Aquedutos/ Túnel de Benfica/ IC17 -...

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Aquedutos/ Túnel de Benfica/ IC17 António Campos e Matos 1 Ricardo Leite 1 Domingos Moreira 1 Pedro Araújo 2 Pedro Quintas 2 RESUMO O presente artigo expõe alguns dos aspetos da conceção e projeto de estruturas da suspensão do aqueduto das Águas Livres e do aqueduto das Francesas, no Túnel de Benfica, na CRIL. A construção dos aquedutos das Águas Livres e das Francesas iniciou-se no século XVIII, permitindo o abastecimento de água à cidade de Lisboa até meados do século XX. O traçado da CRIL interfere com ambos os aquedutos, ficando a respetiva casa de ligação completamente inserida no espaço ocupado pela plataforma da via. Pela sua importância histórica e cultural, tornou-se imperioso preservar essas estruturas, quer na fase de construção do túnel, quer durante a vida útil da obra. A preservação dos aquedutos com o Túnel de Benfica exigiu uma análise estrutural elaborada e minuciosa, já que o canal rodoviário se desenvolve imediatamente abaixo destas estruturas centenárias e relativamente frágeis. Esta análise suportou a conceção dos sistemas estruturais e construtivos aplicados. PALAVRAS-CHAVE Túnel, aquedutos, suspensão 1 Gabinete de Estruturas e Geotecnia Lda, 4300-273 Porto, Portugal. [email protected], [email protected], [email protected] 2 Odebrecht – Bento Pedroso Construções S.A. [email protected], [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Aquedutos/ Túnel de Benfica/ IC17

António Campos e

Matos1

Ricardo Leite1

Domingos Moreira1

Pedro Araújo2

Pedro Quintas2

RESUMO

O presente artigo expõe alguns dos aspetos da conceção e projeto de estruturas da suspensão do aqueduto das Águas Livres e do aqueduto das Francesas, no Túnel de Benfica, na CRIL.

A construção dos aquedutos das Águas Livres e das Francesas iniciou-se no século XVIII, permitindo o abastecimento de água à cidade de Lisboa até meados do século XX. O traçado da CRIL interfere com ambos os aquedutos, ficando a respetiva casa de ligação completamente inserida no espaço ocupado pela plataforma da via. Pela sua importância histórica e cultural, tornou-se imperioso preservar essas estruturas, quer na fase de construção do túnel, quer durante a vida útil da obra.

A preservação dos aquedutos com o Túnel de Benfica exigiu uma análise estrutural elaborada e minuciosa, já que o canal rodoviário se desenvolve imediatamente abaixo destas estruturas centenárias e relativamente frágeis. Esta análise suportou a conceção dos sistemas estruturais e construtivos aplicados. PALAVRAS-CHAVE

Túnel, aquedutos, suspensão

1 Gabinete de Estruturas e Geotecnia Lda, 4300-273 Porto, Portugal. [email protected], [email protected], [email protected] 2 Odebrecht – Bento Pedroso Construções S.A. [email protected], [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O Túnel de Benfica insere-se no IC17 (Circular Regional Interior de Lisboa), no sublanço Buraca-Pontinha.

Figura 1. Esboço corográfico

A obra localiza-se numa zona fortemente urbanizada, na fronteira dos concelhos de Lisboa e da Amadora. Interfere com diversas infra-estruturas de grande importância, que exigiram soluções particulares.

Nó da Buraca – início do Túnel Nó das Portas de Benfica – fim do Túnel

Figura 2. Integração do túnel no meio urbano

A extensão do túnel é de 1446m. Consiste numa galeria dividida por uma parede contínua, materializando um tubo independente para cada sentido de tráfego. Cada tubo tem largura entre 14,5m e 23,5m e altura entre 5,0 e 15,3m.

Em termos de tipologia estrutural, a estrutura corrente do túnel é realizada com um pórtico de dois vãos, em betão armado, constituído por duas cortinas de estacas laterais e por um alinhamento de pilares-estaca centrais, todos encabeçados por vigas longitudinais, às quais fica rigidamente ligada a laje de cobertura.

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Figura 3. Túnel de Benfica – corte transversal tipo

2. APRESENTAÇÃO DOS AQUEDUTOS 2.1 Localização

A secção em análise do Túnel de Benfica possui uma extensão de 156m, a eixo da CRIL. Desenvolve-se entre o km 0+694 e o km 0+850.

Figura 4. Planta da zona dos aquedutos

2.2 Descrição

A solução estrutural adotada resulta da conjugação dos diferentes tipos de condicionamentos impostos à obra, nomeadamente os arqueológicos, topográficos, rodoviários, geológico-geotécnicos e os decorrentes da ocupação dos terrenos confinantes e dos equipamentos e da sinalização a instalar e ainda da reposição de serviços afetados.

Os condicionamentos arqueológicos são, neste caso, os mais importantes já que os aquedutos são estruturas em alvenaria de qualidade relativamente fraca (figura 5) e que a solução estrutural e construtiva previa a preservação destes elementos do património histórico da cidade de Lisboa.

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Figura 5. Escavação para caracterização dos aquedutos

Trata-se de estruturas pesadas e sensíveis a assentamentos. Neste sentido, na escolha da tipologia estrutural foram respeitados os seguintes condicionamentos:

• O faseamento construtivo para a execução da obra devia contemplar as diretivas do IPPAR e dos estudos ambientais efetuados, relativas à realização de um registo documental e fotográfico dos troços dos aquedutos e à observação, sob o ponto de vista arqueológico, da área onde estes estão inseridos;

• A solução a adotar devia assegurar a completa integridade do sistema de aquedutos das Águas Livres e das Francesas, quer na fase construtiva quer de serviço.

Figura 6. Estrutura de suporte do aqueduto das Francesas

Figura 7. Estrutura de confinamento dos aquedutos

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Figura 8. Colocação da armadura da laje de cobertura

Os vãos estruturais são constantes ao longo do desenvolvimento da secção, e medem 2 x 18,78m, perpendicularmente ao eixo da CRIL.

As contenções laterais são constituídas por estacas com 1,00 m de diâmetro, afastadas de 1,40 m entre eixos. Este afastamento corrente é, na vizinhança imediata dos aquedutos, reduzida para suportar a concentração de cargas verticais.

O alinhamento de pilares centrais é constituído por pilares-estaca de secção circular, com 1,00m de diâmetro, afastados de 1,25m nas zonas mais próximas dos aquedutos e de 2,50m na secção corrente.

A laje de cobertura é maciça, de betão armado, com espessura constante de 1,20m, nas zonas mais esforçadas do túnel, nomeadamente na zona de influência dos aquedutos das Águas Livres e das Francesas. Neste caso, o aligeiramento seria dificilmente compatível com o comportamento marcadamente tridimensional da laje de cobertura e traria problemas construtivos sérios nas ligações das paredes de suspensão dos aquedutos à laje. Nos restantes casos, a laje de cobertura mantém a espessura de 1,20m mas é nervurada. As nervuras estão afastadas de 2,40m, numa solução em tudo semelhante à utilizada na generalidade das secções do Túnel de Benfica. Junto aos apoios laterais e central, existe um maciçamento da laje para resistir a um acréscimo de esforços localizados nessas zonas.

Figura 9. Túnel de Benfica – corte transversal na zona dos aquedutos

2.3 Influência no perfil longitudinal

Devido aos condicionamentos arqueológicos e rodoviários, a cota da laje de cobertura do Túnel de Benfica apresenta inclinações longitudinais e transversais variáveis, ao mesmo tempo que a rasante da CRIL é obrigada a baixar, relativamente ao que seria previsível, numa extensão considerável. O abaixamento da rasante implica assim uma grande altura interior, que conduziu à execução de um nível de escoramento definitivo, a meia altura. As cotas do escoramento intermédio são condicionadas pela existência dos aquedutos, casa de ligação e respiradouro.

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Figura 10. Perfil longitudinal da zona dos aquedutos

3. DESCRIÇÃO DO PROBLEMA

3.1 Cargas a suspender

A estrutura de suporte direto dos aquedutos é constituída por microestacas horizontais, executadas sob os aquedutos. Trata-se de microestacas materializadas por um tubo metálico Φ273mm, com espessura de 5 ou 10mm, dependendo da sua localização, e por um perfil HEB160, embebido no betão que preenche o tubo. Os perfis estendem-se o necessário para descarregarem a carga em ‘vigas’ que acompanham a base das paredes dos aquedutos. Estas ‘vigas’ têm continuidade estrutural com o nível intermédio de escoramento, com o qual formam um todo. Após a primeira fase de escavação sob os aquedutos e o escoramento, as microestacas serão solidarizadas por uma camada de betão projetado sobre malha eletrosoldada, soldada às microestacas. Pretende-se assim garantir um certo nível de funcionamento conjunto destas peças, que é necessário para cumprir a sua função de continuidade do escoramento.

A solução de suspensão das ‘vigas’ é diferente nos aquedutos das Francesas e das Águas Livres. A orientação dos dois aquedutos relativamente ao eixo do Túnel de Benfica é muito diferente. No caso do aqueduto das Águas Livres, o ângulo dos alinhamentos é próximo de 25º. No caso do aqueduto das Francesas, o ângulo dos alinhamentos é próximo de 70º.

Esta caraterística, no Aqueduto das Francesas, faz com que as paredes laterais ao aqueduto funcionem, de facto, como vigas de grande altura porque o seu vão é apenas ligeiramente superior ao da laje. Na prática, para o Aqueduto das Francesas, o suporte principal é materializado por duas vigas em I, em que o banzo inferior é a ‘viga’ de ligação das microestacas, a alma é a parede que ladeia os aquedutos e o banzo superior é a laje de cobertura. Este esquema estrutural é extremamente rígido, como convém, e suficientemente resistente para suportar grande parte do peso da casa de ligação dos aquedutos (figura 11). Pode-se dizer que esta se encontra em consola relativamente ao vão esquerdo do túnel. O desalinhamento de uma das paredes laterais, motivada pela maior largura da casa de ligação, foi resolvido com um significativo espessamento da ‘viga’ de ligação das microestacas. Ao nível da laje, e uma vez que esta é maciça, o problema não é relevante. Ao nível intermédio (que corresponde à alma da viga) o desvio coincide com a parede que se desenvolve ao longo do separador central.

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Figura 11. Planta dos aquedutos – esquema de pesos a suportar

O mesmo tipo de esquema (paredes dos aquedutos funcionando como viga) traria sérios problemas de aplicação no Aqueduto das Águas Livres por causa da sua orientação, muito enviesada. O vão reto de 18,78m traduzir-se-ia num vão real próximo de 50m. Mesmo admitindo que este vão seria resolúvel, daria reações de apoio incomportáveis no separador central. Optou-se, em alternativa, por realizar as paredes em trechos sem continuidade entre si e pendurado da laje de cobertura por barras tipo Dywidag. Este sistema permite colocar as barras em carga depois da conclusão da laje e antes da escavação sob os aquedutos. Compensa-se assim, em larga medida, a deformação da laje e as suas eventuais consequências nas alvenarias dos aquedutos. A continuidade das ‘vigas’ de ligação das microestacas é fundamental para evitar que deformações na laje sejam ampliadas até à base dos aquedutos, o que seria certamente nefasto para as alvenarias. A não continuidade entre painéis e entre os painéis e a laje de cobertura é necessária para que a continuidade das ‘vigas’ não se traduza no comportamento global que se pretende evitar. O sistema de continuidade é aplicado junto às extremidades e no separador central.

Junto às cortinas laterais, os maciçamentos abrangem duas estacas. Para a sua execução, foi necessário recorrer a contenções provisórias de muito pequena extensão.

No alinhamento central, uma vez que as cargas verticais a suportar são muito mais importantes, os maciçamentos são mais extensos. São materializados por paredes, acima do nível de escoramento, e por paredes de forra às estacas, abaixo desse nível. Nos espaços sem estacas (sob os aquedutos) a parede não será apenas de forra e solidarização mas sim maciça, fundada numa sapata contínua. Esta peça foi executada previamente à aplicação do revestimento sobre a laje de cobertura. Para melhorar a eficiência desta sapata, no caso particular do Aqueduto das Águas Livres em que a extensão sem estacas é considerável, foram previstas 4 estacas provisórias, Φ1,00m, posicionadas de ambos os lados da futura parede/sapata e sem interferir com o nível de escoramento intermédio nem com a restante estrutura. Estas estacas só foram demolidas após a execução das paredes e sapatas.

No cruzamento dos Aquedutos das Águas Livres e das Francesas com as cortinas das estacas laterais, os panos de parede abaixo dos aquedutos foram materializados por paredes de betão, ancoradas.

3.2 Estabilidade durante a construção

Até à colocação dos painéis pré-fabricados, a estabilidade dos aquedutos foi garantida pelos taludes resultantes da escavação das zonas não directamente confinantes.

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Figura 12. Taludes de estabilização

3.3 Condições de conservação a longo prazo

Para garantir boas condições de conservação, era importante evitar que os elementos estruturais do túnel ficassem em contato direto com as alvenarias dos aquedutos. A separação foi materializada por um geotêxtil colocado sobre a alvenaria e por uma camada de areia, no preenchimento do espaço remanescente até à estrutura de suporte. Esta camada serve também para proporcionar o desejável confinamento dos aquedutos.

Figura 13. Conservação dos aquedutos

4. FASEAMENTO CONSTRUTIVO

O Faseamento Construtivo previsto para a zona onde existe interferências com os aquedutos, é o seguinte:

1. Identificação exata dos alinhamentos dos aquedutos. Execução das estacas das contenções laterais. Eventual execução de algumas estacas no separador central (tarefa que pode ser antecipada da fase 5);

Figura 14. Fase 1

2. Solidarização das estacas da contenção poente;

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3. Escavação das zonas não diretamente confinantes com os aquedutos;

Figura 15. Fase 1

4. Execução progressiva, ao longo do seu desenvolvimento, da estrutura de suporte e confinamento dos aquedutos, nomeadamente:

4.1. Escavação do terreno adjacente aos aquedutos e criação de plataformas de trabalho. Demolição de estruturas acessórias;

4.2. Aplicação do geotêxtil na face dos aquedutos;

Figura 16. Aplicação do geotêxtil

4.3. Materialização de apoios provisórios para os painéis de parede de confinamento;

4.4. Colocação dos painéis e estabilização do topo (ligação com barras entre os painéis de um e outro lado dos aquedutos);

Figura 17. Colocação dos painéis com auxílio de grua móvel

4.5. Vedação inferior e lateral e colocação de areia entre os aquedutos e os painéis, até uma altura de 3m, para confinamento dos aquedutos;

4.6. Furação e execução das 6 microestacas centrais de cada painel, alternadamente;

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Figura 18. Furação das microestacas e colocação do painel

4.7. Ligação provisória dos painéis às microestacas já executadas;

4.8. Execução das duas microestacas das extremidades do painel;

4.9. Execução da ‘viga’ de encabeçamento das microestacas;

Figura 19. Pormenorização de obra da viga de encabeçamento das microestacas

4.10. Betonagem complementar de solidarização dos painéis, no sistema monolítico (Aqueduto das Francesas);

4.11. Conclusão do confinamento dos aquedutos com areia.

5. Execução das estacas definitivas do alinhamento central e das estacas provisórias;

6. Execução do escoramento intermédio;

7. Construção dos pilares e das paredes do alinhamento central e dos trechos extremos das paredes de contenção;

Figura 20. Fases 6 e 7

8. Execução das vigas de encabeçamento das estacas das cortinas laterais e da laje de cobertura do túnel, sobre cavalete ao solo;

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Figura 21. Fase 8 concluída

9. Aplicação de carga nas barras de suporte do Aqueduto das Águas Livres e selagem.

Figura 22. Pormenorização de obra das barras Dywidag

Figura 23. Tensionamento das barras Dywidag

10. Impermeabilização da laje, aterro, pavimentação e reposição da circulação rodoviária e pedonal à superfície, nos trechos antes e depois da zona dos aquedutos;

11. Escavação até à base do leito da plataforma da CRIL, incluindo: 11.1 – Solidarização das microestacas com betão projetado sobre malha eletrosoldada, fixa às microestacas; 11.2 Execução por níveis em troços sucessivos dos muros ancorados localizados nas contenções laterais sob os aquedutos;

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Figura 24. Fase 11

12. Execução das paredes sob os aquedutos localizadas no separador central e respetivas sapatas de fundação;

13. Demolição das estacas provisórias;

14. Construção ascendente das paredes de forro, com a instalação de geocompósito drenante entre estacas. Eventual reajuste das barras de suporte dos aquedutos (tarefas finais da fase 9);

15. Instalação de infraestruturas diversas e acabamentos.

Figura 25. Fase 15