A grande depressão.
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A GRANDE
DEPRESSÃO
2
[UBI (UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR) HISTÓRIA DO SÉCULO XX
ANDRÉ VENTURA Nº 20219 MARTA RODRIGUES Nº 20438 NUNO SANTOS Nº 19901
]
CIÊNCIAS
DA
COMUNICAÇÃO
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3
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 4
Entendendo as Crises Económicas ........................................................................................ 4
Teoria dos Ciclos Económicos ................................................................................................ 5
1.1. A CATÁSTROFE PRIMORDIAL ......................................................................................... 8
1.2. A CRISE ECONÓMICA .................................................................................................. 10
1.2.1. A Prosperidade Americana ....................................................................................... 10
1.2.2. A “Pequena” Recessão ............................................................................................. 13
1.2.3. O Crash Americano ................................................................................................... 14
2. A PROPAGAÇÃO DA CRISE .............................................................................................. 19
2.1. A dependência do Canadá ........................................................................................... 19
2.1. O Reino Unido e o regresso ao padrão‐ouro ............................................................... 20
2.2. A França Proteccionista ............................................................................................... 23
2.3. O caso da URSS ............................................................................................................ 24
3. POLÍTICAS DE RESOLUÇÃO DA CRISE .............................................................................. 26
3.1. New Deal ...................................................................................................................... 26
4. CONSEQUÊNCIAS DA GRANDE DEPRESSÃO ..................................................................... 29
4.1. Acordos de Bretton Woods ......................................................................................... 29
4.2. A Ascensão do Totalitarismo na Europa ...................................................................... 30
5. GRANDES MUDANÇAS NA VIDA ECONÓMICA, POLÍTICA E SOCIAL DOS PAÍSES ATINGIDOS 35
6. BIBLIOGRAFIA 36
7. RECURSOS DIGITAIS 36
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4
INTRODUÇÃO
A 24 de Outubro de 1929, os preços das acções da Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram subitamente. Estes preços estabilizaram‐se ao longo da semana, para caírem drasticamente na segunda‐feira de dia 28 de Outubro. No dia 24 de Outubro, deu‐se o pânico na bolsa e 13 milhões de títulos foram cedidos, dia conhecido actualmente como a quinta‐feira negra, foi um prenúncio do que aconteceria dia 29 de Outubro, quando cerca de 16 milhões (16.410.030) de acções foram postas a venda no mercado. A cotação de um grande número de valores considerados dos mais “seguros”, desceu. O excesso das acções à venda e a sua falta de compradores fizeram com que os preços destas acções caíssem em cerca de 80%, em relação aos valores do mês de Setembro. Milhões de pessoas perderam avultadas somas de dinheiro e a maior parte das pessoas que tinham colocado todo o seu investimento na forma de acções perderiam tudo o que tinham. A espiral da depressão continuaria ininterrupta. Milhares de fábricas faliriam, o desemprego aumentaria em grande escala e milhões de pessoas encontrar‐se‐iam sem recursos.
Economistas, historiadores, cientistas e políticos têm criado diversas teorias para a causa, ou causas da Grande Depressão. A Grande Depressão é, ainda hoje, um dos acontecimentos mais estudados da Historia da economia mundial, sem realmente haver grande consenso entre estas teorias.
As primeiras teorias, as mais conservadoras, incluem a quebra da bolsa de valores; a decisão de Winston Churchill em fazer com que o Reino Unido passasse a usar novamente o padrão‐ouro em 1925 nas suas trocas comerciais, causando assim a massiva deflação ao longo do Império Britânico; a recuperação da Europa, que levou à diminuição da procura de bens (essencialmente primários) e serviços o que dificultou o escoamento destes por parte dos EUA, consequentemente dar‐se‐ia o colapso do comercio internacional; a aprovação do Ato da Tarifa e Smoot‐Hawley, já em plena crise económica, pelo presidente Hoover, que aumentou os impostos de cerca de 20 mil produtos no país; a tímida política da Reserva Federal dos Estados Unidos da América (EUA), uma politica que favoreceu a facilidade ao crédito que levava também a uma especulação imoderada do mercado da bolsa, entre outras. Estas teorias baseiam‐se na própria economia dos países capitalistas, a qual era vigente nessa época nos EUA. Centralizam as causas da Grande Depressão no relacionamento entre a produção, consumo e crédito, factores maioritariamente macroeconómicos, relacionando‐os com factores estudados pela microeconomia como os incentivos e as decisões pessoais.
Entendendo as Crises Económicas
As crises económicas repercutem‐se obviamente em todas as esferas não económicas, sendo elas sociais, demográficas, psicológicas, culturais, etc.
5
Na economia pré‐industrial, as flutuações repentinas dos preços incidiam geralmente em certos locais ou regiões, devido a factores estritamente naturais como as secas e as cheias, afectando desta forma as culturas e as produções. Com a industrialização e um próspero comércio internacional as flutuações dos preços começaram a ser uma característica do capitalismo liberal, proporcionando grandes flutuações no índice da procura e, tornando desta forma, a sua natureza cíclica, transmitindo‐se, através do comércio multilateral, de país para país.
Ao longo do século XIX e inícios do Século XX, podemos encontrar inúmeras crises precedidas de depressões (1825‐26, 1837‐47, 1857, 1873, 1882, 1893, 1900‐1901, 1907). As flutuações da produção acompanhavam normalmente as flutuações dos preços, podendo desta maneira provocar enormes recessões económicas.
Antes de mais é preciso compreender as noções de crise e de recessão económica:
Segundo Maurice Flamant e Jeanne Singer‐Kerel1 “ a maior parte das vezes, designa‐se hoje,
pelo conceito de recessão, as contradições da actividade económica de fraca amplitude e de curta duração (...) Se o recuo é violento e sobretudo se se prolonga, reveste‐se pois de uma grande gravidade, falar‐se‐á – como no passado – de crise”.
Teoria dos Ciclos Económicos
“Duas características (...) determinam os contornos dum ciclo económico. Primeiro há uma causa geradora que põe em marcha uma tendência altista na actividade económica ou cria uma crise de confiança e uma curva com características de recessão; segundo, há a cadeia de interacção que transmite esse distúrbio de um sector para outro e para o cerne da economia”2
Ao longo da História as economias alternam entre “períodos bons” e “períodos maus”, isto é, experimentam ciclos económicos. As expansões podem ocorrer em muitas actividades económicas, ao mesmo tempo, seguidas por recessões e recuperações que culminam na fase de expansão do ciclo seguinte.
É fácil observar a existência de períodos de prosperidade e como, seguidos a esses, podemos encontrar períodos de grande recessão económica, que desencadeiam uma crise
1 Mendes, J.M.Amado. HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL DOS SÉCULOS XV A XX, 2ªedição, Fundação Calouste Gulbenkian,1997, Lisboa, p.119
2 Deane, Phyllis. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. 3ª Edição, Zahar Editores, 1975, Rio De Janeiro, p.257
6
económica na qual há uma diminuição da produtividade e consequentemente postos de trabalho, diminuição de qualidade de vida e, por vezes, findando numa crise social, de valores.
O ciclo económico designa então as mudanças ocorridas na economia. Podem ser de curto prazo (Kitchin‐3 a 4 anos), de médio prazo (Juglar‐ 7 a 11 anos), ou de longo prazo
(Kondratieff‐ 50 a 60 anos).3 A crise de 1929 e “a sua intensidade, terá resultado (...) de uma
sobreposição de uma crise cíclica (fase B de um movimento de Kondratieff, 1920‐19334) com a
inversão da tendência (ou trend) secular.”5
São variadas as causas dos ciclos, nos movimentos ou ciclos económicos intervêm diversos factores:
Metais preciosos – atendendo aos metais preciosos, os ciclos e as crises são facilmente explicados, uma vez que há uma tendência para a expansão quando o ouro é acumulado; à falta deste, verifica‐se uma depressão. É uma tendência que hoje em dia é também verificada na circulação da moeda: quando à circulação fiduciária, há um fomento do comércio.
Guerras – frequentemente os períodos de expansão dos ciclos correspondem a períodos entre guerras. As guerras fomentam o consumo, e de todos os sectores da economia (os chamados booms).
Inovações – as inovações tecnológicas são realidade graças ao investimento de grande capital sobre elas. Estas vão dar azo ao aumento da procura, à subida dos preços, e ao desenvolvimento de uma produção massificada. Em acordo, incluí‐se a teoria dos ciclos económicos de Joseph Schumpeter, na qual a economia sai do seu estado de equilíbrio e entra num processo de expansão devido ao aparecimento de inovações. Podem ser estas: a introdução de um novo bem no mercado; a descoberta de um novo método de produção ou de comercialização de mercadorias; a conquista de novas fontes ou matérias‐primas; e até a alteração estrutural de um mercado actual. É necessário também compreender que todo o equipamento se torna obsoleto, necessitando a sua substituição, é nesta substituição, para a qual é preciso também uma desenfreada movimentação de capitais, que voltamos ao início do ciclo económico.
A intervenção do Estado, no que consta a reprodução dos ciclos, tem sido objecto de longo debate entre os economistas. Num pensamento clássico, até inícios do século XX, acreditava‐se que a economia se corrigia automaticamente, ou seja, não era necessária a intervenção do Estado na economia, imperava um liberalismo económico. Adam Smith,
3 Em Mendes, J.M.Amado. HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL DOS SÉCULOS XV A XX, 2ªedição,
Fundação Calouste Gulbenkian,1997, Lisboa, p.35, o autor refere-se a seis tipos de ciclos: seculares, de longa duração (Kondratieff 25-45 anos), hiperciclos (20-22 anos), ciclo clássico (6-10 anos), ciclo menor (cerca e 40 meses) e movimentos sazonais (cerca de 1 a 3 meses).
4 Anexo nº1 5 Mendes, J.M.Amado ibidem, p.40
7
considerado o mais importante teórico do liberalismo económico, acreditava que, havendo desemprego, os salários decresciam e as empresas iriam procurar mais trabalhadores, anulando assim o desemprego. O mercado de oferta e procura desajustava‐se e, por ele próprio, iria retomar um equilíbrio económico sem qualquer intervenção do estado. “A defesa de Adam Smith do comércio internacional livre proveio da sua análise dos ganhos da
especialização e divisão do trabalho, quer entre as nações, quer entre os indivíduos”6 Adam
Smith, acreditava numa “mão invisível”, e numa política de “laissez‐faire”, pois apenas uma politica não‐intervencionista do estado, ou um comércio livre, poderiam assegurar a taxa de crescimento económico de um país.
Por outro lado John Maynard Keynes acreditava que o sistema capitalista e a sua economia de mercado funcionavam e, para isso, defendia a intervenção do estado na economia, fundamentando‐se no princípio em que os ciclos económicos não retomam o seu equilíbrio automaticamente. Keynes defendeu que o Estado deveria intervir na fase recessiva dos ciclos económicos com a sua capacidade de imprimir moeda para aumentar a procura efectiva de deficits do orçamento do Estado e assim manter o pleno emprego. Para ele as crises do capitalismo são reflexo de uma discrepância do poder de compra da população e da superprodução da oferta.
Karl Marx usou as suas teorias económicas para contra‐promover a ideologia do sistema capitalista, prevendo o inevitável fim do disfuncional sistema capitalista de propriedade privada dos meios de produção. Este acreditava que os ciclos económicos eram consequência do próprio sistema capitalista, que gerava contradições internas, o que levaria ao seu fim. O subconsumo, causado pela concentração dos rendimentos nos membros da classe alta, ou da classe capitalista (os grandes industriais), geraria problemas crónicos de queda de taxas de lucro, a redução salarial, o desemprego e a insatisfação da classe operária. A teoria marxista desenvolve que o capitalismo, seria tão produtivo que acabaria por parar a produção uma vez que a população seria incapaz de escoar os produtos e estes reter‐se‐iam em stocks. Para Marx as crises capitalistas são um reflexo da insuficiência de poder de compra por parte da população. No entanto, o marxismo ultrapassou as ideias dos seus precursores, tornando‐se uma política e uma ideologia que nem sempre se rege pelos princípios puros marxistas, como o caso das políticas sociais‐democráticas, o bolchevismo e o comunismo.
A crise de 1929 veio por em causa o pensamento clássico económico, e o facto de a Grande Depressão tardar em ser resolvida, levou a que muitos economistas desconfiassem desta função “auto‐reguladora”.
6 Cameron,Rondo.HISTÓRIA ECONÓMICA DO MUNDO- De uma forma concise, de há 30 000 Anos até ao presente. Publicações Europa-América.2000, Sintra-Lisboa, p.309
8
1.1. A CATÁSTROFE PRIMORDIAL
“O início do século XX deverá ser um dos momentos mais paradoxais da variada história deste continente inquieto. A Europa estava no cúmulo do seu poder. Nos seus impérios coloniais, os europeus repartiam entre si a terra. A sua civilização servia de modelo em toda a parte. O século XIX tinha trazido o bem-estar e o progresso cultural. As descobertas da ciência prolongavam a vida, e a técnica tornava-a mais cómoda. (…) Quarenta e cinco anos mais tarde, a mesma Europa jazia em escombros. Debaixo de ruínas fumegantes jaziam setenta milhões de mortos. Numa leviandade verdadeiramente assombrosa, os políticos tinham dado trela aos cães de guerra e tinham despoletado uma voragem de auto-destruição. A História conheceu épocas terríveis como o tempo da peste ou a Guerra dos Trinta Anos, mas nunca tinham existido chacinas de massas de uma dimensão que se aproximasse da das causadas pela Guerra dos Trinta Anos de 1914 a 1945 (se deixarmos de parte os tempos de uma relativa acalmia que houve pelo meio). (…) A Primeira Guerra Mundial foi a catástrofe primordial do século XX. Foi dela que partiram todas as ondas de choque da rebarbarização que fizeram das décadas subsequentes uma era da tirania e dos assassínios em massa.”
Dietrich Schwanitz 7
Entre 1914 e 1918, deu‐se a Primeira Guerra Mundial. Até aí, a Europa nunca tinha conhecido o significado da expressão “guerra total”. Nunca tinha conhecido uma guerra tão longa, travada dentro do seu próprio território, entre as grandes potências que competiam entre si pela hegemonia do mundo. Antes da guerra, a Europa (no auge do seu poder em toda a História) exercia a sua influência, a sua hegemonia – económica, política e cultural – sobre todo o mundo: os impérios coloniais europeus estendiam‐se por todo um mundo «europeizado».
“É a Europa que cerca o mundo e o organiza. Não há, antes de 1914, relações bilaterais independentes da Europa. Tudo parte da Europa e tudo vem a ela dar. Ela é o centro, o pólo. (…) todos os povos tiveram a Europa como modelo, pelo menos temporariamente, e imitaram-na.”8.
Porém, após a Primeira Guerra Mundial, este cenário muda drasticamente. Os elevados custos de uma longa guerra travada em todas as frentes fazem‐se sentir na Europa,
7 in Schwanitz, Dietrich. CULTURA - TUDO O QUE É PRECISO SABER (4ª Edição). Dom Quixote:2004, Lisboa. Pp. 188-189 8 Rémond, René. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO NOSSO TEMPO – DO ANTIGO REGIME AOS NOSSOS DIAS. Gradiva:2003, Lisboa. Pág. 273
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sobretudo, depois da guerra terminar. Registaram‐se perdas humanas na ordem dos 8 milhões de mortos, aos quais se somaram mais 20 milhões de feridos e 6 milhões de inválidos. Ou seja, a Europa perde, num espaço de tempo de quatro anos, cerca de 10% da sua população, que representava na sua maior parte mão‐de‐obra jovem e activa. Temos então desde logo, graças a isso, uma crise ao nível da mão‐de‐obra e da produtividade. Por outro lado, temos os danos físicos que afectam os sectores da produção – meios de produção destruídos (fábricas, campos agrícolas, etc.), assim como vias de comunicação (estradas, pontes, infra‐estruturas).
Os Estados Unidos da América (EUA), que já se haviam afirmado como uma grande potência antes do início da guerra, adquirem definitivamente o estatuto de primeira grande potência económico‐financeira e industrial do mundo após a guerra. Sem, praticamente, terem sido afectados pela Grande Guerra (em termos económicos, materiais e humanos); e com toda uma Europa debaixo de escombros a “implorar” por ajuda, os EUA passam a ser os principais credores da Europa – cedem‐lhes créditos e outros tipos de ajudas económico‐financeiras que hão‐de ajudar, pouco a pouco, os países europeus a se reconstruírem. Essa reconstrução estará praticamente concluída por volta de 1925, altura em que se iniciam os «Loucos Anos 20» na Europa.
Nos EUA vive‐se, desde 1920 até ao «Crash» da bolsa de Nova Iorque em 1929, a «Era da Prosperidade», caracterizada por um franco crescimento da economia norte‐americana, muito em parte devido aos fortes laços económicos estabelecidos, entretanto, com a Europa (principal parceiro comercial dos EUA). Surge, assim, uma situação de interdependência entre um lado e o outro. Isto, por si só, significa que se estalar uma crise dentro dos EUA, a Europa será a primeira grande afectada; ou então, por outro lado, se a Europa quebrar os fortes laços que entretanto criou com os EUA, e que criaram a tal “dependência” dos EUA face à Europa, acontecerá que também os EUA sofrerão o impacto dessa quebra. Está lançado o aviso relativamente àquilo que pode acontecer quando os sistemas económicos entrelaçados assentam em bases algo frágeis (como é o caso). Em 1929, esse “aviso” confirmar‐se‐á.
10
1.2. A CRISE ECONÓMICA
1.2.1. A Prosperidade Americana
“We’re too poor to economize”; “Economy is a luxury”
Scott Fitzgerald
Depois da Primeira Guerra Mundial os EUA beneficiaram de mais de metade de um século de progresso industrial, conseguindo o melhor padrão de vida alguma vez conhecido na História, embora, paradoxalmente, se encontrarem milhões de pessoas que enfrentavam a pobreza. Os trabalhadores eram remunerados com os salários mais altos conhecidos na história do século. Ao mesmo tempo que o número de horas de trabalho diminuiu de doze horas diárias para oito, Henry Ford instituiu as folgas semanais (“the five‐day week”) e o International Harvester anunciou o direito a duas semanas de férias pagas para os trabalhadores.
Em 1922, o país era uma potência mundial quer económica, quer industrial, comparada com as outras nações devastadas pela guerra, e começava a mostrar a sua recuperação da depressão causada pela Primeira Guerra Mundial, recuperação com apenas ligeiras interrupções até 1929. A chave para esta recuperação, a prosperidade avistada na época, foi devida à eficiente produção, em parte, resultado da aplicação da teoria de Frederick Winslow Taylor, o Taylorismo.
Graças a Henry Ford e a Frederick Taylor a população americana pode conhecer as maiores inovações no sector industrial. Taylor, através da organização racional do trabalho, eliminou os tempos mortos da produção e aumentou a rotatividade do trabalhador, praticando a divisão do trabalho e a especialização do operário. Taylor acreditava que, oferecendo instruções sistemáticas e adequadas aos trabalhadores, poderia aumentar a produtividade quer individual quer colectiva, da empresa. Criou a definição de homem económico, um homem motivado por recompensas económicas e materiais, um homem que obedecia a um padrão de produção. Henry Ford, por sua vez, revolucionou a produção instalando uma linha de montagem que poderia fabricar um carro em 98 minutos. A sua filosofia de trabalho era a do capitalismo do bem‐estar social. Ford acreditava que o salário era factor de motivação e produtividade do trabalhador (aumentou o salário mínimo dos trabalhadores de 2 dólares por dia, para 5 dólares), e na rotatividade dos trabalhadores dos departamentos (empregava 300 homens por ano para preencher 100 vagas).
O século XX revelou grandes progressos tecnológicos exponenciais, observando os factos, em 1914, 30% da indústria foi electrificada e, em 1929 ou números ascenderam a 70%. O motor a vapor foi substituído pelo eléctrico e entre 1919 e 1927 mais de 44% dos motores a vapor deixaram de ser utilizados. Com uma administração eficiente, a mecanização, o
11
desenvolvimento da investigação, a organização de métodos eficazes de vendas, a produção industrial quase que duplicou durante a década. Este objectivo foi atingido sem qualquer expansão da força de trabalho, os números de empregados de 1929 eram os mesmos de 1919.
Os produtos à base de petróleo aumentaram mais de dezasseis vezes neste período, devido ao facto de terem sido descobertos campos de petróleo no Texas, Oklahoma e Califórnia. Também neste período a indústria de aço e do ferro aumentou cinco vezes a sua produção.
O número de instalações telefónicas cresceu cerca de um milhão em 1900 (1.355.000) para dez milhões em 1915 (10.525.000) e para em 1930 ascender aos vinte milhões (20.200.000).
À medida que as pessoas se restituíam na cidade, nas suas kitchenettes, criaram uma nova forma lucrativa para as indústrias de enlatados. A fruta e os vegetais enlatados duplicaram as suas vendas entre 1914 e 1929; a venda de leite em embalagem triplicou. As refeições dos americanos mudaram consideravelmente e eram agora feitas à base de produtos enlatados ou embalados, pois a sua conservação era maior.
A indústria química, que teve início em 1880, viu o seu desenvolvimento crescer a partir da Primeira Guerra Mundial. O Governo investiu mais na industria química do que qualquer outra indústria. A guerra demonstrou o quão dependente o país estava de produtos estrangeiros, principalmente nitratos e potássio. O potássio era essencialmente utilizado para fertilizantes e era importado na sua maioria da Alemanha. Depois da guerra o preço destes aumentou em dez vezes, incentivando ao país a criar uma indústria de potássio no país.
As industrias sintéticas e de plásticos também se desenvolveram. Os plásticos sintéticos desenvolveram‐se desde 1869 com a criação da celulose, no entanto foi apenas depois da guerra que elas se tornaram uma indústria em ascensão.
A construção aumentou também exponencialmente nos anos 20, durante esse período alguns dos antigos prédios de apartamentos na cidade de Nova Iorque de vinte andares, foram substituídos por torres de sessenta andares.
A produção de automóveis estendeu‐se quase a toda a população dos Estados Unidos. Se em 1900 a taxa de produção de automóveis por ano era de quatro mil, em 1929 a produção superava os quatro milhões (4.800.000). Nos EUA havia um automóvel para cada cinco pessoas, o que não se observava em qualquer outro país. Em Inglaterra havia um automóvel para cada 43 pessoas, na Itália havia um carro para 325 pessoas e na Rússia um carro para 7000. Nos EUA a posse de um automóvel não era um privilégio, como se considerava na Europa.
Esta onda de prosperidade também chegou aos bancos americanos. As grandes instituições bancárias anulavam as pequenas. E construíam as suas grandes cadeias com filiais espalhadas pelo estado.
O cinema e a rádio foram também cadeias em expansão. Mais de vinte mil cinemas foram construídos, e vendiam‐se quase cem milhões de bilhetes por semana, enquanto em
12
1920 o total estimado era de quarenta milhões. Reflectindo assim os novos hábitos da população. Uma população mais educada, mais culta, que possuía bastante tempo livre para se divertir durante a semana.
A ascensão de uma cultura popular e do consumismo reflectia as mudanças económicas sofridas pela sociedade, e a sua importância para o surgimento das classes sociais e do novo estilo de vida da população. Este novo estilo de vida era vendido pelas publicidades dessa época, a publicidade não vendia um produto mas sim prestígio que esses produtos iriam conceder a quem os comprasse. Como o débito já não era algo de que a população se reprimia, recorriam a empréstimos bancários para aceder a esses bens, muitas vezes de luxo. Para o homem desta altura, não era a educação que ele tinha ou a sua saúde ou até sua personalidade que era valorizada, mas a aceitação que ele tinha na sociedade.
A prosperidade vivida nos EUA trouxe uma excepcional forma de vida materialista, que se mostrou para lá das vendas e das acessibilidades. O país investiu duas vezes mais em Bibliotecas e três vezes mais em Hospitais do que antes da guerra. Em 1928 os EUA investiram mais em educação do que o total do resto do mundo. A ciência também evoluiu a saúde graças à melhoria das condições sanitárias, o que melhorou significativamente a nutrição dos americanos. A esperança média de vida dos americanos passou dos 49 anos de idade para ou 59 anos e a mortalidade infantil diminuiu significativamente.
No entanto, severas críticas foram tecidas face à má distribuição dos benefícios da alta tecnologia. Se por um lado havia uma grande produtividade quer na indústria como nos outros sectores económicos, por outro encontravam‐se grandes taxas de desemprego, ou seja, pessoas que não arranjavam nenhum emprego, e por isso, sujeitas a condições de vida precárias, o que contradizia o puro estilo americano que se vivia nessa altura. Os “golden twenties”, ou os “Loucos Anos 20”, eram paradoxalmente anos de incerteza para muitas famílias. Nessa época entre 7% a 12% da população estava desempregada, e muitas famílias tinham o total de receitas inferiores a 2500 dólares por ano.
A política de isolamento dos Estados Unidos agravou o comércio mundial, e o próprio comércio interno. Os produtos tradicionalmente exportados eram o tabaco, o algodão e o trigo; com a subida das tarifas aduaneiras, por parte do Governo os agricultores deixaram de poder escoar os seus produtos. A agricultura não pode recuperar nesta prosperidade, afectada pela superprodução mundial, e o facto de em 1922 a tarifa de Underwood ter sido substituída pela tarifa Fordney‐McCumber que elevava fortemente os direitos alfandegários, levou ao desespero de muitos agricultores e comerciantes.
A crise de 1929 foi uma surpresa para muitas pessoas, inclusive para o presidente norte‐americano Calvin Coolidge que um ano antes (4 de Dezembro de 1928) afirmou convictamente a prosperidade vivida na época “uma perspectiva tão agradável como a que hoje se nos apresenta: no interior, reina a tranquilidade e a satisfação...e o recorde do número
13
de anos de prosperidade; no exterior, reina a paz e a boa vontade, na base da compreensão
mútua”9
1.2.2. A “Pequena” Recessão
Os Estados Unidos revelaram‐se a grande potência mundial até 1919. Sendo credores da Europa, administravam todas as trocas internacionais feitas nessa altura, o que permitiu anular todas as dívidas do país até então. O grande «boom» durou até ao Verão de 1920, interrompido, pela grande recessão que finalizou em inícios de 1922.
A Europa, devastada pela Grande Guerra, requeria de capitais americanos para a sua reconstrução. A recessão e a pequena crise associada, cessou definitivamente os empréstimos à Europa e a América ditou uma política de isolamento. Este isolamento veio dificultar ainda mais a vida dos industriais e dos agricultores americanos. As exportações suspenderam, e a crise provou as suas manifestações primeiramente nas indústrias, para, por fim, se estender a toda a economia. Os agricultores, satisfeitos com a procura europeia por bens, serviços e até matérias‐primas, expenderam e aperfeiçoaram a sua produção com empréstimos cedidos
pelos bancos.10 Com a política de isolamento, os agricultores perderam muito do que
investiram, não podiam de maneira alguma comercializar para o exterior, envidando‐se.
A crise estendeu‐se a toda a população. As produções desvalorizaram (o trigo desvalorizou 40%, o milho 50%, o algodão 60%). Em 1921 houve 383 falências de pequenas entidades bancárias, concentradas fundamentalmente fora das cidades, e o número de desempregados ascendeu quase a cinco milhões (4.700.000).
O isolamento dos Estados Unidos acentuou‐se e a política proteccionista do estado tomou medidas drásticas, restringindo a entrada de emigrantes até 1924.
A pequena crise e o isolamento precedente desenvolveu o mercado interno, fomentando uma produção a baixo custo e o incentivo ao comércio facilitado pelo crédito. A racionalização da produção ganhou um interesse especial, com vista à produção massificada. A
concentração promoveu a entrada dos grandes trusts11 e em 1930, metade do capital dos EUA
estava nas mãos de 200 sociedades anónimas.
9 Mendes, J.M.Amado. HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL DOS SÉCULOS XV A XX, 2ªedição, Fundação Calouste Gulbenkian,1997, Lisboa, p.127.
10 Os agricultores americanos aumentaram a sua área de cultivo durante a I Guerra Mundial, expandindo
as suas terras e comprando-as a preços inflacionados. Quando os preços caíram, muitos foram incampazes de pagar as suas hipotecas, ficando na miséria. 11
A indústria do aço era controlada por três enormes trusts: a United States Corporation; a Bethlehem Co.; e a Republic Steel Co. A indústria automobilística era controlada por outros três grandes trusts: a Ford, a Chrysler e a General Motors. Na indústria química a Dupont juntou-se à Allied Chemical and Dye e à Union Carbide and Carbon. Os trusts bancários eram liderados pelo National City Banc que se
14
Se os anos que sucederam foram anos de prosperidade para os grandes industriais e para o sector do comércio a agricultura, pelo contrário, não pode recuperar. Embora de 1923 a 1926 os preços da maior parte dos produtos agrícolas subissem, nos anos posteriores voltaram a cair. De 1919 a 1924 estimava‐se que 600 mil camponeses emigraram para a cidade, à procura de melhores condições de vida.
Esta crise, embora que pequena, foi um ensaio do que se passaria em 1929 pois revelou a economia dos Estados Unidos, uma economia frágil e mal estruturada, e apesar de em 1924 se desenvolver uma grande época de prosperidade, era uma prosperidade vacilante, à custa de uma descida de preços e de uma redução dos custos empresariais.
1.2.3. O Crash Americano12
“The fundamental prescriptions for recovery [were] such homely things as savings, retrenchment, prudence and hopefull waiting for the turn”.
The New York Times13
Os anos 20 trouxeram a ideia de dinheiro fácil, de que toda a gente poderia ser rica. É certeza que a facilidade de crédito era patente, no entanto, em anos anteriores também havia esta facilidade, mas sem a especulação desta altura. Muitos teóricos acreditam que se não fosse a especulação criada nesta época os anos vinte teriam acabado muito mais cedo.
“A especulação bolsista ocultara, portanto, algum tempo, a contradição entre a existência de uma super-acumulação mundial de capitais - aliás, mal distribuídos e uma economia que vegetava à falta de mercados; o crash ficou a dever-se menos à tomada de consciência da inanidade [frivolidade] de tal especulação do que aos desequilíbrios suplementares que a Bolsa criava”14
O volume das vendas do New York Stock Exchange passou de 236 milhões em 1923, para 1.125 milhões em 1928. As acções industrias subiram para 86.5 pontos, a maior parte dos
uniu ao Farmer’s Loan and Trusts Company; e o Chase National Banc of New York, que em 1877 ao integrar o Equitable Trust Company, passou a ser o maior banco mundial. 12
Anexo nº2 13 in Leuchtenburg, William E. PERILS OF PROSPERITY‐1914‐32.The University of Chicago Press: 1958‐1993, London.
14 Léon, Pierre. HISTÓRIA ECONOMICA E SOCIAL DO MUNDO, VOL.V‐GUERRAS E CRISES,1914‐1947.Sá da Costa editora, 1982,Lisboa, p.280
15
clientes pediram empréstimos, compraram mais acções, viram as suas acções subir e pediram ainda mais empréstimos para comprar mais acções. Em 1928 o mercado das acções transportava às costas, toda a economia.
A queda da bolsa de valores marcou o colapso da economia do mundo capitalista onde qualquer queda de indicadores económicos teria repercussões em qualquer outro sector, compondo um ciclo vicioso.
No início de Setembro de 1929, a bolsa caiu, recompôs‐se, para voltar a cair novamente. No inicio de Outubro, as acções da Radio Corporation of America caíram 32 pontos, da General Electric caíram mais de 50 pontos, e as da U.S. steel quase 60 pontos. Os preços das acções subiram escandalosamente. As declarações prestadas eram de despreocupação, como Irving Fisher assegurou, “stock prices have reached what looks like a permanently high plateau”. Na semana seguinte a situação piorou. No final do mês as perdas eram estimadas de 15 milhões de dólares.
“Apesar da intervenção de um sindicato de banqueiros (Morgan, Mitchell, Wiggins, etc.), que adiantou um milhar de milhões de dólares para cobrir empréstimos à vista, e apesar também da intervenção do Sistema Federal [norte-americano], que igualmente forneceu fundos - o que era contrário à lei - e que baixou a taxa de desconto para 5% e depois para 4.5%, o Crash durou 22; [e] foi o mais longo da história”15
A nível sectorial, o sector comercial foi fortemente abalado, verificando‐se uma enorme deflação no preço dos produtos. Entre 1929 e 1933, os preços dos bens primários (alimentares) registaram uma baixa de cerca de 55%, e o das matérias‐primas, cerca de 60%.
O desemprego subia escandalosamente a níveis extremamente elevados e em 1933 as taxas de desemprego eram cerca de 25% (um quarto (1/4) de toda a força de trabalho americana). Após o crash, a situação caracterizou‐se pelo desespero da população desempregada. “ O desemprego tem sido o mais espalhado, o mais insidioso, o mais corrosivo
mal da nossa geração: a doença social específica da civilização ocidental do nosso tempo”16.
No sector laboral, o número de desempregados durante a crise atingiu cerca de 30 milhões em
todo o mundo ‐ só nos Estados Unidos17 cerca de 12 milhões; na Alemanha cerca de 6 milhões;
na Grã‐Bretanha cerca de 3 milhões.
“Daí o impacte central, traumático do desemprego em massa sobre a política dos países industrializados, pois foi esse o significado primeiro e principal da Grande Depressão (...) A imagem predominante na época era a das filas de sopa, de
15 Léon, Pierre.idem,p. 275-276. 16 Arndt, H.W., 1994, The economic lessons of the 1930’s Londres,1944, p.250 17 Nos EUA as taxas de desemprego subiram de 9% em 1930 para 16% em 1931, e 25% em 1933. A taxa de desemprego dos EUA não retomariam mais às taxas de 9% de 1930, mantendo-se perto dos 20%. (números aproximados)
16
“Marchas da Fome” feitas por desempregados saindo de comunidades industriais sem fumo nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergido para as capitais, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis.”18
A quebra da bolsa de valores causou grande incerteza, por parte da população, quanto ao futuro do país. Muitos decidiram cortar gastos supérfluos, tentando gerar poupança, o que provocou a quebra na balança comercial nacional. Outras, às quais lhes tinham sido cedidos empréstimos, reduziram ainda mais os seus gastos, para poder efectuar os seus pagamentos. A quebra do sector comercial desconcertou o sector industrial e assim, sucessivamente, todos os outros sectores da economia. O sistema capitalista estava fragilizado e começava a entrar num ciclo vicioso. Qualquer queda nos indicadores económicos provocariam a queda consequente de todos os outros.
Bancos que teriam cedido grandes somas de empréstimos a fazendeiros, os quais ver‐se‐iam incapazes de pagar as suas dividas. O não‐pagamento dos empréstimos levou à queda dos lucros destas instituições. A maioria da população, antecipando a falência das instituições bancárias, retirou o seu capital destas. Entre 1920 e 1930 o total das instituições bancárias
fechadas estimava‐se na ordem dos 14 mil.19
Com o encerramento da maioria das instituições bancárias, o total de fundos disponíveis na economia americana era mínimo o que provocava a descida, cada vez mais acentuada, da produção industrial. Estima‐se que em 1929 o valor total dos produtos industrializados fabricados nos EUA era de cerca de 110 biliões de dólares; caindo, significativamente, em 1933 para cerca de 56 biliões de dólares, uma queda aproximadamente de 45%. Outras produções também caíram exageradamente durante estes quatro anos (1929‐1933): o aço caiu cerca de 61% e a produção de automóveis cerca de 70%.
Toda a população acreditava que haveria uma solução política para enfrentar a Grande Depressão. Foi a ausência desta, quer por parte da política, quer por parte da economia ou até por parte dos grandes homens de negócios que tornou catastrófica e asfixiante a vida de todos.
Os estados ergueram barreiras cada vez mais altas para proteger a sua economia, os seus mercados e as suas moedas, o que provocou o desmoronamento do comércio internacional multilateral sob o qual, todos acreditavam que, era a pedra basilar da
18 Hobsbawm, Eric. A ERA DOS EXTREMOS – HISTÓRIA BREVE DO SÉCULO XX (1914-1991). Editorial Presença: 1996, Lisboa, p.100
19 A título de curiosidade, a falência de instituições bancárias atingiram os seguintes valores: em 1929 cerca de 642; em 1930 cerca de 1345; em 1931 cerca de 2298.
17
prosperidade. O comércio mundial acabou por cair 60% entre os anos de 1929 e 1932, tornando duvidosa a balança externa dos Estados Unidos.20
Não podemos argumentar apenas uma causa do desastre da bolsa e da depressão que lhe procedeu, são várias as causas quer políticas, quer económicas, quer até sociais. “A derrocada do mercado bolsista não foi a causa da depressão ‐ que já tinha começado, tanto nos Estados Unidos como na Europa ‐, mas foi um sinal evidente de que a depressão se estava
a instalar.”21
A capacidade de produção desta nação fora deveras superior à sua própria capacidade de consumo. A queda dos preços dos produtos primários, demonstrou unicamente que a sua procura não conseguia acompanhar a capacidade de produção.
Havia uma má distribuição de rendimentos: os ricos ficaram mais ricos e poderosos e os pobres cada vez mais pobres. “ (...) os ricos – nos EUA‐ eram de facto ricos, pois apenas 5% das pessoas com mais altos rendimentos arrecadavam um terço do rendimento pessoal
global”.22 Desde 1922 até 1929 “ (...) os salários dos operários aumentaram apenas 33%, ao
passo que os dos empregados aumentaram 42%, o lucro líquido das sociedades, 76% e os
dividendos dos accionistas, 108%”.23
Isto mostrava a fragilidade estrutural da economia dos EUA. A economia liberal demonstrou ser, para muitos, uma economia utópica. Nem os agricultores nem a classe operária recebiam a parte equitativa do rendimento nacional o que teria assegurado o equilíbrio do mercado. Por outro lado, a mecanização cada vez mais avançada começou a procurar operários cada vez mais qualificados, desempregando muitos trabalhadores da classe social mais baixa. A crise de superprodução encarava também uma crise de subconsumo. A riqueza do sistema capitalista concentrou‐se nos grandes trusts da actividade económica, em monopólios ou oligopólios destes. No sistema, teoricamente reinava a abundância, a prosperidade ao alcance de todos, no entanto, na prática, a distribuição dos lucros ou dos rendimentos era viciada.
A deficiente estrutura bancária alegava que existia um número exagerado de unidades independentes, mas com uma capacidade de resposta limitada. “Nos primeiros seis meses de 1929, faliram 346 bancos em várias zonas do país, com um total de depósitos e cerca de 115
20 A 17 de Maio de 1930, já em plena crise o Governo dos EUA aprovou a lei do Acto Tarifário de Hawley-Smoot. O Presidente Herbert Hoover pedira ao Congresso uma diminuição nos impostos, mas o Congresso votou a favor destes incentivando uma politica inflacionista. O Congresso e o Presidente acreditavam que isto iria reduzir a competição dos produtos estrangeiros no país. 21 Cameron,Rondo.HISTÓRIA ECONÓMICA DO MUNDO- De uma forma concisa, de há 30 000 Anos até ao presente. Publicações Europa-América.2000, Sintra-Lisboa, p.393
22 Mendes, J.M.Amado.idem, p.128. 23 Schoell,Frank L. HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS.Editoral Aster: 1977, Lisboa, p.187
18
milhões de dólares (...) ricos e pobres tomavam conhecimento do desastre graças à persuasiva
informação de que as suas poupanças tinham sido destruídas”24
O crash da bolsa expôs a fragilidade da economia dos anos 20 ‐ a expansão exponencial das grandes indústrias (trusts), a má redistribuição dos lucros e dos rendimentos, a fragilidade da estrutura bancária, e a dependência de toda a economia assente no comércio e na especulação, nos consumidores. Com o abalo da estrutura do sistema capitalista liberal, muitos países adoptaram uma intervenção estatal mais consistente. A crise levou aos especialistas a dedicarem‐se a factores tão importantes como o “pleno emprego”, à intervenção estatal, ao estímulo à poupança e ao investimento da população, ao lançamento das obras públicas e à planificação indicativa.
Nos EUA o presidente Franklin D. Roosevelt implementou o “New Deal”, no qual as principais características constavam de: programas de assistência, criação de postos de trabalho, e ajuda na agricultura. O liberalismo entrou em descrédito por parte da população e até por parte de muitos economistas.
24 Galbraith,John Kenneth. A CRISE DE 1929.ANATOMIA DE UMA CATÁSTROFE FINANCEIRA. Dom Quixote, 1974,Lisboa, p. 268-269
19
2. A PROPAGAÇÃO DA CRISE
A Grande Depressão, além de ter destabilizado toda a economia norte‐americana, estendeu também, os seus tentáculos ao resto do globo (exceptuando o caso da URSS).
Estando o capitalismo já imposto em grande parte do globo, assim como as trocas comerciais internacionais já serem uma realidade, a crise que se viu nascer nos Estados Unidos da América depressa se alastrou pelo resto do mundo.
2.1. A dependência do Canadá
O Canadá, país vizinho dos EUA, foi o segundo mais afectado pela crise, em grande parte devido às relações comerciais íntimas entre estes dois e ao uso, a par dos EUA, do padrão ouro que resultou numa valorização da sua moeda.
O Canadá, entre 1900 e 1920, era o país que registava o crescimento económico mais acentuado do globo. Um dos grandes pilares deste crescimento era a exportação de trigo, maior exportador mundial deste bem, que representava mais de um terço do seu Produto Interno Bruto (PIB). Porém, este pilar económico assentava numa base frágil, a Europa devastada pela 1ªGuerra Mundial, estava em fase de recuperação gradual fazendo com que o sector agro‐pecuário, sector responsável pela produção do trigo, fosse recuperando gradualmente. Mas este não foi o factor que mais abalou a economia canadense, até então o trigo produzido na Rússia estava fora do mercado global devido à Revolução de Outubro (1917). Com a implementação da Nova Política Económica, a Rússia, voltou a exportar este bem diminuindo o valor de circulação no mercado do trigo.
Entre 1929 e 1933 o PIB do Canadá25 sofreu uma queda de 40%, enquanto nos Estados
Unidos essa queda foi de 37%. No auge da depressão a taxa de desemprego no Canadá era de 27%, e a taxa de exportação caiu em 50%. O sector mais afectado pela crise foi o seu sector primário (como o caso da agricultura, à semelhança dos EUA, e daindústria mineira). As principais causas da crise no Canadá são, em grande parte, comuns às verificadas pelo resto do globo, tais como:
Grande dependência dos Estados Unidos da América – com esta dependência torna‐se previsível que uma crise desta envergadura nos EUA fosse afectar directamente o Canadá.
A sobreprodução ou excesso de produção – sem mercado para escoar os produtos, o Canadá, viu o valor destes descer.
25 Anexo nº7
20
Taxas elevadas de exportação – tentando fugir a uma recessão económica aumentaram‐se as taxas de exportação, o que fez com que este país tornasse‐se menos competitivo no plano das trocas comerciais internacionais.
O excesso de crédito – outra vez à semelhança dos Estados Unidos, os créditos foram concedidos em demasia e eram extremamente facilitados, graças ao capitalismo liberal em vigor, e sem possibilidade de pagamento as pessoas viram‐se despojados dos seus bens além, de os bancos não conseguirem cobrar o valor dos créditos cedidos.
O aumento geral do preço do trigo nas transacções internacionais, provocou o colapso da economia deste país.
A crise resistiu até que, em 1934, o Primeiro‐ministro Richard Bennet adoptou uma política semelhante à do New Deal norte‐americano, que fez com que a economia fosse recuperando vagarosamente.
2.1. O Reino Unido e o regresso ao padrão‐ouro
A inflação depois da I Grande Guerra provocou a disfunção das economias nacionais e internacionais. As pressões das dívidas de guerra forçaram a maioria dos países Europeus a saírem do padrão‐ouro fechando assim as suas economias inflacionando o valor das suas moedas, que servira, antes da guerra, como estabilizador de preços. Todos os países beligerantes recorreram então à emissão de papel‐moeda nos seus financiamentos.
A Grã‐Bretanha abandonou o padrão‐ouro em 1914, como medida orçamental de guerra; e regressar ao ouro colocaria a indústria britânica numa desvantagem competitiva em relação aos Estados Unidos e a outros países que mantinham paridade com o dólar, ou tinham adoptado uma taxa de câmbio ainda mais baixa. Regressar ao ouro a uma taxa inferior penalizaria os grandes investidores.
Em 1925, o Winston Churchill, fez regressar a Grã‐Bretanha ao padrão‐ouro, como era desejado desde o fim da Grande Guerra. De forma a manter a indústria Britânica competitiva, era necessária uma queda dos preços de aproximadamente 10 por cento, o que, por sua vez, exigia uma descida equivalente dos salários.
“Em 1925 a libra reencontra a paridade anterior à guerra e a convertabilidade-ouro e restabelecida. Mas a que preço para a classe operária!”26
26 Beaud, Michel HISTÓRIA DO CAPITALISMO. Teorema: 1981, Lisboa. Pág.218
21
O efeito global foi uma redistribuição dos rendimentos à custa dos trabalhadores e em prole dos que viviam de rendimentos fixos.
“Melhorar o valor comercial internacional da libra e levá-la à sua paridade-ouro anterior à guerra enquanto que lhe deveria ser inferior em 10% significa que, cada vez que fizermos qualquer venda ao estrangeiro, ou o comprador terá de pagar mais 10% na sua moeda ou deveremos aceitar menos 10% na nossa moeda. O que quer dizer que deveríamos reduzir os nossos preços em esterlino, do carvão, do ferro, dos fretes marítimos ou de qualquer produto em 10%, para ficarmos em posição de concorrência (...). Assim, a política da moeda de M. Churchill, devia mais cedo ou mais tarde, tornar-se numa redução dos salários em dois xelins por libra(...). A deflação não reduz “automaticamente” os salários, redu-los por intermédio do desemprego (...). Vergonha para os que a sua fé leva a utilizar [o encarecimento do dinheiro] para agravar uma depressão”27
A indústria do carvão foi uma das mais atacadas, perdendo mercados externos, viu também os seus custos serem aumentados. Os mineiros, quando enfrentaram o resultado do regresso ao padrão‐ouro, voltaram a entrar em greve a 1 de Maio de 1926, à semelhança da greve de 1919, persuadindo muitos outros sindicatos a fazerem o mesmo, de forma a convocar uma greve geral.
O resultado foi que cerca de 40% dos filiados em sindicatos entraram em greve,
principalmente os dos serviços públicos apoiados pelo Conselho Geral das Trade Unions28. O
governo conservador vigente decretou por intermediário do rei o “estado de excepção”, considerando a greve do 1 de Maio ilegal. A greve geral durou dez dias, acabando com a derrota dos sindicatos, pois voluntários da classe média garantiram os serviços mínimos e os chefes sindicais cederam com a hipótese de uma Guerra Civil.
Por mais curta que tenha sido a greve geral, deixou ainda mais intrínseco o sentimento de ódio entre as classes sociais, tornando‐se em mais um entrave à resolução dos problemas internos e externos que tinham de ser ultrapassados na época.
A classe operária britânica viu‐se entre a espada e a parede durante a década de 20, em grande parte devido à política de restauração da libra. Durante esta década problemas sociais como o desemprego, a constante diminuição dos seus salários, a restrição de direitos adquiridos, como o caso das greves gerais terem sido declaradas ilegais, assolaram a vida desta
27 John Maynard Keynes in Beaud, Michel HISTÓRIA DO CAPITALISMO. Teorema: 1981, Lisboa. Pág.218 28 Os Trade Unions, que mais tarde deram origem aos sindicatos, eram associações formadas por trabalhadores, cujo principal instrumento de luta, e o mais eficiente, era a greve. Estes surgiram na componente da industrialização, uma vez que a máquina substituiu a força do trabalho, provocando o desemprego em larga escala.
22
classe, que ainda não sabiam que estaria para chegar a Grande Depressão para os afrontar ainda mais.
Em 1929, apoiado pelos liberais e em grande parte devido ao descontentamento geral com a governação conservadora, sobe ao poder o partido trabalhista liderado por Ramsay MacDonald. A política económica deste governo foi marcada pela sua ortodoxia, ainda muito assente na economia clássica Victoriana.
Aquando o crash da bolsa de valores (24 de Outubro, 1929) e a propagação da crise por todo o mundo os países reagiram aumentando as suas taxas alfandegárias, o que levou ao agravamento da crise britânica no sector da exportação.
A tarefa do partido trabalhista complicava‐se e o seu classicismo económico em conjunto com a sua fraca capacidade de resolver problemas de forma radical, não ajudou em nada à resolução dos problemas, tanto internos como externos. A sua recusa em investir nos serviços públicos e nas obras públicas e a sua vontade de continuar a baixar progressivamente os salários de forma a conter os gastos públicos levou a que, em 1930 a quantidade de desempregados duplicasse, passou de 1 milhão (8%) para 2,5 milhões (20%). O sector da exportação não foi excepção, antes pelo contrário, caindo cerca 50 %.
Sob a pressão dos liberais, que até então eram seus apoiantes, e também da oposição conservadora o governo de MacDonald teve de tomar acções de recurso. Depois de ter seleccionado um comité para analisar toda a estrutura económica britânica e depois de ver os resultados decidiu conter ainda mais os gastos públicos (cortes salariais, subsídios de desemprego, etc.) de forma a prevenir um possível défice.
Depois da formação de um novo governo, o Governo Nacional 29 , MacDonald
intensificou as suas políticas económicas de contenção de gastos. Este governo, mesmo depois das eleições convocadas em 1931, continuou no poder com MacDonald à sua frente, sendo agora novamente denominado por partido Conservador, devido à “flexibilidade” na ideologia de MacDonald.
Em 1931 o governo de MacDonald viu‐se forçado a adoptar medidas de forma a resolver o estado caótico pelo qual o país passava. Medidas essas, muitas vezes apelidadas de
draconianas30, que intensificaram ainda mais os cortes nos gastos, mais uma vez a classe
operária teve de pagar um preço caro (à volta de 10% em cortes nos seus salários). Outra das medidas adoptadas foi o abandono da convertabilidade‐ouro, que desvalorizou o valor da libra esterlina facilitando as suas exportações. Estas medidas conseguiram trazer à população inglesa um crescimento económico gradual.
29 Os constantes cortes na função pública, principalmente os cortes salariais, dividiram o partido trabalhista. Assim ignorando quem recusava esta política económica, juntou‐se a apoiantes seus e formou um novo governo, o Governo Nacional que contava com, além de trabalhistas, com conservadores e alguns liberais. Este governo deu continuidade à política de contenção nos gastos públicos até então em vigência. 30 Draco foi o primeiro legislador da Antiga Grécia, era caracterizado pela sua severidade ou crueldade no que diz respeito às suas leis ou modo de governar
23
Em 1934 foi dado um passo importante em direcção à recuperação da crise. O governo adoptou medidas que apontavam para o Estado‐Providência, voltando a implementar um sistema de subsídio de desemprego, pensões, etc. Assim, juntamente com a desvalorização da sua moeda que tornou o mercado inglês mais competitivo com outros países nos mercados internacionais, a recuperação levou uma lufada de ar fresco abrindo o caminho para a estabilização. Além de ter desenvolvido um rearmamento da pátria massivo criando assim mais postos de trabalho, de forma a precaver‐se da crescente ameaça alemã.
2.2. A França Proteccionista
Na França o impacto da grande crise, relativamente a países como o Canadá,
Alemanha, Inglaterra, entre outros, foi bastante diferente. Há que ter em conta que o impacto
sentido no território francês foi menor31, e poderia ter sido evitado caso a França tivesse
coragem de mudar a sua política a dada altura da crise.
Tendo voltado a adoptar a convertabilidade‐ouro o franco viu‐se perante uma
desvalorização e uma paridade muito baixa em 1928, tornando‐se mais competitivo no
mercado internacional através do fomento das exportações. Além de a França ser um dos
países com mais reservas de ouro, colocando assim a França num posto “confortável”.
Até 1931 a produção industrial não foi afectada, a taxa de desemprego era marginal, e
graças a um proteccionismo já implementado os preços dos produtos agrícolas mantiveram‐se
altos, não desvalorizando como na maior parte dos países afectados. A repatriação do capital
francês incrementou a entrada de ouro nas suas reservas, um aumento superior a 35% para
voltar à antiga estabilidade.
A depressão só entrou em França quando se deu a desvalorização das moedas da
Inglaterra e dos EUA em 1931 e 1934, que tiraram a vantagem que até então a França tinha no
mercado. Foi neste período que a os gauleses viram os seus produtos agrícolas serem
desvalorizados, a par de uma sobreprodução ocorrida graças às medidas proteccionistas.
Nesta altura, já os economistas tinham alertado o governo francês para a necessidade
de uma mudança na política económica. Porém, o governo hesitou, o orgulho francês falou
mais alto e não foram adoptadas novas medidas de forma a tentar transmitir a imagem de
uma França estável num mundo destronado pela crise. A França via‐se agora de caras com
uma deflação, que até então tinha estado afastado do seu vocabulário económico.
31 anexo nº6
24
O desfecho da crise francesa só apareceu em 1936, chegando a um acordo entre três
partes, com os Estados Unidos e a Inglaterra, levando assim a uma desvalorização do franco na
ordem dos 30%. Se em 1933 a França tivesse adoptado este acordo a fuga à crise, que tanto
desejavam, poderia ter sido um cenário possível. O regresso final à prosperidade aconteceu
quando voltou‐se a dar uma repatriação do capital francês após um período de instabilidade
política.
O seu rearmamento não teve grande influência na recuperação da crise, embora possa
ter causado boas impressões aos olhos dos capitalistas aumentando assim a confiança destes
na economia francesa, assim como a vontade de investirem em território gaulês.
2.3. O caso da URSS
Devido ao seu isolamento do mundo, depois da revolução político‐social (1917) que
transformou a antiga Rússia Czarista num regime comunista, a Revolução de Outubro, deve‐se
estudar a evolução da economia Soviética paralelamente aos restantes países, enquadrados
no sistema capitalista.
Enquanto o resto do mundo se deparava com uma crise económica que pôs em causa
todo o sistema capitalista, a Rússia estalinista prosperava significativamente tanto a nível das
indústrias como da agricultura. Porém, para atingir este fase próspera a URSS enfrentou várias
crises económicas, políticas e sociais tendo sido muitas delas bem mais difíceis que a própria
crise.
“O socialismo não é outra coisa mais do que o monopólio capitalista do Estado,
levado a cabo em favor do povo, e, precisamente por esta razão, se afasta do
capitalismo” (Vladimir Ilyich Ulyanov “Lenine”)
Desde a Revolução de Outubro, vários foram os decretos implantados de forma a
iniciar a caminhada rumo ao socialismo, rumo ao comunismo. Nacionalizaram‐se várias
empresas e bancos, a produção e a distribuição das riquezas industriais fora entregue aos
operários, a confiscação da terra, entre outros. Porém, faltavam os meios e as forças
necessárias para conseguir aplicar todo este conjunto de medidas, o país ainda não estava
preparado para uma mudança tão brusca, levando a que estas medidas se revelassem em
25
grande parte um fracasso. Por exemplo, em 1920, a produção de cereais mal chegava aos 50%
da produção de 1913, na indústria o cenário afigurou‐se ainda mais caótico estando, também
em 1920, a sua produção fixada nuns meros 20% relativamente a 1913.
No X Congresso do Partido Comunista, a 15 de Março de 1921, Lenine ao ver a
situação gravíssima (não só económica mas também social) pela qual a URSS passava decidiu
retroceder na sua caminhada rumo ao comunismo, anunciando a Nova Política Económica
(NEP).
A NEP visava a criação de uma economia privada, em pequena escala, e meramente
provisória de forma a conseguir criar um mercado estável para, depois de criar as engrenagens
necessárias, prosseguir até ao socialismo. Ou seja, o tal monopólio do estado em favor do
povo era agora cedido, em parte, a investimentos privados havendo assim uma maior
liberalização deste. Repôs‐se o Rublo em circulação, o seu valor fixou‐se nos 100 rublos de
1912.
Em 1924 morre Lenine, sucede‐lhe Joseph Vissarionovich Dzhugashvili, mais conhecido
pelo cognome de Joseph Stalin (Stalin significa mão de aço). Com a sua ascensão, Estaline,
aboliu com a NEP e estabeleceu os planos quinquenais, que estabeleciam um conjunto de
acções a serem cumpridas no prazo de 5 anos.
O grande objectivo destes planos quinquenais, era o desenvolvimento da indústria e a
recolectivização da agricultura. Com ajuda de especialistas e tecnologias estrangeiras assim
como o uso de força repressiva sobre o seu povo.
Com a recolectivização e a forte aposta na indústria a URSS conseguiu, em menos de 8
anos, tornar‐se na 2ª potência mundial durante a década de 30 marcada no resto do globo
pela grande crise de 1929.
26
3. POLÍTICAS DE RESOLUÇÃO DA CRISE
3.1. New Deal O presidente Herbert Hoover acreditava que o comércio, se não supervisionado pelo
governo, iria eventualmente recompor‐se e minimizar os efeitos da grande recessão. Hoover acabou por rejeitar diversas leis aprovadas pelo Congresso americano, alegando que estas dariam demasiados poderes ao Governo.
No entanto, Hoover incitava a uma ajuda aos mais necessitados, admitindo uma intervenção municipal, nos condados, ou até estatal. Uma vez que a maior parte dos estados não teria fundos para promover essa intervenção, Hoover propôs a criação de um órgão governamental, o Reconstruction Finance Corporation (RFC), em 1932. Este órgão seria responsável por fornecer ajuda financeira a empresas e instituições comerciais e industriais, como por exemplo Bancos, Companhias de Seguros, ferrovias, e grandes empresas, acreditando que a falência destas instituições agravaria ainda mais a Grande Depressão.
Em 1930, o descontentamento geral manifestou‐se nas eleições legislativas: os Republicanos tinham perdido numerosos lugares e os Democratas asseguraram a sua maioria. Do lado dos Republicanos encontrava‐se Herbert Hoover e do lado dos Democratas Franklin Delano Roosevelt.
“Personalidade cheia de encanto e de espírito cheio de recursos
[Roosevelt], impunha-se às multidões tanto pela sua humanidade irradiante como pelo seu bom senso e pela experiencia política (...) Na sua campanha eleitoral, prometeu (...) um New Deal.(...) num resumo, entendido por todos os jogadores de poker, uma nova “distribuição das cartas”, uma nova repartição, uma distribuição mais equitativa dos bens deste mundo.”32
O New Deal teve sucesso entre a população e a 4 de Março de 1933, Roosevelt venceu
as eleições.
“Quando Franklin Roosevelt foi investido como trigésimo segundo presidente dos Estados Unidos (...), a nação estava no auge da sua pior crise desde a Guerra Civil. (...) a indústria estava praticamente encerrada e o sistema bancário estava à beira de um colapso total.”33
Roosevelt afirmou a sua vontade de socorrer a pobreza e a miséria, restabelecer o
equilíbrio entre a agricultura e a indústria, de exercer um controle sobre as praticas bancárias, a reconstrução do sistema monetário, o trabalho, a segurança social, a saúde, a habitação, os
32 Schoell,Frank L.ibidem, p.189
33 Cameron,Rondo.ibidem, p.397
27
transportes, a comunicação, e os recursos naturais, cedendo desta forma também maiores poderes executivos ao Congresso. Roosevelt acreditava que o governo americano era o principal responsável e era a este que cabia “lutar” contra os efeitos da Depressão. Numa sessão legislativa especial, conhecida como os Hundred Days (“cem dias”), Roosevelt e o Congresso aprovaram um conjunto de leis, que, por insistência do próprio Presidente, foram designadas de New Deal (“novo acordo”). Estas leis forneciam ajuda social às famílias e pessoas que necessitassem, forneciam empregos através de parcerias entre o governo, empresas e os consumidores, tinham em vista a reforma do sistema económico e governamental americano, de modo a evitar que uma recessão desta índole voltasse a ocorrer futuramente.
A administração de Roosevelt gastou cerca de 16 mil milhões de dólares em assistência directa aos desempregados; fundos federais foram cedidos às empresas em risco de falirem; para combater o desemprego o governo promoveu grandes obras públicas (construção de barragens, estradas, pontes, etc.); e foram concedidos empréstimos às sociedades de construção de habitações, para que estas criassem também um grande número de empregos.
O acto legislativo mais característico da época foi a criação da National Recovery Administration (NRA), um sistema de planeamento económico privado, com supervisão governamental, para proteger o interesse público e garantir o direito dos trabalhadores de se organizarem e reivindicarem colectivamente. Em 1935, o Supremo Tribunal declarou a NRA inconstitucional.
Depois de, no primeiro dia, a politica de Roosevelt ter encerrado todos os bancos, o New Deal reabriu‐os colocando‐os sob vigilância apertada. O estado abandonou o padrão‐ouro e proibiu aos particulares a posse ou a detenção do ouro e procedeu a uma desvalorização do dólar. O objectivo era, por meio de uma política de inflação, elevar o preço dos produtos de primeira necessidade.
O governo também instituiu o controlo de venda de títulos, que deu lugar a muitos abusos no passado, e submeteu à vigilância dos poderes públicos os grandes trusts privados, que tinham tomado o controlo dos serviços de utilidade pública: gás, água e electricidade.
Instituiu a Tennessee Valley Authority (TVA), um órgão governamental encarregado de explorar os recursos, por meio de barragens hidroeléctricas. Esta agência tinha como principal objectivo o melhoramento económico e o benefício do meio rural, muito necessários.
Numa visão geral sobre o New Deal, é necessário focar os domínios da agricultura, do trabalho e da segurança social, domínios esses de grande importância no futuro.
Agricultura – o estado indemnizou os agricultores, que reduziram as suas áreas de cultivo para diminuir a produção, e concedeu créditos de pagamento de dívidas. Tanto na agricultura como na indústria, foram fixados limites à produção e tabelaram‐se os preços dos produtos, de modo a evitar as crises de superprodução. Graças a várias leis, entre as quais dois Agricultural Adjustment Acts, a situação do mercado agrícola melhorou. O plano consistia, primeiramente, em pagar subsídios em dinheiro aos agricultores que reduzissem as suas superfícies. Outro trâmite do acto, seria restabelecer o equilíbrio entre os preços agrícolas e os preços dos outros produtos.
Trabalho – o New Deal tomou medidas a favor do assalariado. Com o National Recovery Act (NRA) (1933), a administração de Roosevelt reduziu as horas de
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trabalho, aumentou os salários (foi estabelecido um salário mínimo), aboliu o trabalho infantil e garantiu o direito ao contracto colectivo. O NRA, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal, no entanto, algumas das suas leis puderam ser retomadas e melhoradas. O Wagner Act (1935), lançou as bases do poder dos sindicatos americanos, o objectivo do acto era garantir ao trabalhador a liberdade de ter um sindicato, com o qual pudesse negociar e regular a sua situação com o patronato. Foi criado o Labor Relations Board, que arbitrava em caso de litígio no trabalho. Um pouco sujeita à inércia, a Federatoion of Labor, conheceu, em 1935, outro vigor, por John L. Lewis, presidente do sindicato dos mineiros. Daí surgiu o Committee for Industrial Organization (CIO), aumentando a área da sindicalização.
Segurança Social – o Social Security Act (1935) criou um fundo de desemprego e um sistema de pensões para os idosos, cegos e crianças enfermas. Estes programas eram financiados pelos patrões, assalariados e administrados pelos Estados sob o controle do Governo Federal.
O New Deal fracassou em restabelecer o pleno emprego, uma vez que em 1937 ainda havia 7 milhões de desempregados e o produto nacional atingira apenas os 72 milhões de dólares, enquanto que em 1929 registava números acima dos 82 milhões.
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4. CONSEQUÊNCIAS DA GRANDE DEPRESSÃO
4.1. Acordos de Bretton Woods
Os acordos de Bretton Woods tiveram a sua origem devido, em grande parte, aos acontecimentos da Grande Depressão. Outros motivos ligados à sua edificação foram a concentração de poderes em muitos estados, bem como a presença de potências dominantes querendo assumir a liderança hegemónica.
A Grande Depressão foi mestre na proliferação de barreiras e impostos aduaneiros, o que levou à queda do comércio internacional, durante longos anos. Cada barreira erguida pelos estados, minara o sistema internacional de pagamentos, base do comercio mundial. A politica de isolamento dos anos trinta, provocou, sem dúvida, espirais deflacionarias, devido ao uso excessivo de tarifas alfandegárias rígidas, com o fim de reduzir o deficit da Balança de Pagamentos. Por consequência, os países amargaram uma diminuição da produção, o desemprego a grande escala, e o declínio do comércio mundial.
O comércio da década de trinta ficou conhecido pelos “blocos monetários”, ou seja, grupos de nações que empregavam uma moeda equivalente, e com a qual estabeleciam as suas trocas comerciais. Entre esses blocos podemos distinguir o bloco da libra esterlina do Império Britânico. A problemática da criação só agravou ainda mais o comércio mundial, já enfraquecido, pois o surgimento de blocos retardava o fluxo internacional de capitais e encobrir a possibilidade de investimentos estrangeiros. Mesmo assim, apesar da estratégia vislumbrar a eficiência a curto prazo, uma vez que aumentou o capital desses países, estava condenada ao infortúnio, a longo prazo.
As economias dos grandes países não poderiam continuar fechadas, para assim rejubilar da catástrofe económica, que atingiu o seio da nação capitalista. Só numa economia aberta os países conseguiriam, para além de preservar a paz, assegurar o desenvolvimento económico de cada país. Os acordos de Bretton Woods favoreciam isso mesmo, planificando uma ideia ou um sistema liberal, um sistema que se baseasse primeiramente no mercado, com o mínimo de restrições ao fluxo do comércio e de capitais privados. Apesar de nem todos os participantes concordarem sobre a maneira de pôr em acção o plano, era unânime a necessidade de planificar um sistema económico aberto.
A base dos acordos foi uma crença comum no Capitalismo intervencionista, apesar de os países envolvidos discordarem quanto ao tipo de abordagem ou intervenção que preferiam nas suas economias. A França, por exemplo, preferia um planeamento e uma maior intervenção estatal, ao contrário dos Estados Unidos, que optavam por um planeamento mais liberal, com uma menor intervenção estatal.
Os acordos de Bretton Woods definiam um sistema de regras que regulamentavam a política internacional. Para isso, os fundadores dos acordos, criaram o International Bank for Reconstruction and Development (BIRD), que mais tarde integrou o Banco Mundial.
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Os principais objectivos do sistema de Bretton Woods eram, e são:
• Obrigação de cada país adoptar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio das suas moedas dentro de um de um determinado valor ‐ mais ou menos 1%‐ em ouro.
• A provisão pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento. O FMI assegura a cooperação monetária global; a estabilidade financeira; proporciona o comércio internacional; promove altos níveis de emprego e desenvolvimento económico sustentável; reduz a pobreza.
4.2. A Ascensão do Totalitarismo na Europa
“Ela [uma crise] exprime os disfuncionamentos acumulados anteriormente, já que as «economias [e as sociedades] têm as crises das suas estruturas» (Ernest Labrousse); mas ela amplifica as desordens anteriores, anuncia o futuro. Qualquer crise é, pois, ao mesmo tempo um sinal de mudança, uma consequência das evoluções em curso e um factor de mutações, na origem de uma nova hierarquia nacional e internacional.”
Marc Nouschi34
A Grande Depressão acarretou, como sabemos, inúmeras consequências para todos os países que nela se envolveram, directa ou indirectamente. Pouco a pouco, com a pobreza e a falta de recursos a alastrarem‐se cada vez mais, um pouco por todo o mundo, as populações esperam e desesperam com os seus líderes políticos, que pouco ou nada conseguem fazer de maneira a travar (ou pelo menos atenuar) os efeitos devastadores da crise que se abatem
sobre as massas, desejosas de “pão e trabalho”35.
As ideias democráticas e liberais estão, também elas, em apuros. Incapazes de resolver pela via “democrática” a crise, poucos são os governos de natureza democrática que conseguem escapar à ira e ao desespero das massas de desempregados. Perante isto, o mesmo é dizer que são poucos, ou raros, os países afectados pela crise que conseguem manter uma estrutura governativa apoiada no respeito pelo liberalismo e pelas ideias democráticas. Essa “tendência liberal”, anterior à crise, inverte‐se. A partir daí, o cenário passa a reverter a favor das ideologias totalitaristas, que baseiam a sua actuação na brutalidade, assentes em valores anti‐democráticos, anti‐parlamentares; no fervor nacionalista/patriota que apela ao
34 in O SÉCULO XX. Instituto Piaget: 1995, Lisboa. pág. 179 35 Palavras a que, por exemplo, Adolf Hitler recorria frequentemente nos seus empolados discursos, de forma a atrair todo um povo que passava miséria, fome, desemprego.
31
expansionismo, ao orgulho nacional. Dentro da Europa, até ao final dos anos 30, esse panorama acaba por espalhar‐se em praticamente todos os países.
Ainda antes da crise, em 1922, no clímax traumático do primeiro pós‐guerra, a Itália havia dado o primeiro passado. É importante percebermos em que contexto surge o “primeiro” fascismo, uma vez que isso nos ajuda a compreender todos os outros que se seguiram na Europa, nomeadamente o nacional‐socialismo alemão, conhecido pela sua brutalidade/ferocidade. Todos eles se inspiraram no modelo pioneiro, na filosofia fascista posta em prática na Itália.
O “saldo” 36 da participação italiana na Primeira Guerra Mundial, ao lado dos Aliados,
tinha deixado o povo italiano, no geral, muito descontente com as “recompensas” que tinham sido dadas à Itália (ou que se esperava serem dadas) nas conferências de paz. Podemos, inclusive, dizer que havia algum desejo de vingança em relação às grandes potências europeias (França e Inglaterra); o que fez com a Itália adoptasse uma atitude algo isolacionista no panorama internacional. Isso facilitou o aparecimento de ideias radicais/extremistas, donde se veio a destacar o ideário do Partido Nacional Fascista (Partito Nazionale Fascista), com Benito Mussolini [1883‐1945] à cabeça.
“670 000 Mortos, 1 000 000 de feridos, a guerra «redentora» tem um preço muito pesado para a Itália. É verdade que a sociedade e a economia resistiram, mas desde 1919 que as fragilidades acumuladas surgem à luz do dia. As cláusulas dos tratados de paz trazem os italianos de volta à realidade: nenhuma satisfação dada à sua ambição hegemónica no Adriático, mas, pelo contrário, a tomada de consciência da sua incapacidade de ponderar o seu destino e de recolher os frutos de uma vitória doravante «mutilada». (…) À dependência económica face à Alemanha sucede o endividamento aos Anglo-Saxões. Não há esperança, mas sim falência de uma classe política incapaz de reunir a população em torno de um projecto de futuro coerente. (…) A Itália torna-se ingovernável. Aliás, sucedem-se cinco governos entre a vitória e a tomada do poder pelos fascistas [1922] ” 37
Os fascistas italianos tomam o poder, como foi referido, em 1922. Não o tomam, contudo, através de um uso inteligente das instituições democráticas (e das possibilidades que estas oferecem a qualquer “um” que ambicione chegar ao poder) – como o fizeram Adolf Hitler e os seus, cerca de 10 anos depois. Em vez disso, Mussolini e os fascistas italianos, os “Camisas Negras”, organizaram a famosa “Marcha sobre Roma”: mais de 50 mil militantes fascistas desfilam em Roma entre 27 e 29 de Outubro de 1922, numa “espécie de” golpe de estado no qual exigem que o rei de Itália, Vítor Emanuel III, conceda plenos poderes de
36 «A Itália saiu da guerra com mais de 700 000 mortos, cerca de 500 000 feridos e dívidas no valor de 1500 milhões de dólares da época aos Estados Unidos e de 2500 milhões à Grã-Bretanha. A situação laboral era também muito grave; um milhão de grevistas em 1919, mais de dois milhões no ano seguinte; esta situação era muito propícia para a explosão de atitudes radicais.» (Rodrigues, Fernando Carvalho [direcção]. ENCICLOPÉDIA DIDACTA – HISTÓRIA. F.G.P.: 1997, Lisboa. pág. 239) 37 Nouschi, Marc. O SÉCULO XX. Instituto Piaget: 1995, Lisboa. pág. 155
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governação a Mussolini. Tal acaba por acontecer, depois de os fascistas obterem a maioria parlamentar, ficando com soberania para fazerem o que bem entendessem.
Mas que tipo de poder é este? O que caracteriza o Fascismo? Para além daquilo que já foi referido anteriormente (o facto de os regimes fascistas
serem anti‐democratas, anti‐parlamentares, anti‐comunistas), o Fascismo define‐se, em termos gerais, por preconizar uma exaltação exacerbada da Nação, um primado do Estado, da comunidade (do grupo) sobre o indivíduo – estando isso traduzido na célebre máxima salazarista: “Tudo pela Nação, Nada contra a Nação!”. Outros regimes, como o alemão, também de cariz fortemente fascista, adoptaram uma visão racial da História: “Um Estado, que, na época do envenenamento das raças, se dedica a cultivar os seus melhores elementos
raciais, tem de um dia se tornar senhor do mundo”38. Por outro lado, o fascismo apresenta um
forte cariz autoritário, militarista, que apela ao expansionismo, ao domínio hegemónico: “A guerra é para um homem aquilo que a maternidade é para uma mulher”, afirmava Mussolini. Para alcançar estes fins, e subjugar todo um sistema social que se “rende”, a bem ou a mal, ao sistema político, esses mesmos sistemas políticos fascistas têm por hábito proceder a todo um enquadramento ideológico de massas; no qual o ensino e todas as instituições fundamentais da sociedade são manipuladas, estando submetidas a um rigoroso processo de controlo ideológico, directamente dirigido pelo Estado, de forma a alastrar e incutir na população, nas massas, o espírito político pretendido e defendido “com unhas e dentes” pelos governantes. A censura é instituída para esse mesmo fim. A propaganda política intensifica‐se mais do que nunca, tornando‐se uma grande arma ideológica dos regimes. Os opositores ao regime são ferozmente perseguidos, e muitas vezes eliminados sem qualquer piedade. Podemos assim dizer que o Fascismo, enquanto teoria política, pretende encarnar uma nova ordem social,
onde não há lugar para a mínima oposição39 que seja susceptível de perturbar a ordem
instituída, e onde os valores instituídos são submetidos a uma espécie de “sacralização divina” (do Estado) – «A Nação não se discute», dizia Oliveira Salazar.
Existem diversas definições/explicações/teorizações à volta do fascismo. Até porque existem, ou existiram, algumas diferenças cruciais de país para país. O grau de brutalidade, a maneira como a “filosofia fascista” foi aplicada de país para país, variou muito. Se, por exemplo, compararmos o regime nazi alemão, ou o regime italiano, com o Estado Novo em Portugal, notar‐lhes‐emos imensas diferenças práticas, apesar das inúmeras semelhanças ao nível da teoria. É costume, também, enquadrar os regimes fascistas de extrema‐direita na esfera do totalitarismo, onde também entram os regimes extremistas que diferem muito no que diz respeito à “teoria”, mas pouco ao nível da prática. Aqui incluiríamos regimes como o Estalinismo (na Rússia), o Japão Imperial, ou a China “comunista” de Mao Tse‐Tung, só para falar nos mais célebres exemplos totalitários que a História conheceu até hoje. 38 Hitler, Adolf. MEIN KAMPF (A Minha Luta) ‐ versão digital 39 A propósito desta questão, é interessante analisarmos um certo ponto de vista: “Uma total e visível submissão é a única resposta prudente ao poder totalitário. É manifesto que tal comportamento não ganha um respeito superior, mas qualquer outro comportamento só pode trazer problemas. Quando o poder está polarizado, como acontece nas sociedades hidráulicas, as relações humanas também se polarizam. Os que não têm controlo sobre o governo temem naturalmente poder ser esmagados em qualquer conflito com os superiores” (Mason, Paul T. O TOTALITARISMO. Delfos: 1981, Lisboa. pág. 101)
33
“Chegámos à conclusão de que a ditadura totalitária é historicamente típica e sui generis. Também concluímos de todos os factos verificados que as ditaduras totalitárias – fascistas e comunistas – são basicamente idênticas, ou, pelo menos, mais ligadas umas às outras do que qualquer outro sistema de governo.” (Carl Freidrich e Zbigniew Brzezinski) 40
“A expressão «sociedade totalitária» aplica-se com dois sentidos profundamente ligados, mas distintos. No primeiro sentido é conotada com um tipo de sociedade que envolve certas características, como a concentração do poder nas mãos de alguns indivíduos, a inexistência do de direitos do homem frente à colectividade e uma extensão ilimitada das funções do Estado, que se torna praticamente equivalente à sociedade. Mas são ainda possíveis outras combinações de características; por exemplo, o conjunto da natureza ideológica do Estado, do imperialismo e da organização dos homens atomizados” (N.S. Timasheff). 41
Centrando‐nos essencialmente no continente europeu, podemos pôr a seguinte questão: o que fizeram os regimes fascistas (que predominavam na Europa) para terem atingido os elevados índices de popularidade que, efectivamente, obtiveram? Em que medida conseguiram atenuar os efeitos, ou o impacto, da crise económica?
O regime nacional‐socialista (nazi) alemão, fortemente influenciado pelas ideias de Mussolini, foi um bom exemplo no que se refere a políticas de resolução, ou atenuação, dos efeitos avassaladores que a crise atingiu na Europa.
A nível mundial, a Alemanha foi um dos países mais afectados pela crise. A situação económica da Alemanha era caótica. Aquando da subida ao poder dos nacional‐socialistas, existiam 6 milhões de desempregados! Por outro lado, nessa altura a Alemanha havia pago apenas cerca de 1/8 das reparações de guerra que lhe foram exigidas pelo Tratado de Versalhes, após o final da Primeira Guerra Mundial, já para não falar de todas os outras implicações que o mesmo tratado acarretavam para a Alemanha. Com a crise que estalou em 1929, o cenário piorou ainda mais. Para pagar aquilo que lhe tinha sido exigido pagar, e para se reconstruir a si própria, a Alemanha havia ficado altamente dependente dos fundos económicos americanos, que financiavam grande parte dessa reconstrução.
De maneira a chamar a atenção das massas descontentes (e de maneira a garantir um apoio ou uma manutenção sustentável do seu próprio poder) uma das grandes preocupações de Hitler e dos nazis, antes e depois de ascender ao poder, foi reduzir as elevadas taxas de desemprego alemãs e, deste modo, corresponder a um dos grandes anseios do povo alemão. Com o emprego, viria o trabalho; com o trabalho, haveria produtividade; com a produtividade, viria a riqueza. Para suprimir o desemprego, sem ignorar a ideologia nacional‐socialista, Hitler reformulou todo o sistema militar: desprezando por completo as cláusulas de Versalhes, procedeu ao rearmamento e instituiu o serviço militar obrigatório, enchendo as fileiras do exército com alguns dos antigos milhões de desempregados.
40 in Mason, Paul T. O TOTALITARISMO. Delfos: 1981, Lisboa. pág. 25 41 Ibidem, pág. 29
34
“Ele [Hitler] teve a ideia genial de enfiar em fardas os excluídos e os desempregados. Com esta ideia de opereta, alcançou vários objectivos ao mesmo tempo. Os fardados recuperaram uma certa auto-estima e deixaram de se sentir isolados, passando a fazer parte de um grupo. Hitler evocou a famigerada vivência da frente de batalha e fez com que na imaginação a derrota deixasse de ter acontecido. Sugeriu aos burgueses a ordem de um exército por contraposição ao caos que temiam que viria da esquerda. Assim, ele pôde recomendar-se como força da ordem para alianças futuras. A estrutura de comando de um exército, que ele imitava, justificava a sua auto-estilização como chefe que exigia uma obediência absoluta”42
Hitler desprezava sistematicamente todas as imposições do Tratado de Versalhes, incutindo ao mesmo tempo esse desprezo na mentalidade do povo alemão. A verdade é que, para resolver a crise instalada no seio da Alemanha, “precisou” de ignorar as reparações de guerra exigidas à Alemanha por ser considerada “culpada” da Grande Guerra, precisou de ignorar todas as restrições militares e civis que também lhe foram impostas pelo Tratado de Versalhes. Dado esse passo, tudo se tornaria mais fácil no caminho em direcção ao desenvolvimento pleno do III Reich.
Economicamente, a Alemanha nazi e a sua economia vivem, desde o início, orientadas
para a guerra43 – e para uma política externa agressiva (o que em nada contradiz a ideologia
nacional‐socialista, que apelava ao expansionismo, à ocupação do «espaço vital»). As políticas de incentivo ao rearmamento e a remilitarização da Alemanha traduzem isso mesmo; assim como as imensas encenações histórias e as manipulações ideológicas, ambas fazendo questão de mostrar o passado glorioso bélico da Alemanha. No seguimento disto, Hitler procede à remilitarização de zonas que integravam o território alemão antes da Primeira Guerra Mundial, e que lhe foram retiradas pelos tratados de paz – a região dos Sudetas (na Checoslováquia), a Áustria, a Renânia.
Por fim, quando Hitler, a 1 de Setembro de 1939, inicia a ofensiva contra a Polónia (para, entre outras coisas, ocupar a região de Danzig, cujos habitantes eram maioritariamente de origem alemã), A Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha. Tinha acabado de estalar a Segunda Guerra Mundial, a maior carnificina de toda a história da humanidade, que só haveria de estender por 6 anos, provocando cerca de 50 milhões de mortos.
42 Schwanitz, Dietrich. CULTURA – TUDO O QUE É PRECISO SABER (4ª Edição). Dom Quixote: 2004, Lisboa. pág. 196 43 Dizia o ministro da propaganda alemão, Joseph Goebbels: “Vós não tendes manteiga. Mas tendes canhões e com canhões tereis manteiga!"
35
5. GRANDES MUDANÇAS NA VIDA ECONÓMICA, POLÍTICA E
SOCIAL DOS PAÍSES ATINGIDOS
As consequências a longo prazo da Grande Depressão foram bastante importantes no que consta à substituição de todos os cânones existentes até 1929. Entre elas podemos encontrar um crescimento no papel do Governo na economia, a chamada “revolução keynesiana”; e os esforços de países da América Latina, ou de alguns do terceiro mundo, para desenvolverem indústrias orientadas para a substituição das importações. Pelo lado negativo, a Depressão também contribuiu, através de toda a incerteza, miséria e sofrimento que provocou, a ascensão de movimentos políticos extremistas, tanto na esquerda como na direita, como o caso da Alemanha, que contribuiu para desencadear a II Guerra Mundial. Depois da Grande Depressão, houve a necessidade do governo intervir mais na escala económica. Se até então viviam‐se épocas de “laissez‐faire”, após o Crash viveram‐se tempos difíceis. Só a intervenção estatal, um Estado‐Providência (“welfare state”) atenuou esse período. No “welfare state”, os mercados passavam a dirigir as actividades especificas do dia‐a‐dia da vida económica, enquanto que os governos regulamentavam as condições sociais e proporcionavam as pensões de reforma, cuidados de saúde e outros aspectos de rede de segurança social.
Se até à Primeira Guerra a intervenção estatal era apenas feita em matérias legislativas e monetárias, com a crise a intervenção do estado passou a incluir mais matérias, alargando‐se a todas as esferas, designadamente:
• Mercado de trabalho – o recrutamento, a mobilidade de operários especializados, a melhor remuneração (aplicação do salário mínimo), o recurso à mão‐de‐obra feminina.
• Crédito e controlo dos preços – o crédito a longo prazo permitiu às indústrias investirem nas novas tecnologias, aumentando a sua produtividade. O controlo dos preços de certos artigos permitiria reduzir a interdependência do mercado multilateral.
• Maior intervenção estatal – todos os sectores passariam a trabalhar para um todo, não estariam dependentes mas sim, interdependentes, o estado asseguraria que a quebra de qualquer um dos sectores económicos pudesse ser complementada pelos outros.
O Estado passou a ter a capacidade de promover a equidade e a eficiência dos países, através das suas determinadas políticas. Com isso, o papel do governo ficou relacionado com a apropriação da responsabilidade de garantir aos seus cidadãos um certo grau de bem‐estar económico e, consequentemente, social. Daí a designação popularmente adoptada (por exemplo nos anos 60): a do Estado‐Providência ‐ que providencia o bem‐estar dos cidadãos.
36
6. BIBLIOGRAFIA ROTHERMUND, Dietmar. THE GLOBAL IMPACT OF THE GREAT DEPRESSION.Routledge: 1996, London and New York.
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CAROL, Anne e outros. RESUMO DE HISTÓRIA DO SÉCULO XX. Plátano Edições Técnicas: 1999, Lisboa
7. RECURSOS DIGITAIS
WIKIPEDIA ( www.wikipedia.org )
37
8. ANEXOS
Anexo nº 1
Períodos de alta e baixa de preços
Fig.1 Fig.2
38
Anexo nº2
Colapso económico 1929‐1932
Fig.1 índice de emprego
Fig.2 índice de rendimento per capita
Fig.3 índice de produção fabril
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Anexo nº3
Esquema cíclico da crise de 1929
Percentagem da produção norte‐americana em relação ao total mundial
Anexo nº4
Percentagem da produção norte‐americana em relação ao total mundial
1913 (em percentagem)
1925 (em percentagem)
Maquinaria 50 % 57,6 % Indústria electrotécnica 28,9 % 48,1 %
Carvão 42,5 % 44,7 % Petróleo 62,8 % 70,4 %
Ferro Fundido 40 % 49,1 % Aço 41,5 % 49,1 %
Alumínio 32,1 % 37,6 % Seda 5,7 % 27 %
40
Crescimento Económico dos Estados Unidos durante a época de prosperidade (1922‐1929)
Anos
Produção industrial
1936-1939=10
Preços 1926=100
Rendimento nacional
(biliões de dólares)
Rendimento nacional per capita (em dólares. de
1929)
1921 58 97,6 59,4 522
1922 73 96,7 60,7 553
1923 88 100,6 71,6 634
1924 82 98,1 72,1 633
1925 90 103,5 76 644
1926 96 100 81,6 678
1927 95 95,4 80,1 674
1928 99 96,7 81,7 676
1929 110 95,3 87,2 716
Anexo nº5
Crescimento económico dos Estados Unidos durante a época da prosperidade (1922‐1929)
Ane
Evolu
An
Ev
exo nº6
ução do PIB
nexo nº7
volução do P
B entre 1929
Ano
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
PIB no Cana
9 e 1939 na
PIB
Cana
91.6
77.0
66.5
59.6
64.5
67.1
67.5
71.8
69.7
72.4
adá.
s maiores p
adá
6
0
5
6
5
1
5
8
7
4
potenciais mmundiais
41