A Intertextualidade Na Música Monte Castelo de Renato Russo

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A Intertextualidade na Msica Monte Castelo de Renato Russo

RESUMO

O artigo trata da conversa que o compositor Renato Russo trava em sua msica Monte Castelo, com o famoso poema de Lus de Cames Amor um fogo que arde sem se ver e com o texto bblico O amor um dom supremo escrito pelo apstolo Paulo Igreja de Corinto. H ainda a aluso do ttulo da msica a uma batalha da Segunda Guerra Mundial vencida por soldados da Fora Expedicionria Brasileira; batalha na qual, apesar da vitria, ocorreu uma baixa de 1000 pracinhas. A motivao em se trabalhar a intertextualidade presente nessa msica veio da observao do ajustamento perfeito do tema Amor que o compositor conseguiu mesmo promovendo o dilogo entre obras to distintas como o poema de Cames, que fala de um amor Eros (homem-mulher, possessivo) e a carta de Paulo, esta tratando do amor gape (o amor altrusta, generoso). Dessa forma, o objetivo foi encontrar na msica o elemento chave que une os dois textos e seu ttulo. Assim, foi feito o estudo dos trs textos e o contexto em que foram escritos, chegando-se afirmao de o amor ser tratado como um sentimento que se concretiza na ao; e esta sempre acarretar em alguma forma de dor nobre.Palavras-chaves: Intertextualidade, Monte Castelo, Amor.

ABSTRACT

The article is about a talk between Renato Russos music Monte Castelo, the famous poem from Lus de Cames Amor um fogo que arde sem se ver and the Bible text O amor um dom supremo written by apostle Paulo to Corintos Church. There is a conecttion between the name of the music and a batlle from Second World War, won by Brazilian Force soldiers; in which, in spite of victory, 1000 soldiers were killed. The motivation to work the intertextuality presents in this music came from the observation of the theme Love that the composer got even promoting dialog between so different works like Cames poem, that talks about an Eros love (man-woman, possessive) and the Paulos letter, about an gape love (altruistic love, generous). This way, the objective was to find in that music the key element which links both texts and title. So, it was done the three texts study and the context in which they were written, concluding love is trated as a feeling that happens through action; and this action always will end in some way of noble pain.Key words: Intertextuality, Monte Castelo, Love.

No estudo relativo Lingstica Textual, aponta-se como uma das condies de textualidade a referncia (explcita ou implcita) a outros textos orais, escritos, visuais, entre outros. Esse dilogo entre textos chamamos de intertextualidade. E sua importncia tamanha a ponto de se afirmar que

A competncia em leitura e em produo textual no depende apenas do conhecimento do cdigo lingstico. Para ler e escrever com proficincia imprescindvel conhecer outros textos, estar consciente de suas relaes intertextuais, pois um texto nasce a partir de outros. (Guia de Produo Textual)

Dessa forma, nossa compreenso de um texto acontece de acordo com o conhecimento de mundo e com o universo de leitura. Quanto mais ampla for a gama de conhecimento geral do leitor maior ser a sua competncia para saber que o um texto dialoga com outros por meio de referncias, aluses ou citaes.Ser sensvel ao que outros autores escreveram para, a partir de ento, iniciar a sua prpria escrita a chave para o universo da intertextualidade. Pode-se, portanto, fazer a seguinte declarao

Quem escreve no escreve no vazio, pois um texto no surge do nada. Pode-se dizer que escrever a habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. por isso que quem l est em situao privilegiada para escrever, uma vez que se apropria, mediante a leitura, de idias e de recursos de expresso. (Guia de Produo Textual)

Na msica Monte Castelo a intertextualidade foi aplicada de forma muito rica. Renato Russo apropria-se de dois famosos textos sobre o amor e constri, a partir deles, a sua mensagem para uma gerao que, talvez, induzida pela cultura rebelde dos anos 80, no estivesse muito a par de dois escritores to distantes desse novo mundo do sculo XX e sua mensagem de sexo, drogas e rock roll.

CONTEXTUALIZANDO OS TEXTOS.

O poema de Cames data do sculo XVI e compe a vasta gama de produo do perodo do Classicismo. O poeta viveu experincias que formaram o seu dramtico mundo inconfundvel segundo Geraldo Mello Mouro. Dessa forma, sua expresso foi afinada por uma realidade trgica. O soneto foi produzido em uma poca que ainda sofria resqucio cultural da Idade Mdia, principalmente no tocante ao fato de que

A literatura ainda era vista como um importante instrumento de formao moral dos homens nobres: tinha, portanto, carter moralizante e aristocrtico. (Ulisses Infante)

Ele tenta, em vo, conceituar o Amor; mas s consegue demonstrar que qualquer tentativa semelhante, ao final, levar ao ponto de partida. Em Cames, o amor sempre propositadamente contraditrio, pois o poeta quer mostrar que desse paradoxo que se origina a sua grandeza para dominar, de forma delicada e imbatvel, a vida do ser humano, ser to complexo em seus sentimentos. O tratamento dado ao tema no soneto visivelmente ligado ao sentimento humano entre um homem e uma mulher, o amor romntico, seja ele correspondido ou no. O amor Eros est sempre ligado falta, ao sofrimento, uma vez que um amante nunca est saciado do outro. Assim, a mensagem enfatiza que, embora haja sofrimento no amor, ele sempre , contraditoriamente, acompanhado pela amizade e toda sensao causada por ele, aprazvel ou no, nobre e enobrece o ser que ama.

J na carta do apstolo Paulo Igreja de Corinto, registrada na Bblia, o contexto bem diferente. A carta foi escrita em feso, no sculo I d.C. e teve seu direcionamento orientado por trs situaes: primeiro, depois de um incidente com filsofos atenienses, Paulo resolvera se centrar na mensagem simples da cruz; logo depois foi forado pela oposio judaica a focalizar o seu ministrio para os gentios e em terceiro lugar, a congregao de Corinto, composta por judeus e gentios havia florescido de forma preocupante no tocante h vrios pontos do evangelho. Corinto era uma das maiores cidades do mundo romano e uma das mais corruptas, assim a Igreja estava repleta de problemas srios, entre eles a diviso interna que estava despedaando as relaes entre os crentes. Portanto,

Paulo havia sido confrontado com uma tarefa enorme, e esta longa carta aos Corntios foi uma tentativa de tratar o problema. (Bblia de Genebra)

Centrando esse contexto especificamente no trecho intitulado O amor um dom supremo, no captulo 13 de 1Corntios, percebemos uma mensagem que fala de um amor no qual h total ausncia de interesse prprio.

O amor busca o bem do prximo, e a sua verdadeira medida o quanto ele d para que se alcance tal fim. Mais do que simples emoo, o amor um princpio de ao. uma questo de fazer algo pelos outros por compaixo a eles, sem levar em conta se sentimos ou no afeio por eles. (Bblia de Genebra)

Paulo fala aos Corntios de um amor que eles no conheciam, o amor gape, aquele que se sacrifica pelo bem do outro. um amor prtico, abnegado, que no espera nada em troca.Compreendendo a situao de produo dos dois textos que baseiam Monte Castelo, interessante questionar o motivo de tais textos serem musicados por um grupo de rock nos tumultuados anos 80.

GERAO 1980

A dcada de 80 evidenciada pelo movimento das Diretas J. Foi nessa poca tambm que o neo-liberalismo passou a ser adotado em detrimento ao comunismo, o que levou ao domnio do mundo pelos Estados Unidos. Atribui-se a essa poca, tambm, a popularizao do rock brasileiro e o incio da valorizao suprema da imagem. Foi uma poca que, para a histria, ficou conhecida como a dcada perdida.

nesse cenrio conturbado para a formao de uma juventude, que o grupo Legio Urbana, idolatrado pelo pblico jovem, lana a mensagem de Monte Castelo.

UM CENRIO, UM ENCONTRO

Diante do que j foi dito, pode-se perceber, precedendo mesmo a anlise dos textos, algo em comum nos contextos acima descritos: a necessidade real de se ensinar sobre a grandeza do amor para um pblico que, aparentemente, a teme, desconhece ou no lhe concede a importncia devida. No soneto, o poeta fala sobre a dor que o amor humano causa, mas, ao mesmo tempo, em como essa dor prazerosa a ponto de o amante querer estar preso por vontade [ v.9], portanto, no h o que temer diante dele. Podemos interpretar essa lio como dada a outros poetas desse tempo, os quais se prendiam imagem platnica do Amor por seres ideais, superiores e desprezavam o sentimento humano carnal. A carta enviada pelo apstolo no intuito de ensinar alguns preceitos cristos para os corntios, to necessitados de orientao em meio a tantos erros, tristezas e depravao, e no h nenhum ensinamento maior do que o do amor. Dessa forma, a msica promove o encontro dessas duas lies sobre o amor de carter ativo e nobre, mesmo na dor, diante de uma juventude carente de ideais, valores humanos maiores e mais individualista, se comparada a geraes passadas. Portanto, observa-se que entre os trs textos j existe intertextualidade em relao ao contexto em que eles foram escritos e, dependendo da leitura que se faa, pode-se afirmar que a mensagem final tambm ser a mesma, levando em considerao, claro, todas as diferenas existentes entre elas j citadas aqui: o conceito do amor como um sentimento que causa dor ao mesmo tempo em que enobrece o ser amante, pois leva a aes que buscam o bem do outro.

Uma outra intertextualidade presente em Monte Castelo, mas no to visvel ou conhecida como a msica em si, o seu prprio ttulo, o qual faz aluso a uma batalha da Segunda Guerra Mundial.

A conquista do Monte Castelo na cordilheira apenina, no norte da Itlia, foi uma atuao herica dos soldados brasileiros. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de at 15 C negativos, eles conseguiram derrotar as foras alems que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo. O resultado das operaes conjuntas com outras foras na batalha foi a expulso dos alemes dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itlia que marcaria o fim dos confrontos no pas. (Roberto Navarro)

O planejamento da ao mostrava o grande perigo que os soldados enfrentariam, eles mesmos sabiam disso, apesar de no se falar abertamente sobre o caso. No entanto, eles no desistiram, sabiam que estavam ali por um bem maior, para derrotar a gigante Alemanha Nazista que j havia lanado seus princpios podres em solo brasileiro. No final da ofensiva, 1000 homens brasileiros no voltaram para suas casas.

Renato Russo no nomeia essa cano de forma aleatria. Para falar de um amor supremo, que conhece a verdade, age de forma a propiciar o bem do outro e no se desencoraja diante da dor nada melhor do que nome-la com um episdio que demonstrou esse amor maior de forma concreta.

Observando mais diretamente os textos (ver anexos), evidente a intertextualidade na letra de Monte Castelo com os outros textos j citados, pois ela toda construda a partir de um dilogo entre eles. Somente em um verso, o compositor usa palavras suas, o que podemos constatar no verso 21 da msica que diz

Estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem.

O cuidado com que o compositor construiu a sua obra, trabalhando a intertextualidade em tudo o que foi possvel, faz nascer o questionamento do por que nesse trecho, em especial, no h intertextualidade, pelo menos no conhecida. Uma possvel resposta seria voltar ao conceito do amor como sentimento que leva ao e, por ter tomado conscincia disso, o compositor coloca-se como acordado, mas os que ainda no perceberam dormem, ou seja, no esto prontos para agir. Outra leitura possvel observar que na msica ele faz intertextualidade com trs referncias diferentes ao amor, mas, no momento, enquanto todos os outros autores e personagens dormem (esto mortos), somente ele est acordado (vivo) para repassar a mensagem.

CONSIDERAES FINAIS

Ao longo do artigo percebeu-se que a intertextualidade pressupe um universo histrico-social e cultural muito amplo, pois, alm de exigir do leitor a capacidade de compreender a funo da aluso a outros textos, pressupe a identificao das referncias, o conhecimento de mundo, que deve ser comum ao produtor e ao receptor do texto e o reconhecimento de remisses a obras e acontecimentos gerais.

Nessa perspectiva da lngua como instrumento de interao social, ficou evidente, ento, o importante papel da intertextualidade para a concretizao dos objetivos e intenes do produtor do texto, e para o reconhecimento do leitor desse fator de textualidade, na construo do(s) sentido(s) do texto.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Bblia de Estudo de Genebra. So Paulo e Barueri, Cultura Crist e Sociedade Bblica do Brasil, 1999.

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