: 22 maio. 2015.

Page 15: Artigo Final

Destarte, é possível perceber que a ação possui certa autonomia com relação ao direito

material, mas ao mesmo tempo, é errôneo afirmar que por estarem em planos diferentes, estes

se encontram totalmente dissociados, já que apresentam-se unidos pelo objetivo, o “nexo de

finalidade”, que é a efetiva tutela do direito trazido a juízo pelo requerente.

A ideia da existência de uma ação de direito material e de uma “ação” de direito

processual que se encontram em planos distintos, tem sua origem na Teoria Dualista

capitaneada por Pontes de Miranda. Esta afirma que há uma ação de direito material que é

amparada judicialmente por uma “ação” de direito processual, a partir do momento em que é

vedada a autotutela.

Daniel Mitidiero, ao adotá-la defende que a existência da ação material encontra-se

condicionada ao julgamento do mérito, sendo que nos casos em o mesmo é julgado

improcedente, fala-se em inexistência da ação. No entanto, a “ação” processual, por sua vez, é

um direito abstrato, portanto mesmo que se obtenha uma sentença de julgamento de mérito e

o direito material não se confirme, o direito a “ação” processual existiu.

A partir da análise da teoria supra, é possível denotar que sua relevância encontra-se

na assertiva da não submissão do direito de ação processual ao direito de ação material. Como

afirmado por Pontes de Miranda:

“Não é aqui o lugar para se criticar tão defeituosa compreensão da atividade

jurisdicional, nem para se chamar atenção, o que seria fácil, para a

arbitrariedade separativa que faz do legislador o único foco da elaboração

jurídica, e da Justiça atividade de segunda plana, mecânica e incapaz de

criação.” 23

4.1 As condições da ação e sua relevância ao novo Código de Processo Civil

Destarte, para se chegar ao julgamento do mérito citado por Daniel Mitidiero e

descobrir, de acordo com a Teoria Dualista, se houve ou não ação de direito material no 23Franciso Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado das ações, cit. 1970, v.1. P. 233-234, apud Hermes Zaneti Jr, A constitucionalização do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. P.205

Page 16: Artigo Final

pedido, é necessário, de acordo com o Código Civil atualmente em vigor, que o direito de

ação processual passe pelo exame de algumas questões preliminares denominadas de

condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade das

partes). As condições da ação estariam em uma zona intermediária entre as questões de mérito

e as questões de admissibilidade.24

No entanto, no novo Código Civil, recentemente aprovado e que entrará em vigor no

próximo ano, é omitido o termo “condições da ação”, o que originou debates quanto à

permanência desta categoria na doutrina.

Fredie Didier Jr. destaca a mudança de paradigma representada por esta ausência do

termo “condições da ação”, bem como pelo fato de o novo Código de Processo Civil também

não mencionar “possibilidade jurídica do pedido”, o que tornaria essa antiga condição da ação

em causa de decisão de mérito, já que esta não se encontra mais entre os critérios de extinção

do processo como estivera no artigo 267, VI do Código Civil de 1973. As outras antigas

condições da ação, interesse de agir e legitimidade das partes, passam a ser inseridas na

categoria dos pressupostos processuais.

No que tange à primeira alteração, Didier afirma que deixando de haver menção à

categoria “condição da ação”, no inc.VI do art. 472 que equivale ao inc.VI do art. 267 do

CPC/1973, onde este termo é expresso, conclui-se que não haverá mais razão para o uso, pela

ciência do processo brasileira, do conceito “condição da ação”25.

Em resposta a estas afirmações formuladas por Fredie Didier Jr, Alexandre Freitas

Câmara rebate em outro artigo afirmando que, embora o novo Código de Processo Civil não

faça uso da expressão “condições da ação”, nem do termo “carência de ação”, não se poderia

entender, na sua opinião, que a categoria “condições da ação” seria eliminada ou abolida. Isso

porque esta diz respeito à ação, enquanto os pressupostos processuais concernem ao processo.

Sendo a ação e o processo institutos distintos, cada um tem seus próprios requisitos, não

sendo possível confundir as condições da ação com os pressupostos processuais.26

Relativo à opinião do processualista Alexandre Freitas Câmara deve ser observado se

as condições da ação realmente condicionam o direito de ação, ou o processo.

Fato é que, mesmo que o interesse de agir e a legitimidade das partes não sejam

válidas, isto não impedirá que o sujeito de direito recorra à prestação da tutela judicial, o que

24Fredie Didier Jr. Será o fim da categoria "condição da ação"? Um elogio ao projeto do novo código de processo civil. Revista de Processo. vol. 197, Jul / 2011. P. 256. 25 Ídem. 26Leonardo Carneiro da Cunha. Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre Freitas Câmara. Revista de Processo. vol. 198, Ago / 2011. P. 227.

Page 17: Artigo Final

significa que seu direito de ação permanece intacto. Se tais critérios não estiverem em

conformidade com a lei, o que na realidade acontecerá é o conflito não ser admitido como

processo, o que justifica, portanto, a categorização destes como pressupostos processuais, já

que entre estes estão os “antecedentes necessários para que o processo tenha existência

jurídica e validade formal”.

Sendo assim, é possível a conclusão que o conceito “condições da ação” não cumpre o

seu papel real de condicionar a ação, o que não justifica a sua permanência no novo Código

de Processo Civil.

Destarte, deve-se tomar nota também que, o fato de ação e processo serem institutos

distintos, ambos devem atuar de forma a promover a tutela adequada, tempestiva e efetiva dos

direitos. Sendo assim, deve-se observar no que concerne à permanência ou não do conceito de

condição da ação, se esta auxilia ou na concretização deste objetivo.

Como dito anteriormente, a permanência de tal conceito serviria apenas a manutenção

de uma forma processual que não cumpre o papel a que foi proposta. Sendo o desapego ao

caráter estritamente formal do processo um das principais características da fase processual

em que se encontra o Direito atualmente, o formalismo valorativo, adere-se a opinião de

Fredie Didier Jr. de inexistência da categoria “condição da ação” no novo Código de Processo

Civil.

5. O processo no Estado Democrático: modelo cooperativo e princípio do

contraditório.

O conceito de processo pode ser analisado através de diferentes pontos de vista, que

acabam por delinear o mesmo de maneiras variadas. Juristas de grande renome, baseados em

Page 18: Artigo Final

diferentes teorias, buscaram estabelecer tal definição. Entre as diversas perspectivas

abordadas, destacam-se as de Fred Didier Jr. e Elio Fazzalari, as quais serão explicitadas

respectivamente.

Fred Didier Jr expõe sua visão acerca do conceito de processo em sua obra “Sobre a

Teoria Geral do Processo, essa desconhecida”. No decorrer desta, o referido autor assevera

que a Teoria Geral do Processo é um sistema de conceitos, cujo conceito primário extraído de

suas definições fundamentais, é o conceito de processo.

Este, por sua vez, é responsável por delimitar o campo de objeto a ser estudado,

articulando os demais conceitos de maneira coerente e por intermédio de uma sistematização

lógica. Além disso, está pressuposto em todos os demais conceitos jurídicos processuais.

Didier aponta que o processo pode ser analisado sob perspectiva vária. Destarte,

variada também será a sua definição. Baseado nisso, este poderá ser compreendido através de

três abordagens jurídicas: como método de criação de normas jurídicas, ato jurídico complexo

(procedimento) e relação jurídica.

5.1 O processo como método de produção de norma jurídica.

Sob o ponto de vista da Teoria da Norma Jurídica, o poder de criação de normas,

somente pode ser exercido processualmente 27. Sendo assim, o processo é método de exercício

de poder, uma vez que produz normas jurídicas. Ademais, através dessa capacidade criativa

surgem os demais processos, como o legislativo (produção de normas gerais pelo Poder

Legislativo), administrativo (produção de normas gerais e individuais pela Administração) e

jurisdicional (produção de normas pela jurisdição).

Acerca desse contexto, Fred Didier Jr ressalva que a Teoria Geral do Processo se

restringe a definir o que são os requisitos de validade do processo e não quais são eles. Essa

limitação deve-se ao fato de que, o modo como se estrutura o processo irá variar de acordo

com o ordenamento jurídico que se examina, pois os contornos processuais são definidos

através do Direito positivo que o estuda.

Para melhor explicar essa observação, Didier utiliza como exemplo o Brasil, no que

tange suas especificidades processuais. Como afirmado anteriormente, a decisão jurisdicional

é fonte de normas jurídicas gerais (extraídas da sua fundamentação) e de normas

individualizadas (retiradas de seu dispositivo). Afirma-se, pois, que a jurisdição exerce-se de

27 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito.6ª Ed. João Baptista Machado (trad). São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 80.

Page 19: Artigo Final

maneira processual. No entanto, no sistema brasileiro, não é qualquer processo que legitima o

exercício da função jurisdicional. Assim, não basta que tenha havido processo para que o ato

jurisdicional seja considerado válido e justo. Isso ocorre, pois o método processo deve

obedecer ao modelo padronizado pela Constituição brasileira, que consagra elementos de

suma importância para a efetivação jurisdicional e, sobretudo, visa o direito fundamental ao

processo devido com todos os seus consequentes: contraditório, proibição de prova ilícita,

adequação, efetividade, juiz natural, motivação da decisão judicial, etc.

5.2 O processo como ato jurídico complexo.

Sob a perspectiva da teoria do fato jurídico, Fred Didier destaca que o processo é uma

espécie de ato jurídico, sendo um ato jurídico complexo cujo suporte fático é formado por um

conjunto de atos jurídicos destinados a certo fim. Nesse sentido, processo é sinônimo de

procedimento.

O procedimento é visto na categoria de ato complexo de formação sucessiva28 uma vez

que é um conjunto de atos jurídicos (atos processuais) relacionados entre si e que possuem um

objeto comum que, no caso do processo judicial, é a tutela jurisdicional.

Em suma, diz-se que o procedimento é um gênero, do qual o processo seria uma

espécie. Nesse sentido, o processo é tido como procedimento estruturado em contraditório.

Ressalvasse, no entanto que, a exigência do contraditório não é elemento indispensável para

se configurar um processo, pois um processo sem contraditório subsiste, tornando-se apenas

inválido. O contraditório é, portanto, requisito de validade e não de existência processual.

Nesse contexto, destaca-se que o processo como procedimento em contraditório faz

parte do direito processual em muitos países democráticos como, por exemplo, o Brasil.

Neles, raras são as possibilidades de atuação do Estado que não se dê por meio de tal

procedimento. No que diz respeito a esse cenário, Didier conclui com a informação de que já

se fala de um direito fundamental à processualização dos procedimentos, ou seja, existe uma

busca para a estruturação de todo procedimento por intermédio do contraditório. Sendo assim,

haveria também a processualização de atividades ou âmbitos estatais e privados que, até

então, não eram suscetíveis de se desenvolverem através do processo.

28 Giovanni Conso, I Fatti Giuridici Processuali Penali. Milano: Giuffrè, 1995. P. 124. Em sentido muito próximo, Paula Sarno Braga. Aplicação do devido processo legal às relações privadas. Salvador: JusPodivm, 2008. P. 35. apud Fredie Didier Jr. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. 2ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2013. P.70.

Page 20: Artigo Final

5.3 O processo como conjunto de relações jurídicas.

Ainda sob a visão da Teoria do Fato Jurídico, o processo pode ser analisado através do

plano da eficácia dos fatos jurídicos, pelo qual é tido como efeito jurídico. A partir disso, o

processo é definido como o conjunto de relações jurídicas estabelecidas entre os diversos

sujeitos que compõem o processo, sendo eles: as partes, o juiz, os auxiliares de justiça, etc.

Tais relações, por sua vez, podem formar através de diversos arranjos: autor-réu, autor-juiz,

juiz-réu, juiz-órgão do Ministério Público, etc. 29

Fred Didier destaca ainda que, através de uma aproximação de relação lógica, pode-se

dizer que as relações jurídicas formam uma única relação jurídica, também denominada

processo. Essa relação jurídica seria composta por um conjunto de situações jurídicas

(direitos, deveres, capacidades, ônus, competências, etc.), dos quais são titulares os sujeitos do

processo. Diante disso, costuma-se afirmar que o processo é uma relação jurídica complexa e,

por isso mesmo, seja mais adequado considera-lo como um conjunto de relações jurídicas.

Por conseguinte, estabelecido o conceito de processo como relação jurídica, Fred

Didier ressalta que, não se pode, em contra partida, definir o conteúdo dessa relação. Segundo

ele, não há como definir, sem examinar o direito positivo, o perfil das situações jurídicas

componentes da atividade processual. É preciso, sobretudo, analisar o modelo de processo

estabelecido pela Constituição, que primeiramente irá determinar o que está contido na

relação jurídica. Posteriormente, as normas processuais que devem estar em concordância

com o texto constitucional, completarão o conteúdo eficacial da relação jurídica processual.

5.4 O processo como procedimento em contraditório

Na perspectiva de Elio Fazzalari, o processo é “um procedimento do qual participam

(são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a

desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as

suas atividades”.

29 Antonio do Passo Cabral. Despolarização do processo e “zonas de interesse”: sobre a migração entre polos da demanda. Nº 26. Rio de Janeiro: Revista da SJRJ, 2009. P.19-55.

Page 21: Artigo Final

Afirmar que o processo é um procedimento significa dizer que se trata de uma

sequência de “atos” previstos por normas. No entanto, para o autor, o conceito de processo vai

além. Ele é uma estrutura que permite o contraditório, permite que as partes, os destinatários

de seu efeito final, em relação de simetria busquem a tutela de seus direitos, participando

ativamente na composição deste à fim de que se obtenha o justo julgamento do mérito.

Destaca-se que o contraditório é verificado na equiparação de poderes entre os

interessados processuais. De modo que, se a participação de um dos interessados for

meramente representativa,ou seja, se o mesmo não participar ativamente do processo não se

pode falar em contraditório, e consequentemente em processo, para Fazzalari.

O processo num procedimento em que os interessados detêm paridade de armas,

respeitando efetivamente o contraditório, estabelece efeitos com potencial de repercutir em

toda a sociedade, de modo que a decisão final emitida pelo Estado-juiz tem o condão de gerar

eficácia erga omnes, efeito vinculante, bem como ter seus efeitos modelados quanto à

retrocessão ou à prospecção de seus efeitos.

Para o autor supracitado, os princípios do processo se encontram na abstração das

normas que o disciplinam. Sendo assim, a eficácia de um processo ser neutralizada caso os

atos que o compõem não tenham ocorrido em conformidade com o disposto na lei.Nesse

contexto, o contraditório, que é um direito das partes garantido em Constituição, deve

participar na construção da decisão, visto que o juiz irá basear a decisões nos argumentos

jurídicos apresentados pelas partes, à fim de que a decisão seja aceitável.

5.5 O processo e sua relação com essencial com a Constituição

O direito processual, por possuir caráter público, tem seus fundamentos baseados pelo

direito constitucional. Portanto, não se admite contrariedade entre o processo e a Constituição,

uma vez que esta é responsável por garantir as suas características básicas, como a

Page 22: Artigo Final

distribuição e realização da justiça, a efetividade do direito objetivo e a definição estrutural de

órgãos jurisdicionais.

Nota-se, pois, que a ascensão do Estado Democrático Constitucional, modificou os

princípios processuais, que atualmente estão em conformidade com os princípios

constitucionais. Sendo assim, o processo passou a apresentar certas propriedades deliberadas

no texto da Constituição, como a publicidade das audiências, o juiz natural, a posição do juiz

no processo, a subordinação da jurisdição à lei, a declaração e atuação do direito objetivo; e,

também, os poderes do juiz no processo, a função do Ministério público, a assistência

judiciária e o direito de ação e de defesa.

Pode-se afirmar que, através da Constituição, o processo deixou de ser um mero

conjunto de procedimentos, para se tornar um instrumento público de realização não apenas

do direito material, mas também dos direitos fundamentais.

[...] o processo não é apenas um instrumento técnico, mas, sobretudo ético. E significa,

ainda, que é profundamente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. [...]

Mas é justamente a Constituição, como resultante do equilíbrio das forças politicas existentes

na sociedade em dado momento histórico, que se constitui no instrumento jurídico que deve

utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno processo e de seus

princípios.

Em suma, é inegável o paralelo existente entre o processo e o regime constitucional

Democrático em que ele se desenvolve atualmente. O rearranjo processual tornou mais

abrangente à tutela constitucional dos princípios jurídicos processuais, ascendeu o direito

processual em detrimento do direito material e possibilitou uma jurisdição constitucional mais

efetiva.

6. Ação, Jurisdição e Processo: A busca pela tutela dos direitos.

O direito processual se esteia a partir sua trilogia estrutural básica, cujos fundamentos

são: ação, jurisdição e processo. Ambos estão em consonância com a ideologia Constitucional

Democrática e através dela estão interligadas.

Page 23: Artigo Final

A jurisdição é o poder, função e atividade exercida e desenvolvida por órgãos estatais

previstos em lei, que têm como finalidade tutelar direitos individuais e coletivos. Para tanto,

substitui a vontade das pessoas ou entes envolvidos no conflito, para imparcialmente buscar a

pacificação e resolução deste. Atualmente, a mesma possui conotação diferenciada, não

constituindo mais o centro e finalidade do processo, mas abrindo espaço a dimensão

participativa que a democracia logrou com intermédio da Constituição. Ademais, o novo

arranjo processual, fez da jurisdição o meio pelo qual se busca efetivar os direitos

fundamentais e todos os corolários do devido processo legal, como, por exemplo, o acesso ao

processo como procedimento em contraditório.

Ocorre que, a jurisdição é inerte e não pode ser ativada sem provocação. Assim, cabe

ao titular da pretensão resistida invocar a função jurisdicional. Para tal, deve exercer um

direito de conteúdo amplo e complexo, que é o direito de ação. Destarte, a ação é uma

pretensão à tutela jurídica dos direitos, garantida constitucionalmente aos indivíduos, cuja

satisfação é obtida através da prestação da atividade jurisdicional do Estado.

Ressalva-se que, o resultado desta atividade é alcançado a partir de uma norma

reguladora do caso concreto, que intermediará uma sentença. No que tange esse aspecto,

destaca-se que a concessão da prestação jurisdicional, ou seja, a resposta ao indivíduo cujo

direito afirma ter sido violado deve seguir um método previamente estabelecido, composto

por princípios e regras característicos de uma democracia. A esse método que deve ser

utilizado para se o exercício da jurisdição dá-se o nome de processo.

O processo possibilita a participação efetiva das partes na outorga legislativa, uma vez

que dá a elas oportunidade de manifestação. Tal propriedade pode ser observada no Art. 7 do

Novo Código de Processo Civil, que diz: “É assegurado

às partes paridade de tratamento no curso do processo, competindo ao juiz velar pelo efetivo

contraditório”. Sendo assim, o mesmo deve assegurar que não seja tomada qualquer decisão

contra uma das partes sem que a mesma tenha sido previamente ouvida, mesmo que se trate

de matéria apreciável de ofício.

Apurado o alicerce tridimensional do direito processual, pode-se sintetizar que a

jurisdição é provocada mediante o direito de ação e será exercida através de um complexo de

atos, que é o processo. Este último, ocupa no Estado Democrático Constitucional principal

função, a medida que fornece espaço privilegio à democracia participativa, constituindo uma

via democrática para o exercício de direitos fundamentais. Assim, a passagem da jurisdição ao

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processo corresponde, em termos de lógica jurídica, à passagem da lógica apodítica à lógica

dialética.30

A articulação conjunta dos três conceitos apresentados explicitam que o processo é, o

que ele gera e para quê serve. Determina-se, assim, que para se definir processo é preciso

entendê-lo em sua natureza de ato jurídico complexo (gênero próximo a que pertence), que

gera relações jurídicas entre os sujeitos processuais a fim de produzir normas jurídicas

(especificidade). Ademais, para reduzir a abrangência desse conceito, é necessário redefinir

seu objeto, elaborando-se assim outro conceito. A exemplo disso, Didier cita a definição de

processo jurisdicional, que depende da conceituação de jurisdição para ser compreendido.

7. Conclusão

30 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. A garantia do contraditório. Do formalismo no processo civil. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 227

Page 25: Artigo Final

Ao apresentar, de início neste artigo, a relação entre as fases processuais e os modelos

políticos, foi possível notar a importância que o regime político impere ao sistema judiciário

e, consequentemente, ao processo, e o quão os poderes estão intimamente ligados. A cada

modelo de Estado transposto, nota-se a necessidade de adequação das fases metodológicas de

processo às demandas sociais e ideológicas pertinentes, reforçando a ideia do Direito como

produto da cultura humana.

O posterior destrinchar do processo em seus aspectos principais que incluem a ação, o

exercício do direito de transferir ao estado a tutela de um direito material resistido, e a

jurisdição, como - no que se refere ao conceito que melhor reflete sua atual conjuntura no

Estado Democrático – a função atribuída à terceiro imparcial de realizar o Direito de modo

imperativo e (re)construtivo, reconhecendo, efetivando e protegendo situações jurídicas

concretamente formuladas, em decisão insuscetível de controle externo, permitiu o raciocínio

de que, mesmo estando em planos separados à fins de estudo, os três conceitos encontram-se

acoplados. “A ação provoca o exercício da jurisdição pelo processo. O processo forma-se pela

ação, culminando com a efetiva prestação da jurisdição”. 31

Reafirmando a ideia dita anteriormente, a articulação destes conceitos apresentados

explicitam o que o processo é, o que ele gera e para quê serve. Os três conceitos analisados,-

ação, jurisdição e processo - funcionando em harmonia, cada qual dentro de seu momento e

características particulares, permite obter o objetivo principal que é a tutela adequada, efetiva,

e tempestiva dos direitos.

8. Bibliografia

31 Leonardo Carneiro da Cunha. Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre Freitas Câmara. Revista de Processo. vol. 198, Ago / 2011. P. 227

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